SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 31 de janeiro de 2010

Cheiro de incenso (Poesia)

Cheiro de incenso


Khyphi diz que a paz
Reinará no teu mundo
Quando em ritual de purificação
A madeira do incenso
For queimada e a fumaça invisível
Envolver teu espírito

Acredito no místico
Porque a vida é mistério
Creio nos ensinamentos
Porque a vida nada sabe
Confio nas tradições milenares
Porque a vida é criança
Considero a razão dos deuses
Porque a vida é descrente
Sei da força que vem
Porque a vida necessita

Khyphi diz que o incensório
Deve espalhar a cinza do incenso
Porque haverá renascimento
E a fumaça espalhada pelo ar
Simbolizará o cheiro da paz
Que somente alcançamos na fé

Acredito em tudo
No incenso que acendi agora
Na paz e energia que sinto
E no aroma de olíbano, cânhamo
Mirra, lavanda e sésili
Que também lembram você.


Rangel Alves da Costa

NO REINO DO REI MENINO - IV

NO REINO DO REI MENINO – IV

Rangel Alves da Costa*


Os mais antigos gostam de afirmar que quando a brisa do tempo sopra por períodos demasiadamente longos e nada de novo parece surgir pelos ares, é sinal de que mudanças bruscas poderão acontecer a qualquer momento, seja na natureza, no estado normal das coisas ou na vida das pessoas.
No Reino de Oninem a situação não era diferente. Tudo estava tranqüilo demais, nenhum fato novo preocupante há muito que não surgia, os ventos que sopravam pareciam sempre de calma e tranqüilidade, ademais quando todo o reino ainda celebrava em regozijo, mesmo alguns meses depois, o nascimento do futuro herdeiro do reino.
Contudo, nas muitas vezes que se trancava na sua sala de ordens para refletir, meditar sobre a chegada e o desenvolvimento do filho, sobre sua própria vida e a situação do reino, o rei Lucius transmudava-se completamente. Aquilo que era o vigor em pessoa, a disposição e a alegria, cedia lugar a um homem triste e angustiado, tecendo mil idéias no pensamento e buscando respostas para o que somente ele sabia. Não eram raras as vezes que sentia um fio de lágrima escorrendo pelo rosto. O rei com sua íntima aflição.
Sua esposa, fazendo valer os pressentimentos que somente a mulher que ama sabe ter, percebia ocasionais mudanças no humor do soberano companheiro. Ela mesma sentia algo diferente lhe afligindo o espírito, como a dizer que precisaria urgentemente saber o que estava se passando no íntimo do rei. Relutou muito, porém numa noite de intenso temporal perguntou-lhe:
- Confesse-me, meu esposo, o que sentes que o deixa tão amargurado?
Sem saída, e talvez necessitando mesmo de desabafar junto a ela, se aproximou da janela e, de costas, começou a falar:
- Os campos que foram cultivados produziram muito menos do que esperávamos, e isso já vem ocorrendo há algum tempo, mais precisamente três anos. Não sei o que poderemos fazer mais tarde para alimentar toda essa população. Os cofres do reino há muito que não recebe moeda excedente, e o que tem vai se consumindo com as despesas. E também não sei até quando suportaremos tal situação. Nossos soldados reclamam da qualidade da alimentação e dos salários atrasados; do mesmo modo os comandantes, que além disso reclamam cada vez mais das armas ultrapassadas e da falta de treinamento dos seus homens. No exército está totalmente fragilizado, é o que insistem em dizer. Quanto a isso, também ainda não sei o que fazer. O povo, que é o que faz o reino existir, ainda não sabe de todos esses problemas, ainda nem imagina o que poderá lhes acontecer no futuro...
- E o que poderá acontecer, meu rei? – Indagou a esposa assustada.
- Como diz o ditado, daria um reino para saber o que acontecerá no futuro. Contudo, por enquanto é bom que tudo pareça normal, que os outros reinos nem imaginem que temos problemas, que o povo viva em paz e tranqüilidade, mesmo que isto possa ser passageiro. Quanto a nós, não se preocupe, pois o que mais penso é em reservar um grande futuro para o nosso filho. Todos nós estaremos a salvo, isso eu garanto. Afinal, dizem também que um rei nunca deve perder a majestade. Farei de tudo para reverter toda essa situação que ameaça a vida e a dignidade do reino.
Após esse diálogo tortuoso, silenciosamente deitaram e, mesmo de olhos fechados, certamente que não dormiram naquela noite. Os pensamentos tinham os mesmos efeitos da tempestade lá fora: inquietação e desordem.
Na manhã seguinte, enquanto se preparava para um encontro com auxiliares, o rei recebe a visita inesperada de seu ajudante-de-ordem, o sempre espirituoso e amigo Bernal, também chamado feiticeiro do bem, que entrou quase correndo na sala.
- Meu senhor, meu senhor, só o bom Deus sabe como isto chegou às minhas mãos, mas veja o que está escrito, tanto num lado como no outro.
Sem demora, e demonstrando espanto e muita curiosidade, o rei segurou a folha já amarrotada e desgastada de papel e leu as duas frases escritas. Primeiro, “Debaixo do sol, de norte a sul desse lugar, num reino fragilizado e com um rei amedrontado, surgirá um menino para salvar o rei, o reino e o seu povo”; e depois, “O rei nasceu, mas o reinado poderá morrer”.
O rei Lucius enrubesceu, estremeceu, seus olhos brilharam. Era um aviso, com certeza aquelas palavras eram um aviso, concluiu apressadamente. Mas por que, de quem partiu e como chegou ali? O rei precisava imediatamente obter a resposta para tais indagações.

continua...


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

O ESTADO NEGLIGENTE E O POVO DE LUTO

O ESTADO NEGLIGENTE E O POVO DE LUTO

Rangel Alves da Costa*


Naquele final da manhã de segunda-feira, dia 25 de janeiro deste ano, eu estava no meu escritório quando ouvi um estampido alto e seco. Pensei dois segundos, corri até o portão, fui até a esquina e vi a cena dantesca: Eraldo estava estirado no asfalto, com o corpo virado pra cima e a cabeça latejante de sangue. Estava morto, no percurso entre o seu comércio de bebidas e a sua casa, que ficavam quase em frente, e fora assassinado instantes atrás por covardes que se evadiram numa moto e que, para roubar o dinheiro recebido dos vendedores do Pré-caju, praticaram o latrocínio.
A repercussão dessa tragédia certamente que foi acompanhada pela grande maioria da população sergipana, e também da brasileira, vez que as emissoras de televisão locais e nacionais, bem como os jornais e rádios, noticiaram amplamente o fato. A família, na sua dor e incompreensão do que tinha realmente ocorrido, foi prontamente amparada pelos amigos, confortados como foi possível e teve forças para se despedir do seu ente. Contudo, nem a família nem ninguém engole foi a forma como o crime ocorreu, o pedido de ajuda de Eraldo que não foi atendido, a morte anunciada como conseqüência.
Ora, consta que Eraldo, desde cedinho, já havia suspeitado de alguns indivíduos que se encontravam no outro trecho da rua Simão Dias e por isso mesmo telefonou para o 190 para relatar a suspeita e pedir providências. A imprensa mostrou repetidamente a gravação do contato realizado. E é de bom alvitre que se reproduza:
“Comerciante: Bom dia, aqui tem dois motoqueiros parados só de olho. Tem mais de cinco minutos.
Atendente: Eles estão fazendo algo suspeito?
Comerciante: Para mim, estão fazendo algo suspeito. Se é motoqueiro, é suspeito ficar parado há muito tempo. Eles não são moradores da rua. Estão parados há muito tempo e não tiram os capacetes da cabeça. Não tiram o capacete.
Atendente: A placa da moto?
Comerciante: Eu não vejo. Não posso ir até lá ver. Só sei que ele está parado olhando.
Atendente: O senhor visualizou a característica dos indivíduos?
Comerciante: Não. Não conheço. Estão com capacete na cabeça, como é que vou saber?
Atendente: Eu peço que o senhor tenha as características do indivíduo para me passar.
Comerciante: Está certo. Está bom. Tchau.
Sem o retorno do chamado da polícia, ele continuou no local e, no fim da manhã, com tempo de sobra, os criminosos colocaram em prática o que planejavam. O comerciante foi assassinado com um tiro na cabeça quando saía do depósito” (Portal G1).
O que dizer, então, disso tudo: a suspeita, o medo, o pedido de ajuda, a ajuda que não veio e o assassinato? Pelo que sabe, até o presente momento, apenas a atendente do telefonema dado por Eraldo pagou o pato. Como é do conhecimento de todos, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. No aparato da segurança pública do Estado ninguém vê ou aponta, dentro da corporação, alguém que possa ter negligenciado nessa falta de atendimento aos rogos do comerciante.
O problema é que dentro da própria segurança pública, logicamente que antevendo repercussões ainda maiores, ao invés de assumir possíveis erros existentes, simplesmente deliberaram por trocar acusações ou fazer suposições dentre eles mesmos. Para uns, a culpa pelo negligenciamento foi única e exclusiva da funcionária terceirizada que fazia o atendimento no CIOSP; para outros, teria que ter profissionais capacitados para fazer o acompanhamento e checagem de todas as informações que são repassadas ao CIOSP, fato que não ocorreu naquele dia; uns afirmam que os atendentes precisam ser melhor treinados; e ainda outros dizem que o ocorrido foi apenas um infortúnio.
Afinal de contas, é preciso que o Estado, através de seus responsáveis, venha a público e assuma que houve um grande e grave erro, aliás, gravíssimo erro e com proporções que afetaram toda uma sociedade que vê na segurança pública uma política essencial de governo. Ademais, não somente erro, mas também a prática dos crimes de negligência e omissão, dentre outros, além da transgressão de preceito básico da Constituição da República, no tocante à segurança pública enquanto direito e garantia fundamental de todo cidadão brasileiro, seja ele pobre ou rico, grande empresário ou pequeno comerciante.
Com efeito, diz o art. 144 da Carta Magna que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Portanto, a prestação da segurança ao cidadão não é nenhum favor governamental, não é nenhuma política que se deixe de exercer ou não, pelo contrário, é uma ordem constitucional para que o Estado garanta, ou tente garantir, a paz e a incolumidade das pessoas.
Aliás, a segurança pública, enquanto previsão constitucional, deve estar nas ruas, reprimindo as ameaças e as tentativas, combatendo a insegurança, prevenindo contra a violência generalizada. Devendo estar presente a qualquer hora e em todo lugar, mais necessária ainda se torna quando a situação de violência é iminente, como a que vitimou Eraldo. Porém, não estava e não chegou. Só foi para relatar o ocorrido e transportar o corpo.
Dessa previsão constitucional é que o Estado jamais poderá ser negligente ou omisso. Ora, negligência é a falta de cuidado ou de aplicação numa determinada situação, tarefa ou ocorrência; é a omissão, descuido ou desleixo no cumprimento de encargo ou obrigação. De modo específico, é o que o Estado fez quando não deu a mínima atenção para os rogos de Eraldo.
Com relação à omissão, tem-se que o Estado foi omisso ao deixar produzir um resultado quando poderia e deveria evitá-lo. No direito penal, omissão ocorre quando o omitente (o Estado, no caso) devia e podia agir para evitar o resultado e não o fez. É a abstenção de um ato ou de cumprir um dever legal; é a não-realização da conduta exigida por lei, sem a qual o resultado não teria ocorrido, gerando a responsabilidade criminal por ter sido a causa de um delito.
Diz ainda o Código Penal que “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado” (Art. 13, § 2º). Daí concluir-se que o Estado foi omisso e de natureza relevante, pois tinha a obrigação de dar proteção, tinha a responsabilidade de impedir o resultado e criou o risco da ocorrência do resultado.
Assim, por ter infrigido a norma constitucional e agido com negligência e omissão, além de outros crimes que mereceriam maior aprofundamento, o Estado deverá, sim, responder pela sua irresponsabilidade. E isto é também previsão constitucional. É que a Constituição consagrou a responsabilidade objetiva do Estado em seu artigo 37, parágrafo 6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Quer dizer, o Estado, ao assumir a responsabilidade sobre determinada atividade deve arcar com o risco que essa atividade enseja e, assim, assumir a culpa se algum dano for causado aos particulares em decorrência da mesma. E isto está devidamente comprovado nas nossas mentes e nas tristes recordações do ocorrido.
Que o Estado inseguro não continue vitimando pessoas inocentes, pois as famílias não têm nenhuma culpa pelas promessas não cumpridas dos governantes.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

