SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 31 de maio de 2014

DIAS DE CIMENTO E PEDRA


Rangel Alves da Costa*


Angustia-me dizer, mas os dias que tenho vivido são de cimento e pedra. E também de asfalto, de ferro, de muros perante o olhar e paredes encobrindo as paisagens e os horizontes. Verdadeiramente não é mundo. E sim um misto de negrume e acinzentado que tenta petrificar a alma.
Nasci e me fiz menino noutro mundo, e bem diferente desse que tenho agora. Sim, era um mundo no barro batido, na poeira pelas ruas, nas pedras e espinhos pelos caminhos, mas tudo tão cativante como o próprio berço. Eis que leito de nascimento e estrada que nunca se fez estranha ao meu olhar.
Sim, era um mundo empobrecido, numa terra distante, árida, com estiagens tão prolongadas que assustava o sol. Mas de lua imensa, de noites românticas, de vozes passarinheiras, de sublimes paisagens, mesmo quando acinzentadas pelas securas.
Um mundo de cheiro de café torrado se espalhando pelas tardes, de cuscuz de milho ralado, de queijo de quintal e preparado por mãos cuidadosas, e uma infinidade de iguarias apetitosas. O mungunzá, o arroz doce, o bolo de milho e de macaxeira, a canjica e a coalhada.
Um mundo de quintais e descampados, de violas caipiras e de sanfonas. Ainda ouço o boi berrando, vejo o velho vaqueiro ajeitando a sela de seu alazão e pegando a estrada com aboio na garganta. E o carro de boi gemendo sua sina, o jegue esquipando pelas veredas, a lavadeira passando com sua trouxa na cabeça.
Manhãs de vizinhas varrendo as calçadas, sertanejos se apressando para suas lides, meninos correndo para armar arapucas. Tardes de cadeiras nas calçadas, senhoras dedilhando bilros com maestria, velhos amigos proseando debaixo do pé de pau. E o vento quente de repente amainando e trazendo aragem e folhagem.
E o menino correndo nu pelas ruas em dias de chuvarada. A molecada se jogando das pedras do riachinho, uma verdadeira festa no sertão molhado. Mas tudo parece ter mudado quando os pés descalços tiveram de calçar chinelo de couro. E o pior foi ter suportar os espinhos na sola do sapato nos caminhos da cidade grande.
Não só espinhos na sola dos sapatos como o asfalto e as pedras queimando tudo. Por mais que os caminhos da cidade grande pareçam lisos e fáceis de andar, não há pé de sertanejo que suporte tanta estranheza. O espinho do sertão conhece o pé, o pé do sertanejo vence as pontas afiadas sem nada sentir, mas basta colocar o pé no asfalto que tudo parece insuportável.
Mas tudo pela cruel simbologia que o asfalto, a pedra e o cimento da cidade grande representam. Eis que tudo frio, feio, violento, ameaçador. Eis que tudo desconhecido, tudo brutal e arrogante, nada como a simplicidade e a singeleza dos caminhos sertanejos. Há um contraste absurdo nas pessoas, nos modos de tratamento, nos gestos arrogantes e nos olhares intimidadores.
Por aqui as pessoas apenas se cruzam, se batem e se estranham, enquanto lá sempre havia um bom dia, um boa tarde, um como vai, uma constante aproximação com o amigo. Por aqui as portas e janelas são fechadas assim que chega o anoitecer, enquanto por lá era o momento das calçadas, das andanças de lado a outro, dos encontros pelas ruazinhas escurecidas.
Não tenho culpa de estar aqui em meio ao cimentado e outras durezas. Também não tive culpa quando me mostraram a estrada e disseram para seguir adiante, pois seria a escolha entre a enxada e a caneta. Mas tenho culpa por viver tão distante de tudo aquilo que tanto amo e que tanta falta me faz.
O que me anima os dias e os tornam menos dolorosos é a esperança de voltar para sempre. Não para viver na cidade, pois também já tomada de todos os vícios e misérias da cidade grande. Mas no meio do mato, bem perto do bicho, da lua e do sol. E com manhãs tão cativantes e entardeceres tão sublimes que imagine estar no paraíso. E estarei.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

A boa semente (Poesia)


A boa semente


Semeado o grão
se for de paixão
não vinga na terra
e tudo encerra

lançada a semente
na terra mais quente
se for de amor
virá broto e flor

o bom semeador
cuida da plantação
com tanta dedicação
que colhe amor

segredos de grão
de quem deseja amar
é adubar o chão
e a colheita chegar.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 626


Rangel Alves da Costa*


“Eu li o livro do tempo...”.
“Eu escrevi no livro da vida...”.
“Talvez apenas palavras...”.
“Pois todos os outros que leram...”.
“E também escreveram...”.
“Tudo esqueceram...”.
“E lembro bem o que estava escrito...”.
“E lembro bem o que escrevi...”.
“Que a vida é vida...”.
“E a morte é morte...”.
“E cada um no seu tempo de acontecer...”.
“Que a paz é paz...”.
“Que a guerra é guerra...”.
“Que não há paz com a guerra...”.
“E não há guerra para a paz...”.
“Que o homem é homem...”.
“E o animal é animal...”.
“Não cabe ao homem se bestializar...”.
“Não como viver sua irracionalidade...”.
“Que o amor é amor...”.
“E a paixão é paixão...”.
“Água e vinho...”.
“Óleo e azeite...”.
“Que jamais se confundem...”.
“O amor é suave e sereno...”.
“E a paixão o fogo e o veneno...”.
“E também li...”.
“E também escrevi...”.
“Que acontecimento é acontecimento...”.
“E história é história...”.
“Tudo apenas acontece...”.
“Mas somente o importante é preservado...”.
“Que poesia é poesia...”.
“E poema é poema...”.
“A poesia tem flores e aromas...”.
“E o poema jornada e sangue...”.
“Uma é brilhosa e cativante...”.
“O outro é saga e epopeia...”.
“Que o sono é sono...”.
“E o sonho é sonho...”.
“Apenas adormecer sem sonhar...”.
“Mas jamais sonhar sem adormecer...”.
“E tudo é realidade com olhos abertos...”.
“Ainda que finja estar sonhando...”.
“Que a noite é noite...”.
“E o dia é dia...”.
“Basta ver o sol...”.
“Basta ver a lua...”.
“E compreender que tudo acontece diferente...”.
“Porque existe de modo diferente...”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

