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terça-feira, 2 de agosto de 2011

TEMPESTADE - 85 (Conto)

TEMPESTADE – 85

                          Rangel Alves da Costa*


O clima tempestuoso já estava gerando transtornos insuperáveis, não só por provocar perdas materiais e humanas, mas também porque deixava as pessoas ilhadas, sem ter comunicação alguma com seus familiares e amigos que estivessem até numa casa na mesma rua.
Aqueles cujos filhos, irmãos ou esposos haviam saído de casa antes da tempestade chegar, permaneciam num dilema terrível, com preocupações de todos os tipos e, diante da situação, só imaginando o pior. Não poderia ser diferente. Realmente ninguém esperava que um parente batesse à porta a qualquer instante com um sorriso atravessando a cara. Muito pelo contrário.
Com a avó de Tristão e a mãe de Suniá não era diferente, acrescentando-se o fato de que pressentimentos ruins, assombrações e miragens, se achegaram para tornar aquele sofrimento pela falta de notícias em um pesadelo ainda maior. Tanto uma como outra, sem saber do que realmente se passava com eles, já haviam até rezado pelas suas almas.
Ora, a mãe da professorinha estava certa, com a certeza das pessoas humildes e sérias, que havia visto a mocinha como uma alma vagando pela sala, se despedindo baixinho da família, dizendo que o trem da morte já estava de partida e ela era passageira. Aquela visão só podia ser a confirmação de que ela havia morrido.
Não foram muito diferentes as visões da avó de Tristão. Ele havia chegado no vento e entrado pela janela no corpo de um anjo, de um lindo anjo, mas um ser angelical que vinha anunciar a própria morte. Falou sobre sua partida e ela não quis acreditar. A confiança em Deus era muito mais forte do que a própria morte do neto. Mas até mesma as razões da fé se tornavam difíceis diante da mensagem pessoal.
As duas, tanto a avó do seminarista como a mãe da professorinha, choraram sua dor, lastrearam o seu pranto com mil agonias, mas enfim se apegaram na fé para vencer essa terrível batalha. Colocaram em suas mentes, na força dos seus pensamentos que eles não haviam morrido e pronto. E o destino do olhar, do coração e da fé, passou a ser somente a imagem do Senhor, os santos no oratório, as velas tantas vezes acesas, as preces, as rezas, as orações, as promessas.
Contudo, os mistérios da vida e da morte são tantos que talvez elas pudessem ter razão quando, diante daquelas aparições e palavras de despedida, tivessem realmente imaginado a partida inesperada dos dois. Não sabiam da doença surgida repentinamente, da febre abrasadora, dos corpos praticamente em chamas, dos delírios, de nada, mas apenas pelas aparições. Se soubessem da doença, as aparições não restariam mais duvidosas. Porém, eis que a escrita do destino ainda não tinha sido lida.
E não havia sido lida porque a morte realmente os havia alcançado. No momento mais dramático do sofrimento e da doença haviam morrido para este mundo, mas não para os céus, para a aceitação divina. Os corpos dos dois morreram em determinado instante, num dado momento da dor. A escuridão impediu que aqueles que estavam ao redor percebessem com atenção. Contudo, morreram para a terra, mas não como desígnio divino.
Por isso mesmo é que Teté ouviu aquela voz no quintal de sua casa, num instante em que tinha ido até lá para colher as ervas medicinais:
“Eu sou o milagre, eu estou nessas ervas, estarei no remédio e muito mais na cura. A sua amiga professorinha vai morrer. Ninguém saberá, ninguém perceberá, mas ela vai morrer. Enquanto todos pensarem que ela ainda está agonizante já estará morta. Mas você tem o milagre em suas mãos. Renascer depois de haver morrido é ou não um milagre? Então, quem sou eu para lhe permitir esse milagre?”.
Então, a morte terrena recebeu novamente a vida através das ervas medicinais, das mãos do maluquinho e da sabedoria ancestral da Velha Sinhá. Daí mais um motivo para se ter a certeza da prevalência das coisas do céu, da vontade divina, do que os meros acontecimentos terrenos. Tudo que há na terra nada será sem o desejo de Deus, assim é e assim será. Tudo isso estava provado na morte e ressurreição daquelas duas criaturas.
Mas quando age para que os desígnios e sua vontade prevaleçam, a força divina já o faz com a certeza das consequencias desse ato de permissão. Manter os dois sobre a vida terrena seria também ter que obedecer a outro desígnio, o do amor. Esse amor seria logicamente uma dádiva divina e com todas as bençãos, se não fosse o impedimento religioso dele.
Então seria de se indagar se um jovem que já vive em devotamento, estudando os mandamentos divinos, para mais tarde ser um semeador da palavra do senhor, um religioso de celebrar missa e confessar, não estaria confrontando a vocação divina, abdicando da vida sacerdotal, para se entregar ao amor carnal de uma mulher?

                                               continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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