sábado, 30 de janeiro de 2010

NO REINO DO REI MENINO - III

NO REINO DO REI MENINO – III

Rangel Alves da Costa*


Lucius, o novo soberano do Reino de Oninem, passou toda a infância e juventude aprendendo as artes de reinar, do poder e da dominação. Antes mesmo que seu velho pai falecesse já exercia, de fato, tal mister, demonstrando grandes virtudes e qualidades.
Procurou casar cedo e escolheu tomar como esposa uma bela jovem, herdeira de um reino falido que havia sido incorporado ao do seu pai. Se chamava Lize a futura rainha. Ao contrair núpcias, numa cerimônia de grande pompa e suntuosidade, sempre procurou demonstrar um jeito meigo de ser, porém com uma altivez própria das pessoas que nascem e vivem toda uma vida em palácios e castelos.
Com o passar dos anos, cuidando somente dos seus afazeres próprios de rainha, jamais procurou interferir nos assuntos do reino nem conflitar com as decisões tomadas por seu esposo. Por isso mesmo é que o tempo lhe conservava bela, porém com um aspecto cada vez mais triste, com um semblante que denunciava a tristeza de quem ainda não havia conseguido engravidar, fecundar um menino ou menina que lhe fizesse companhia e mais tarde assumisse os destinos do reinado.
A própria população do reino vivia preocupada com a falta de um herdeiro. Depois de anos de casamento, já era tempo de a rainha presentear a todos com um forte rebento. Que fosse até mesmo menina, desde que tivesse no sangue a coragem sempre demonstrada pela família. Como conseqüência dessa constante preocupação, as preces eram muitas, as promessas eram rotineiras e a fé do povo buscava sempre uma solução rápida para o caso.
Verdade é que todos foram ouvidos pelas forças divinas. O rei Lucius anunciou a gravidez da esposa numa grande festa, onde estavam convidados todos aqueles que quisessem participar. Foram dois dias de muita cantoria, comida e bebida. Festividade maior ainda somente quando o soberano soube que o herdeiro que iria nascer era do sexo masculino, um varão para continuar a linhagem da casa de Onimem.
Quando o pequenino nasceu, numa bela manhã de primavera, todo o reino dava, cada um ao seu modo, as boas vindas ao príncipe e futuro soberano, se as forças superiores assim permitissem. No castelo e nos arredores tudo era uma festa só. Inebriado de alegria, o rei determinou que naquele mês todos estariam isentos de pagar as obrigações para com o reino, os homens poderiam se exceder na bebida e as mulheres poderiam reivindicar aquilo que quisessem perante os auxiliares do rei.
Diuturnamente sob a proteção da mãe, o pequenino divertia-se sem a mínima noção do que estava acontecendo ao redor, do seu significado para a vida do reino, de como seria a sua vida a partir dali e das muitas responsabilidades que passaria a ter para o resto de sua existência.
Não era somente um menino bonito, saudável e forte, era a encarnação da história familiar, de uma estirpe, e o suporte a ser trabalhado para mais tarde continuar dignificando o destino do reinado e daquele povo. Por tudo isso, o que se verificava era uma situação singular, onde parecia que o Reino de Onimen já estava, desde aqueles momentos, na dependência do menino. E o nome desse menino era Gustavo, e se as glórias assim permitissem, futuro rei Gustavo.
Já pelo fim das comemorações pela chegada do menino, enquanto um grupo de camponeses bebericava suas últimas forças e esse fulgor alcoólico fazia da boca de cada um festim de frases e palavras desconexas, porém todas no sentido de tentar reafirmar sobre o espetacular desenvolvimento do reino e as muitas conquistas que seriam obtidas dali por diante, um sóbrio senhor com muitas marcas da idade que estava nas proximidades observando e ouvindo tudo, aproximou-se do grupo, pediu cordial licença e disse umas palavras, que mais tarde soariam como verdadeira revelação:
- Nunca esperem demais daquilo que acham que tem demais, pois quando for o momento da necessidade só a um caberá a fartura, que é ao próprio rei. O rei nos abandonará e fugirá com o que tem assim que um reino mais audacioso nos ataque. Ele sabe que um reino não vive só de festas e de bebedeiras, mas sim e principalmente de soldados e guerreiros que o defendam até a morte, se for preciso. E ele também sabe que não conta mais com a força militar que tinha antes, com as estratégias que tinha antes, com toda aquela preponderância que tinha antes. E quando o reino cair, cairemos todos escravizados, a menos que uma velha profecia se cumpra, que é aquela que diz que somente um rei menino nos salvará.

continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

NOVO DICIONÁRIO DO AMOR (Crônica)

NOVO DICIONÁRIO DO AMOR

Rangel Alves da Costa*


Dizem que o amor, enquanto sentimento que uma pessoa nutre por outra, surgiu numa época indeterminada da história, nos labirintos insondáveis do tempo, quando alguém olhou para outro alguém e sentiu que havia melhor coisa para se fazer do que andar perambulando sozinho. Adão e Eva são apenas um exemplo dessa junção entre homem e mulher, cuja relação existente nem de longe se assemelha aos amores de entrega absoluta, sem medo do pecado nem de não ser também amado.
Mas o que é o amor? Sabe-se somente que tal qual um rio que vai jorrando abundantemente sua essência, também tem seus afluentes, que circundam ou seguem ladeando o curso principal, e que muitos denominam de querer, de desejo, de prazer, de relação, de apetite, de afeto, de atração, de carinho, de paixão.
Contudo, se quisermos uma definição de amor para os dias atuais, bem como de seus afluentes, pouco poderá ser alcançado ao folhear um dicionário pomposo, desses do tipo Aurélio, Houaiss, Aulete ou Michaelis, dentre outros. Em todos estes, o amor é apenas um conceito sentimentalista ultrapassado, um sinônimo de virtude espiritual do ser humano, uma definição utópica para uma atitude – o amor é uma atitude – que há muito ganhou contornos que escureceriam de vez os mosteiros. Vejamos sobre o que estamos afirmando.
Segundo o Dicionário Aurélio, amor é 1. Sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa 2. Sentimento de dedicação absoluta de um ser a outro ou a uma coisa, devoção, culto, adoração. 3. Inclinação ditada por laços de família. 4. Inclinação sexual forte por pessoa de outro sexo, geralmente de caráter sexual, mas que apresenta grande variedade de comportamentos e reações. 5. Afeição, amizade, simpatia. 6. Aventura amorosa, amores.
Para o Dicionário Houaiss, o amor é atração afetiva ou física; adoração, veneração, culto; afeto, carinho, ternura, dedicação; aventura amorosa; caso, namoro; ato sexual; o ser amado; demonstração de zelo, dedicação, fidelidade; apego ao que dá prazer, paixão, fascínio.
Por sua vez, o Aulete define o amor como sendo o sentimento que faz alguém querer o bem de outrem ou de alguma coisa; afeto profundo, devoção de uma pessoa a outra; sentimento terno e caloroso de uma pessoa por outra, inclusive de natureza física e sexual; relação amorosa; o ato sexual; inclinação, apego ao que desperta prazer ou empatia.
Outros dicionários indicam no mesmo sentido, pressupondo o amor dentro de um ideal de pureza, de dedicação e virtuosidade. Contudo, cadê o outro amor, aquele que vivenciamos nos dias atuais, que distantemente de ser algo respeitoso, familiar e cordial, transformou-se num conceito que mais se aproxima do pecado?
No mundo atual, onde as apelações são constantes e as indiferenças comandam as relações entre os humanos “descolados” e “ficantes”, ainda poderia se relacionar a ternura que subjaz no amor a conceitos como afeto, dedicação absoluta, adoração, carinho, ternura, dedicação, fidelidade, namoro e compartilhamento?
Nos conceitos observados nos dicionários, outros termos ali constantes se aproximam muito mais dessa descaracterização do amor prevalente entre os moderninhos. Nomeiam pouco, mas poderiam dizer muito mais. Aventura amorosa, apetite sexual, ato sexual, prazer, insaciabilidade do corpo, prostituição, transa, sexo, luxúria, dar uma. Tudo isso é amor na atualidade, ou não é? E não foram citados outros termos vulgares que repassam de boca em boca, até mesmo entre aquelas pessoas que querem se esconder sob o véu da inocência para parte da sociedade.
Ora, o amor não é mais carinho porque não há mais lugar para a carícia, para o afago, para a meiguice. Não é mais afeto porque, a não ser a intenção sexual, ninguém tem mais amizade pela pessoa que está ao seu lado. Não é dedicação porque só querem usar e jamais cuidar. Não é adoração nem culto porque o endeusamento tem hora certa pra começar e mais ainda para terminar. Não é apego porque só é constante durante o ato sexual. Não é simpatia porque não há mais afinidade e correspondência duradoura entre os corpos que se atraem. E não é amor porque isso simplesmente não existe mais e foi uma invenção da lexicografia para dizer, um dia, que aquilo que as pessoas sentem por outras tem um nome bonito.
O que seria, pois, e definitivamente, o amor nos dias atuais? Prazer, nada mais que prazer. As pessoas só buscam o prazer, só vivem pelo prazer e até pagam pelo que lhes dê prazer. Quanto valeria um amor verdadeiro, daqueles cantados por Shakespeare e Vinícius? Ou tem maior cotação o amor adúltero descrito por Tolstoi e Eça de Queirós?
Nos dias atuais, o amor precisa ser reconstruído em seu conceito e significado, sob pena de se achar que se constrói o amor quando a prostituta convida: “Bem, vamos fazer amor?”



Advogado e poeta
e-mail: adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Olha que lua bonita! (Crônica)

Olha que lua bonita!

Rangel Alves da Costa*


Ontem, 28 de janeiro, por volta das seis horas da tarde/noite, despretensiosamente resolvi dar uma olhadinha no horizonte, apreciar aquela paz que reina pelos ares, formar desenhos com as nuvens, dar boas vindas às estrelas e mirar a lua, simples e demoradamente mirar a lua. E que lua bonita! Seria cheia, como dizem os astrônomos, ou lua de poeta, como eu mesmo digo? Não importa. A lua estava lá, embranquecida, num oval em perfeição, linda.
Não, não posso e não devo mentir. Havia ainda outro motivo para essa contemplação no final da tarde. Queira ou não, ela me chega na lembrança e dança, baila docemente no meu olhar de saudade. Às vezes, a coloco no espelho da lua e vejo ora sorrindo, ora com a mesma feição de despedida daquele tempo ido.
Naquele tempo ido não te amava mais do que agora. É que o ser humano, por pensar que tem tudo o que quer na hora que desejar, não valoriza aquilo que realmente possui, que está ao seu lado. Quando não estavas mais, e não pude ter o que queria como desejava, simplesmente passei a amar pelo não ter. E onde estava o amor de antes, que eu não soube revelar por achar que jamais perderia?
Naquele tempo ido não precisava tanto de ti como agora. Fiz da minha prepotência, do meu egoísmo e da minha suposta autossustentabilidade formas de imposição que somente confirmaram minha fragilidade. Mas isso reconheço agora; naquele tempo não, pois pensava que voltaria sempre no dia seguinte, sorrindo e com as doces palavras de sempre. Quando chegou uma manhã sem você, as armas que possuía simplesmente deixaram de existir. E o imbatível guerreiro chorou feito menino.
Naquele tempo ido eu pensava que até hoje estarias aqui. Tinha até certeza disso. Nascemos um para o outro, afirmamos após o beijo; nada jamais nos separaria, dissemos após o abraço; um não viveria sem o outro, juramos no instante do amor. Tudo que existia entre nós indicava uma união duradoura, um compromisso de amor eterno entre duas pessoas jovens que não souberam alicerçar nem o amanhã. Quando comecei a reivindicar a posse de toda a sua vida única e exclusivamente para mim, quando não respeitei sua liberdade de mulher que tinha outros compromissos na vida, é que fui percebendo que tudo aquilo que havia sido dito eu quis dizer de outra maneira: você nasceu para mim, você não pode separar de mim, você não vive sem mim. Pretensão demais para quem não tinha alicerçado nada. E tudo ruiu.
Perdoa-me por tudo. É que naquele tempo ido eu quis fazer de tudo aquilo existente entre nós uma mera posse, pensando ter direitos adquiridos sobre você. Mas eu nem sabia o real significado nem as conseqüências disso. Apenas jogava o jogo do homem e sua virilidade, seu poder de mando e desmando, sua obsessão doentia. Hoje sei que apenas joguei o jogo dos perdedores. E quanto perdi...
Naquele tempo ido eu não sabia amar como agora. Na solidão, aprendi a amar e faço desse amor uma paixão. Mas alguém amaria tanto sem um outro ser para dizer que amo? Não sei dos outros, sei de mim que amo. E é por isso mesmo que em todo entardecer venho te dar um beijo, venho matar a saudade e dizer que te amo mais ainda. Por isso mesmo é que vou mirar a lua, cheia, linda, como a tua lua de mel que não tenho mais.
E dirá meu coração com saudades: Olha lá que lua bonita!


