SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 3 de agosto de 2014

PALAVRAS SILENCIOSAS – 689


Rangel Alves da Costa*


“Há indiscutível verdade...”.
“Há incontestável lição...”.
“Mas no tempo novo...”.
“Diante de tudo que brota ao redor...”.
“Será preciso reescrever o Eclesiastes...”.
“Sim, aquele livro bíblico...”.
“De tanta e suma sabedoria...”.
“Será preciso ir além...”.
“Do ser e não ser...”.
“Da face e da feição...”.
“Do verso e do anverso...”.
“Para possibilitar novas conquistas...”.
“Naquilo que de melhor houver...”.
“E assim...”.
“Sentir que depois da manhã vem a noite...”.
“Mas não pensar na noite...”.
“E viver a manhã a cada segundo...”.
“A cada instante, a cada sopro de vida...”.
“E já que depois da vida vem a morte...”.
“Que a morte seja esquecida...”.
“E somente a vida a ser vivida...”.
“Entusiástica e esplendorosamente vivida...”.
“Cantada, festejada, reverenciada...”.
“Contagiando a alma e o espírito...”.
“Sei que está certo o Eclesiastes...”.
“Mas nas suas palavras...”.
“Quase não há tempo para a intensidade...”.
“Para a completa realização...”.
“Para a inteira busca da felicidade...”.
“Eis que no melhor chega a outra feição...”.
“Eis que no auge se espera o declínio...”.
“E assim a vida sempre espera acontecer...”.
“E o que acontecerá sempre será oposto ao momento...”.
“Causando desencorajamento e desesperança...”.
“E assim, com perdão ao Eclesiastes...”.
“Mas será preciso fazer muito mais...”.
“Encontrar no positivo muito além do esperado...”.
“Não se contentar com o grão...”.
“Não se contentar apenas com a vida...”.
“Não se contentar apenas com o alvorecer...”.
“Não se contentar apenas com a brisa perfumada...”.
“Sim, ter contentamento...”.
“Mas querer muito mais...”.
“Eis que há muito escondido debaixo do sol...”.
“Eis que haveremos de encontrar o novo....”.
“E jamais viver o conformismo...”.
“Que tudo é destino e predestinação...”.
“Pois a vida é renascimento...”.
“Daquilo que já existe e mais existirá...”.
“Eis que o Livro da Vida...”.
“Também pode ser escrito pelo homem...”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