sexta-feira, 30 de maio de 2014

UMA HOMENAGEM MERECIDA

Por Antonio José de Oliveira*

Antonio José de Oliveira
Na qualidade de neófito na área de pesquisa da História do Cangaço, evidencio que tenho sido imensamente beneficiado com os trabalhos dos experientes pesquisadores. Pesquisadores esses, com os quais mantenho contato, como é o caso do Rangel Alves da Costa nobre Advogado e Escritor sergipano Rangel Alves da Costa, Escritor e Poeta João de Sousa Lima, Escritor e Delegado Archimedes Marques, Engenheiro Agrônomo e Radialista  Dr. Lima, e tantos outros de elevado quilate que através seus escritos me proporcionam excelente benefício, cujos nomes, reservo-me a não revelá-los por uma questão de não cometer injustiça por omissão, deixando assim, para uma ocasião propícia.
Rangel Alves da Costa
Mas, aproveito a data passada de 23 de maio quando aniversariou um dos grandes benfeitores das minhas pesquisas JOSÉ MENDES PEREIRA.         
Não é do meu temperamento lisonjear as pessoas por quaisquer ações realizadas. Contudo, não posso deixar de valorizar publicamente as ações úteis desenvolvidas desinteressadamente por quem abraça uma causa com responsabilidade e dedicação.
Archimedes Marques
Há alguns anos, conheci pela Internet o mantenedor do Blogdomendesemendes (http://blogdomendesemendes.blogspot.com) o José Mendes Pereira, um Potiguar das belas Terras de Mossoró, que tem me proporcionado profundos conhecimentos no tocante à Saga do Cangaço, assunto esse que venho escrevendo um modesto trabalho, com o objetivo de lançar ao público mais um livro sobre uma história tão ampla e de tamanha complexidade que precisamos passar anos em profunda e cautelosa pesquisa, a fim de não cometermos falhas gritantes.
João de Sousa Lima
E o MENDES com um esforço inaudito em busca da publicação de tudo que diz respeito à História do Cangaço, tem contribuído grandemente com a preservação da História do nosso Nordeste.        
Sou um pesquisador bibliográfico. Por uma questão de tempo e de idade (setenta anos), não trabalho em pesquisa de campo. Portanto, tenho que valorizar os companheiros que mergulham as caatingas para conhecerem in loco através entrevistas, os fatos ocorridos em tempos remotos. São pesquisadores que enfrentam o sol causticante dos nossos sertões, e outras dificuldades naturais para desvendar os mistérios, as certezas e incertezas da Saga do Cangaço. A eles, só tenho que prestar as minhas homenagens.
Dr. Lima
Portanto, meu caro Professor Mendes, você representando tantos outros pesquisadores deste nosso Nordeste e de outras regiões, tenho a dizer-lhe: Os meus cordiais agradecimentos por tudo que você tem nos proporcionado em matéria de conhecimento. Sem os seus escritos e suas postagens, e de outros dedicados pesquisadores, eu estaria perdido nesta minha pesquisa de buscas e mais buscas que já duram quatro anos.                                          
Parabéns pelos seus TANTOS anos – que não são muitos -, e que eles passem de UMA CENTENA de anos em profunda lucidez, se assim o CRIADOR permitir.


*Antonio José de Oliveira é pesquisador do cangaço, aposentado como Agente de Tributos da Secretaria da Fazenda - BA. Natural de Riachão do Jacuípe, mas mora no Povoado de Bela Vista – Serrinha – BA. Formado em Teologia, Pedagogia e fez pós-Graduação em Psicopedagogia e Psicanálise Clínica.

UMA ESTAÇÃO (E O TREM QUE NÃO VEM)


