SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

SIM, SEU ALCINO, AS ANDORINHAS VOLTARAM...



*Rangel Alves da Costa


Ao longe e por todo lugar, como em revoada, as avoantes despontam altaneiras, tão belas quanto o senhor, meu pai, tanto gostava de descrever em versos, em prosas, em composições musicais.
Sim, Seu Alcino, as andorinhas voltaram...
As andorinhas voltaram aos céus do seu sertão amado, nos horizontes do seu tão sagrado chão. Aves que agora se fazem presentes não somente no bater de asas, mas principalmente noutros voos que certamente muito alegraria seu coração.
Sim, meu pai, as andorinhas voltaram...
Como é bom rever as andorinhas voando, em arribação, em revoada, para depois pousar nas galhagens da história do seu sertão. Não apenas em catingueiras, em craibeiras, em baraúnas, mas nas ribeiras dos rios, nas ruas da cidade, na boca do povo e por todos os sertões adentro.
Sim, Seu Alcino, as andorinhas voltaram...
Sei o quanto gostava não só de andorinhas como de garças brancas. A beleza das andorinhas, com sua elegância e agilidade no voo, certamente significava um olhar do alto para a sua terra. E as garças brancas, igualmente majestosas, como se fossem lenços brancos de amor e paz. Mas agora significando muito mais.
Sim, meu pai, as andorinhas voltaram...
Veja Seu Alcino, quanta andorinha em voo agora sobre seu sertão! Os céus de Poço Redondo parecem tomados de andorinhas e todas trazendo no bico aquilo que mais lhe encantava: a cultura, a história, a saga sertaneja, as lides matutas, o ser e o viver de um povo. A saga lampiônica!
Sim, Seu Alcino, as andorinhas voltaram...
Quando se imaginou que com sua partida o sertão e seu Poço Redondo ficariam órfãos de sua sabedoria e suas lições, eis que as andorinhas chegam em bandos para tudo reviver, para tudo fazer renascer. Andorinhas no voo de pessoas que reencontram seu Poço Redondo para a mais justa das homenagens.
Sim, meu pai, as andorinhas voltaram...
Andorinhas que chegam e trazem a esperança de tornar Poço Redondo, enfim, num imensurável cenário de valorização histórica, cultural e geográfica. Andorinhas que voarão sobre o Angico, sobre a Maranduba, sobre as ribeiras do Velho Chico, sobre a Estrada de Curralinho, sobre os alicerces mais antigos e de infinitas riquezas.
Sim, Seu Alcino, as andorinhas voltaram...
E são andorinhas que abnegadas chegam para cultuar sua memória, para abraçar o seu chão, para sentir saudade e prazer no solo sagrado de Alcino. E aves arribando de todo lugar, de todos os recantos nordestinos, para então pousar no mais alto da árvore que tem seu nome: eternidade!
Sim, meu pai, as andorinhas voltaram...
Aves saídas de um ninho formidável, portentoso, grandioso demais para ser descrito, chamado Cariri Cangaço. E avoantes com nomes tão conhecidos ao seu coração: Manoel Severo, Paulo Gastão, Juliana, Ivanildo Silveira, Professor Pereira, Aderbal Nogueira, Kydelmir, Archimedes, Elane, João de Sousa Lima e tantos outros.
Sim, Seu Alcino, as andorinhas voltaram...
Junto à cumeeira do sertão pousarão velhos e saudosos amigos, deitarão suas asas aqueles que no passado ouviram suas lições e no presente cultivam seus ensinamentos. Todos estarão aqui no próximo mês de junho. E todos feito andorinhas pelos caminhos, caatingas e ribeiras do seu sertão.
Por isso, Seu Alcino, as andorinhas voltaram. Em teu nome, como um céu sertanejo, as andorinhas voltaram!


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Lá no meu sertão...


CARIRI CANGAÇO POÇO REDONDO 2018




Fruta de quintal (Poesia)



Fruta de quintal


O quintal de minha casa
é assim meu coração
onde nasce a ternura
como raiz pelo chão

no quintal há um pomar
fruta de doce sabor
que alegra o meu olhar
como alegra o meu amor

pé de araçá docinho
doçura de minha amada
lábio na fruta gostosa
que escorre adocicada

no seu corpo um pomar
e minha fome de querer
tanta fruta no quintal
tanto desejo em você.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – saudade da lua cheia



*Rangel Alves da Costa


Num poema de Casimiro de Abreu (Meus oito anos), a doce recordação: “Oh! que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!..”. E digo: Oh que saudades que tenho daquele luar sertanejo, onde a criançada em festejo dizia que a noite era sua e se espalhava pela rua na ciranda a cirandar e no cavalo de pau a reinar... Poço Redondo, meu Poço Redondo, tuas noites tão fagueiras, como num luzir de fogueiras para um povo iluminar. Calçadas de proseados, os ventos da noite soprados como beijo em cada face. Uma vida sem disfarce, em cada amizade um enlace, e na humildade da vida a paz por Deus concebida. Noites de lua bela, as mocinhas na janela fazendo do sonho aquarela. Crianças por todo lugar, pois a noite é um “meninar” que ninguém pode domar. Meninas se dando a mão e na voz a bela canção: “Se essa rua se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, para o meu, para o meu amor passar...”. “Como pode um peixe vivo viver fora de água fria, como poderei viver, como poderei viver, sem a sua, sem a sua companhia...”. E os meninos, dando na noite pernoite, faziam da lua um açoite e começavam a se danar. Bola de gude jogar, cavalo de pau pra voar, pega-de-boi pra caçar, bola de meia a encantar. E hoje, o que se faz nas noites de Poço Redondo? Que mundo transmudado em coisa. Onde estão os meninos, onde estão as meninas? Venham, venham brincar na rua, venha cirandar debaixo da lua. Onde está a infância, meu Deus? “Oh! que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!..”.


