SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 2 de agosto de 2011

DA JANELA... (Crônica)

DA JANELA...

                                Rangel Alves da Costa*


Toda casa, barraco, apartamento, prédio de luxo ou tapera, sempre tem uma janela. Se numa residência a porta é para entrar e sair, a janela se constitui o contato estático com o mundo, de onde geralmente se avista as paisagens, as ruas, as pessoas, o mundo lá fora, sem ter que sair à porta e tropeçar no batente.
O local onde está assentada a janela é aquele que mais se visita e se admira numa casa. Não há uma só pessoa que não goste de estar ali, de passar por ela rapidamente, de abri-la todas as manhãs para abraçar o dia que surge. De tão importante que é, geralmente está presente em muitos lugares.
Por isso que janela fechada é sinal de tristeza, de angústia, de abandono, de vida trancada, de solidão. Parece bem estranho que numa manhã ou num dia de sol ela permaneça fechada. Preocupa ela estar assim porque a janela é a fronteira entre o dentro e o fora, o recolhimento e tudo que se espalha adiante. E a mão que chega e que abre faz nascer nos olhos um instante de felicidade.
A janela parece que foi feita pensando nas pessoas de mais idade, já calejadas da vida, que por dentro de casa colocam suas cadeiras de balanço bem ao lado da janela e ficam vendo o que se passa no outro lado, que vem e quem passa, o conhecido e o desconhecido. E dela mirando as paisagens, relembrando cenários, momentos passados, revivendo pessoas, levando o lenço aos olhos para enxugar uma lágrima.
Mas a janela também é caminho e passagem, de chegada e saída, para aqueles que têm medo ou vergonha de enfrentar a porta para praticar certas ações furtivas. Cúmplice que só ela mesma, aceita passivamente que seja aberta tarde da noite, às escondidas, para os amantes entrarem nos quartos, nas alcovas, nos locais de fornicação. Por ali também saem as pessoas com as melhores intenções do mundo, mas que a porta da frente ou dos fundos poderia confessar seus misteriosos segredos.
A mocinha se põe na janela a mirar o horizonte, passear nas nuvens, sonhar com namorados e outros encantos; o rapazinho faz dela uma porta assim que chega o anoitecer; por ela entra o namorado ligeiro; pula feito lebre o amante afoito; desce quem tem algo a esconder; e se for bem lá no alto, num décimo andar qualquer, joga-se a carta lá dentro e salta por ela, loucamente, para retornar ao pó.
A moringa dorme no umbral da janela a noite inteirinha. Na manhã, a água fresca e saborosa, dá lugar aos jarros de plantas, aos cotovelos que se põem a tomar notícia da vida. Os curiosos passam sempre bem diante da janela que é pra olhar pra dentro de casa e observar se há alguma errada ou se o dono comprou algum objeto novo. Se comprou, logo caminha até outra janela para contar o ocorrido e dizer muito mais, até o que não pôde ver.
Mas da janela, depois de ouvir o apito, avista-se o trem dobrando o pé da serra para chegar à estação. Quem vai e quem chega, os adeuses e os lenços acenando na despedida, tudo é avistado através da janela. E ela diz que o horizonte naquele dia está mais distante, que os passarinhos em revoada passaram mais cedo, que a roupa já secou no varal e as folhagens adiante estão farfalhando muito porque vai chover.
Da janela se vê uma estrada que começa na porta da frente e vai se perdendo sem fim, depois de virar à esquerda e entrar num talvez. Qualquer dia a janela será trancada porque há essa estrada e ela sempre diz que é preciso andar para conhecer o mundo, a vida, outras pessoas e outras janelas.
Da janela se vê o mato crescendo, as plantas ressequidas no jardim abandonado, as folhas mortas por cima do banquinho de conversar com lua, as cordas corroídas do velho balanço e a velha cadeira de balanço ali esquecida remansando de um lado a outro, numa solidão de fazer entristecer e chorar. E chegam o vento e a ventania e tudo se move e balança mais forte porque tudo já é abandono, desolação que só vê e sente a janela.
E tudo porque esqueceram de fechá-la. Foram embora, saíram mundo afora e esqueceram de fechá-la. Talvez o último que morreu tenha esquecido de fechá-la antes de morrer. Dizem que nas tardes mais tristes um vulto é avistado ali na janela. É melhor eu fechar a janela.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com     



Nenhum comentário: