SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 15 de agosto de 2011

TEMPESTADE - Final (Conto)

TEMPESTADE – Final

                          Rangel Alves da Costa*


Assim que chegaram defronte à casa da família da professorinha, primeiro perceberam a mãe da mocinha abrindo a porta e saindo com uma mala à mão, e em seguida ela apareceu com um véu na cabeça e carregando alguns pertences. Já estava de viagem, não haveria como pensar diferente.
Os três, Tristão, Murilinho e Teté não disseram nada nesse momento, apenas ficaram assustados com aquela movimentação de partida e acharam que haviam chegado tarde demais. Contudo, assim que a mãe avistou o seminarista em frente, e sem saber do que realmente se tratava, pois jamais soube um tiquinho assim que os dois nutriam um amor tão forte, parou e pediu para o rapaz se aproximar, dizendo:
“Mas que grande consideração com minha filha, seminarista Tristão. Com certeza alguma abelha soprou no seu ouvido que ela está de partida para o convento, não foi mesmo? Assim quanto você, que nasceu com uma alma tão boa e pura para servir a Deus, ela também ouviu essa voz e resolveu partir sem demora. Se aproximem e venham desejar boa sorte a ela, pois em seguida partiremos. Vou levá-la até a estação de trem de Milagres e de lá ela seguirá nos passos de Deus”.
“E agora, Teté, o que faço?”, perguntou o aflito rapaz. “Vá, chame ela num lugar que a mãe não ouça e diga rapidamente tudo o que sente. O resto deixe comigo”. E subiram os degraus da casa, encontrando a mocinha ainda de cabeça baixa, quase sem nenhuma visão do seu rosto.
A simples percepção da chegada ali do seu grande amor já havia deixado Suniá completamente transtornada. No seu íntimo gritava, chorava, se punia por não ter conseguido ao menos beijar um dia o homem que tanto amava. Também ele não podia ser beijado, iria ser padre. Ainda pensava assim, sem saber da decisão tomada pelo rapaz.
A mãe e a filha entraram novamente na casa por um instante e o seminarista seguiu atrás. Ela sentou diante dele de cabeça baixa, coberta pelo véu, e num instante que a mãe disse que ia preparar um cafezinho sentiu o toque do dedo dele no seu queixo, erguendo sua face. Em seguida, a mão de Tristão afastou levemente o leve tecido de seda dos olhos, fixou neles seu olhar e disse:
“Só vim te dizer que te amo demais. Decidi abandonar o seminário e a preparação para o sacerdócio exatamente porque não podia mais pensar noutra coisa senão em ti. Mas já que decidiu partir para um convento que tenha boa sorte, seja firme no seu propósito, os caminhos que levam a Deus são sempre as melhores escolhas. Boa viagem, mas guarde sempre a certeza que jamais te esquecerei”.
No mesmo instante ela quis afirmar que o amava também, amava demais e que aquela decisão havia sido tomada exatamente por não suportar mais conviver com esse amor tido como impossível. Mas simplesmente baixou novamente a cabeça e chorou por debaixo do véu. Uma lágrima apenas, mas que inundaria o mundo se naquele momento levantasse para dizer o que sentia. Permaneceu em silêncio.
Assim que a mãe serviu o café retornaram à frente da casa e o seminarista fez as últimas despedidas. Já iam saindo quando o maluquinho gritou dizendo que não podia deixar a professorinha partir sem dar um grande abraço na grande amiga. E foi um abraço tão demorado o suficiente para ele segredar-lhe ao ouvido.
Não sabe por que, mas repentinamente mais contente ela até acenou quando os três se afastaram. Murilinho e principalmente Tristão estavam visivelmente desconsolados por não terem conseguido impedir a partida da professorinha. Mas assim que viraram a esquina Teté mandou que parassem e ouvissem o que ele tinha a dizer.
“Você faria tudo na vida para ficar ao lado de seu grande amor?”. E ele respondeu que sim, mas sem saber realmente onde o outro queria chegar. Mas este continuou:
“Então corra, vá se despedir de sua avó, dizer a ela que vai viajar por um bom tempo, depois arrume suas coisas e se apresse para tomar o mesmo trem na cidade de Milagres, mas sem que a mãe da professorinha perceba. E ao embarcar, ao invés de ir para o convento ela tomará a direção dos seus braços. E depois é vocês que farão o restante dessa história”.
Foi exatamente assim que tudo ocorreu. Quando o trem apitou dando sinal de partida, eles começaram a se procurar pelos vagões. Um forte abraço selou o destino. E a cada curva nos trilhos os dois corriam juntos rumo à felicidade.
Um pouco mais tarde Teté voltou à montanha e de braços abertos agradeceu por aquele sol, por aquela vida que se renovava, por um novo dia. Agradeceu a Deus por tudo e pediu também que sua irmã De Lourdes ainda tivesse tempo de lhe dar um sobrinho. Se fosse homem ia exigir que o nome fosse Tristão, e Suniá, se mulher.


FIM





Poeta e cronista
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