sábado, 2 de agosto de 2014

USOS E DESUSOS: GESTAÇÃO E EXTINÇÃO DE COSTUMES E TRADIÇÕES


Rangel Alves da Costa*


Os dias são outros, seu moço. Tudo diferente, tudo mudado, tudo transformado. A voraz borracha do tempo vai apagando muito daquilo que ficou para trás, a chama feroz do modismo vai destruindo tudo que se tenha como velho, ultrapassado, sem serventia. As manifestações próprias de um povo, com seus costumes, hábitos e tradições, nem sempre são preservadas com abnegação suficiente pelas comunidades e acabam sendo devoradas pelos ritos passageiros de uma modernidade que não sabe o que quer.
Em muitas situações, a tendência é que apenas os livros registrem as memórias culturais, as crenças e as singelas manifestações dos grupos sociais. Do mesmo modo que as comunidades familiares nas regiões mais distantes e escondidas vão perdendo seu sentido perante as novas gerações, bem assim seus afazeres e usos. E sabido é que dentro desses grupos foram sendo gestados rituais, folguedos e tradições, que somente com a preservação pelas novas gerações serão capazes de subsistir com a mesma vivacidade da gestação.
Mas não é tarefa fácil conservar as manifestações culturais das comunidades, dos povos, das regiões. Aos poucos novos ingredientes e elementos vão sendo acrescidos e que, se não houver o devido cuidado, acabam dando uma feição totalmente diferente ao que foi criado noutro sentido. Noutras situações ainda é pior, vez que o desinteresse da própria comunidade vai tornando sua criação em desuso até sua extinção. E com o desaparecimento daquilo tão importante noutras realidades, somente na memória será preservado o retrato identificador das manifestações de cada comunidade.
Não existir mais na forma de antigamente ou não ser mais utilizado com noutros tempos se fazia, não significa, contudo, que tenha perdido sua validade. Situações e realidades existem que igualmente aos costumes e tradições apenas arrefecem sem deixar de existir ou perder seu caráter de continuidade. Mas neste caso será preciso resgatá-los para que não haja extinção. Buscando um exemplo, os folguedos tão rotineiros nos grupos sociais de outros tempos, ao passar dos anos foram rareando de tal modo que tiveram de alcançar o status de folclore para não ser esquecidos. É o caráter de folclórico que impulsiona o seu resgate e preservação.
Tem-se, assim, que muitas vezes é preciso forjar a preservação sob pena de as manifestações culturais de gerações acabem sendo engolidas pelos modismos. Ou se busca na raiz ou não se terá o seu fruto. Por outro lado, não seria errôneo afirmar que as roupagens impostas às antigas tradições acabam retirando suas feições peculiares e até mesmo lhes dando um caráter apenas simbólico. O que fizeram com a quadrilha matuta é um claro exemplo de que apenas no nome a tradição permanece. De resto é escola de samba, e da pior qualidade.
Reconheça-se também que nem sempre há garantia que uma manifestação própria de uma comunidade seja preservada pelos seus próprios indivíduos. Por trás das caras pintadas, das vestimentas e adereços típicos estão pessoas que nem sempre fazem parte das comunidades ou que não possuem nenhum vínculo com os antepassados que geraram aquela tradição cultural. E assim acontece porque as pessoas das comunidades não são incentivadas ou esclarecidas acerca da importância da preservação de suas raízes culturais. Então, através de outras pessoas, reinventa-se para que tudo não se perca pelo esquecimento.
Diante da possibilidade de desaparecimento pelo desinteresse ou esquecimento, será preciso uma iniciativa exterior de reconhecimento e de preservação daquela tradição. Reconhecer o perigo de extinção e lhe proporcionar um caráter de bem histórico e cultural é o primeiro passo para sua valorização no contexto do folclore. E, como tal, acobertado de iniciativas que lhe permitam continuidade e preservação enquanto patrimônio cultural de determinada comunidade.
Contudo, se as manifestações artísticas de um povo aos poucos vão ganhando um caráter folclórico e podem se prolongar no tempo como tradições, o mesmo não ocorre com os costumes próprios de comunidades. Estes, sempre preservados pelo uso ou pela constância de suas práticas, tendem a ser relegados quando as novas gerações não mais considerem aqueles preceitos seculares como algo importante e que mereça ter continuidade nos mesmos moldes. Eis a imposição do novo diante do antigo.
Os exemplos são muitos neste sentido. Na região sertaneja de antigamente, em cada comunidade era possível encontrar o seu profeta da chuva, aquele sertanejo que pressentia a chegada das trovadas apenas observando a natureza. Hoje tais profetas estão se tornando tão difíceis de encontrar que os ainda existentes são procurados nas regiões mais distantes como verdadeiros sábios e salvadores. Também não é tarefa fácil solicitar os préstimos duma rezadeira ou de alguém que cultive no quintal aquelas plantas medicinais que garantam a cura de todas as moléstias e enfermidades.
As coisas mais simples e singelas também estão deixando de existir, desaparecendo de vez. Ninguém mais avista a meninada brincando de roda e cantando aquelas canções de apertar o coração por recordar a infância. Os pífanos familiares são pouco encontrados até mesmos nas novenas e festas religiosas. Pastoreios, cavalhadas, cacumbis, caboclinhos, dentre outras manifestações, agora fazem parte de calendários culturais, e não mais como manifestações espontâneas do povo. E assim caminha a cultura do povo, no passo do descaminho imposto pelos modismos devastadores.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

O amor e o outro amor (Poesia)


O amor e o outro amor


Temo que o amor demais
seja aos poucos transformado
em amor apenas de coração
sem também ser amor físico
sem também ser amor sexual
de tanto desejo e tanto querer

a doçura do amor é tamanha
que afago e faço cafuné
que acaricio para adormecer
que conto contos para ninar
que tudo faço para agasalhar
e assim vai amando o meu amar

por isso temo amar assim
assim tão cordial e afetuoso
assim tão filial e sentimental
e ter um amor que vá muito além
de roçar a pele e beijar a boca
de ter o corpo e o sexo também.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 688