Rangel Alves da Costa*


Não há mais recordação da última vez que o trem apitou chegando ou partindo da estação. As pessoas agora chegam por outros caminhos, partem por outros meios, menos pelos trilhos do trem.
Num tempo distante, onde aquela estação era o local mais importante e concorrido do lugar, com pessoas partindo e chegando, gente esperando com flores à mão e se despedindo com acenos de lenços molhados, tudo era tão diferente.
Dia e noite e sempre a presença de gente na estação. O relógio batia pontualmente, o calendário jamais deixava o tempo envelhecer na mesma data. O vendedor de bilhete e de doces, o cachorro volteando por ali, a velha senhora que todas as manhãs e ao entardecer chegava para varrer os bilhetes caídos, os papéis pelo chão, as pétalas mortas das flores murchas.
O último trem partiu ao amanhecer. O último trem chegou ao anoitecer. As lágrimas e os lenços da despedida restaram como sombras ainda não dispersas. As flores de boas vindas, os abraços e os beijos também ainda permanecem como espectros entristecidos. E por isso mesmo a estação ainda continua com aquela feição da última chegada e da última partida.
Mesmo tantos anos depois, a estação ainda continua existindo como antigamente. O tempo não se fez de traça para consumir as madeiras envelhecidas nem o que se estendia ao redor. Ainda os dois velhos bancos, a velha lixeira, portas e portinholas se abrindo e se fechando ao sopro do vento. O relógio dependurado, o calendário amarelado.
E também o cachorro. As pessoas sumiram, nenhum visitante chega por ali, mas o cachorro ainda continua do mesmo jeito que antigamente. Vai chegando mansamente e senta no cimento cheio de folhas mortas da estação, ao lado do local de desembarque e de onde se avista as distâncias magras dos trilhos.
Ali sentado, assim permanece o cachorro quase o dia inteiro. Mas de vez em quando começa a insistentemente olhar para os lados de onde o trem apitava anunciando sua chegada. É como se ainda ouvisse o apito e olhasse o seu despontar lá na curva da serra. Depois, percebendo que o trem nunca vem, entristecidamente baixa a cabeça e molha o chão com dois pingos de lágrimas.
O vento, a ventania, as folhas mortas, a poeira e o pó, eis agora as presenças na estação. O silêncio é entrecortado pelo zumbido da ventania que faz curva na serra e vem seguindo pelos mesmos trilhos. Traz consigo um monte de folhas secas, que caem pelo chão da estação como cartas enviadas por aqueles que não mais descerão dos vagões.
Os ponteiros do velho relógio ainda caminham cansados, desnorteados da hora e do tempo. O calendário escolheu uma data e ali o tempo fez sua eternidade. Quando o vento bate e as folhas se movem, é como se os dias quisessem forçadamente avançar. Mas depois tudo volta àquela data que nunca passa.
No brilho dos olhos do cachorro, como espelhos refletindo mistérios, avista-se alguém chorando por outro alguém que não chegou no trem. Enxergam-se os braços erguidos com buquê de flores e um abraço apertado. É possível reconhecer alguém acenando do trem que já se distancia. E um lenço molhado em torno de olhos lacrimejantes.
Mas dizem que nas noites mais escuras, quando o silêncio sobressai-se a todo ruído, é possível ouvir o apito do trem. E um apito que aumenta, se aproxima, mas nunca chega. E também vultos inertes ou caminhando pela estação, talvez aflitas, esperançosas daquela chegada.
E no amanhecer apenas a solidão. E o cachorro que mansamente caminha e logo se deita no mesmo lugar. E dia após dia, noite após noite, espera o trem que não vem. Apenas o apito, que talvez seja um grito de saudade. E não do trem, pois ele não vem.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Diante da janela (Poesia)


Diante da janela


Minha bela senhora
aqui de passagem estou
diante de tua janela
e como andante peço
a graça duma acolhida
nada além que um olhar
nada além que uma palavra
nada além que um sorriso
queria pedir muito além
assim como o teu amor
mas eis que a sorte da vida
está além do nosso desejo

mas minha bela senhora
olhai como a vida é bela
e o amor a coisa mais singela
então além desse momento
desse café e desse cálice
que ouça um verso que fiz
pensando um dia ser feliz
e que após a declamação
a tua palavra agradecida
seja verso em meu coração
a esperança enfim merecida.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 625


Rangel Alves da Costa*


“Tanto ainda indecifrado...”.
“O desconhecido ainda insiste em existir...”.
“Não há ciência que descubra tudo...”.
“Existem outras sombras na luz...”.
“Os mistérios rondando por todo lugar...”.
“Todo saber quase nada diz...”.
“Eis que faltam as respostas...”.
“Às perguntas que já foram feitas...”.
“Mas nunca é demais repetir...”.
“Ora, se o homem nasceu bom...”.
“Por que a maldade no homem?”
“Se a escuridão sempre vem...”.
“Por que tanto temer a noite?”.
“Se há a guerra e a paz...”.
“Por que optar pela morte...”.
“Se há o coração para amar...”.
“Por que torná-lo petrificado?”.
“Se os bichos falam...”.
“Por que não conversar com os bichos?”.
“Se o trem não vem...”.
“Por que levar flores à estação?”.
“Se a alegria é passageira...”.
“Por que não acostumar com a tristeza?”.
“Se o vento chega voraz...”.
“Por que a janela aberta?”.
“Se há o grão e o pão...”.
“Por que iguaria enobrecida?”.
“Se não vai mais voltar...”.
“Por que escrever soprando esperança?”.
“Se não quer amar...”.
“Por que iludir quem sofre?”.
“Se não quer abraçar...”.
“Por que estender as mãos...”.
“Se não quer beijar...”.
“Por que aproxima o lábio do outro?”.
“Se não quer sonhar...”.
“Por que tanta fantasia ao deitar?”.
“Se não quer falar...”.
“Por que abre a boca no silêncio?”.
“Se não vai ler o livro...”.
“Por que deixá-lo esquecido num canto?”.
“Se não sabe respeitar...”.
“Por que exige respeito?”.
“Se não acredita em Deus...”.
“Por que acredita que existe?”.
“Se não sabe nadar em mar profundo...”.
“Por que tanta chora de saudade?”.
“Se não deseja me ver...”.
“Por que leva minha fotografia?”.
“Se tudo acabou...”.
“Por que não coloca um ponto final?”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