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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O VENTO, A VIDA, O CÁLICE FRÁGIL



*Rangel Alves da Costa


Pelos quadrantes o vento vem soprando. Vento norte, vento sul, tanto faz. Se não se apresenta como ventania ou outro sopro mais voraz e devastador, quase sempre chega e passa quase sem despertar atenção. Contudo, no seu íntimo, oculto na sua fome, o vendaval, o redemoinho, a destruição.
Há no vento um perigoso silêncio. Há na sua face uma imperceptível e voraz ameaça. Que ninguém se sinta protegido quando de sua fúria ou de sua sanha de arrebatamento. As folhas que apenas balançam, os coqueirais que apenas murmurejam, os outonos que viajam em seus braços, nada reflete com exatidão sua silenciosa ira.
Protege-se do vento somente pela certeza de que não se está no seu caminho ou confrontando sua força. Somente evitando sua fúria é que será possível permanecer sem qualquer esvoaçamento. A proteção, contudo, não diz respeito a meios materiais que evitem os seus avanços.
Como a brisa leve pode levar pelos ares o ser em sua fragilidade espiritual, igualmente o vento em qualquer outra situação onde a pessoa não esteja devidamente protegida de corpo e alma. Não precisa colocar um muro adiante de si aquele que dentro de si mesmo já está protegido contra qualquer sanha do vento ou da ventania.
Ilusão imaginar que a vida na terra se dá na proteção de muralhas, fortalezas, muros impenetráveis. Utopia imaginar que se habita em moradias tão absolutamente seguras que nada poderá abalar ou destruir suas estruturas. Ora, tudo não passa de casa de vento.
Por mais sólidas que sejam as estruturas, por mais que sejam impenetráveis os portões e as portas, por mais que seja impossível alcançar os interiores e dependências, nada disso impede que os redemoinhos da existência a tudo destruam. Ora, tudo não passa de casa de vidro.
O ser humano, a pessoa humana, não passa de uma casa de vento. Sim, é cálice frágil, é asa de borboleta, é folha de outono, é uma poeira ao espaço, mas principalmente é vento. E vento este cuja força sempre está na dependência e predisposição da força humana. Quanto maior a fragilidade na pessoa maior será o poder de transformação do vento em ventania, em vendaval, em redemoinho.
Enquanto casa de vento, o ser humano pode abrir suas portas sem que sinta ameaçado por redemoinhos. Não há fúria de vento que não passe além e deixe intacto aquele que se reforçou intimamente de tal modo que jamais estará de corpo aberto para os acasos. Mesmo casa de vento, a pessoa estará imune aos vendavais toda vez que se encontrar mais preparado que a fúria mais repentina.
Na casa de vento tudo pode ser levado, destruído, estraçalhado, menos a própria pessoa. Livros, estantes, louças, roupas, toalhas, quadros, móveis, tudo pode ser levado pelos ares como uma folha qualquer, mas não a pessoa que já estava suficientemente protegida de sua tempestuosa fúria.
Por que o sábio foi o único a permanecer no alto da montanha depois que a ventania passou estraçalhando tudo? Por que o homem sensato continua se embalando na sua cadeira enquanto o redemoinho fazia sua festa de destruição? Por que o vendaval arranca plantas e árvores de suas raízes e é como se não tocasse naquele que calmamente repousa debaixo de um sombreado de um pé de pau que foi levado?
Simplesmente por que a casa de vento estava mais forte que a ventania, que o vendaval, que o redemoinho. Simplesmente por que a casa de vento estava mais protegida ante qualquer fúria da vida ou da natureza. Uma casa impenetrável e indestrutível pela própria tenacidade humana. E não uma casa aonde a brisa chegue e de porta a outra não deixe mais nada em pé.


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Lá no meu sertão...


CARIRI CANGAÇO POÇO REDONDO 2018



Minha avó (Poesia)



Minha avó


Minha avó
dói aqui
quero chá
traga chá

minha avó
sente aqui
quero cafuné
faça cafuné

minha avó
venha aqui
quero cocada
quero biscoito

minha avó
dói aqui
chá não passa
a saudade.

Rangel Alves da Costa



Palavra Solta – noites sem sol



*Rangel Alves da Costa


Depois de muitos anos, somente de uns dias pra cá é que passei a ter noites sem sol. Antes era muito diferente, muito contrastante com as noites sem sol que tenho agora. “Oh cálido poente que nunca escurece o ensolarado dia do iluminado amor. Oh silencioso poente que mesmo abrasado nunca se deixou em cinzas nem apagado pelo amor vivido...”. Como era bom viver o dia e anoitecer como se debaixo do clarão estivesse. Tudo à minha frente, na nitidez do inquieto e exigente olhar. “Oh tua face que me chegava em luz debaixo da escuridão da noite e de repente tudo se iluminava como seu estrelado olhar. Oh minha amada que consigo trazia toda a chama da vida e todo o luzir do amor no seu passo noturno em minha direção...”. Noites assim, noites que chegavam e passavam como noites luzidias, clarificantes, brilhosas. Noites de amor, noites de desejos e de querer. E agora, o que tenho agora senão a noite anoitecida e tão retinta em negrume? Meu pensamento já não acende a luz. A lua já não traz sua luz. Apenas a noite. Sem sol. Sem o teu sol.


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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

CARCARÁ, PEGA, MATA E COME...



*Rangel Alves da Costa


Não sei por que, mas ando pressentindo a existência de carcarás por todo lugar. Sim, carcarás mesmo, aquelas aves de rapina, da família dos falcões, de bico grande a afiado, cujas aparências parecem mais as de um gavião, mas em voos assemelham-se bem mais a urubus. E extremamente perigosos, pois oportunistas, comem de tudo, principalmente os animais moribundos ou de fraqueza tamanha que não possam se defender. Sim, pressinto a existência desses rapinantes por todo lugar. Mas será que são carcarás mesmo?
Ando com problema de visão, só pode ser. Meus olhos estão confundindo demais o que avista. Vi um carcará na entrada de uma loja, vi um carcará no balcão da farmácia, vi um carcará na fila do banco. E o pior, vejo os rapinantes nos prédios públicos, nos fóruns, nas antessalas dos poderes, nas feiras, nos mercadinhos, nas padarias, nas mercearias, nas televisões e jornais. Não sei o que fazem nestes locais, também não sei o que pretendem com aqueles bicos afiados, olhos raivosos, garras prontas para o ataque. O medo é quando cisma de levantar voo. Coitados de suas vítimas.
Mas talvez não seja problema exclusivo meu, pois andei sabendo que outras pessoas também têm avistado carcarás por todo lugar. Em Brasília, segundo dizem, há uma infestação sem precedentes não só de carcarás como de outros bichos carnicentos, devoradores de tudo. Raposas, gaviões, urubus, lobos, hienas. As hienas causam um verdadeiro espanto. Nos endereços dos poderes, nos corredores e gabinetes, e as hienas em terríveis gargalhadas enquanto devoram suas presas. Quanto mais castigam, quanto mais devoram, mais soltam estupendas gargalhadas. Coitadas de suas vítimas. Quem serão elas?
Dizem até que os céus de Brasília, ao invés dos aviões dos engravatados, está totalmente tomado por estranhas aves, e todas carnicentas, todas de bico afiado e desmedida ferocidade. Falam principalmente de uns estranhos urubus que nem esperam suas presas ficarem enfraquecidas ou moribundas. Cuidam logo de atacar e de forma bastante estranha. Avançam nos bolsos, rasgam roupas, deixam suas vítimas em frangalhos. Depois disso, quando as vítimas já se mostram na feição mais deprimente da pobreza e da desvalia, então lançam seus bicos pontudos para definhar o que resta. Coitadas dessas vítimas de urubus. Quem serão elas?
Foi-se o tempo em que os carnicentos atacavam somente ante as fraquezas e as desvalias. Foi-se o dia em que os devoradores planavam em voo em busca de borregos novos, de bicho caído pela fome e sede, de animal estirado esperando a morte, ou mesmo daqueles que já haviam dado seu último suspiro. Então chegavam com seus rasantes e abocanhavam tudo, furando olhos, sangrando pescoços, destrinchando até restarem somente os ossos. Um mundo de mortes e podridões, uma vida onde o mais fraco servia apenas como regabofe para as voracidades sem fim.
Tudo isso ainda existe, mas com outra roupagem, novos meios de ação e também com outros carnicentos. Multiplicou-se em muito o número e as formas dos rapinantes. E ganharam também outras designações. Ao invés de apenas rapinantes, o nome de surrupiadores, predadores, depenadores, devoradores, ladrões, corruptos, desonestos, esfomeados, políticos e governantes. Políticos e governantes, mas por quê? A resposta é até óbvia. Todos são lobos, são hienas, são carnicentos. Enfraquecem o povo, submetem a população, devoram a sobrevivência de todo mundo. E ainda se nutre dos restos desse mesmo povo que tanto escraviza e devora.
O problema é que se torna difícil demais se livrar desses carnicentos. O carcará, por exemplo, impossível de ser afastado, pois, como dito, está em todo lugar, e ora na forma de carcará mesmo, ora na forma de gavião ou de urubu. Outro dia, numa fila de uma repartição pública para ser atendido, eis que a funcionária aparece toda em lentidão, bocejante, mas ao se aproximar da vidraça do atendimento já estava transfigurada numa selvageria terrível, com uma arrogância tamanha que a pessoa até teme ser devorado. Mas não muito diferente do que ocorre no atendimento em delegacias, hospitais e postos de saúde, repartições públicas e onde houver um carcará querendo se arvorar de dono do mundo.
Mas a verdade que carcará é bicho difícil de lidar. É sempre perigoso demais, principalmente quando perante o que está só no couro e no osso ou sem força nenhuma de reação. Então ele ataca mesmo, sem pena, sem trégua, num esfomeamento danado. E faz lembrar a música de João do Vale: “Carcará é malvado, é valentão, é a águia de lá do meu sertão. Os burrego novinho num pode andar. Ele puxa o umbigo inté matar. Carcará, pega, mata e come...”.
Por todo lugar, seja na capital ou no sertão, seja em Aracaju ou em Brasília, carcará pega, mata e come. Por isso tanto medo do bicho. Um medo que só será reparado quando o carnicento for enfrentado na coragem e na valentia. Sabido é que diferente do que se imagina, todo carnicento é medroso demais. E não há medo maior do que perder o poder, o mandado, a governança. Então chegará o tempo certo de pegar tudo o que for carcará e dar o merecido troco. Pegar, derrotar e cuspir nos seus restos.


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Lá no meu sertão...


Velho Chico: a beleza de um rios e seus além...




Um pé de amor (Poesia)



Um pé de amor


Se o amor nascesse
numa planta de chão
um amor eu plantaria
na terra do coração

e regaria sua vida
com a maior devoção
e sempre ter mais amor
sem escolher estação

e colheria do amor
a rosa em perfeição
e colheria a rosa
para entregar m sua mão.


Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – meninos no riacho



*Rangel Alves da Costa


Já era entardecer quando cheguei à passagem molhada do Riacho Jacaré. Ali pertinho, a um passo do centro da cidade, entre a beirada da pista e a porta de entrada para o Alto de João Paulo. Não poderia deixar de fazer uma visitinha. Aliás, nem poderia ser diferente, pois desde o sábado pela manhã que pessoas perguntavam se eu já havia ido lá. Sabem que sou amante da natureza, sabem que tenho verdadeira adoração pelo rio que passa pela minha aldeia, também sabiam que certamente eu gostaria de fotografar aquelas águas chegadas com as chuvas nas cabeceiras. As pessoas me conhecem, graças a Deus. Botei chinelo no pé e segui até lá. Logo avistei uma meninada espalhando alegria por cima da passagem molhada (e molhada mesmo, pois as águas passando por cima). Mas não estavam só brincando, mas muito mais em pescaria. Afoitos com a minha chegada, logo começaram a mostrar os peixinhos pescados com a mão mesmo. Eles se acocoravam no beiral da passagem, sentiam os peixinhos logo abaixo e então lançavam as mãos na rapidez que só criança sabe fazer. Uma cena muito parecida com as descritas por Jorge Amado e seus meninos de rua se banhando no cais. Mas aqueles meninos, tão alegres e tão cheios de vida, eram apenas uns contentes com as águas de seu e rio que, quando cheio ou escorrendo vida, passa beirando os seus quintais. E fiquei ali ao lado deles, assim como se fosse um menino também. E sou!