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

NO REINO DO REI MENINO – II

NO REINO DO REI MENINO – II

Rangel Alves da Costa*


O Reino de Onimen ficava numa extensa planície do País dos Voantes. Segundo a lenda, possuía essa denominação porque seus primeiros habitantes, ao invés de embarcações ou por terra, chegaram à região pelos ares, voando em pássaros gigantes. Foram esses mesmos pássaros que, com seus enormes e fortes bicos, deram feição à geografia do lugar, abrindo lagos e leitos dos rios, derrubando ou formando serras e montanhas, arrancando árvores para a plantação e espalhando sementes pelos campos, enfim, adequando o lugar do melhor modo para os seus habitantes.
Onimen era apenas mais um dos muitos reinos que dividia o país. Contudo, era o maior, o mais prestigiado e o que detinha maior poder político, econômico e bélico. Seus guerreiros eram reconhecidos principalmente por jamais haverem perdido uma só batalha, tanto defensiva como de ataque. Extremamente fiéis ao seu soberano, davam a próprio vida em defesa do reino. Era essa a fama que tinham mesmo nos lugares mais distantes.
A formação do Reino de Onimen é pagina ainda hoje prestigiada nos anais da história. Segundo os relatos históricos, um jovem camponês insatisfeito com as condições de trabalho que lhe eram impostas num reino de senhor cruel e desumano, resolveu fugir com sua esposa para uma terra distante, onde fez moradia e passou a viver. Não demorou muito e outras pessoas, fugindo dos seus algozes ou simplesmente buscando um lugar para morar, foram chegando, construindo suas rústicas habitações e em pouco o lugar já tinha as feições de povoação.
Por ser o pioneiro do lugar, pelo espírito de coragem e pela liderança conquistada perante os demais, o ex-camponês se tornou numa espécie de administrador da localidade. Juntamente com auxiliares, planejava tudo, determinava as terras para que cada família pudesse plantar, decidia sobre a destinação das colheitas, arrecadava uma parte dos lucros para investir na segurança, comandava o pequeno exército, determinava as táticas e as estratégias de defesa. Contudo, como era de se esperar, foram atacados por povos vizinhos e, na necessidade de se defender, tiveram que contra-atacar e matar invasores, chegando aos seus domínios e tomando suas terras. Assim, o povoamento foi crescendo e se transformou num pequeno reino.
O Reino de Onimen chegou às dimensões que tinha não por obra do acaso. Como dito anteriormente, invasores mais arrogantes do que preparados para as batalhas eram presas fáceis. Uma vez derrotados, tinham que pagar com suas terras o prêmio dos vitoriosos. Tinham que trabalhar para o rei e para o reino, adaptando-se aos poucos ao novo senhorio e mais tarde se tornando também defensores daqueles domínios.
Foi construído um grande castelo no local mais elevado do reino. Pela sua estrutura sólida, suas largas paredes de pedras e aposentos bem fortificados, resistiu às intempéries do tempo e às hordas inimigas, e talvez por isso mesmo continue majestoso até hoje em Onimen. Cercado por altos e largos muros, com torres de sentinelas espalhadas pelos quatro cantos e contendo ainda fossos e uma praça de armas, a residência do soberano é na verdade uma grande fortaleza. Até indestrutível para muitos, vez que os inimigos e invasores jamais conseguiram ultrapassar seus portões.
Dizem que o castelo de Onimen possuía mais de cem aposentos, dentre quartos, salas e outros compartimentos. Mas por que isso tudo, indagavam os do lugar, se o rei só tem como familiares sua esposa e um único filho? Mesmo que possuísse o dobro dos serviçais que possui, mesmo assim o castelo ainda seria grande demais para todos. É a demonstração da força, do poder e da riqueza do rei e do reino, diziam outros. E estes estavam com a razão, pois naqueles tempos os reinos sobreviviam mais das aparências e do que das necessidades reais de sua existência.
Esse rei pioneiro, ex-camponês revoltoso e fundador do Reino de Onimen, morreu com muitos anos, viúvo e já perto dos cem anos, porém realizado pelo que pôde construir e deixar para que seu filho único, Lucius, desse prosseguimento à sua obra, realizações e conquistas, fizesse sobreviver aquele reino por muitos e muitos anos.
O sucessor do velho Ferdinand passou, doravante, a ser seu filho único, Lucius, que agora reinava soberanamente naquelas terras do País dos Voantes.

continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertão.blogspot.com

Melhor assim (Poesia)

Melhor assim


Enquanto você fingia que vivia
Eu sofria calejando debaixo do sol
Plantando a semente e colhendo os frutos
Que nos dava a certeza de viver

Enquanto você viajava em quimeras
Eu procurava ter a consciência
De que muito melhor que o sonho
É acordar para a realidade e transformá-la

Enquanto você simplesmente dormia
Eu acordava no canto do galo
E ordenhava a manhã, cultivava o sol
Lavrava a tarde e pastoreava a noite

Enquanto você não me amava
Eu dividia todo amor que guardo
Do menor ao maior dos meus filhos
E bastava esse amor para ser feliz

Enquanto você cismava de ir embora
Eu abanava o fogão de lenha
Com a caça, o feijão e o arroz
E depois tinha paz com a família que ficava.



Rangel Alves da Costa

Nada mais que isso (Poesia)

Nada mais que isso


Minhas lutas
Sempre foram as lutas
Para que os sonhos
Não morressem
Sem qualquer vitória

Minhas guerras
Sempre foram as guerras
Para que as vitórias
Não se transformassem
Em nada conquistado

Minhas batalhas
Sempre foram as batalhas
Para que a vida
Tenha na medida
Do que foi lutado.


Rangel Alves da Costa

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

NO REINO DO REI MENINO - I

NO REINO DO REI MENINO – I

Rangel Alves da Costa*


Não se sabe onde nem quando, em qualquer tempo perdido no tempo, um velho ia por uma estrada e parou para descansar um pouco debaixo de uma árvore frondosa, de muitos frutos e muita sombra.
Depois de atravessar uma vereda estreita, o velho chegou até a árvore, colheu alguns frutos, saciou a fome, bebeu um pouco de água do cantil, fez de travesseiro o surrado bornal de andante, pensou um pouco na caminhada que ainda tinha pela frente, cochilou e dormiu. Adormeceu e logo sonhou.
“Ao teu lado esquerdo, perto do lugar aonde a sombra vai encontrando o sol, e onde está brotando uma plantinha azulada, é aí que deve cavar, com o cuidado de não arrancar a raiz da plantinha, até encontrar uma caixinha de madeira, feito um pequenino baú. Pegue com cuidado esse objeto, coloque novamente a terra como estava, deixe tudo no seu devido lugar. Não poderá abrir a caixinha de jeito nenhum, apenas segure-a com cuidado e siga seu caminho, sem olhar para trás. Seguindo pela estrada, avistará um pequeno córrego de água transparente. Vá até sua margem, abra com cuidado o pequenino baú, leia o que está escrito no papel guardado dentro dele e depois jogue a madeira nas águas do córrego, mas não o papel com o que está escrito. Este deverá ser jogado para o ar, pois o vento se encarregará de levá-lo para o lugar certo. Depois siga novamente o seu caminho e vá espalhando o que leu. Não faltarão pessoas para ouvi-lo. Isso eu garanto e assim será”, eis o que o velho sonhou.
Naquela idade, conhecedor dos mistérios da vida e dos segredos dos sonhos, ele não indagou pra si mesmo em nada sobre o acontecido. Se havia sonhado, que as ordens do sonho fossem cumpridas. E assim foi feito. Naquela tarde e nas tardes seguintes, em diversas regiões diferentes, pessoas viram uma folha de papel lá no alto, esvoaçando lentamente pelos ares, sem se aproximar do chão, sem perder seu rumo, apenas seguindo em frente.
Seguindo pela estrada, cumprindo ainda as ordens do sonho, e não se sabe bem os motivos, mas as pessoas o chamavam, ofereciam descanso e alimento e pediam para que falasse sobre um sonho que todos andavam comentando. E mais uma vez ele fazia o relato e finalizava com o conteúdo do que estava escrito:
“Debaixo do sol, de norte a sul desse lugar, num reino fragilizado e com um rei amedrontado, surgirá um menino para salvar o rei, o reino e o seu povo”.
Mas isso não quer dizer quase nada, era o que a maioria das pessoas dizia. Viviam num reino, tão antigo como a própria história, acostumados ao modo de viver repassado de gerações a gerações, satisfeitos com os direitos e as obrigações impostas, protegidos pelas forças do reino, enfim, tudo na normalidade desejada por todos.
Ademais, o rei, mesmo que dificilmente alguém obtivesse permissão para lhe fazer uma consulta – e era visto somente durante as caçadas e por ocasião das grandes festividades – gozava de plena saúde e vigor, estando cada vez mais poderoso, reconhecido e temido pelos outros povos. Diziam até mesmo que a sua esposa, uma bondosa e graciosa rainha, havia dado à luz há poucos meses um belo menino, tão desejado por seus pais e por todo o reino, vez que o casal ainda não havia gerado filhos, o que preocupava em termos de sucessão do trono.
Diante de tais circunstâncias, nada demais poderia haver naquele sonho tão comentado por todos. Foi assim que pensaram. Contudo, como nunca há unanimidade nas conversas e nos fatos que se espalham, aqui e acolá se ouvia, aos buchichos, pelos cantos, que aquela mensagem deveria ser decifrada de uma maneira diferente, pois o que o escrito quis realmente dizer era que o reino estava enfraquecido e que seria invadido por homens comandados por um rei muito novo, ou que o rei poderia perder o trono porque agia feito uma criança, ou ainda que iria nascer um menino para ser o futuro rei e salvar o reinado. Enfim, as insinuações eram muitas e por isso mesmo foram sendo esquecidas, com a grande maioria das pessoas relegando o fato ao esquecimento.
Até que numa tarde de verão, com o calor gracejando das idéias e dos pensamentos, chega correndo um jovem camponês com um papel abarrotado na mão. Era a mensagem descrita no sonho, só que agora com palavras escritas também no verso, no outro lado da folha. E estas diziam:
“O rei nasceu, mas o reinado poderá morrer”.

continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Agora solidão (Poesia)

Agora solidão


E as tardes se vão
E nos dão a solidão
Sem pedir licença ao coração

Era entrega o amor
E desse amar o ardor
A invadir e a queimar
A paixão a nos doar
Cada silêncio e cada grito
Em noites de infinito

Agora que fostes
As tardes se vão
Chamando noites de solidão


Rangel Alves da Costa

Era uma vez (Poesia)

Era uma vez


Era uma vez
um silêncio
Era uma vez
uma palavra
Era uma vez
um não
Era uma vez
uma tristeza
Era uma vez
uma lágrima
Era uma vez
um arrependimento
Era uma vez
outro silêncio
Era uma vez
outra palavra
Era uma vez
um sim
Era uma vez
um troco
Era uma vez
um não
Era uma vez
uma briga
Era uma vez
um sorriso
Era uma vez
um abraço
Era uma vez
Namorados
E foram felizes
para sempre...


