SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

TEMPESTADE - 91 (Conto)

TEMPESTADE – 91

                          Rangel Alves da Costa*


Totalmente desesperada, mas ao mesmo tempo decidida como estava, De Lourdes nem se intimidou com a repentina chegada da mãe e a pergunta feita. Ainda de joelhos, com as mãos na cabeça, continuou, agora voltada para Sinhá Culó:
“Mãe, será que eu vou morrer sem beijar um homem, sem beijar muito a boca de um homem, de qualquer homem, de qualquer um, bastando que seja homem e tenha uma boca e queira me beijar? Mãe, me ajude pelo amor de Deus, me ajude, reze por mim, faça promessa, faça a promessa mais difícil do mundo que eu mesma pago, mas faça alguma coisa pra que esse viúvo se engrace por mim e me queira. Esse viúvo caiu do ceu, mãe, e ele depois não pode ficar sozinho ainda tão novo. Faça promessa, mãe, reze bem forte pra ele ficar comigo e me beijar muito...”.
A velha mãe da solteirona ficou sem ação, pasma com o que estava vendo e ouvindo, até sem ter ação pra falar, mas enfim conseguiu que dizer alguma coisa:
“Se alevante daí agorinha mermo, destrambeiada, desajuizada. Agora quem já se viu querer pruque quer um home casado? Saiba que aquele ali ainda é casado e a muié dele tá bem ali tomem e só vai ficar viúvo quano ela tiver enterrada. E quem já se viu se apaixonar desse jeito, querer um homem a todo custo desse jeito? Se alevante, ou mió, fique aí mermo e agora reze pedino perdão a Deus por essa bestera, pelo pensamento ruim. Saiba que o que vosmicê fez é pecado mortal viu, o home velano a defunta e vosmicê tirano a roupa dele”.
Após dizer metade do que pretendia à filha, já ia dando meia volta para sair do quarto quando resolveu ter uma conversa mais apurada com ela. Pediu pra que levantasse e sentasse na beirada da cama, e sem se importar com a presença de Manuela, arrastou um banquinho e se pôs a falar, agora noutro tom, num tom de mãe que compreende a filha em seu desespero:
“Minha fia De Lourdes, enteno muito bem o seu desespero, mai num vamo nem falar sobre o que lhe faz farta. Mai agora mermo só posso dizer que deixe tudo acontecer. Deixe a tempestade passar, esse tempo todo ir simbora, a mulher ser enterrada e o home chorar o quanto ainda ele quiser chorar, botar o luto que ele quiser botar, e adespoi ele decide o que vai querer da vida, se vai querer arrumar outra muié ou não. Mai se o destino for pa que ele se engrace de vosmicê, nem se avexe que tudo dá certo. Vosmicê aina tá nova, bonita, prendada e vai ser uma boa dona de casa, o pobema é cuma eu digo, tem que esperar, poi num se deve botar as mão pelos pé. Se mais tarde acontecer dele se agradar de viosmicê entonce num tem pobema, poi como mãe já dou minha benção e seu pai num há de querer achar ruim”.
E De Lourdes abraçou a mãe e quase inunda a velha inteirinha de tantas lágrimas. As três ainda estavam no quarto quando o velho Timbé bateu na porta chamando a esposa. E esta levantou, alquebrada, e saiu do quarto junto com as outras duas, para ouvirem uma surpresa lá fora:
“Inda agorinha fui olhar como ia o tempo por uma fresta e vosmicês num sabe a estranheza que vi lá no alto, alumiada pelos clarão dos relampos. Num me chame de doido nem de gagá, mai vi um passarinho passando avoando cuma em passeio. E isso, minha gente, é siná de que a tempestade num vai demorar muito pra ir simbora. Só me lembro daquela história do passarinho que avoou avisano a Noé que o dilúvio já tava acabado. Bem assim vai ser aqui. Esse passarinho num ia tá avoando desse jeito, debaixo de um tempo desse, se num fosse pra mostrar arguma coisa. Nos tempo lá da roça a gente dizia que quando passarinho começa a avoar é pruque tempo ruim foi simbora. E aqui vai ser assim tomem, cum a ajuda de Deus...”.
Ainda falava quando foi interrompido por um barulho na porta, alguém estava batendo, e com força, não tinham dúvidas. “Já vai Teté, e deixe de barulhar tanto assim. Menino que mermo num tempo desse num se aquieta de jeito nenhum, fica daqui par lá, de lá pra cá. Se acarme que a porta já vai ser aberta”. Sinhá Culó tinha certeza que era o filho mais uma vez ali, e talvez para dar mais trabalho. E pediu ao velho esposo que fosse até lá acudir o filho.
Contudo, assim que a porta foi aberta e uma pessoa entrou apressada, extasiada, nervosa demais, logo perceberam não se tratar do maluquinho, mas sim do marido fugitivo de Manuela, aquele mesmo que abandonou a esposa e a filhinha para viver com uma quenga novinha de cabaré.
Assim que enxergou o homem e nele reconheceu o pai, a menina Marilda correu-lhe para os braços. Manuela nem enxergou direito e, tomada de susto e demasiado espanto, caiu de vez que não deu nem tempo de ninguém ampará-la no desmaio. Igualzinha a jaca que cai de vez lá do alto e se esparrama pelo chão, assim a mulher desabou feito uma trouxa de pano. E o pior que sem respirar, sem dar sinal de vida.
Foi preciso que o viúvo, para desespero e ciúmes de De Lourdes, levantasse ela nos braços e a levasse até o quintal, onde ficou por uns três minutos debaixo da chuva para voltar a si. Como já conhecia o esposo da Manuela, os donos da casa não puderam fazer nada a não ser mandar que sentasse e esperasse até a mulher melhorar.
Preferindo ficar em pé, pois estava todo ensopado e enlameado, prestou as devidas considerações ao viúvo e a Tiquinho e depois disse que já tinha conhecimento do acontecido com a casa, vez que havia passado por lá, e resolveu ir até ali porque sabia que era o único lugar onde a mulher poderia estar. Tendo a filhinha ao lado, ainda falava quando viu a esposa despontar de lá de dentro feito um furacão:
“Seu safado, seu imprestável, seu vagabundo...”. E esculhambou com o homem de tudo que não prestava, fazia menções de avançar para bater-lhe na cara, xingou, esperneou, e depois começo a chorar. Chorou por uns dois minutos e depois correu para os braços dele e se firmou num longo e apertado abraço.
“Por que, por que, seu safado, por que fez isso comigo?”. E nem sobre a casa falou.

                                                    continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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