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domingo, 25 de fevereiro de 2018

BASTIÃO, O CAÇADOR (E SUAS HISTÓRIAS DE ARREPIAR)



*Rangel Alves da Costa


Bastião é meu velho amigo sertanejo. Gosto demais de com ele prosear. Todo mundo gosta, de velho a novo, não há um só sertanejo que não se delicie com seus causos e proseados. Contudo, suas histórias de caçador são tão instigantes que causa até medos e arrepios.
Certamente que alguns – ou muitos – não acreditam nessas histórias. E acabam dizendo que não passam de invencionices. E dizem mais: história de caçador e de pescador só não é mais mentirosa por que nunca há testemunha nem da mentira nem da suposta verdade.
Mas Bastião é homem sério. Assim, prefiro acreditar a negar os relatos de suas aventuras no meio do mato, perante as tocas de pedras e tufos nos escondidos. Mas mesmo acreditando, difícil não ficar com alguma dúvida se a história contada aconteceu daquele jeito mesmo.
Segundo Bastião, caçar pelo dia, ainda que aconteçam mais coisas mirabolantes e misteriosas do que se imagina existir, não chega nem aos pés do que acontece depois da boca da noite. O caçador que entra no mato no meio da escuridão pode saber que vai encontrar de tudo, desse e doutro mundo.
Certa feita – nas palavras de Bastião -, caminhava por uma vereda em noite de breu, quando de repente tudo clareou como se fosse dia. Intrigado, já com cabelo arrepiado, olhou adiante e viu como se fosse um cemitério. Só podia ser cemitério, pois um lugar cheio de cruzes fincadas por riba de pequenos montes de terra.
Não pode ser, pensou Bastião. Aqui não há cemitério algum, disse a si mesmo. Encontrou alguma força nas pernas e deu mais alguns passos adiante. E foi quando conseguiu ler na madeira nas cruzes: O tatu que você matou, o peba que você matou, a cotia que você matou, o veado que você matou, a nambu que você matou, a onça que você matou...
E assim por diante. Acima de cada cova a cruz, o nome do bicho e a seguir “que você matou”. O que seria aquilo, pelo amor de Deus? Por que isso? Começou a se perguntar. O problema é que sabia que já tinha matado todo tipo de bicho mesmo. Mas o mais agonizante veio com o que avistou em seguida.
Lá no canto do tal cemitério de bichos, numa cova parecendo maior e com mais quantidade de terra por riba, avistou, conseguiu ler e quase desmaia. Lá estava escrito na cruz: “Aqui é pra você”. Passou a mão pelos olhos, leu novamente e não teve dúvidas do que estava escrito: “Aqui é pra você”.
Tremendo igual vara verde, já sem se encontrar em si mesmo, só lembra que se preparou para fugir dali em correria. Já aprumando o passo na maior velocidade que conseguiu encontrar, foi quando ouviu um barulho e viu quando os bichos começavam a sair de suas covas.
“Ai minha Nossa Senhora do Caçador. Ai minha Nossa Senhora da Cotia e do Guaxinim. Ai minha Nossa Senhora da Onça Pintada. Ai minha Nossa Senhora do Mato, me salve minha Nossa Senhora!...”. Ia gritando enquanto corria desembestado, na certeza maior do mundo de estar sendo seguido pelos bichos mortos.
Não lembra como, só sabe que caiu e ficou desacordado. Acordou já com o dia clareando e com uma caipora bem parada em sua frente. Abriu mais os olhos e viu que o ser encantado das matas e fumador sem igual, estava com feixe de cipós na mão, e em posição ameaçadora. E a ameaça ganhou vida quando ouviu da caipora: “Ei, seu safado, trouxe meu rolo de fumo?”.
Não havia levado. Havia esquecido o fumo daquela vez. Então já sabia o que iria lhe acontecer em seguida. Tomou uma surra tão grande da caipora que chegou em casa mais parecendo um molambo cheio de lanho e dor. Passou uma semana sem poder levantar da cama. E sonhando com aquela cruz: “Aqui é pra você”.


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Lá no meu sertão...


Rangel e Mestre Tonho Artesão



Flor entre flores (Poesia)



Flor entre flores


Primaveras
perfumes
jardins
flores

entre flores
a flor
a rosa
você

o lábio
o aroma
a beleza
da flor.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – o maior amor do mundo



*Rangel Alves da Costa


Não se quantifica, não se dimensiona, não se limita, não se dá aparência, não caracteriza em formas e conteúdos, pois impossível individualizar em exatidão o amor, e principalmente quando se trata do maior amor do mundo. Mas há, é de plena existência, o maior amor do mundo. Ama-se a roupa velha, aquela roupa tão envelhecida e sem cor, rasgada ou que não cabe mais, mas pertence aos sentimentos e não ao mundo. Ama-se um pé de laranja lima, assim como amou o pequeno Zezé. Ama-se a liberdade dos espaços e horizontes, assim como amou Fernão Capelo Gaivota. Ama-se o que não é abandonado, faminto, enfermo, assim como amaram Irmã Dulce e Madre Teresa de Calcutá. Ama-se a paz incondicional e sem violência, assim como amou Gandhi. Ama-se a montanha e o seu cume, as palavras do vento e as vozes da natureza, assim como amou o profeta. Ama-se o homem e pelo homem é lavado ao calvário, assim como amou Jesus.