quinta-feira, 29 de maio de 2014

COMIDA DE FEIRA E OUTROS PRATOS


Rangel Alves da Costa*


Conheço muita gente que jamais trocaria uma comida de feira ou mesmo aquela conhecida como caseira pelo prato mais requintado preparado pelo chef  mais premiado. E possui boas razões na sua opção pelo normal apetitoso ao servido muito mais para se ver do que para comer. A começar pelo preço, que em termos de comida é o exemplo maior da desigualdade social e do poder aquisitivo entre as pessoas.
Mas há gosto pra tudo e de todo tipo. Tem gente que prefere se submeter ao luxo dos restaurantes mais chiques, e de lá certamente sair com fome e uma vontade danada de comer farofa de ovo com salsicha, a fazer valer sua gulodice e sentar numa mesa ao lado de uma panelada bem temperada. É a vaidade e o senso de riqueza que impedem aproveitar das delícias do melhor fogão e fingir que se satisfaz com uma mínima porção de fatias enfeitadas a preços absurdos.
Verdadeiramente não consigo imaginar que uma pessoa se dirija a um desses restaurantes estrelados, pagando para entrar, fingir que come e até para sair, e depois dizer que se alimentou suficientemente bem para satisfazer sua fome. Como popularmente se diz, cada prato com nome impronunciável custa o salário de muita gente, cada bebida os olhos da cara. Ademais, comida não é joia para ser apenas apreciada, mas um verdadeiro diálogo entre a fome e a substância, de forma democrática e liberta de preciosismos e etiquetas inibidoras.
Outro dia li na Folha de São Paulo acerca de restaurantes que cobram até R$ 267,00 por um bife da raça Wagiu (apenas um bife com purê e salada). A desculpa é que a dita carne é a mais nobre e a mais macia que existe. Mas estaria cara ainda que temperada com raspas de ouro. Um bom prato de sarapatel nordestino, saboroso e apimentado, não custa nem R$ 20,00. Enquanto os chefs oferecem verdadeiros dedais de um preparo com nome esquisito, tendo por cima uma folha de mato e uma calda em fio de nome igualmente esdrúxulo, e pela iguaria cobram metade de um salário mínimo, por aqui a pessoa se esbalda em qualquer mesa caseira sem gastar mais que R$ 30,00. E quando muito. 
E os tais restaurantes luxuosos possuem clientela garantida e com reserva. O problema não é nem o preço, mas o quase nada que é oferecido pelo espantoso valor. E a educação da grã-finagem ainda recomenda que não se deva deixar o prato vazio. Quer dizer, tem de beliscar um pouco de quase nada e ainda deixar quase tudo no prato. É por essas e outras que as colunas sociais mostram um povo raquítico, fantasmagórico, numa finura doentia. E tais feições dificilmente são apresentadas por pessoas tidas como pobres, eis que se alimentam muito mais ricamente que a roda da burguesia.
Daí que não precisa ser pesquisador ou estudioso da culinária nacional para concluir que o povo humilde é o que melhor se alimenta quando pode dispor dos sortimentos para colocar na panela. Inventivo por natureza e necessidade, qualquer pé de vaca ou de porco se transforma num prato apetitoso, juntando pedaços de carne faz uma panelada dos deuses, misturando miúdos e entranhas faz a festa do olhar e da gulodice. É realmente de lamber os beiços a comida caseira que desponta nos fogões de pedra ou de lenha, nas panelas de barro ou alumínio, exalando um cheiro tão convidativo que a boca se enche de água.
A comida de feira nordestina então, esta não tem igual na culinária brasileira. Nas feiras interioranas ou mesmo nas capitais, não importa que a barraca seja grande ou pequena, se há muitas mesas ao redor ou se o fogo solta fumaceiro ou é a gás. Bastando haver asseio, pronto atendimento e diversidade de sabores, então logo a fome será fragorosamente derrotada pelos pratos que vão chegando, pelos cheiros que vão subindo no ar, pela gulodice que quer experimentar tudo de uma só vez.
A feira em si já é um ambiente convidativo, com inúmeras opções a preços populares. Por todo lado mercadorias e objetos interessantes, artesanatos bem trabalhados, frutas apetitosas da estação, legumes e cereais a perder de vista, frascos e mais frascos com porções para todas as fraquezas do corpo e da mente. Mais adiante o cordel pendurado no barbante, as vendedoras de flores, os cestos de beiju e de tapioca. De barro o que se pensar, de couro e cordame o que se imaginar. Mas o melhor vai sendo localizado pelo cheiro, eis que as panelas ferventes parecem gritar na boca dos estômagos vazios.
Então basta sentar numa mesa ou num banco de pé de balcão e fazer a escolha, tarefa que não é fácil diante do sortimento. Talvez um sarapatel de porco ou de carneiro, uma galinha de capoeira legítima, um pirão de capão de parida, carne de boi, de bode ou de porco. Famosa é a panelada misturando boi e porco e o fígado. Contudo, há pratos que dificilmente são rejeitados quando oferecidos. Assim acontece com a feijoada, a buchada, o baião de dois com charque desfiado e o churrasco misto, com carne gorda e desinibida.
Como se diz por aqui, nada melhor do que uma pinga para prevenir o estômago antes de uma comida mais gordurosa ou com tempero apimentado. Depois é só pedir a conta a Dona Maria do Botequim. E juntando tudo, desde a aguardente de entrada até o doce de leite da sobremesa, sai por preço muito menor que a gorjeta exigida nos restaurantes de luxo. E agora me deu uma fome danada.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Num reino encantado (Poesia)


Num reino encantado


Minha linda princesa
vou contar uma história linda
uma fantasia inesquecível
que fará você recordar
quando era fada encantada
e soprou nos olhos da maldade
a bela canção da felicidade

lembra que o dragão fugiu
lembra quando o fosso se abriu
e lá dentro alguém se escondeu
fui eu, fui eu, fui eu, fui eu
e lá fiquei esperando a magia
ansioso que logo chegasse o dia
que sua lágrima caísse da janela
e os olhos do dragão alcançasse
para o feitiço enfim desaparecer
e seu príncipe se revelar a você.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 624


