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sábado, 20 de agosto de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 5 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 5

                                         Rangel Alves da Costa*


As duas choravam copiosamente, abraçadas mesmo sentadas, reconfortando-se mutuamente. A secretária, que não conseguiu deixar de ouvir grande parte dos relatos, levantou de onde estava e se dirigiu perante as duas mães. Passando a mão carinhosamente no ombro de cada uma, buscou as palavras mais apropriadas para se expressar, porém sabendo não ser tarefa fácil de conseguir:
“Calma, calma, procurem tranqüilizar, não fiquem assim não. Dificilmente as pessoas entram por aquela porta que não tenham nenhum problema. Sei que é tudo muito difícil, pois ocorrem situações que afrontam nossos sentimentos e colocam de prova a nossa fé, mas tudo será devidamente resolvido, sempre com o amparo divino. Dr. Auto está atento para o problema de seus filhos e ele mesmo me falou que não vai sossegar enquanto não mostrar aos homens que fazem a justiça a grande injustiça em que eles estão incorrendo”.
Então Dona Glorita procurou respirar com mais alívio e falou:
“Desculpe se o que a gente conversou aqui deu pra você ouvir dali, mas é que tem coisas que dá até vontade de gritar, sair por aí pelo mundo gritando o quanto há de errado desde a delegacia até a porta de um tribunal de justiça. Eu fico me perguntando, meu Senhor, se esses homens não possuem Deus no coração, não têm fé, não tem família, não oram, não vão a uma igreja, jamais leram a bíblia, não creem nos castigos divinos? Será que elas não temem pela sorte e não sabem que o que se faz aqui é por aqui mesmo que é tudo pago, devidamente pago, na carne, na pele, no coração, em todos os sentimentos? Como é que mais tarde uma pessoa dessas, desesperada com uma coisa ruim que aconteça, vai poder se ajoelhar para pedir ajuda divina?”.
E Dona Leontina acrescentou:
“É mermo mia filha, é mermo. A sabedoria do povo bem diz que quem semeia vento colhe tempestade, quem espalha maldade só vai colher o pior, quem faz injustiça será injustiçado na merma medida do seu erro. Esses homem da polícia e da justiça que só pensa em perseguir e fazer o mal devia saber que o pecado deles é muito mai grave que o pecado das pessoa comum, poi eles tem a responsabilidade de fazer uma coisa, que é proteger a sociedade e dar a cada um seu direito, mai faz exatamente o crontaro. Porque faz assim tem um pecado muito maior e depois, numa hora de precisão, não sabe mai nem que existe um Deus que é o pai de todos os aflitos, o pai de todos nós...”.
Todas tinham razão, plena razão, mas caberia dizer ainda mais sobre determinadas autoridades existentes, pensou a mocinha, porém não quis prolongar a conversa neste aspecto. Como somente as duas clientes estavam na sala neste momento, resolveu então trazer uma cadeira e colocou diante delas, onde sentou e falou:
“Meu nome é Carmen Lúcia, trabalho aqui como secretária e também estagiária com o Dr. Auto Valente, pois também sou estudante de direito e prestes a me formar, faltando pouca coisa. Contudo, digo de antemão que a nossa conversa aqui é como se fosse de amiga pra amiga, e por isso mesmo peço que não comentem nada com o advogado sobre o que a gente tratar. Mas quero que me confirmem somente uma coisa...”.
E foi interrompida por Leontina para dizer que podia confiar plenamente nela, pois era mulher de não gostar de andar com conversinha pra cima e pra baixo. O mesmo foi confirmado por Glorita, acrescentando o quanto era bom ter uma pessoa tão boa quanto ela, e quase advogada, que pudessem confiar e dizer tudo que tinham vontade, pois muitas vezes ficava até receosa diante do advogado.
A mocinha agradeceu a confiança e reafirmou que estaria sempre ao dispor para o que precisassem, e disse mais:
“Como eu estava dizendo, não pude deixar de ouvir vocês conversando tão aflitivamente. A senhora, que é mãe de Jozué, disse que ele foi preso, apanhou da polícia e ainda continua na cadeia e prestes a ser sentenciado e transferido para uma penitenciária somente porque foi confundido com uma outra pessoa, o verdadeiro marginal, um indivíduo que possui o nome parecido com o do seu filho, mas é diferente porque o seu filho é Jozué com “zê” e o outro é Josué com “ésse”, não foi isso mesmo?”.
E Leontina confirmou com a cabeça, pois já estava tomada de choro novamente. Voltando-se para Glorita, prosseguiu Carmen Lúcia:
“Quanto ao seu filho, pelo que pude entender ele está sendo perseguido, foi e continua preso, e também em vias de ser sentenciado, acusado de ser um grande traficante de drogas e perigoso assaltante. Mas tudo isso por causa de uma armação conduzida pela família poderosa da menina que gostava dele, principalmente por ele ser humilde, de família pobre. Usando dos poderes que tem, a família comprou parte da polícia para preparar o flagrante, torturar e colher provas falsas sobre a sua culpa e agora, pela influência que tem também na justiça, impede que nada seja concedido a favor dele. Não é isso mesmo?”.
A mesma confirmação e o mesmo choro, e também as mesmas palavras da mocinha para que se acalmassem, pois tinha uma coisa boa para dizer:
“É realmente uma situação difícil, mas sei que o Dr. Auto está plenamente empenhado em resolver a situação de seus filhos. Não posso falar sobre o que ele está fazendo ou o que pensa em fazer porque não tenho competência para tal, e até seria falta de ética de minha parte estar dando opinião sobre o trabalho de um advogado reconhecidamente competente como é o doutor. Mas tenham certeza que vou procurar ajudar vocês naquilo que for preciso, mas pedindo apenas que não comentem nada disso ao Dr. Auto. E a primeira coisa que vou fazer é redigir uma peça informativa, um relatório sobre o ocorrido e o andamento dos processos diretamente para a Corte Internacional de Direitos Humanos, um órgão muito importante que pode se interessar pela resolução do caso de vocês. E por que vou logo me dirigir a tão importante órgão que fica no exterior. Ora, minhas amigas, simplesmente porque muitas vezes nem Brasília é confiável”.

                                                   continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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