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sábado, 24 de fevereiro de 2018

DOCES SAUDADES



*Rangel Alves da Costa


Os intragáveis sabores de hoje em dia reforçam ainda mais as deliciosas saudades que sinto das guloseimas sertanejas de outrora.
Mesmo desde muito residindo na capital sergipana, jamais poderei esquecer a cocada de frade, o arroz doce, os pirulitos, o doce e a cocada de coco, os bolos e outras guloseimas deliciosas que experimentava gulosamente no meu dia a dia interiorano.
Coisa de menino que não podia ver um copo de arroz doce ou mungunzá, uma tábua de pirulito ou um doce caseiro, um doce de leite cheio de bolas, gastava toda mesada que recebia indo de canto a outro, chamando de janela a janela, fazendo levantar a toalha das mesinhas com os doces maravilhosos.
Até que podiam existir outras doceiras de cocada de frade em Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, mas somente uma era tida como oficial, aquela que preparava o doce no ponto e possuía clientela garantida. E gente de toda idade, do lugar e de fora, sendo que muitas vezes o visitante não deixava nem um taquinho pra ninguém da terra.
Numa mesinha na calçada, com o tabuleiro recoberto com uma toalha branquinha rendada, tendo uma moringa ao lado, Dona Cecília recebia os fregueses enquanto já pinicava a carne de coco para o próximo tacho. Todo mundo podia vê-la cortando o coco em cubinhos, mas não quando preparava a cabeça-de-frade, um cacto arredondado que retirando os espinhos e a pele faz surgir uma carne branca e saborosa.
Quando o entardecer chegava, por volta das quatro horas, passavam pelas ruas oferecendo arroz doce. Por cima da salva da vendedora, encoberto com pano branco e em copos de vidro, e tendo ao lado um recipiente com canela cheirosa, estava a delícia de coco acrescida de cravo da índia. Verdade que era um pouco menos encorpado que a iguaria feita para uso familiar, mas não deixava de ser apreciado por todos, sobressaindo o gosto do leite de coco entrecortado pelo açúcar na medida.
Famoso o arroz doce de Baíta, doceira sertaneja que tinha fama de meio maluca. Fazia a iguaria sem igual, mas quem fosse experimentar de sua delícia na própria residência certamente não ia entender muito bem o que ela dizia, variando muito na sabedoria e na insanidade. Mesmo assim nada afastava a gulodice pelo arroz da sertaneja, comprovando-se que no preparo, na medida dos ingredientes e no sabor, não podia haver maior lucidez.
Já a cocada, tanto mole como cortada em pedaços, tanto branca como queimada, podia ser encontrada e saboreada em diversas janelas e residências, mas sempre à venda. Era costume sertanejo – e ainda continua num ou noutro lugar – a oferta de doces no umbral da janela ou numa mesinha colocada diante da casa, na calçada ou rente à porta de entrada. Bastava chegar e bater palma que logo era servido, perigando engordar ali mais que dez refeições.
Geralmente depois do almoço a pessoa já podia encontrar a sobremesa logo nos arredores. No caso da cocada, lembro bem da de frade, feita por Dona Cecília, e a de coco, tanto mole como dura, na casa de Dona Quininha. Famosíssima era essa cocada, uma finura ao bom paladar, um presente aos olhos cheios de gula e de amor ao coco. Eu mesmo sempre fui um apaixonado por tudo que contenha coco, exigindo até que o gosto seja o mais acentuado possível.
Já o doce de leite, batido ou com bolas, também era encontrado em diversos lugares. Contudo, doceiras existiam que reconhecidamente tinham a mão melhor para o preparo, vez que suas delícias eram mais consistentes, encorpadas, sem permitir que o caldo aguado se sobressaísse do resto da mistura. E hábeis assim eram, e continuam sendo, Naní e outra que agora me foge o nome, mas sem desmerecer a habilidade de tantas outras que vendem seus potinhos ou porções de canto a outro.
Há que acrescentar que quem fazia arroz doce geralmente cozinhava também mungunzá; que quem fazia bolo de ovos também produzia de milho, de leite e de macaxeira, dentre outros. Mas por último deixei pra falar sobre o pirulito de açúcar caramelado, e assim o fiz porque não vejo mais essa tradição ser praticada por nenhuma doceira do meu lugar.
Nos tempos mais distantes havia a família do cabo Cláudio que fazia os tais pirulitos que eram vendidos pelas ruas ainda na tábua. Contudo, sem comparação aos que eram feitos por Dona Luizinha, bem na praça da matriz. Não sei do mistério doceiro, mas verdade é que o seu canudinho açucarado não grudava de jeito nenhum no papel que o embrulhava.
Sei que o caldo no ponto era despejado no pequeno cone de papel já colocado na tábua. Era só deixar esfriar e pronto, o pirulito já podia ser vendido e devorado pela meninada. Era feito de açúcar puro ou misturado com mel de abelha, mas do modo que fosse era desembrulhado como se fosse picolé tirado do papel. Chega o melado derramava pelo canto da boca. Êta vida doce meu Deus!


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Lá no meu sertão...


Velho Chico. A beleza de um rio




Como o beijo da noite (Poesia)



Como o beijo da noite


Bebo o café da manhã
como o beijo da noite
na boca do meu amor
assim tão quente
assim tão gostoso

depois acendo o cigarro
como se a saudade tanta
fosse sendo tragada
assim tão cinzas
assim tanta dor

e já sem café na xícara
e já sem cigarro acesso
sou apenas eu em mim
assim um nada
assim vazio.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – dia de chuva... no olhar



*Rangel Alves da Costa


Parece que vai ser um dia de chuva... Dia de chuva no olhar. Não virão as tempestades, as trovoadas, as grandes chuvaradas. As nuvens prenhes não se derramarão em prantos sobre onde estou. Ainda assim será um dia chuvoso, um dia molhado de chuva... Mas apenas no olhar. Sinto saudade, estou com saudade, vivo a saudade. Amanheci com retratos na parede da memória. Despertei já avistando fotografias, retratos do que eu não queria recordar. Relembrar o amor faz doer, e muito. Recordar os beijos, os abraços, os afagos, as noites em nudez e os carinhos afogueados, faz doer muito. E tão difícil é adormecer, sonhar e amanhecer, sem que as imagens já tivessem se dissipado de vez. Acordar para o lamento, para o sofrimento, para a dor pela ausência, certamente o mais triste e cruel despertar. Por isso mesmo que pressinto muita chuva cair. Um dia de chuva, muita chuva... Mas apenas no meu olhar.