Rangel Alves da Costa*


“Vejo o vento no varal...”.
“Sinto o vento na cortina...”.
“As folhagens balançam ao vento...”.
“As folhas mortas pelo vento são levadas...”.
“Vento, vento...”.
“Os coqueirais dançam ao seu sabor...”.
“As velas se embalam na sua música...”.
“A chama ondula no seu sopro...”.
“A poeira dos tempos vai passando...”.
“No vento, vento...”.
“Os campos são agitados pelo vento...”.
“A pipa passeia no ar...”.
“A flor se desprende e cai...”.
“A roupa se deixa levar do varal...”.
“O cheiro se espalha pelo ar...”.
“Tanto que vem e que vai...”.
“Pelo vento, vento...”.
“Das montanhas chega o perfume...”.
“Um cheiro de tarde e de revoada...”.
“Redemoinho no meio do caminho...”.
“Ai como teus cabelos dançavam...”.
“Ao sopro do vento...”.
“E como a saudade sentida...”.
“Era levada da janela na sua direção...”.
“Assim no sopro do vento...”.
“Ora calor ora friorento...”.
“Lavando as pedras do cais...”.
“E espalhando as letras na carta de amor...”.
“Vento, vento...”.
“Quanto mistério em teu passo...”.
“Quanto segredo na sua andança...”.
“Quanto sabe e não me diz...”.
“Por medo de me ver ainda mais infeliz...”.
“Vento que embala a cadeira de balanço...”.
“Nas tardes de tristezas e saudades...”.
“E parece trazer a voz...”.
“Daquelas palavras ainda não ouvidas...”.
“De um passado levado em ventania...”.
“De tanta tristeza e agonia...”.
“E um dia o vento apagou minha vela...”.
“Emudeceu minha prece...”.
“Trouxe a escuridão...”.
“E ouvi o ronco do trovão...”.
“Na tempestade que se fez dentro de mim...”.
“E o meu lenço levado adiante...”.
“Com todas as lágrimas guardadas para o meu pranto...”.
“E me entreguei ao acalanto...”.
“Da solidão que jamais segue adiante...”.
“Pois amiga do vento...”.
“E no vento trazendo as saudades...”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

quarta-feira, 28 de maio de 2014

A NOITE E O DIA


Rangel Alves da Costa*


Anoitecer normal, noite com seu percurso de jantares ou arremedos, noticiários, novelas e proseados, até o passar das horas e chegar o instante dos recolhimentos. Preces, orações, leituras por cima da cama, uma música ao ouvido, tantas vezes tristeza e solidão. Insônia em uns, cochilos em outros, adormecimento total na maioria.
A noite se prolonga com seus intervalos de saudades, lágrimas, amores, sonhos, fome e sede, inusitados e pesadelos. Na madrugada adentro é que o sono parece chegar mais pesado. Contudo, não demorará muito para o galo cantar, o relógio da igreja despertar, a primeira alva do dia surgir pela fresta da janela ou no telhado quebrado lá em cima. Também nos relógios, despertadores, nos instintos próprios de cada um.
Contudo, aquela noite foi longa demais. Até eterna, como afirmaram depois. Gente que abriu o olho no meio da escuridão achou tudo de uma estranheza sem igual. Tudo escurecido, puro negrume. O relógio havia parado sem qualquer explicação. Adormeceu novamente na expectativa de já despertar com os primeiros sinais da manhã.
Dormiu profundamente e acordou num pulo. Não deveria ter dormido tanto, mas olhou de canto a outro e a mesma escuridão da noite mais fechada. O relógio não saía do lugar, o galo não cantava, não havia nenhum barulho próprio do amanhecer. Quem abriu a janela só avistou a lua brilhando lá em cima. Os grilos continuavam com seus barulhos noturnos.
Com todo mundo estava acontecendo o mesmo, com essa noite que parecia não ter fim e uma manhã que nem dava sinais que logo mais iria surgir. Muita gente, porque já havia dormido o suficiente ou porque tinha certeza que já devia levantar, saiu da cama quase que para acordar a manhã, chamá-la, fazê-la existir.
Mas nada da luz da manhã aparecer. E o pior que a escuridão parecia ainda mais fechada e noturna. Em todo lugar, a madrugada vem trazendo consigo uma cor diferente, um sombreado que aos poucos vai clareando. Contudo, era noite sem madrugada e sem qualquer sinal que a manhã teria de acontecer.
E realmente não aconteceu. Os relógios recomeçaram seu funcionamento normal, os minutos passavam, a hora matinal já sendo marcada, porém nada de qualquer luz do alvorecer. Um desespero total entre todos, pois todos já haviam despertado e levantado e agora procuravam, espantados e amedrontados, uma explicação para aquilo tudo.
Queriam saber por que a noite não ia embora, porque aquele negrume fechado não se findava de vez, porque a escuridão continuava tomando o lugar do despertar da natureza, do canto dos pássaros, das janelas abertas, dos primeiros de sol. Queriam principalmente saber se aquele acontecimento logo passaria ou seria prolongado. E se a noite não fosse mais embora e a manhã jamais voltasse a brilhar?
Então começaram as preocupações mais acentuadas, as lágrimas, os desesperos, as tristezas, as agonias, as aflições. Gente ajoelhada orando, de mãos dadas em rogos e promessas, debruçada pelos cantos imaginando o pior. Uns diziam que era o fim dos tempos, outros afirmavam que o pecado do homem havia provocado aquele eclipse eterno.
Uma multidão nas portas, janelas, calçadas, no meio das ruas, nas praças, em todos os lugares. Palavras, gritos, murmúrios, soluços, um desespero total. Olhando para o alto, implorando por um pouco de luz da manhã, gritavam e repetiam que juravam jamais deixar de aproveitar o melhor que as manhãs pudessem oferecer e a luz do dia permitisse realizar para o bem de todos.
Uns falavam em regar os jardins todas as manhãs, em fazer as orações matinais, em colher frutos para distribuir com os pobres, em semear a terra e fazer o bem desde o amanhecer. Outros diziam que iriam transformar totalmente suas vidas, aproveitando cada instante de luz que a vida lhes oferecesse. Já outros, em total desespero, revelavam abertamente seus pecados e crimes, e ajoelhados afirmavam que nunca mais trairiam, roubariam, mentiriam ou injustamente difamariam o próximo.
O alvoroço era tanto que quase ninguém percebeu quando uma nuvem se abriu e um pedaço da luz da manhã começou a brilhar. Depois disso foi uma festa só. E quando o amanhecer surgiu completamente, lindo e inspirador, cada um tomou o seu rumo, deixando para trás as promessas feitas.
E tudo voltou à normalidade entre as pessoas, com os mesmos ódios, pecados e desperdícios da grandiosidade da vida.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Nossa paz (Poesia)