Rangel Alves da Costa

Dai-me... (Poesia)

Dai-me...


Dai-me o mar imenso
Preciso dessa distância
Desse vento de incerteza
Desse porto desconhecido.
Dai-me esse voejar bem alto
Preciso desse horizonte
Desse azul entristecido
Desse pouso noturno inseguro.
Dai-me essa estrada incerta
Preciso desse caminhar
Dessa curva e dessa pedra
Desse sol e dessa sede.
Dai-me esse grito pra gritar
Preciso desse dizer
Desse cansar e desse não
Desse silêncio e desse aceno.
Dai-me essa viagem, esse passo
Essa queda, esse cansaço,
Esse adormecer
Esse acordar
Esse viver
Tudo
Que preciso
Ter
Pra
vi
ver.



Rangel Alves da Costa

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

AS LIÇÕES E OS ERROS

AS LIÇÕES E OS ERROS

Rangel Alves da Costa*




Queiramos ou não, somos todos pós-graduados, doutores e especialistas nas lições da vida. O passado, o presente e até o futuro são acervos que guardam um infinito cabedal de conhecimentos que os indivíduos dispõem para entender as realidades, as causas e as conseqüências das coisas. Daí que não deveria prevalecer a reiteração de práticas errôneas se as conseqüências nefastas de tais ações já são por demais conhecidas.
Contudo, indivíduos existem que insistem em não aprender ou fingem que o que acontece ao seu redor em nada lhe diz respeito. Omissos aos fatos que podem ensinar e às ações que devem aprender, simplesmente procuram trilhar um caminho obscuro onde o erro começa a ser prática comum e a fazer parte do cotidiano, interferindo mesmo na vida do próximo, e tudo porque não quiseram ou não querem ver aquilo que está diante dos olhos. Existem mais pessoas com tais características do que imaginamos.
Há muitos anos atrás, por volta do século IV a.C., o chinês Sun Tzu escreveu um pequeno livro de conteúdo militarista, A Arte da Guerra, que viria a se tornar no grande manual para aqueles que vão não somente travar batalhas bélicas, mas também, e principalmente, numa coletânea de estratégias para o enfrentamento das batalhas da vida. Os generais conhecem a fundo essas lições, os seus comandados também, e as pessoas comuns aprendem a erguer, através dos escritos, verdadeiras trincheiras para buscar vencer os desafios que se apresentam nas lutas cotidianas.
E disse o mestre: "A água não tem forma constante. Na guerra também não existem condições constantes. Por isso pode-se dizer que é divino aquele que obtém uma vitória alterando as suas táticas em conformidade com a situação do inimigo”, "Aquele que conhece o inimigo e a si mesmo lutará cem batalhas sem perigo de derrota; para aquele que não conhece o inimigo, mas conhece a si mesmo, as chances para a vitória ou para a derrota serão iguais; aquele que não conhece nem o inimigo e nem a si próprio, será derrotado em todas as batalhas", “Os bons guerreiros fazem com que os adversários venham a eles, e de nenhum modo se deixam atrair fora de sua fortaleza”, “Se as árvores se movem, é que o inimigo se está aproximando. Se há obstáculos entre os brejos, é que tomaste um mal caminho”.
No século XVII, um pensador e teólogo espanhol chamado Baltasar Gracián escreveu um opúsculo denominado A Arte da Prudência, obra didática onde procura demonstrar situações de prudência na conduta dos indivíduos perante as mais diversas situações. Assim, dentre muitos outros aspectos, ensina que: “Não se deve agir sempre igual, pois a rotina se tornará uma armadilha e as ações serão antecipadas e frustradas”; “A perfeição não está na quantidade, mas na qualidade. Tudo que é muito bom sempre foi pouco e raro: usar muito o bom é abusar”; “É preciso sempre estar do lado da razão com tal firmeza, que nem a paixão do povo nem a violência tirânica, façam com que se desvie dela”; “Não há maior vingança do que o esquecimento”; “O desprezo é a forma mais subtil de vingança”; “Todos os homens são idólatras, uns da honra, outros do interesse e a maior parte do prazer”; “O primeiro sinal de ignorância é presumirmos que sabemos”; “As verdades mais importantes só são ditas metade”; “Não há mestre que não possa ser aluno”.
Os conhecimentos bíblicos não deixam negar a força dos ensinamentos. A Bíblia, mesmo de leitura praticada por uma seletiva gama dos povos, possui o dom de ter suas lições cristãs acessíveis a todos, pois repassadas diuturnamente pelos pregadores, leigos e nos ofícios próprios das igrejas. É difícil imaginar alguém que já não tinha ouvido falar nos seus preceitos, nos exemplos contidos nos evangelhos, das muitas lições que podem ser extraídas para ilustrar as virtudes e as boas condutas dos seres humanos.
Ajam ou não os indivíduos com a certeza disso, verdade é que a grande maioria das condutas humanas são previamente estabelecidas pela Bíblia como certas ou erradas. Os dez mandamentos não deixam mentir: Amar a Deus sobre todas as coisas; não tomar Seu santo nome em vão; guardar domingos e festas; honrar pai e mãe (e os outros legítimos superiores); não matar (nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo); não pecar contra a castidade; não furtar (nem injustamente reter ou danificar os bens do próximo); não levantar falso testemunho; Não desejar a mulher do próximo; Não cobiçar as coisas alheias. Tais são os mandamentos da Lei de Deus, que podem ser sintetizados em apenas dois: "amar a Deus sobre todas as coisas" e "amar ao próximo como a nós mesmos".
Ademais, a Bíblia ainda ensina que o homem deve se abster da prática de quaisquer dos seguintes pecados capitais: Gula (comer além do necessário e a toda hora); vaidade (amor próprio exagerado, conceito demasiadamente elevado que alguém faz de si mesmo); luxúria (apego aos prazeres carnais); avareza (amor desregrado pelo dinheiro e bens materiais); preguiça (aversão a qualquer tipo de trabalho ou esforço físico); cobiça (desejo desenfreado de possuir o que pertence a outro e não a si mesmo) e ira (raiva, ódio, desejo de vingança). Estes são tidos como vícios que devem ser expurgados, de modo que os instintos básicos do ser humano devam ser somente aqueles que obedeçam a regras de boa conduta, moral e bons costumes.
Existem outras práticas, consistindo em pecados ou ações desabonadoras, que a Bíblia menciona como afronta aos princípios divinos e ao próprio Deus. Neste sentido, Provérbios 6:16-19 declara: “Estas seis coisas o Senhor odeia, e a sétima a sua alma abomina: 1. Olhos altivos; 2. língua mentirosa; 3. mãos que derramam sangue inocente; 4. o coração que maquina pensamentos perversos; 5. pés que se apressam a correr para o mal; 6. A testemunha falsa que profere mentiras; e 7. o que semeia contendas entre irmãos.” Estas são tidas como as coisas que a Deus aborrece.
As lições de berço, tantas vezes repassadas no seio familiar pelos avós, pelos pais, pela velha babá, pelos fiéis amigos, traziam e ainda trazem consigo não só uma preliminar forma de educação para a vida, como também verdadeiros princípios de convivência perante o meio e os demais: “Respeite sempre os mais velhos”, “Peça licença quando for entrar e diga obrigado quando for sair”, “Respeite os outros se quiser ser respeitado”, “Não chame nome feio nem diga palavrão”, “Guarde bem o que é seu e nunca pegue no que é dos outros”, “Quem briga na rua traz tristeza pra casa”. E por aí vão...
Os provérbios, os ditos populares e os ensinamentos orais do povo são também recheados de cautelas, observações de como deve ser a conduta humana e até de profecias. Essas tradições que são ditas e ouvidas cotidianamente possuem significados muito maiores do que imagina quem as pronuncia ou ouve. Somente analisando detalhadamente é que se pode alcançar os fundamentos de tais verdades populares. Assim, diz a voz do povo: “Devagar se vai ao longe”, “Quem desespera não pode nem esperar”, “Quem fala o que quer ouve o que não quer”, “Todo valentão morre cedo demais”, “A palavra vale prata; o silêncio vale ouro”; “Em boca fechada não entra mosquito”, “A vingança é um prato que se come frio”.
Como observado, se dizem que a vida é feita de lições, para viver irremediavelmente as pessoas têm que aprendê-las. Não significa que cada um tenha que estudar, se formar, para ter o entendimento suficiente sobre as coisas. De forma alguma, pois sabe mais aquele que quer aprender e aprende com a própria vida. Quando afirmamos que somos formados, pós-graduados e doutores nas lições da vida, é no sentido de afirmar que todos conhecem suficientemente bem os ensinamentos que a vida oferece, pois todos, e em todos os lugares, são sempre lembrados sobre o certo e o errado, sobre o desvio e o pecado, sobre o que pode ou não ser feito. Ouvir, aprender, repassar e viver com dignidade a partir desse aprendizado, é uma outra questão, que implica necessariamente no comprometimento que cada tem consigo mesmo e com o próximo.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Caminho e estrada (Poesia)

Caminho e estrada


Olho adiante e tenho
Um caminho e uma estrada
Qual devo seguir
Para fugir daqui?

Dizem que o caminho
É longo e com labirintos
Falam que a estrada
É distante e com armadilhas
Afirmam que caminho e estrada
Fazem curvas pela vida
E voltam ao mesmo lugar

Olho para trás e vejo
O quanto cansei
Para aqui chegar
E sinto que o melhor destino
É esse eterno ficar.


Rangel Alves da Costa

Flor/você (Poesia)

Flor/você

Abri a janela
Molhei o pensamento na chuva
E senti água e lágrima
Encharcando a terra molhada
E uma semente de saudade
Que já estava ali

A chuva passou
Ficou a janela aberta
E a semente alimentando-se
Das tardes e das noites
E da saudade em alguém
Que vem à janela molhar a terra

Dói cultivar essa flor
Entristece olhar o jardim
Fere ser jardineiro
Daquilo que tenho
E não posso ter
Flor/você.



Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

PLUTO ESTÁ NO PODER

PLUTO ESTÁ NO PODER

Rangel Alves da Costa*


Segundo a mitologia grega, Pluto (não confundir com Plutão, deus do mundo subterrâneo) era o deus da riqueza, da abundância e da generosidade, podendo-se obter dele infinita quantidade de qualquer coisa que se desejasse. Era representado como uma criança levada pela mão da Fortuna, ou como um velho de olhos vendados carregando uma bolsa.
No seu mundialmente prestigiado Elogio da Loucura, Erasmo de Roterdã qualifica Pluto como pai da insanidade, da própria loucura por ele defendida. Assim, caracteriza-o como pai dos deuses e dos homens, que faz o que quer e quando quer e altera radicalmente as coisas profanas e sagradas; dirige a seu talante a guerra, a paz, os conselhos, os tribunais, as assembléias, as leis, os tratados, as alianças, os assuntos sérios e as coisas erradas; intromete-se sem pedir permissão na vida das pessoas; enfim, governa como quer todos os negócios públicos e particulares dos homens.
Pelas duas concepções de Pluto expostas acima, não seria errôneo afirmar que esse deus de segunda categoria (é esta a sua categoria na mitologia) faz da riqueza e da abundância que tem uma forma de governar os homens do jeito que lhe venha à cabeça, como num sopro de querer assim ou assado, sem se ater, em instante algum, às conveniências ou cautelas que devem pautar as ações daqueles que detêm o poder.
Quando Pluto é representado como um velho de olhos vendados carregando uma bolsa, assim está porque deveria distribuir a sua riqueza indistintamente entre todos. Não podendo enxergar, também não poderia fazer escolhas próprias, dando a determinadas pessoas muito mais do que a outras. Significaria que o poder benfeitor do deus deveria alcançar a todos, sem nenhum privilégio de classe.
Contudo, não se sabe porque cargas d’água, o guia de Pluto, que poderia ser o próprio povo, um dia tirou-lhe a venda dos olhos e deu no que deu. Governante, com o poder nas mãos, com muitas riquezas à sua disposição, podendo enxergar seus apadrinhados e fazer as escolhas que quisesse, decidiu ser um plutocrata.
A plutocracia nasceu assim, da junção entre o poder e a riqueza. Esta deveria ser, na verdade, o poder exercido pelos que têm riqueza. Contudo, o que se observa é que tal conceito se transformou numa forma de distribuição de riqueza por aquele que detém o poder. Tal distribuição, frise-se, é feita pelo governante aos grupos que lhe dão apoio, aos aliados que defendam as ações do poder, e aos amigos de que detém o poder. De certa forma, as riquezas distribuídas pelo governante aos seus escolhidos, formando uma base de poder econômico e poderio político, faz gerar uma plutocracia secundária.
Ora, Pluto é uma entidade da mitologia grega, sendo esta uma forma de que dispõe as pessoas de explicar, através do apenas idealizado, a realidade das coisas e do mundo. Entretanto, entre o mito e a realidade há muito mais do que imagina nossa vã filosofia, como diria o poeta. E nesse ínterim, juntando o mitológico com a realidade que presenciamos perante muitos governantes, poderemos chegar a uma mitologia política brasileira, com diversos Plutos governando para o deleite dos seus escolhidos.
Nesse Olimpo que é o país, os Plutos se espalham desde o panteão, que é Brasília, até as diversas moradias dos semideuses, que são os estados. Tal qual o deus mitológico, sem a venda da imparcialidade e da moralidade, cada um acumula para si as riquezas geradas pelo povo e vai distribuindo-as ao seu bel-prazer entre os já conhecidos escolhidos.
Da bolsa do Pluto grego saía verdadeiras fortunas, dos cofres governados pelos Plutos brasileiros as fortunas saem com endereçamento certo. Não se trata aqui do dinheiro destinado às obras públicas ou à manutenção da máquina estatal, mas sim daquelas verbas destinadas às Ong’s amigas, às associações e sindicatos amigos, aos partidos políticos, entidades de fechada, políticos corruptos, políticos com sede de poder e amigos do poder, empreiteiros e o escambau.
Contudo, agem assim, descaradamente, e ninguém pode fazer ou dizer nada, afinal são Plutos. E como tal fazem com que a junção entre o poder e a riqueza cale de vez os insatisfeitos, afinal podem, em nome daqueles que lhe endeusaram, fazer e desfazer, mandar e desmandar, que não é da conta de ninguém. Tendo nas mãos o comando do público e do privado, que sorte teria um reles do povo que fosse de encontro à vontade de um deus, mesmo que não passe de um Pluto?


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Vintém de história (Poesia)

Vintém de história


Era em vintém o troco que
Meus antepassados mercadejavam
As boas sortes da vida
Alguns tostões
A vida começou a valer
O sertão era moeda cara
Para se viver
A felicidade não se compra
Com dez mil réis
Nem a fartura
Com botija guardada na memória
Desse ter não ter
É que herdei a fortuna
Depositada no carcomido baú
Da minha história
E que só dá para comprar
Um punhado de saudade
Um pedaço de viver
E um futuro que não vale nada
Mais nada...


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Deserto (Poesia)

Deserto


Na tenda estendida
No deserto sob o sol
Eu e minha sede
Estendidos na solidão
Que arde sob o sol
Só sob o sol

Cai a chuva sobre mim
Os frutos são fartos ao redor
A brisa gelada consola
O corpo cansado repousa feliz
Ou sou eu enlouquecido
Perdido nessa viagem
Iludido nessa paisagem
Vivendo dessa miragem?

Areal, areal
Se o vento cortante
Me deixasse ver
Saberia onde estou
Esquecido neste árido mundo
Chamando teu nome
Como se fosse oásis.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

domingo, 24 de janeiro de 2010

Desconhecido (Poesia)

Desconhecido


Queira descobrir-me como sou
Desconhecido vivente
Dessa inexplorada existência
Queira conhecer-me como sou
Na tênue luz de uma face
Misteriosamente alegra e triste
Queira compartilhar do que sou
E descobrir e conhecer
O que eu ainda não sei
Porque ainda não viestes
Me habitar e ensinar
O que é amor
Como é amar.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Ressurreição (Poesia)

Ressurreição


Morri ontem ao entardecer
Fui velado pela noite
E sepultado pelo amanhecer

A cada novo dia
Ressuscito tua presença
Teu corpo
Tua palavra
Teu abraço
Teu beijo
Teu jeito de ser
Ressuscito você
Por isso também ressuscito

Mas não ressuscito teu amor
Por isso morro ao entardecer
Esquecido na noite e no amanhecer.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

sábado, 23 de janeiro de 2010

Minhas Marias (Poesia)

Minhas Marias


Onde andará teu andar
Maria minha?
O que verá teu olhar
Minha Maria?
Onde andas, como vives
Maria minha?
Fui eu que parti Maria
Fui eu que cheguei e chorei Maria
Fui que fiquei e não voltei Maria
Ainda lembrará de mim Maria?
Juro que sim, juro que não
Sei que andas ocupada
Com a criança pra criar
Com o marido que não tem
Com a fome, com a sede
Com a seca a se alastrar
Cadê as outras Marias?
Maria minha e minha Maria
Pois a saudade é imensa
De todas as Marias do Sertão.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Felicidade (Poesia)

Felicidade


Era noite e era assim
De lua e de estrela
Na vastidão do sertão
Era manhã e era assim
De chuvisco e despertar
De cheiro de café e leite quentinho
Lá numa casinha distante
Lá num mundo bem adiante
Onde o sertanejo olha a natureza
Conta com um olhar o que tem
Caminha nesse cercado que tem
E depois diz amém
Por possuir muito além
Que é a felicidade
Nesse dia não vai
Não vai à cidade
Que felicidade


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

A tempestade (Poesia)

A tempestade


E veio ainda na tarde
E veio escurecendo o horizonte
E veio com nuvens carregadas
E veio com relâmpagos e trovões
E veio essa revolta da natureza
Devastando a minha natureza

Eu não estava triste
Eu não havia rebuscado o passado
Eu não revivia lembranças e recordações
Eu não havia visto nenhuma fotografia
Eu não reli as cartas guardadas
Mas chegou a tempestade devastando tudo

Sei dos motivos
Sei dessa vida molhada
Sei desse lamaçal na estrada
Sei dessa lágrima jorrada
Sei dessa dose tomada
Sei dessa tempestade

Me tire da chuva
Me põe ao teu lado...


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Até mesmo... (Poesia)

Até mesmo...


Até mesmo porque
A tempestade passou e o vento norte
Retomou seu destino manso
Em direção à rede estendida
No alpendre da minha casa

Até mesmo porque
Posso enxergar adiante e ver
Dois caminhos no final da estrada
E a certeza de que ainda posso
Fazer minhas escolhas

Até mesmo porque
Virá o entardecer amarelo avermelhado
E eu estarei preparado
Para a noite de silêncio escurecido
Esperando alguém bater na porta
E você entrar

Até mesmo porque
Hoje você não vem
Porque ontem você não veio
E porque jamais virá
Enquanto não souber desse amor
Que imensamente amo.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Minha linda bela (Poesia)

Minha linda bela


Tudo em mim há de ter razão
Quando confirma o coração
O que o destino havia dado como lição
Que num tempo haveria um encontro
Que num dia haveria um olhar
Que numa tarde haveria a palavra
Que numa noite haveria a espera
Que no dia seguinte haveríamos ainda

Ah! Minha linda bela
Tudo em ti há de ter razão
Há um limite em toda lição
E o destino quis dizer somente
Que haveria tudo
E tudo houve e haveria mais
Se somente o meu coração bastasse
Para amar sempre e mais
Completamente e por nós dois.



Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Pequena história da solidão

Pequena história da solidão


Numa tarde chuvosa
A solidão nasceu da união
Entre o amor e abandono
Viveu seus primeiros instantes
Na inocência de que a vida
Traz novamente aquilo que parte
Cresceu construindo a esperança
De que alguém entraria pela porta
E ali ficaria em sua companhia
Aprendeu o que é amar
Ensinaram o que é perder
E imaginou que sempre seria cedo
Para ter o que queria
Mas um dia
Cansada daquela realidade
A solidão quis falar, gritar
Aquilo que ninguém ouvia
Porque estava só
E assim continuaria
A todo instante, a cada dia.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Ecologia do homem (Poesia)

Ecologia do homem


Restos, resíduos, respingos
Espalhados, jogados, esquecidos
Lá, cá, acolá
E o homem
Acusado, marcado, xingado
Por matar, sujar, abandonar
A outra natureza
Enquanto a sua
Nua, perdida na rua
Está também
Doente, carente, descrente
Da vida, da sorte, da morte
Porque a proteção
Que você quis dar
Foi deixando, afastando, isolando
O amor que não é
Porque sumiu, calou, morreu.



Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Açoite na noite (Poesia)

Açoite na noite


Quando penso na calma
Da minha alma
É para espantar a noite
E a tristeza como açoite
Basta aquela cor
De negrume e de dor
No silêncio da lembrança
Da face que não alcança
Mesmo assim
Quero essa noite
Essa angústia
E esse açoite
Quero o silêncio gritante
Essa lágrima
E esse instante
E esse jamais esquecer
Que em tudo há você.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

A MAIORIDADE LEGAL E A MAIORIDADE NA VIDA

A MAIORIDADE LEGAL E A MAIORIDADE NA VIDA

Rangel Alves da Costa*


De repente, os pais percebem que aquele filho que ontem era uma criança carecedora dos cuidados próprios da idade, agora se transformou em homem feito com todas as suas características: gestos, ações, desenvolvimento físico e mental. É neste momento que começam a surgir inúmeras indagações: Os cuidados de hoje deverão ser os mesmos de ontem? Como deverá ser nossa relação daqui por diante? Até onde posso continuar me responsabilizando por suas ações? E assim por diante.
Numa breve lembrança de como ocorriam ontem as etapas de desenvolvimento dos indivíduos, logo se percebe que atualmente as coisas estão muito diferentes. Há quinze ou vinte anos atrás, uma pessoa com 15 anos de idade ainda tinha “rédeas curtas”, ainda estava numa etapa de transição entre a criancice e a adolescência, e por isso mesmo, aliado aos rigores de obediência impostos pelos pais, conhecia seus limites e agia comportamentalmente como se estivesse satisfeita com aquilo que a idade permitia.
Hoje não, é tudo diferente. Um jovem de 15 anos já pensa e age como adulto, já sabe o que quer e faz aquilo que bem entende, principalmente quando os pais são do tipo liberal e acham até bonito que o filho comece a errar logo cedo. A partir dos 15 anos parece não haver mais fases de formação desse rapazinho, pois o lado adulto começa a prevalecer sempre. Aos 16, 17, 18 anos, muitos já casaram ou já possuem filhos. Daí surgir outra indagação: Se os pais sabem que o filho já é maior antes mesmo de alcançar a maioridade legal, aos 18 anos, por que então a questão da maioridade continua causando tantos debates e controvérsias?
A resposta até que poderia ser simples, bastando dizer que o indivíduo só pode praticar todos os atos da vida civil e responder por esses atos, inclusive penalmente, a partir do primeiro segundo do dia em que completa 18 anos. Contudo, a questão não é tão pacífica assim, pois o conceito de maioridade envolve diversos outros fatores, que vão desde as concepções que os pais dão ao tema, a capacidade do menor para realizar determinadas atos do mundo jurídico, até os aspectos referentes à maioridade legal propriamente dita.
O que é, então, maioridade? Como o próprio termo indica, significa ser maior de idade, ou seja, ter completado 18 anos. Em direito, maioridade refere-se à idade em que a pessoa física passa a ser considerada capaz para os atos da vida pública (ou seja, para exercer direitos próprios de adultos, contrair obrigações e ser responsabilizado civil e penalmente por suas ações).
O primeiro aspecto que me vem à mente diz respeito ao fato de que os menores de dezoito anos podem, por exemplo, votar, mas para ser candidato precisa ter 18 anos no dia da posse; não podem tirar uma carteira de motorista, mas podem ter um carro em seu nome; podem praticar infrações e delitos e não receber penas como os adultos, dentre muitos outros exemplos.
Mas é assim mesmo. Menores com idade entre 16 e 18 anos têm o direito de voto garantido pela Constituição Federal; para prestar serviço militar, a maioridade começa aos 17 anos; podem casar com menos de 18 anos, mas só com a autorização dos pais. As leis muitas vezes servem somente para complicar, pois bastaria estabelecer um limite único para a prática dos atos e tudo ficaria resolvido. Mas não. Dizem que a maioridade começa antes dos 18 anos para umas coisas e para outras estabelece que somente pode ser realizadas após a maioridade legal, que é aos 18 anos. Mesmo assim, para dirigir veículos pesados e ambulâncias, por exemplo, o indivíduo tem que ter 21 anos.