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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

ZÉ DE JULIÃO E ALCINO



*Rangel Alves da Costa


Dia 03 de outubro do ano de 1958, data da segunda eleição realizada em Poço Redondo, tendo como candidatos José Francisco do Nascimento (Zé de Julião, pelo PSD) e Eliezer Joaquim de Santana (pela UDN). Foi nesta data que o jovem Alcino Alves Costa, então com 18 anos, votou pela primeira e foi indicado como um dos mesários. E também surpreendido e estupefato pelo que presenciaria logo no início da votação.
De repente, em pleno alvoroço da seção eleitoral, lá fora despontam mais de cem cavaleiros. E todos vindos naquela direção. Era o candidato Zé de Julião acompanhado de amigos como Abdias, João Capoeira e muitos outros. Sabedor que jamais seria eleito ante as fraudes praticadas (perseguições a seus eleitores, títulos que não sido entregues, intimidações e abusos), havia decidido roubar as urnas. E chegara ali para tal. Bateu no ombro de Alcino e entristecido reclamou que aquilo também estava acontecendo por culpa de seu pai Ermerindo, que ao invés de apoiá-lo havia se juntado ao grupo político dos forasteiros Artur Moreira de Sá e Eliezer de Santana. Em seguida, Alcino apenas viu quando a urna foi levada e a votação desfeita. O tropel seguiu em direção ao povoado Bonsucesso, para a mesma empreitada.
Mesmo atordoado perante toda aquela situação, apenas avistando os destemidos cavaleiros em apressada fuga, Alcino guardou na memória - e para jamais esquecer - aquele olhar aguerrido e aquela feição transbordante de nobre valentia do ex-cangaceiro e então político em sua constante luta. Daí em diante abrigou no seu âmago aquela emblemática figura como de um verdadeiro ídolo. Sim, Zé de Julião se tornou um grande ídolo para Alcino. Tanto assim que em muito nele se espelhou nas suas ações políticas e pessoais e teve o cuidado de tornar bravamente conhecida toda a sua história, pois aos poucos cada vez mais relegada aos esquecimentos do tempo.
Muito normal que pessoas procurem se espelhar em outras pessoas, principalmente quando estas passam a ter grande significação em suas vidas. Fala-se, então, em ídolos e adoradores. Uma pessoa passa a ser admirada e até venerada nas suas ações e pelo que representou perante o admirador. Assim aconteceu com Alcino com relação a José Francisco de Nascimento, o Zé de Julião ou ainda Cajazeira (cangaceiro do bando de Lampião). Foi através de Alcino que a história do mito renasceu nas páginas de “Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de Angico” e “Poço Redondo - A Saga de um Povo”. Foi através de Alcino que o cineasta Hermano Penna conheceu sua trajetória e a transformou em filme e documentário: “Aos ventos que virão” e “Zé de Julião - Muito Além do Cangaço”.
Quando Alcino nasceu em 17 de junho de 1940, Zé de Julião já contava com 21 anos, pois nascido em 1919. No episódio do roubo das urnas, Zé de Julião tinha cerca de 40 anos e Alcino 18. Quando do assassinato deste, em 19 de fevereiro de 1961, Alcino estava com 21 anos incompletos.  Ora, até sua morte em Poço Redondo não se falava noutra coisa senão em Zé de Julião. E por quê? Alcino se perguntou. As primeiras respostas vieram naquele olhar e naquela face no dia do roubo das urnas. Depois disso Alcino não parou mais de buscar todas as respostas que pudesse encontrar.
Assim, a história do homem, do ex-cangaceiro e político, não saiu mais de sua mente. Zé de Julião, o filho do rico fazendeiro Julião do Nascimento e Dona Constância, o jovem indignado com as brutalidades e as extorsões das volantes, o rapaz que logo cedo casou com Enedina e depois rumou com a esposa para o bando de Lampião, o cangaceiro que perdeu sua companheira na chacina de Angico de 38, o ex-cangaceiro perseguido pela polícia, o homem com seu sonho de se tornar prefeito de seu município, o candidato sempre vitimado pelas fraudes eleitoreiras, o cidadão indignado roubando urnas, o indivíduo sendo preso e depois brutalmente assassinado. Tudo isso era Zé de Julião. E na mente de Alcino, tudo isso era de suma importância. Era para ser valorizado e não renegado. Então o homem, o ex-cangaceiro e o político, refletiram em Alcino com feição de ídolo.
Contudo, um aspecto especial une ainda mais Alcino a Zé de Julião. Não se sabe se por imitação, mas a verdade é que Alcino, além de político, tomou emprestado de Zé de Julião a feição de demasiado mulherengo. O coração do ex-cangaceiro foi amante por natureza. Em Zé de Julião sempre a chama acesa das paixões, dos relacionamentos afetivos, dos convívios amorosos. Enedina, Nelice, Estela, Djair, Rita, Julieta, e talvez mais. Ou talvez muito mais. E muitos filhos. E em Alcino também a fama de namorador, de mulherengo, de amante inveterado. E também muitos filhos.
Nos dois, alguns aspectos que se comungam: a luta, a perseverança, a política e a desenfreada paixão. Assim Alcino, assim Zé de Julião. Um adorador perante o seu mito.


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Lá no meu sertão...



O Cangaço em Festa!