Rangel Alves da Costa*


“Uma velha senhora...”.
“Uma janela...”.
“Uma cadeira de balanço...”.
“Olhos que avistam a vida...”.
“Olhos que sentem saudades...”.
“Olhos que querem viver...”.
“Mas desde muito que não vai além...”.
“Desse olhar desejoso de tudo...”.
“Os passos não seguem mais...”.
“As pernas não suportam caminhada...”.
“A idade fragiliza tudo...”.
“E torna a pessoa recolhida...”.
“Menina foi...”.
“De correr e brincar...”.
“De cantar e cirandar...”.
“De casinha de boneca e boneca de pano...”.
“Brincou de ser gente grande...”.
“Quis logo crescer...”.
“Para transformar os sonhos em realidade...”.
“E adolescente se fez...”.
“Caminhou pelos caminhos da afirmação...”.
“Namorou, amou, viveu...”.
“Até chegar outros limites na vida...”.
“A moça já com outro olhar para a vida...”.
“Já compreendendo a realidade...”.
“Temendo sonhar demais...”.
“Desejando apenas o possível...”.
“E assim foi seguindo na estrada...”.
“Com a idade avançando...”.
“Os sonhos esmorecendo...”.
“A compreensão de outra realidade...”.
“A certeza da velhice se aproximando...”.
“Mas imaginava apenas uma idade...”.
“E não a terrível realidade...”.
“Do enfraquecimento e da fragilidade...”.
“Da angústia e da enfermidade...”.
“E jamais imaginou...”.
“Ter de viver os dias...”.
“Prostrada numa cadeira...”.
“Bem ao lado da janela...”.
“Bem diante da vida...”.
“E vendo tudo passar...”.
“E vendo tudo chamar...”.
“Mas sem poder levantar...”.
“Como queria ir caçar borboletas...”.
“Colher frutas no pomar...”.
“Brincar no jardim florido...”.
“Pular, cantar e sorrir...”.
“Ai como queria viver...”.
“Viver um pouco além dessa vida...”.
“De lágrima sempre escondida no coração...”.


Poeta e cronista
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sexta-feira, 1 de agosto de 2014

CHEIRANDO A LIMÃO


Rangel Alves da Costa*


Acaso fosse ele, certamente que seria meia hora para escrever o título acima. Teclava o “c” e apareceria “n”, apertava o “d” e surgiria “b”. O teclado apanharia como nunca. E tudo por culpa dele, até mesmo as palavras que só surgiriam tortas, incompreensíveis, cheirando a limão. Quanto às bebidas, impossível lembrar os nomes.
Ao invés de deitar, de dormir para ver se chegava a cura pro porre, ele resolvia fazer besteira: sentava diante da máquina para escrever devaneios. E sempre aparecia um monte de idiotices, de besteiras mesmo, e o pior que tudo como se tudo fosse de uma profundidade incrível. Um texto literário correto, importante, verdadeiro exemplo de lúcida criatividade.
Que nada. Tudo porcaria, coisa pra envergonhar se houver leitura no outro dia. O problema é que se corre sempre o risco de escrever um monte de porcaria, achar que está uma pérola e em seguida sair publicando por aí. Então será o fim, pois o mundo inteiro vai tomar conhecimento da lástima que foi escrita.
Só tem uma coisa boa nisso tudo, algo que não se deve deixar de admitir como genialidade, que é a coragem de vomitar de uma só vez tudo aquilo que por tanto tempo teve medo de escrever.
“O que posso fazer pra aquela porra entender que gosto dela. Só me falta arrancar um pedaço do céu, roubar uma estrela, cortar um pedaço de lua pra jogar pela sua janela. Já dei anel, dei brilhante, dei o que não podia dar. Cada anel tentando agradar é menos duas calças e duas camisas pra mim. E isso quando o anel é barato. Achei de comprar um presente dourado e até hoje vivo endividado feito um filho da puta. Faço isso tudo, me lasco, passo necessidade por causa dela e aquela zinha ainda fica botando banca. Vou ainda acabar correndo o risco de vê-la passar toda chique com tudo que dei, mas de mãos dadas com um pé rapado, um zé-ninguém. Mulher não tem jeito não. Se a gente é bom demais, ainda assim é ruim. Se é ruim vem logo a desculpa pra dar um chute na bunda. Sorte daquele que tem a sua sem precisar se endividar com o mundo. Mas desde que exista algum”.
“Fico puto da vida com demagogia religiosa. Não conheço um que não se diga temente a Deus, religioso demais, fazendo o percurso de vida segundo as lições bíblicas. Tudo picareta de marca maior. Até que frequenta a igreja, diz ser católico ou evangélico, sabe discutir alguma ou outra coisa da Bíblia, mas quando enxerga o dito pelo avesso vive mais em pecado do que ladrão de moeda de cego. Pra que frequentar igreja, se dizer religioso, temente a Deus, se não vale nada, não presta de jeito nenhum? Esse mesmo que se faz de bom moço não passa de um mal intencionado, de um covarde que vive falando da vida dos outros por trás, que não respeita a si mesmo nem a ninguém. Nunca vi dizer que uma pessoa saísse de uma missa e fosse pra casa de amante, fosse tomar cachaça e falar mal de todo mundo, fosse paquerar menina nova e mulher casada, fazer o que não presta pelos quatro cantos. O mesmo se diga dessas nojentas dessas falsas beatas e dessas que se encobrem toda de roupa e quando guardam o terço e o rosário vão fazer safadeza. Por isso é melhor ser como eu, que não boto pé em igreja pra tá ouvindo conversa fiada de padre pedófilo e cheio de safadeza”.
“A porra desse mundo tá todo errado e desde muito tempo. Não é possível que não percebam que essa merda não vai suportar por muito tempo o que os seus inquilinos andam fazendo. Antigamente ainda havia respeito, família se respeitando, pessoas educadas, boas práticas de convivência e outras coisas que ainda davam um gostinho em viver e se relacionar. Mas com o passar do tempo tudo começou a desandar. Quanto mais chega a ciência com o seu progresso mais o homem regride na sua condição cidadão, na sua essencialidade humana. Como máquina não vai mesmo mudar a cabeça de ninguém, pois provado está que o conhecimento não serve muito para o bem da humanidade, será preciso algum cientista maluco inventar qualquer coisa, assim como uma máquina que reconheça a mente de cada um e apague de vez todo aquele que não esteja servindo pra nada ou apenas viva com más intenções. Daí uma boa varrida no mundo, mas de modo que a poeira da imprestabilidade não contamine os que ainda merecem ficar. E talvez apenas uns dois ou três dentre esses bilhões de imprestáveis que povoam o mundo”.
Ainda bem que nunca mais bebi e não tenho nada a ver com isso.