Por outro lado, se o menor de dezoito anos cometer um crime ele será tido como inimputável, ou seja, que não pode ser penalizado. Isto porque a lei considera o menor como tendo desenvolvimento mental incompleto, que ainda não entende suficientemente bem o que é o certo e o errado na vida. Ora, as leis muitas vezes são antigas, caducas, não atendem mais às exigências da sociedade. Daí que atualmente quem tem desenvolvimento mental incompleto é aquele que pensa ou acha que o indivíduo com 16 anos não tem pleno discernimento sobre o que está certo ou errado nos atos que pratica.
Voltando à inimputabilidade, se praticar um crime, no máximo o menor passará por duas situações: é conduzido até a delegacia até que os seus pais ou responsáveis vão liberá-lo, após prestarem compromisso e atender a determinadas exigências, ou então será encaminhado para uma instituição de recuperação de menores infratores, ou FEBEM, como muitos costumam chamar. Tudo deve ser sempre em conformidade com o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Isto é o que diz a lei, mas não se pode negar que o jovem de 16 e 17 anos, de qualquer meio social, rico ou pobre, tem hoje amplo conhecimento do mundo e condições de saber se os atos que prática são certos ou errados, se são crimes ou não, como já acentuado acima. Por isso mesmo é que grande número de pessoas defende que o jovem ao completar 16 anos já deverá ser responsabilizado criminalmente, ou seja, já pode ser preso e pagar a pena como outro indivíduo qualquer.
Defendo que o maior de 16 anos possa, sim, ser responsabilizado criminalmente, porém desde que não cumpra sua pena no mesmo lugar onde estão misturados bandidos perigosos, criminosos de todos os tipos. A não ser que ele também tenha matado ou cometido um crime de grandes proporções. Aí terá que pagar pelo que fez no mesmo lugar daqueles que praticaram crimes da mesma gravidade.
De qualquer modo, para efeitos jurídicos, a maioridade legal começa aos 18 anos. Presume-se que é a partir dessa idade que o indivíduo já tem plena consciência dos atos que podem ser praticados, agindo com total liberdade e sabendo distinguir perfeitamente o que é certo e o que errado, o que é legal e ilegal. Por isso mesmo é que muitas vezes ouvimos dizer: “ele já é maior de idade e já pode responder pelos seus atos”, “ele já é maior de idade pra saber o que faz”, “ele já é maior de idade pra decidir o que quer”.
Assim, ao completar 18 anos, o indivíduo poderá praticar todos os atos da vida civil, como vender, comprar, assinar documentos, fazer contratos, etc. Se o que fizer der errado, a culpa recairá somente sobre ele, pois já é maior de idade. Do mesmo modo, nessa idade já pode ser plenamente responsabilizado por todos os crimes e infrações que cometer, ou seja, se praticar atos contrários à lei sofrerá todos os rigores com que esta trata os malfeitores da sociedade.
Para muitos, diante do quadro de violência que há muito vem sendo praticada pelos menores, a redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos seria a única forma de dar um freio nessa situação vergonhosa de impunidade. Ademais, como afirmam, um menor com 16 anos que pode votar para presidente pode muito bem pagar pelos crimes que comete. O que não pode é continuar essa idéia de que o menor deve ser protegido pela lei porque ainda não tem a formação suficiente para saber a extensão dos atos que comete. Ora, vivemos em outros tempos, onde a inocência é coisa rara e que certamente não está mais presente naquele que já tem 14, 15, 16 anos.
Pelo lado do menor, parece ser opinião geral de que todos ansiosamente desejam chegar o momento em que tenham alcançado a maioridade legal. E isto possui uma razão clara de ser. O fato é que não desejam mais que os outros continuem vendo-os como adolescentes, muitas vezes como irresponsáveis; sentem a necessidade de gritar para o mundo “olha, já sou maior, já posso fazer o quero e quando quiser”; outras vezes simplesmente querem dar um “troco” aos pais que insistem em continuar tratando-os como criancinhas e reprimindo todos os seus atos.
Aliás, essa questão que envolve os pais e a maioridade dos filhos, como dito anteriormente, merece algumas considerações. Em primeiro lugar, é preciso perguntar até onde ou quando os pais querem ver seus filhos como crianças que precisam de proteção 24 horas por dia. Em segundo lugar, é necessário saber se os pais acompanham corretamente o desenvolvimento dos seus filhos para saber em que idade de responsabilidade estão. Por último, nunca é demais saber se alguns filhos, mesmo maiores, pretendem deixar de ser crianças.
Responder a tais questionamentos não é tarefa fácil, principalmente porque a maioria dos pais não procura distinguir bem a idade da maioridade dos filhos. Quer dizer, o filho com 19 anos, por exemplo, muitas vezes é tratado pelos pais como se tivesse 10 anos, precisando, portanto, de auxílio para praticar seus atos. Do mesmo modo, têm filhos já com 25 anos que não fazem nada, não assinam nada, se não for com a permissão dos pais. Mas tudo isso é uma questão de berço, de forma de criação, que nenhuma lei jamais conseguirá superar.
Portanto, a maioridade legal se dá aos 18 anos, mas isso é uma questão de ponto de vista, pois existem maioridades e maioridades, como tivemos a oportunidade de analisar.


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Ritos da Fertilidade (Poesia)

Ritos da Fertilidade

Os corpos não estão nus
A lua não ilumina o desejo
A fogueira não está acesa
A dança orgíaca não baila
Nos corpos que não se embalam.

O feiticeiro do amor
Chamou o coração
E disse que não haveria paixão
Não haveria entrega
Não haveria o que deveria.

E foi o sinal
Para que o deus do querer
Lançasse o seu véu
Sobre o homem e a mulher
E dissesse que existindo amor
Tudo poderia existir.

Assim ouviu-se uma música
Um toque, um gemido, um grito
E assim os corpos cumpriram
Um ritual somente permitido
Para aqueles
Que verdadeiramente amam.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Eu (Poesia)

Eu


Tenho um nome
E me chamam assim
Sem saber quem sou.
Tenho um sobrenome
E me qualificam assim
Sem a noção de quem sou.
Tenho uma identidade
E uma fotografia
Que identificam aquele
Que não sou.
Ninguém me conhece
E imagina apenas
O que sou ou não sou.
Ninguém diz este ouve,
Este fala, este sente, é amigo.
Este sou eu
E o que sou.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Eu vou (Poesia)

Eu vou


Mesmo que tudo seja difícil,
Distante, desconhecido,
Eu vou.
Não inventaram o medo
Para assustar ninguém
Não criaram o temor
Para amedrontar ninguém
Fizeram surgir a coragem
Para dizer que ninguém tem.
Eu vou
Porque sei onde estais
E tenho a dizer que
Te quero.
Se me faltar a coragem
Direi somente
Que te amo.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Sentimento da Pedra (Poesia)

Sentimento da Pedra


Caiu, rolou, ficou
No mesmo lugar de ontem
Sem que ninguém percebesse
A existência, a aparência,
O sentimento da pedra.
Ninguém percebeu
O musgo, o calcário, o formato
Da pedra que silenciosa
E estaticamente existe
Como qualquer outra vida.
Será a vida dura feito pedra?
O coração pode ser duro como a pedra?
A dor será ponta de pedra?
Aos olhos apressados do homem
Que enxerga e supõe na pedra
O ideal de firmeza infinito
Não viu quando esta chorou
Ao sentir novamente a solidão
E o abandono que lhe foram impostos
Simplesmente para que imaginem
A dureza e a firmeza
Verdadeiramente inexistentes
Na pedra e noutros seres
E se até a pedra chora
Que dirá do homem...


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

(In)certeza (Poesia)

(In)certeza


Olha lá
Olha lá
É o homem?
Não
É o homem

Olha lá
Olha lá
É a vida?
Não
É a vida

Olha lá
Olha lá
É a noite?
Não
É a noite

Olha lá
Olha lá
O que é aquilo?
Não sei
Porque tudo
É e não é
Mas parece a morte
Não parece a morte
É a morte



Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

O jardim (Poesia)

O jardim


Quando parti
Era manhã de chuva
Era outono
E tinha um jardim
Atrás de mim.

Joguei as chaves
Bem distante
Fui seguindo adiante
Sem olhar para o jardim
Atrás de mim.

Assim segui na vida
Assim encontrei
O que não procurei
Por não querer olhar
Para trás

E atrás só havia um jardim
Mas nele lembrança e flor
Nele saudade e dor
Numa pétala qualquer
Que em seu nome era amor.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Depois da guerra (Poesia)

Depois da guerra


Da guerra trouxe somente
Estilhaços no coração partido
Derrota no ser ferido
Traumas na mente que recorda
Medo de tudo acontecer novamente
Mas estava vivo
Pensou

Quis renascer em tudo
Quis recomeçar do nada
Quis refazer a vida e a estrada
Mas sentiu que na batalha do amor
Onde tudo se perde num instante
Não é possível amar
Sem arriscar a vida

E foi pra guerra novamente.



Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

domingo, 17 de janeiro de 2010

Herança (Poesia)

Herança


Fiz bem ter nascido no sertão
E ter essa teimosia de cacto
E a esperança dos que não morrem.
Dizem que sou alegremente triste
Por simplesmente não ter alegria
E inventar o sorriso na dor.
Sou como sou
Porque sou do sertão
E trago pra vida a lição.
Ser mandacaru é saber suportar,
Ser catingueira é saber esperar,
Ser estiagem é saber superar,
Ser sertanejo é saber pelejar.
E é assim que sou
Porque sou do sertão.
E toda essa lição,
Trazida pra bem distante,
É o que faz menos dolorido
Ter que abrir a cancela
Desse curral desconhecido.


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Terra (Poesia)

Terra


Meu corpo, meu pensamento,
Minhas lágrimas, meu olhar,
Tudo é feito de terra.
Molhada, árida, embrutecida,
Tudo é ventania acumulada na terra.
Meu chão de terra,
Meu enxergar sobre a terra,
Meu andar sobre a terra,
As pedras no meio
Do meu caminho terra.
Luto e não alcanço
E tudo cai sobre a terra.
Sonho e não consigo
Ter um pedaço de terra.
Tenho saudade e volto
Ao berço da minha terra.
E mais tarde dormirei
Eternamente no cimento.
Do que é feito o cimento?


