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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 20 de agosto de 2011

SOBRE PESSOAS E MONSTROS (Crônica)

SOBRE PESSOAS E MONSTROS

                                       Rangel Alves da Costa*


Existem coisas que certas pessoas ouvem e parece que entendem algo totalmente diferente, sem nada a ver nem com a realidade nem com o espírito das palavras. Se entendem e desnorteiam porque querem, por mero capricho ou vaidade, então depois não reclamem, não falem em discriminação ou não digam que não entendem o seu jeito de ser.
Quando se comenta que é bonito ver pessoas mais adultas ou envelhecidas com espírito de jovens, que dá alegria encontrar indivíduos de mais idade com encorajamento e disposição dos jovens, que é sempre agradável conviver com adultos que pensam e agem como se a idade não lhes tivessem afetado, não significa o que muitos andam confundindo por aí.
Existem muitas senhoras, já avós ou coisas mais, que parecem não possuir mais um corpo, mas apenas partes estanques que podem ser montadas e desmontadas. Tudo aquilo que carregam sobre os esqueletos parece que há muito se desintegrou e vai sendo juntado segundo a conveniência. De repente, vai vestir uma calça de malha apertada, então pega um enchimento de bunda no guarda roupa.
Nesse baú desconjuntado, de andar mumificado, porém saltitante e encoberto por roupinhas apertadas e brilhosas, o que se vê é uma vontade descomunal de ser o que não pode mais, de fazer o que já não consegue, de inverter a ordem da vida e remoçar através da velhice. Tanto senhores como senhoras parecem não mais se olhar no espelho e vão botando por cima do corpo tudo aquilo que lhes tire a verdadeira feição e identidade.
É como se fosse uma casa velha, caindo aos pedaços por dentro, mas de aparência irretocável por fora, ainda que não suporte uma chuva ou ventania mais forte para tudo ir desabando, caindo aos pedaços. Mas que coisa ridícula, apenas a aparência sem que o respeito próprio seja o endereço mais firme e consistente. O pior é que ninguém pode chamar à porta porque é capaz de desandar a casa com peruca, prótese, enchimento, acessórios, pelancas e tudo mais.
E lá dentro, nessa casa que abdicou de ser apenas a moradia de um corpo, habita uma ilusão que não acaba mais e tenta expulsar a todo custo o restante dos sentimentos existentes no corpo já combalido pela idade, que sente as dores e os tremores de muitos anos de estrada. O que resta do morador original fica invisível, e tudo porque este seria o único capaz de compreender os passos da vida, as consequencias da idade e os limites por ela impostos.
 Como esse novo inquilino de um mundo que não é seu e insiste em fazer moradia num corpo que sempre aparenta o que verdadeiramente não é, então cada membro, cada parte do corpo se divide em compartilhamentos para armazenar as vaidades, os orgulhos, as pretensões, as ambições, tudo aquilo que não deveria existir numa pessoa de idade já avançada. E então a porta se abre para o ridículo, o absurdo, a negação de si próprio.
Ali, uma caixa com enchimentos importados para a bunda, acolá as caixas contendo variadas perucas, cílios e bigodes postiços, tintas e vernizes para a os cabelos e a pele, mais adiante a prateleira repleta de cremes, colas, resinas, pós, milagres de todas as cores e ainda moldes de plásticos para colocar nos lados da boca e proporcionar uma aparência de firmeza na pele.
Botox por cima de botox fez com que o rosto se torne inflado e a pessoa passe a viver eternamente soprando bolinha de aniversário. As sobrancelhas subiram e tomaram o lugar dos cabelos, que estranhamente descem duros e enegrecidos pelos lados, e precisamente para encobrir as orelhas que já estão perto da parte detrás do pescoço. Tudo puxado, repuxado, forçosamente curtido feito couro de bicho. Numa pessoa isso possui uma consequencia terrível, tétrica, patética.
Os olhos, tão bonitos que eram antes, saíram de sua posição correta, afastaram-se do nariz e de tão repuxados viraram na vertical. Quando a pessoa fala parece que está produzindo a coisa mais traumática do mundo, pois se retorce toda, dolorosamente repuxa pelos lados e depois os lábios endurecidos, recortados ou modificados, se negam a obedecer. É a coisa mais feia do mundo. E mais ridículo ainda quando se sabe que a pessoa se submete a isso para fugir ou negar a idade que tem.
E quando a pessoa pensa estar andando tranquilamente pela rua, abafando pelo corpo e o aspecto jovial que tem, de tão endurecido é o compasso do andar que o autêntico velho logo comenta com o outro que é a primeira vez que vê Frankenstein em pessoa.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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