Poeta e cronista
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Saudade (Poesia)


Saudade


Ao sopro da brisa e às sombras da tarde
antes que as folhas esvoacem a memória
recolho na mente tudo que seja saudade
revivo nosso passado na mais bela história

eu que sempre te amei e ainda amo tanto
e escrevo rascunhos e versos com sua feição
temo qualquer dia naufragar em pranto
quando a distância silenciar a nossa canção

quem dera ter asas e caminhos no vento
voar muito além de onde sofro agora
e a teus braços renovar nosso juramento
de eu jamais partir e você não ir embora.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 687


Rangel Alves da Costa*


“Somos um número...”.
“Infelizmente somos apenas um número...”.
“Na data de nascimento...”.
“Um número na idade...”.
“Na conta que chega para pagar...”.
“No parco salário recebido...”.
“Na carteira de identidade...”.
“No cadastro de pessoa física...”.
“Na carteira de habilitação...”.
“Parece que a pessoa não existe...”.
“Pois o número é mais importante...”.
“Muito mais valorizado...”.
“Daí a quantia que você tem...”.
“A quantia que pode pagar...”.
“Quanto tem a receber...”.
“Ou mesmo o que nada tem...”.
“Pois assim não vale nada...”.
“E não pode fugir do número...”.
“A hora de sair e hora de chegar...”.
“A hora do almoço e do jantar...”.
“Do jantar e do deitar...”.
“A hora do comprimido...”.
“A quantidade de remédio...”.
“O número do telefone...”.
“O número de sua casa...”.
“Além do número o código de endereçamento...”.
“A pessoa em si não quase nada...”.
“O seu nome e seu sobrenome também...”.
“Ainda que seja conhecido...”.
“Haverá de ser confirmado pelo número...”.
“Tem de bater com o número do documento...”.
“Há um número mínimo a ser alcançado...”.
“O número no protocolo...”.
“Na ficha, no documento...”.
“O número na senha...”.
“E ainda o quilo de feijão...”.
“O quilo de arroz e outro de carne...”.
“Uma barra de sabão e um pacote de sal...”.
“E jamais pode ser esquecido...”.
“Eis que o número exige que dele se recorde...”.
“Até os sonhos e planos...”.
“Exigem a imposição de números...”.
“De tantos dias de férias...”.
“Do valor da passagem...”.
“De quanto dispõe para viajar...”.
“A saudade conta os dias...”.
“A fome conta os minutos...”.
“E tudo contado em números...”.
“E a grande esperança de viver ainda tantos anos...”.
“Quer dizer, de viver um número...”.


Poeta e cronista
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