Nossa paz


Nossa paz, enfim
merecemos o silêncio
o canto noturno da lua
a brisa trazendo aromas
abraços tecendo poemas
a feição da felicidade
na ternura do carinho

uma paz conquistada
na tristeza e no sofrimento
nos espinhos entre flores
nas desesperanças dos dias
tudo sempre a intimidar
como se aos humildes
fosse sempre negado
o direito de amar

e não esqueço jamais
do casebre sendo erguido
do barro fisgando assaz
lanho no couro curtido
para chegar essa paz.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 623


Rangel Alves da Costa*


“Minha face não nega o entristecimento...”.
“Espero temporal e tempestade de janela aberta...”.
“Relembro a flor que se foi...”.
“E recordo que só ficou o espinho...”.
“Jamais negarei meu olhar cansado...”.
“Nem mar ou oceano no poente dos olhos...”.
“Braços sem abraços e face sem beijos...”.
“Meu espelho me olha chorando...”.
“Meu trem nunca chega à estação...”.
“E a carta aberta caiu a meus pés...”.
“Asas de Ícaro que já derreteram...”.
“Sonhos de uma liberdade ausente...”.
“E avisto um penhasco como minha montanha...”.
“Não sou fronteira pra ficar dividido...”.
“Dê-me um copo de sangue ou de vinho...”.
“Meu suor vai escorrendo veneno...”.
“Mas não bebo do meu próprio dissabor...”.
“Hei de partir que a guerra vai começar...”.
“Guerreiro tombando aos pés de mim mesmo...”.
“Ouço meu grito e meu sofrimento...”.
“Ainda assim canto a canção...”.
“O canto do adeus e partida dos que não retornam...”.
“O vento soprando açoita a vela...”.
“A luz vai chamando a escuridão...”.
“O farol naufragou no seu mar...”.
“Apenas um cais tomado de solidão...”.
“Eis que ouço os roncos dos trovões...”.
“Chispas faiscantes passeiam no céu...”.
“Nada mais esperar senão a tormenta...”.
“Vento esvoaçando os varais onde estou...”.
“Não sei se já fui ou se ainda estou...”.
“Talvez seja o grão que some ao longe...”.
“Mas ainda me resta um último sacrifício...”.
“Escrever o epitáfio que jamais será lido...”.
“Pois as aves agourentas têm pressa de decifrar...”.
“O segredo da vida na morte...”.
“Ou a sorte de jamais perecer...”.
“Não como resto consumido na terra...”.
“Eis que a cruz sempre irá existir...”.
“Ainda que o tempo apague a memória...”.
“Porque escrito no livro da vida...”.
“Que será imortal aquele que partiu...”.
“Mas os seus feitos ficaram guardados...”.
“Nas portas e janelas dos dias...”.
“Como resquícios de tanto querer...”.
“Mas nada feito contra a própria vontade...”.
“E tudo feito contra sua vontade...”.
“Pois na estrada ficaram os passos...”.
“Na direção do jamais alcançado...”.
“Que era apenas estar a seu lado...”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

terça-feira, 27 de maio de 2014

CACHAÇA DA TERRA, MODOS DE BEBER


Rangel Alves da Costa*


Já desde uns cinco anos que não tenho o imenso prazer de chegar num pé de balcão sertanejo e pedir uma cachacinha da boa, uma pinga com raiz de pau, uma aguardente preparada com mistura da terra. Disse imenso prazer porque não há nada mais prazeroso que derramar um pingo pro santo e depois deitar goela abaixo uma boa relepada de cana.
Contudo, bebedor que se preza gosta de ter na mão o quebra fogo da pinga. Daí que quando o vendeirim não coloca no balcão uma cuia com umbu, cajarana, pilombeta ou perna assada de preá, será preciso que o bebedor já chegue com seu acompanhamento. Por mais que a pinga desça a seco, verdade é que ninguém dispensa um sabor diferente para tirar a arripunação.
Em boteco de luxo o acompanhamento é na base do tira-gosto, sortido e a preço alto. Ali se pode escolher desde pratos com carnes variadas a camarões e lagostas. Costumeiros são os caldinhos de mariscos, de feijão com carne seca desfiada, ou as invenções que têm mais preço que sabor. Ora, basta abrir o cardápio e a carteira e tudo está resolvido. E com fartura.
Do mesmo modo, a cachaça desses botequins não se compara em nada com a verdadeira pinga de pé de balcão. Em primeiro lugar, porque é geralmente destilada, cheia de química e impurezas. Em segundo, porque não desce macia nem vem acompanhada - quando se deseja - da casca ou da raiz de pau, que não só dá sabor inconfundível e cheiro aromático, como possui serventia de remédio. Lógico, se bebida com moderação.
Dito isso, não há como se duvidar das qualidades da cachaça sertaneja. Acaso o cabra deseje tomar ela pura, e dependendo da confiança que tenha no vendeirim, certamente que estará desfrutando de uma aguardente de engenho, de feitura manual e do mesmo modo que era produzida desde séculos atrás. Daí seu perfume inconfundível, forte, estonteante. E gostoso demais.
Mas no botequim, através da alquimia bodegueira, a cachaça pura vai se transformando segundo a vegetação da região. Adentrando na mata de facão afiado, vão enchendo aiós e bornais das recolhas da umburana, quixabeira, angico, bonome, cedro e toda uma mataria. No preparo, há utilização das cascas, folhas ou raízes, bem como das lascas da madeira em si.
Dependendo da mistura, o mato ainda verdoso é pinicado e colocado na garrafa. Depois esta é bem lacrada e colocada embaixo do balcão e aí fica apurando de dois a três dias. Quando sai da toca para ser servida já está com coloração diferente, afogueada ou amarelada. Mas noutras ocasiões, é a folha, a raiz ou casca que primeiro tem de secar para depois ser misturada à branquinha. Muito vendeirim aproveita a casca seca e rala para utilizar o pó como mistura. De qualquer modo, sempre uma delícia autêntica e sem frescura.
Antigamente existia muito, mas hoje está cada está cada vez mais escasseando. Falo daqueles copos pequenos e convidativos que eram utilizados para servir cachaça no balcão. Encurtados, de fundo raso, já vinham com a marca do meio para o fundo. Quer dizer, a medida indicava a dose que devia ser servida.
Mas como tal medida sempre foi vista como irrelevante para uma gente com tanta sede, geralmente o sertanejo mandava passar o pau. Quer dizer, encher o copo. E bem cheio, eis que com a incumbência de ofertar um tiquinho ao danado do santo beberrão que vive de boca aberta no pé do balcão. E esperto também, eis que depois de beber se afasta rapidamente da cusparada.
Mas o que não pode faltar é o acompanhamento para depois da talagada. E vale de tudo, desde a fruta da estação, principalmente umbu e caju, ao pé de galinha afanado da panela. Quem chega do mato logo coloca a mão no bornal e puxa um achado da terra. E faz a festa entre a talagada e o mordiscar.
 Certa feita, um sertanejo amigo, lá da querida Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, chegou ao pé de balcão com um umbu verdoso. Bebeu uma dose, beijou o umbu e ficou por ali assuntando. Verdade é que ficou completamente bêbado sem chegar ao caroço, se contentando em passar os beiços para sentir o sabor.
Ainda hoje é chamado de beijoqueiro de pé de balcão. Imagine um homem desses embaixo dum umbuzeiro. E tendo de lado um barril de cachaça da boa. Vixe Maria!