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Tempo tempo (Poesia)

Tempo tempo


O meu relógio não está aqui
Guardei todas as horas no armário
E nem quero imaginar
Quanto tempo me resta
Para tudo na vida
Estou com pressa
Tenho que correr
Tenho que viver
Tenho que amar
Tenho que doar
E tenho pressa de ser apressado
Porque a infância passou
A juventude passou
E tudo quer voar
Singrar, partir, viajar
E eu ainda nesse lugar
Só porque você
Me pediu para esperar


Rangel Alves da Costa
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Zé de Julião: o cangaceiro e o homem

Zé de Julião: o cangaceiro e o homem

Rangel Alves da Costa*


Se é verdade que o homem nasceu não somente para passar pela história, mas sim para construí-la, a partir do significado de suas realizações, podemos conceber a vida desse sertanejo como personagem incomum, dentro de suas duas vidas nas brenhas áridas desse sertão de meu Deus: o cangaceiro e o homem. Eis Zé de Julião e todas as vidas de um sertanejo.
Não é nenhum assombro tudo de grandioso que se queira falar dele, pois na história dos grandes e destemidos homens nordestinos, certamente uma de suas páginas épicas retratará com orgulho a vida e os feitos corajosos de José Francisco do Nascimento, o Zé de Julião para os seus conterrâneos, ou ainda Cajazeira, nome de batismo no bando de Lampião.
Zé de Julião, nascido num Poço Redondo caracterizado pela pobreza e longas estiagens, teve melhor sorte que a grande maioria das crianças do lugar. Seus pais, Julião do Nascimento e Constância do Nascimento, eram fazendeiros, possuidores de muitas terras e rebanhos. Contudo, crescer em meio ao sertão rodeado de explorados e exploradores, soldados desumanos e jagunços atrevidos, certamente faria brotar no jovem um destino muito além do que ser simplesmente herdeiro das riquezas de seus pais.
Naqueles idos de 1928, ter qualquer coisa que se afeiçoasse a riqueza era também ter a certeza de involuntariamente submeter-se à exploração da volante e dos bandos cangaceiros. Ora, era sempre mais confiável garantir a vida doando dinheiro ou outros bens. Contudo, foram as contínuas explorações que fizeram com que o pai de Zé de Julião se mudasse para outra localidade. Mesmo casado com a sua Enedina, o rapaz segue o pai.
Entretanto, numa das vezes que jogava baralho com amigos é reconhecido por soldados da volante que, acostumados a tomar dinheiro fácil de seu pai, querem fazer o mesmo com ele. Isto o revolta profundamente; passou a ter profundo ódio por aquele tipo de gente. Porém, o fato mais marcante foi a decisão que tomou diante daquilo que tinha por absurdo: criou impulso e encorajamento para entrar no bando de Lampião, que vivia por aquelas redondezas. Com a decisão tomada, sua esposa Enedina resolve acompanhá-lo na perigosa aventura.
Ao ser aceito como integrante do bando do mais famoso e destemido dos cangaceiros, Zé de Julião é prontamente apelidado de Cajazeira; sua esposa continua com o mesmo nome, Enedina. Assim, integrado ao bando, logo começou a demonstrar ser um dos mais valentes e corajosos. A cada empreitada sertaneja que tomava curso o seu prestígio ia crescendo em meio aos demais.
Ao lado da esposa e fiel companheira na aridez das caatingas, fazia planos para conquistas maiores, vez que imbatíveis naquela guerra sertaneja. E talvez por isso isso mesmo jamais lhe passou pela cabeça o que viria a acontecer naquela sonolenta e triste manhã de 28 de julho de 1938, na Gruta do Angico, às margens do Velho Chico. Quando a volante comandada pelo Cabo João Bezerra atacou e matou Lampião e Maria Bonita e mais nove cangaceiros, sua querida Enedina prostrou-se como uma das vítimas. Desesperado, conseguiu romper o cerco e fugir.
O que restou do bando de Lampião ficou totalmente esfacelado, com alguns cangaceiros se entregando à polícia e a maior parte passando a viver em contínua fuga, buscando se esconder daquela realidade. Não havia a menor possibilidade de reagrupamento. O seu líder estava morto; o cangaço de verdade havia morrido também. E nesse contexto de tristeza e luta com o outro lado da realidade, o que faz Zé de Julião/Cajazeira é fugir, passando a viver na duvidosa proteção de alguns conhecidos da região.
Verdade é que vagueou por algum tempo pelo estado da Bahia até se abrandarem os ânimos das perseguições, retornando após para Poço Redondo. Era filho de lá, tinha família e amigos ali, assim não haveria destino melhor, pensou. Assim, tendo retornado ao seu berço sertanejo, casa-se com uma irmã de sua falecida esposa. Contudo, a paz tão ardorosamente esperada não chega, pois as perseguições policiais continuam. Como para cumprir seu destino de andante, abandonar o lugar seria a única solução para fugir das garras dos famigerados perseguidores.
Seu destino, ao lado da esposa, agora é Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Por lá tinha também parentes e conhecidos, e por isso mesmo fixa residência sem maiores problemas. Porém, como sempre acontece com quem tem os pés enraizados na terra sertaneja, depois de alguns anos a saudade começou a rebentar-lhe o coração. Ficar seria por demais dolorido; retornar seria preciso. Ademais, tomou conhecimento que seu pai havia falecido, o que o deixa ainda mais transtornado e com pressa de voltar para casa. E foi isto que fez.
Já nas terras sergipanas, passa a residir numa fazenda herdada do pai. A situação parece bem diferente, mais calma e tranquila, e assim vai tecendo sua vida de amizade com todo mundo. Por consequência, vê sua influência política crescer fortemente na região. Registre-se que nessa época Poço Redondo ainda não tinha sido elevado à categoria de município, continuando a ser distrito de Porto da Folha.
Com o desmembramento de Poço Redondo em 1953 e as primeiras eleições municipais sendo marcadas para o dia 3 de outubro de 1954, o ex-cangaceiro lança-se como candidato a prefeito pelo PSD. Sua influência política havia crescido a tal ponto que ele mesmo imaginava que não haveria opositores. Se as forças políticas do novo município estavam unidas em torno de seu nome, logicamente que aquela eleição seria apenas um ato confirmatório.
Contudo, como sempre ocorre em política, ledo engano. Eis que surge um político de Porto da Folha, Artur Moreira de Sá, como candidato pelo PR, apoiado por alguns setores da comunidade poço-redondense e outros políticos da esfera estadual. Havia ainda um candidato pela UDN, mas a disputa polarizou-se mesmo foi entre Zé de Julião e Artur Moreira de Sá.
Chegado o dia da eleição, os dois candidatos dão como certa a vitória. Verdade é que o pleito mostrou a força paralela que os dois principais candidatos tinham, com uma disputa acirrada e sem se cogitar mais em apontar um favorito. E isso foi demonstrado quando as urnas foram abertas, pois o resultado final deu empate: 134 a 134. Todavia, sendo Artur Moreira de Sá mais velho do que Zé de Julião, o candidato pelo PR foi aclamado como vitorioso e nessa condição toma posse como primeiro prefeito de Poço Redondo.
Para Zé de Julião, a derrota foi totalmente inesperada, principalmente diante do cenário que há alguns meses havia previsto. Derrotado pelo fator idade, porém contaminado ainda pela febre da política. Assim, ao invés de ficar no seu canto esperando sua vez, procurou entrar logo em campo como se a próxima campanha estivesse se avizinhando. Como fruto dessa insistência, seu nome ficou cada vez mais fortalecido e parecia imbatível no pleito vindouro.
Tendo alcançado mais experiência, lançou-se novamente candidato a prefeito. Sabia que novos e desagradáveis fatos poderiam surgir a qualquer instante, como ocorreram na outra eleição, mas o que mais lhe preocupava era a possibilidade de que a eleição fosse fraudada para eleger, a qualquer custo, o candidato da UDN, Eliezer Santana. E não deu outra. Quem era seu eleitor assumido não poderia votar, pois não fizeram a entrega dos títulos, sob a alegação de que o alistamento tinha apresentado problemas; diversas outras dificuldades começaram a pontuar a situação. Até mesmo o judiciário buscava deliberadamente dificultar a vida do ex-cangaceiro. As manobras que foram sendo verificadas, todas elas eram no sentido de favorecer o candidato opositor. Tal situação indignou a maior parte da população e principalmente o candidato Zé de Julião. E foi nesse contexto que o tino cangaceiro tomou o lugar do político.
O que fazer então, se as ações fraudulentas estavam escancaradas e nenhuma autoridade séria havia para dar um basta naquela vergonha toda? Não tinha jeito; como o palco estava montado era derrota certa. Atinou e atinou e decidiu que se os seus eleitores, na sua grande maioria, estavam impedidos de participar do pleito, os correligionários do outro candidato também seriam impedidos. Mas como fazer isto? Só mesmo invadindo as seções eleitorais e roubando as urnas, concluiu.
Pensado, tramado e feito. No dia das elições, juntamente com alguns afamados vaqueiros do lugar, amigos de todas as horas, armados até os dentes, cavalgaram em tropel pelas seções eleitorais, roubando as urnas na sede do município e no povoado Bonsucesso. Aquilo não era mais obra de um candidato indignado, ferido na sua honra, mas sim do cangaceiro justiceiro Cajazeira.
Tamanha ousadia soa como uma bomba no meio político e na justiça eleitoral sergipana. Que atrevimento desse cangaceiro! Agora como vítima, o candidato opositor, Eliezer de Santana, tinha tudo nas mãos para ser declarado eleito. E assim foi proclamado como o segundo prefeito eleito de Poço Redondo. Era a segunda derrota consecutiva de Zé de Julião, porém muito mais para as artimanhas políticas do que para as urnas.
As ações perpetradas por Zé de Julião naquele dia de revolta sertaneja, lhe trouxeram duras consequências. Ora, se antes do acontecido as forças do Estado já depunham contra sua pessoa, principalmente pelo seu passado de cangaceiro, agora não teria saída. O cerco policial torna-se implacável. E assim foi preso e colocado em liberdade alguns meses depois. Mas sabia que, ao menos por algum tempo, não poderia continuar vivendo ali. Jogado pelas circunstâncias, é forçado a sair pelo mundo afora novamente, cumprindo mais uma vez sua sina de errante.
Nova Iguaçu é novamente seu rumo. Ao menos seria, se ao chegar em Salvador não resolvesse retornar. Não se sabe, de modo conclusivo, quais as circunstâncias, as intenções ou os motivos desse retorno. Suposições são as mais variadas, e se confirmadas estas, os motivos não seriam outros senão a vingança. Tinha motivações de sobre para tal. Sabe-se apenas que essa foi sua última aventura, pois na manhã de 19 de fevereiro de 1961 foi encontrado morto, assassinado, nas terras do seu Poço Redondo. A tragédia da Gruta do Angico, para ele, havia sido apenas adiada.
Quem sabia do seu retorno? Quem teria interesse na sua eliminação? Tudo pode ser entendido através da resposta a tais indagações. Quem sabe jamais disse a verdade; quem não tem certeza disse a verdade mas não foi acreditado. São as forças, as forças políticas, mas essa é uma outra e longa história, com muitas versões e contrastes, como é o próprio sertão.


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Quando estive lá...

Quando estive lá...