Sua nudez em flor (Poesia)



Sua nudez em flor

Gosto da nudez
de sua nudez
em flor

gosto da timidez
de sua nudez
em flor

sinto escassez
da flor em nudez
da flor

sou abelha
querendo a nudez
da flor

o seu néctar
na sua nudez
em flor

dai-me o sabor
da sua nudez
em flor

sabor
da flor
amor.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – Seu João



*Rangel Alves da Costa


Seu João, mais de cem anos de idade, ainda vivente na cidade de Poço Redondo, sertão sergipano, meu berço de nascimento. Fui visitá-lo para um proseado, para fazer perguntas, para conhecer um pouco mais de sua história. Cheguei perto dele com a ilusão de saber de tudo e de saber demais. Pensei que era vice-rei, pensei levava flâmula e escudo, brasão e honrarias, pensei que era cravejado de ouro e de diamante. Quanta ilusão no meu anel de escola e na minha imaginária sabedoria. Quanta ilusão no meu saber acadêmico e cheio de teses e teorias. Cheguei assim. Um vaidoso, um orgulhoso, um presunçoso revestido em soberba. Mas o que é a vida Seu João? Nas poucas palavras e até no teu silêncio, na escrita do livro no olhar e nas lições na face curtida de tempo e de sol, aprendi a vida. Aprendi viver. Aprendi a saber que tudo o que sei é apenas um grão na palma de sua mão!


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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

CAPITÃO VIRGULINO, FELIZ 2018!


*Rangel Alves da Costa


Capitão Virgulino, Comandante Lampião, jamais poderia esquecer-me de desejar-lhe um Feliz 2018. Então, Capitão Cangaceiro, líder maior deste reinado entronado de sol, desta pujança chamada sertão nordestino, que tenha um feliz e promissor 2018. Por quê? Ora, o Nordeste e mundo precisam de sua presença cada vez mais forte, mais instigante, mais espantosa a cada nova revelação que chega. Muita mentira - é verdade -, mas é pelas inverdades que se busca o real conhecimento.
Capitão Virgulino, Rei do Reinado do Sol, Raposa das Caatingas, como diria o poeta das letras, imprescindível é a continuidade de sua presença entre nós. Saiba Virgulino, que sua presença, através do estudo, da pesquisa, do questionamento, do passo dado em busca de sua história, é o que move o mundo e o fazer de muita gente. O que seria dos estudiosos, dos pesquisadores, dos escritores, dos conferencistas, dos cordelistas, dos cangaceiristas, dos caririenses e de um mundão de apaixonados, sem a sua contínua presença.
Mas saiba que não somente a sua. A sua é a primeira, é a maior, é a primordial, é a que motiva tudo. Porém tem gente muito importante também nesse livro do tempo. Você sabe muito bem, meu Capitão, que Corisco era um cabra arretado. Dadá era a sua luz, mas ele era arretado sim. Volta Seca, Juriti, Luiz Pedro, Cajazeira, Sila, Enedina, Canário, Durvinha, Moreno, Adília, Meia-Noite, Sabonete, Zé Sereno, Zabelê, dentre tantos outros, andaram à sua sombra, mas cada um também com sua luz. E Maria, a sua Maria tão Bonita?
O seu bando, meu Capitão, ainda que outros bandos anteriormente tivessem existido, ainda hoje vive, está vivinho da silva. O massacre de Angico nunca existiu, Capitão. E você não tombou nele. Nem você nem ninguém. O cangaço não morreu ali de jeito nenhum. Corisco também não morreu, cabeças não foram degoladas, ninguém foi alvejado pelas cuspideiras das volantes. Como tudo morreu se tudo está tão vivo? Todos os dias há gente dialogando com e sobre o cangaço, todos os dias há gente reencontrado você e os demais, meu Capitão.
E mesmo que tivesse morrido, certamente um milagre aconteceu. E o que esse povo todo do Cariri Cangaço tanto faz senão ir ao seu encontro, e três ou quatro vezes ao ano, por diversas localidades nordestinas? O que esse povo todo vai fazer na Gruta do Angico, na Maranduba, em Poço do Negro, na Fazenda Favela, na Fazenda Patos e tantos outros lugares, senão ir ao encontro de sua presença e de seus liderados? Ora, se tivessem morrido estariam enterrados nas areias do esquecimento. Outro dia, meu Capitão, ouvi até alguém dizer: “Só Lampião pra dar um jeito nisso tudo!”. Quer dizer, requer a sua presença, como presente está.
Lampião, o que seria desse mundo de gente ávida pela sua história se sua presença não continuasse cada vez mais forte? O que seria desse monte de gente catando, recolhendo cada restinho e cada pedaço de seus passos, acaso não continuasse ocultamente vivo neste grandioso reinado espalhado pelos quadrantes nordestinos? Quais fatos novos surgiriam, quais teorias mirabolantes encontrariam espaço, quantas verdades escondidas deixariam de ser reveladas e quantas mentiras silenciariam pela sua definitiva ausência? Por isso mesmo que tenha um ano novo cada vez mais vivo.
Uma das coisas mais interessantes que já ouvi foi o proseado entre dois sertanejos de minha Poço Redondo, na aridez sergipana. Um levantou-se raivoso e disse que Lampião não havia morrido de jeito nenhum. Nem morreu nem iria morrer nunca. Já o outro, em tempo de pegar uma peixeira para a desfeita, retrucou dizendo que do cangaceiro não restava mais nem o pó. Zangado virado na gota serena, perguntou se ele podia provar que Lampião estava vivo e onde vivia. A resposta foi imediata: Ontem mesmo você disse que só Lampião para dar jeito nessa safadeza toda que tá havendo agora. A todo o momento você repete que o homem de agora precisa ter a valentia de Lampião. E vai ter a valentia de um homem morto?
Eu também sei que Lampião não morreu e nem nunca morrerá. E qualquer dia desses ouvirei de sua própria voz algumas respostas para coisas, fatos e situações, que desde muito desatinam o meu pensamento. Uma das perguntas que farei é por que sua liderança sobre o bando não impediu que malvados como Zé Baiano extravasassem seu ódio bestial em pessoas inocentes, marcando com ferro em brasa os rostos daquelas mocinhas de Canindé. Outra pergunta: É verdade que de vez em quando sua Maria Bonita enxugava seus olhos encharcados de lágrimas?
Sei os motivos de suas lágrimas, meu Capitão. Eu sempre soube. Digo apenas que é difícil demais nunca ter paz. É difícil saber que nunca vai ter uma rede armada numa varanda e de sua Maria receber cafuné.