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Música clássica (Poesia)


Música clássica


Sim, ao cair da tarde
ao revoar revoada
brisa tão perfumada
e uma canção invade
minha alma inebriada
da sinfonia orquestrada

e ouço uma leve valsa
tristeza não se disfarça
um prelúdio que esvoaça
asas de fogo e fumaça
e sozinho ao entardecer
no olhar que se embaça
triste música sem você.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 622


Rangel Alves da Costa*


“O amor existe...”.
“Corrompido e ameaçado...”.
“Mas o amor persiste...”.
“Difícil de ser avistado...”.
“Como difícil é ser amado...”.
“Imperceptível a muitos...”.
“Mas presença tão grandiosa...”.
“Perante aqueles que cultivam em seu nome...”.
“A sinceridade e a ternura...”.
“A singeleza e o afeto...”.
“Mas onde está o amor?”.
“O que será o amor?”.
“Como percebê-lo e vivenciá-lo?”.
“O amor é silenciosa razão...”.
“É reconhecimento interior...”.
“Se expressa no sentimento...”.
“Sem necessitar de vozes e floreios...”.
“De gritos e alaridos...”.
“O amor está no olhar...”.
“Mas não em todo olhar...”.
“Apenas nos olhos daqueles...”.
“Que trazem na íris tanta lua e tanto sol...”.
“Que trazem o sorriso como espelho...”.
“O amor está no gesto...”.
“Mas não em todo gestual...”.
“Apenas naqueles acenos reconhecíveis...”.
“Pelos que entendem a voz do sentimento...”.
“Nas pequenas atitudes...”.
“E nos pequenos afetos que dizem tudo...”.
“O amor está na palavra...”.
“Mas não em qualquer palavra...”.
“Mas na doce pronúncia...”.
“Na sincera expressão...”.
“Até no silêncio da voz...”.
“Que ecoa poesia e canção...”.
“Um poema de reconhecimento...”.
“Ao que mereça ser adorado...”.
“O amor está no impensável...”.
“Pois também na saudade...”.
“Na dor da distância...”.
“Na lágrima derramada em abraço...”.
“Na letra trêmula na vidraça...”.
“No coração desenhado...”.
“O amor está na certeza do amor...”.
“No contentamento por amor...”.
“Na sensação maior de compartilhamento...”.
“Na doçura do beijo...”.
“Que se derrama em mel...”.
“Para deleite do beija-flor...”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