Rangel Alves da Costa*


No final de novembro de 2008, por uma dessas circunstâncias em que a morte fica atentando contra a vida, comecei a me sentir indisposto, fui buscar atendimento médico numa unidade emergencial de saúde e só lembro que estava com dificuldades de respirar em cima de uma maca, rodeado por enfermeiros e médicos, e depois apaguei de vez. De lá fui transferido com urgência para a UTI do Hospital João Alves Filho, onde fiquei durante treze dias em estado de coma induzido.
Nessa época eu tinha 45 anos e esse ano irei completar 47. Tudo isso ocorreu bem próximo ao período natalino e quando recebi alta pude acompanhar ainda a vida festiva que é o final de ano, entre o natal e a virada. E nesse último final de ano, quando completou um ano dessa experiência que me foi imposta pelo destino, não me permiti exagerar comemorações por estar vivo, não fiquei mais triste por recordar o que passei e o que alguns sofreram comigo, não fiquei mais pensativo e reflexivo porque os momentos a isto convida. Apenas pautei minhas tardes de solidão para buscar respostas para uma simples indagação: Por que Deus me permitiu continuar aqui?
Sou agraciado por Deus, sou; a mão divina estava sob o meu leito, sei; Ele não deixou que eu partisse, sim. Mas por que meu Deus? Ele bem sabe que a minha religião mora somente em mim, que a minha fé se expressa somente através da igreja no meu coração, que não preciso de outras religiões, outras igrejas e as muitas fé que se compra barato. Ele sabe e conhece a minha bíblia, vê quando minhas rudes mãos procuram o Salmo 23, quando meus olhos leem Josué, se encantam com Enclesiastes, prolongam-se fixamente na oração que o Senhor nos ensinou.
Por tudo que me fizeste, desde a minha raiz sertaneja até o momento presente, é que preciso Te encontrar para agradecer, para Te dar um abraço, para Te convidar a morar eternamente ao meu lado, dentro da minha igreja, e é por isso mesmo que vivo trilhando os caminhos da minha inabalável religião em meu ser, da minha fé própria, da minha igreja/coração cada vez mais persistentemente. Continuo cada vez mais procurando, mas sinto na alma Tua presença cada vez mais forte, mais próximo e dentro de mim. Estás aqui, sei, ao meu lado, e é por isso mesmo que irei Te procurar ainda, cada vez mais, sempre, porque também sei que minha vida se tornará vã sem essa contínua busca.
Minha amizade contigo talvez tenha se fortalecido naqueles treze dias em que eu estava viajando, em coma, pelas brumas da indecisão entre o voltar ou caminhar para cada vez mais longe. Não tenho certeza, não sei, não pude ver, mas a intuição me diz que me chamastes a sentar embaixo duma árvore frondosa, onde conversamos por todos aqueles dias e me ensinastes um monte de coisas que não posso nomear com palavras. Me chamava de filho, me falou sobre a vida e, para que eu não pudesse esquecer daquelas lições, me ordenou novamente a viver.
Quem dera todo irmão sertanejo ser tudo que eu sou e ter tudo que eu tenho. Fui moleque correndo pelos campos, caçando passarinho, jogando bola de gude, soltando pião. Fui e continuo estudante da vida, trilhando pelos caminhos da História e do Jornalismo e hoje atuando como advogado. Sou poeta, pintor, sonhador, tenho livro publicado e outros ainda a serem. Tenho os meus, tenho quem amo, tenho precisão de ter mais. Mas também tenho aqueles dias na minha vida que são mais do que tudo. Neles é que Viestes a mim e Dissestes: Dou-te ainda a vida para que mereças tê-la.
E diria mais: “Enquanto viveres, ninguém te poderá resistir; estarei contigo como estive com Moisés; não te deixarei nem te abandonarei”, pois “Isto é uma ordem: Sê firme e corajoso. Não te atemorizes, não tenhas medo, porque o Senhor está contigo em qualquer parte para onde vás.” E diria muito mais, sei, porque Ele é meu amigo.


Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Família (Poesia)

Família


Meu avô tinhas as feições fortes do sertanejo
Minha avó era cabocla e cheirava a terra molhada
Meu pai é espelho de tudo no sertão
Minha mãe era o espelho refletindo a paixão
Meus parentes trazem o sangue ressequido da seca
E os pés rachados de correr pela vida
Meus irmãos acostumaram a ser assim
De raízes fincadas na terra árida
E eu
Com toda essa árvore e sangue sobre mim
Carrego ainda a incerteza se vivo noutro lugar
Ou tenho o sertão como lar


Rangel Alves da Costa

Você (Poesia)

Você


Pétala da manhã
De sereno perfume
Assim feito flor
E você.

Doce manhã
De belo entardecer
Assim feito paisagem
E você.

Suave brisa
De bela inspiração
Assim feito poema
E você.

Linda mulher
De amor e de paixão
Assim como desejo
É você.


Rangel Alves da Costa

Poema da Distância

Poema da Distância


São os olhos que desejam
Encontrar uma miragem no infinito.
São as mãos que buscam no vazio
Tocar a essência dessa miragem.
São os pés que desesperadamente correm
Para alcançar o oásis da miragem inexistente.
É a boca ressequida pelo grito vazio
Que vai ecoando de miragem a miragem.
E o corpo inteiro,
Que já cruzou caminhos e fronteiras
Nessa busca infinita,
Agora repousa cansado
De chorar a tua morte.
Quem dera ser miragem
Essa inesperada viagem.


Rangel Alves da Costa

MINHA SENHORITA

Minha Senhorita

Rangel Alves da Costa*



É de vossa competência, senhorita do meu amor, ser feliz e muito feliz.
Sei que é da minha competência, linda mulher que amei, continuar te amando. O destino separa o ser mas não ousa dividir o que é absolutamente amor.
Talvez nem imagine onde repouso minhas lembranças. Tão longe ou tão perto, tanto faz. Foi o destino, você quis dizer e não disse. Mas digo que é doce destino continuar pensando em ti. Tanto faz, eu aqui e você onde e com quem estiver. Continuo te amando.
Você costuma rasgar o passado? Lembro de tudo, não adianta. O amor de adolescentes, os beijos e afagos de jovens, os planos que fazíamos, a entrega e o fim sem motivo e sem dizer adeus. Você simplesmente sumiu, senhorita.
É de vossa competência fazer o que quer de sua vida, senhorita. Assim o fez. Mas é da minha absoluta competência não fazer da minha vida algo que não lhe caiba mais em pensamento. É uma questão de não querer te esquecer, senhorita.
Veja bem senhorita, caminhei por estradas de frutos doces feito mel, de generosas sombras para repousar, de amores a fazer esquecer qualquer amor. Mas somente quis seguir em frente saciado com tua lembrança. Não me arrependo, senhorita. Nesse instante me alimento do teu sorriso.
Ontem escrevi teu nome em poesia, hoje simplesmente escrevo. Um dia quis inventar outra palavra que não fosse amor e veio o teu nome. Não adianta. É uma pena que esses meus versos de amor sejam tristes, rimem com solidão e dor. Preciso mudar meu verso, senhorita, para falar somente de amor.
Dirão que enlouqueci, senhorita. Onde mora o amor nesse mundo, onde estão as pessoas que amam? Ninguém diz que ama para não ser visto como insano. É por isso que o amor se esconde nas pessoas. Sou simplesmente louco e pronto. Amo e não nego. Há lucidez maior do que expressar a verdade?
Não, você não sabe, mas alguém me falou sobre você, que sabe onde e como está, sua feição sublime, seu jeito meigo de ser. Não quis saber mais do que isso, senhorita. É esta a mulher que amo. Bem que eu poderia me aproximar, te olhar ao longe, abracá-la na distância. Prefiro não fazer isso, senhorita. Vives no meu pensamento e sei como estais onde estou. Nesse momento sorrio teu sorriso.
Me perdoe, senhorita, mas imploro que guarde consigo estas palavras: O verdadeiro amor não se constrói somente com a presença de pessoas que se dizem amar, mas também na ausência de quem é amado.
Ouvi tua palavra agora...


Rangel Alves da Costa
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

sábado, 9 de janeiro de 2010

SOBRE TEMPO, TARDES E FOTOGRAFIAS

SOBRE TEMPO, TARDES E FOTOGRAFIAS

Rangel Alves da Costa*


Sempre há um fim de tarde no dia e na vida da gente. É ao cair da tarde que brota a filosofia, ressurgem mais fortemente as lembranças e recordações, bate a saudade no peito e dá uma vontade danada de pedir licença ao tempo para retroceder um pouco e nos permitir destruir, refazer ou construir melhor.
Ledo engano quem espera do tempo essa chance. Silenciosamente ele avança sem pedir licença ao destino e se impõe todas as vezes que nos olhamos no espelho. Implacável é esse tempo que não quer ouvir nossos rogos e orações e marca com ferro o que somos hoje. “Se um dia eu pudesse ter meu passado inteiro...”, diz a letra da música. Porém, ledo engano. Se eu quisesse voltar dois minutos e reiniciar esse texto não teria chance; tenho que recomeçar sempre do momento presente.
Por ser assim, irretratável e decidido, é que o tempo é culpado por muito sofrimento que se alastra pelos finais de tarde e avança noite adentro. O que não foi bem feito ontem, a briga impensada que terminou um namoro, o que teria de ser dito e não foi, os cuidados não tomados, as negligências que causaram graves consequências, a decisão errada, os muitos erros praticados, tudo isso chega de mansinho à mente, começa a torturar o pensamento e, por não poder voltar através e fazer a coisa certa, agir corretamente, é que recai o sofrimento, amargura o peito e imediatamente reflete nos olhos: a primeira lágrima no final da tarde. E serão muitas, a depender do conteúdo do baú da memória. Tudo culpa do tempo, que no máximo nos permite imaginar o que passou. E isso para aumentar o sofrimento.
Existem, particularmente, certas situações, fatos, pessoas e coisas que ficam adormecidas durante grande parte do dia para surgirem como ventania e temporal nos finais da tarde. Os entes queridos que partiram desta vida, a infância e adolescência onde tudo era permitido, a vida feliz em outro lugar, a jovem meiga e de olhar triste que fazia alegrar o coração, as muitas perguntas feitas e as respostas que jamais vieram, nem nesses finais de tarde.
Se chove lá fora e o tempo entristece mais ainda, parece abrir uma porta onde não nos reconhecemos mais no presente. Tudo é passado. Não basta tomar uma taça de vinho, dobrar a dose de uísque sem gelo, mesmo assim o gosto que se tem pela boca é o acre sabor da lágrima. Os olhos e o vidro da janela turvam pela enxurrada interna e externa. Onde está você agora? Como está você agora? Bem que poderíamos rever tudo, mas é tarde.
Por mais que os desgastados álbuns sejam rebuscados no fundo da gaveta, por mais que a caixa de cartas e lembranças escritas sejam retirados do armário, o que realmente martiriza as pessoas nesses finais de tarde de chuva, vinho, recordações e lágrimas, são as pessoas e os momentos acumulados ao longo do tempo no coração. As chaves desse baú de histórias tristes, momentos de alegrias e alicerces inacabados aparecem sempre nos finais das tardes, e abrem os cadeados do coração quando a chuva começa a cair. Seria melhor um cálice de vinho ou um uísque duplo? Tanto faz, desde que o lenço esteja por perto.
Se amanhecemos e decidimos que naquela tarde não haverá lugar para recordações e tristezas é sinal de que começamos a aprender com o passado e a aceitá-lo sem maiores sofrimentos. Hoje amanheci com essa intenção, idealizando o dia voltado somente para o presente. Não haveria de ser algo que modificasse muito a minha rotina.
Ao levantar, uma das minhas primeiras atitudes foi colocar o CD de Enya. Poderia ser Celtic Woman, pois a beleza musical e as vozes nos erguendo ao espaço são deliciosamente iguais. Ouvi Now We Are Free, depois Amarantine, e quando comecei a ouvir Only Time já estava, sem querer, olhando fixamente para uma fotografia emoldurada na parede. A imagem em preto e branco já estava parecendo velha, perdendo a cor, tornando-se amarelada e tirando o brilho do rosto daquele menino que parecia estar alegre. Esse menino era eu. O outro eu é que já estava triste.
Não precisei recorrer ao espelho nas proximidades para ter a certeza das marcas do tempo. Não sei bem quantos anos tenho, mas comparando a fotografia com a feição do presente fica a certeza de que o pintor do destino, na restauração constante de sua obra, foi acrescentando traços que me tornaram triste. Pelos olhos, um olhar de distância infinita; na boca, a metáfora de um sorriso que não existe mais; pelos cabelos, como se a neve estivesse presente na aridez escaldante.
Eu era feliz e não sabia. A fotografia de ontem diz tudo; o que sou agora não me deixa mentir. Mas não sou infeliz, pelo contrário. Ser triste não significa ser infeliz. O problema é que a felicidade construída ao longo do dia é pausada quando vem a tarde, quando começa a chover, quando chegam as lembranças e recordações. É o pensamento da felicidade de ontem que me deixa um pouco mais triste hoje.
Mas ainda é cedo. A fotografia fica na parede e eu sigo na vida, sendo fotografado pelo tempo e com a certeza de que as imagens retornarão mais tarde, qualquer dia desses, sempre ao entardecer.

Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com