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Lá no meu sertão...


Tanto eu...


Amor diferente (Poesia)


Amor diferente

Se eu soubesse amar
estaria amando
mas não sei amar
fico só esperando

beijo diferente
falo diferente
abraço diferente
amo diferente

não mordo a boca
não digo o que doa
acarinho suave
quero a nudez poesia

por isso só sei amar
o amor diferente
aquele do olhar
e do beijo que voa.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - a beleza nas pessoas


*Rangel Alves da Costa


O que é ser belo e como se expressa a beleza das pessoas? Talvez uma pergunta de difícil resposta, envolvendo até questões estéticas, culturais e filosóficas. Contudo, tentarei responder de modo mais simples possível. Ora, a beleza é o que encanta, o que causa admiração, o que desperta satisfação. Mas encanta o que, causa admiração em que, onde desperta a satisfação? Será erro afirmar que o belo se expressa através do olhar. Sim, o olhar também avista a beleza, fica admirado, encantado, mas isso será de menor importância. Como já disse Exupéry, o essencial é invisível aos olhos. Daí logo se tem que a beleza que se quer encontrar é inalcançável apenas pelo olhar. E de muitas formas isso pode ser comprovado. Qual a valia de uma beleza apenas física se nada ou pouco agrada o interior da pessoa? Qual a importância, por exemplo, de ser bela quando passa e ser um purgante quando fala, quando age, quando trata com o próximo? Será mesmo bela a pessoa arrogante, ignorante, soberba, vaidosa, egoísta? Por consequência, também se depreende que o belo e a beleza são também encontrados mesmo naquelas pessoas tidas como as mais feias. Sim, podem não ter um rosto bonito ou uma compleição física atraente, mas é no seu íntimo, do seu interior, no seu comportamento e do seu jeito bondoso e agradável de ser que se extrai uma beleza de flor. Quem será mais bela: aquela que só é bela de corpo e de rosto, ou aquela cuja palavra é um encanto, cuja amizade cativa, cuja presença alegra? A beleza, pois, está na pessoa, dentro da própria pessoa e fora dela perante o seu modo de agir. A beleza, enfim, está no belo que a pessoa transmite e não naquilo que apenas exibe.


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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

AMIZADES


*Rangel Alves da Costa


A amizade se mantém, não se detém. Mas só se consegue manter amizade quem também sabe manter uma necessária distância do amigo. Amizade em demasia acaba provocando expectativas que nenhum amigo poderá sempre retribuir. E na falta da sempre esperada retribuição, logo o desgaste e o distanciamento.
Erroneamente, pessoas confundem amizade com cumplicidade, com confessionário, com revelações de toda a sua vida e todo o seu viver. Nem sempre confiam em familiares ou em pessoas de mais idade que estejam aptas a ouvir e aconselhar, mas tudo revelam às amizades, principalmente àquelas mais recentes. Ora, as recentes amizades mais parecem descidas do céu. Um erro. Um grande erro.
Amizade não se contenta em apenas fofocar, em revelar segredos amorosos, em dar as mãos para farras, bebidas, noitadas. Pessoas assim até se tornam íntimas, mas não amigas. Isso ocorre muito nas novas amizades. E amizades novas geralmente surgem entre pessoas que não tinham proximidade, pouco se falavam, pouco se conheciam. E por que, de repente, essa pessoa se torna a pessoa mais acreditada no mundo?
Logicamente que mais um erro no que se tem por amizade. Na verdade, determinadas amizades surgem como entrega absoluta entre pessoas praticamente desconhecidas. E se já conhecia, por que não nutriu amizade? É algo surgido como fantasia, como encantamento, como verdadeira magia. E logo será dito que Deus no céu e a amiga na terra. Uma pessoa conhecida de poucos dias e já tornada a mais importante do mundo. E não raro que logo vem o coice e a queda.
Toda amizade vai sendo construída no tempo e mantida na confiança. Não existe amizade de momento. O amigo sempre é, sempre está, sempre permanece. Por isso mesmo que é fácil perceber o que motiva uma amizade duradoura. As pessoas não se traem por que se confiam, as pessoas não se usam por que se respeitam, as pessoas já se conhecem de tal modo que cada uma conhece muito bem os limites.
Não é necessário que a todo instante a amizade vá sendo demonstrada. Ótimas amizades existem que até pouco se encontram, pouco se falam, mas cuja força é percebida em determinados e difíceis momentos da vida. O bom amigo chega na hora da necessidade, da precisão. Mas a amizade nutrida na intimidade não tem esse compromisso. A intimidade apenas busca um proveito pessoal, de segredos e revelações, mas não de estender a mão e até fazer sacrifícios quando o outro necessitar.
A amizade nutrida apenas na intimidade é de fragilidade tamanha que amanhã poderá se tornar em inimizade de fogo a sangue. Por quê? Ora, pelas fofocas, pelas conversinhas, pelas revelações, pelas traições. E bem feito que assim aconteça. Há gente que prefere acreditar no desconhecido a ter confiança naquele que sempre esteve ao lado, que já conhece seus atributos de caráter e honra.
Tudo pode acontecer. Pessoas existem que não são amigas nem de si mesmas. E estas não servem para fazer amizade com absolutamente ninguém. Contudo, não é fácil perceber. Resta ler as muitas ou poucas páginas de sua história e observar se prefere andar com lobos ou cordeiros.


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Lá no meu sertão...


Rangel Alves da Costa




Chá das cinco (Poesia)


Chá das cinco

Duas cadeiras vazias
flores entristecidas
xícaras na solidão
um pote de doces
e alguns biscoitos
mas tudo velho
tudo antigo
tudo nada
mais

amigas conversando
lenços nos olhos
saudades afloradas
e a brisa da tarde
depois a ventania
e o silêncio
calando tudo
despejando
as xícaras
de chá.


Rangel Alves da Costa