segunda-feira, 26 de maio de 2014

A POLÍTICA E A FEIRA DE CONVENIÊNCIAS


Rangel Alves da Costa*


Há logo que se indagar: Para apoiar determinada candidatura, a liderança política deve pensar somente em si mesma, nos frutos que desse apoio possa receber, nas determinações e propensões de seu partido ou dos anseios da população que lhe apoia e dá sustentação? E ainda: A liderança tem o direito de barganhar, de buscar conveniências pessoais, quando a decisão deveria partir de uma lógica não só partidária como de respeito a seu eleitorado?
Tais indagações deveriam ser induvidosas para aqueles políticos de peso nas suas decisões de apoiamento a candidatos a cargos majoritários. Induvidosas porque não se concebe uma liderança nata que não tenha firmes decisões, posicionamentos coerentes e politicamente claros. Ao menos seria assim se a arte da política não fosse transformada em repugnante feira de conveniências e com desrespeito a uma série de fatores essenciais.
Ora, o simples fato de apoiar um ou outro candidato envolve aspectos muito além de um mero ato de dizer que escolheu aquele porque é o melhor. Melhor para quem? Daí haver um contexto maior que deveria ser observado no ato de decidir. E tal contexto envolve esferas como a cúpula nacional do partido ao qual a liderança está filiada, o posicionamento político do partido em nível federal, a atuação na esfera estadual, os agrupamentos ou coligações, bem como os objetivos partidários a curto e longo prazo.
Mas envolve muito mais, principalmente em nível estadual e no contexto onde o político construiu sua liderança. O político, ainda que alçado ao reconhecimento de liderança maior do partido no estado, não pode decidir à revelia dos ditames nacionais. E se nacionalmente o partido já tem posições firmadas, já sabe quem deva apoiar ou não, estará blefando a liderança que continuar transparecendo indecisão na sua escolha. Ainda que o partido dê carta branca para decidir, jamais será conveniente se prolongar em cima do muro. Neste aspecto, visível desrespeito ao eleitor.
O eleitor que não encontra firmeza na liderança que confiou deixará de apoiá-lo nas eleições seguintes. Este o caminho lógico. E pior ainda, eis que a indecisão poderá provocar um dano irreparável no futuro político da liderança, principalmente se o se votante ao menos desconfiar que a demora em apontar qual seja o seu candidato possui motivações muito mais pessoais que partidárias. Sim, porque o eleitor poderá chegar à conclusão que o objetivo maior da liderança não é escolher o melhor para governar, mas sim o melhor para si mesmo.
E quando a liderança comete o erro de só pensar em si mesmo, nos seus conchavos e projetos políticos, e não no futuro de seu estado e sua população, estará irremediavelmente fadado a não contar mais com o apoio que imagina ter nos futuros pleitos. E isto ocorre pelo simples fato de que o povo não vive mais atrelado às tais lideranças como antigamente, não faz mais parte de currais eleitorais e nem está mais inteiramente acometido de cegueira política como muitos ainda imaginam.
Ainda que não aconteça com a totalidade da população votante, a verdade é que o peso da consciência crítica está fragilizando muito as estruturas daqueles que ainda se afeiçoam às velhas raposas da política e suas carcomidas práticas eleitoreiras. A massa cada vez mais pensante, ainda que não repudie de vez as antigas e ainda prevalecentes práticas interesseiras e vergonhosas na política, não mais admite que o político ou governante disponha de seu mandato ou liderança a seu bel-prazer e faça disso um tabuleiro de conveniências.
A liderança política, principalmente aquela que objetiva alcançar o poder eletivo, deve saber que não está atrelado somente aos anseios pessoais. Não deve tomar decisões por conveniência própria nem tentar iludir seus eleitores com as escolhas feitas. Como afirmado, o eleitor tirou a rédea e o cabresto que lhe colocava numa posição de cegueira e submissão para se firmar como alguém que merece respeito. E tal respeito também parte das decisões claras, objetivas e coerentes tomadas pela liderança. Por consequência, tornou-se muito mais difícil impor que eleitores votem em determinado candidato simplesmente pelo fato de que é o melhor para os planos pessoais do líder. Pode até ser o melhor para a liderança, mas não para governar o estado, por exemplo.
Ademais, o líder só se legitima perante seus correligionários e eleitores quando não tenta impor candidato. Para este ser apoiado, haverá também de ser apoiado pelo partido e principalmente pelo votante. Querer fugir disso, fazer diferente, é estar agindo egoisticamente, fazendo barganha com o voto dos outros e agindo segundo as próprias conveniências. Inadmissível, pois, que o apoio dado por uma liderança assim aconteça porque o escolhido fez sigilosas promessas ou porque há mágoas pessoais com o outro candidato ou este não conseguiu cobrir a oferta do oponente.
Fato é que as velhas raposas da política conhecem muito bem aqueles que são mais preparados para governar e, portanto, para serem votados. E se não decidem logo pelo apoio é porque estão blefando ou jogando com a carta dos outros. Ou seja, estão fazendo o jogo das conveniências pessoais e não estão nem aí para os destinos do estado nem da população. Somente eles. O resto que se lixe.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com    

Sem medo (Poesia)


Sem medo


Tive medo de não encontrar
nem a estrada nem a curva
um destino certo para chegar
e colher do sol e da chuva
sem o teu amor encontrar

tive medo de bater à porta
de chamar pelo teu nome
de ter de fazer a volta
e de ter frio e ter fome
tudo que a vida não suporta

e porque tive tanto medo
e porque tanto queria chegar
deixei para trás o segredo
e num grito fui revelar
que mesmo tarde ainda é cedo
para te encontrar e amar.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 621


Rangel Alves da Costa*


“Mais uma manhã...”.
“A vida que pulsa...”.
“O renascimento...”.
“Um novo tempo para viver...”.
“Hoje não tenho compromissos...”.
“Com angústias e tristezas...”.
“Com sofrimentos e dissabores...”.
“Com lamentos e suas dores...”.
“Com nada que faça menos alegre...”.
“Menos sorridente e feliz...”.
“Nem tempo terei...”.
“Para reabrir os velhos baús...”.
“Para reler antigas cartas...”.
“Para mirar o espelho embaçado...”.
“Para fotografias e adeuses...”.
“Eis que tudo novo...”.
“Abrirei a janela e tudo novo...”.
“Uma nova paisagem...”.
“Novas nuvens lá em cima...”.
“Nova brisa e tão perfumada...”.
“Um aroma novo de vida...”.
“Uma fragrância pulsando em mim...”.
“E o meu olhar...”.
“Avistará o céu e o paraíso...”.
“Avistará a dança da poesia...”.
“Avistará a valsa da felicidade...”.
“Avistará a linha sorridente do horizonte...”.
“E o meu ser...”.
“Será recompensado de toda esperança...”.
“Será tomado de todo contentamento...”.
“Estará envolto num véu...”.
“De paz e fortalecimento...”.
“E a minha boca...”.
“Gritará o grito da vitória...”.
“Ecoará o canto da vitória...”.
“Dirá quanto a vida é bela...”.
“Razão maior da existência...”.
“E depois...”.
“Na natureza que chama lá fora...”.
“Serei a mesma árvore antiga...”.
“O mesmo fruto verdoso...”.
“A mesma folha que embalança...”.
“E cada pedra e cada flor...”.
“E cada espinho e cada pedra...”.
“E cada encontro que houver...”.
“Com ávida em abastança...”.
“Pois o dia da felicidade...”.
“E assim quero viver...”.
“Bastando abrir a janela...”.
“Caminhar pelos campos...”.
“E beber da água da fonte da paz...”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com