SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 28 de fevereiro de 2015

ENSAIO SOBRE A DESCONFIANÇA


Rangel Alves da Costa*


As lições da vida ensinam que a confiança é aspecto fundamental nos relacionamentos humanos. É preciso acreditar no outro para também ser acreditado. Mas as entrelinhas das lições estão marcadas pelas traições, falsidades, aleivosias.
Nada mais doloroso que sentir-se traído por alguém que se tinha como de máxima confiança. Acaba provocando uma total descrença que vai afetar todos os relacionamentos daí em diante.
Então, fazer o que? O melhor caminho é ter a precaução como princípio orientador nas relações de vida. E a cautela, o cuidado, a prudência, implica sempre em desconfiar. E fazer da desconfiança não uma descrença em tudo, mas uma forma de não ser surpreendido com o inesperado.
Daí que não será demérito desconfiar, não será uma afronta ao outro e a si mesmo a imposição de limites. E não infundado o ditado dizendo que seguro morreu de velho. Do mesmo outro aquele outro dizendo que as palavras e os segredos dependem apenas do vento. E a tempestade logo estará formada.
Então desconfie. E desconfie de tudo. E saiba compreender as mil faces de cada ação humana. Cristo foi traído e você talvez não mereça as mesmas moedas de ouro. Até sua roupa se rasga num instante que imagina estar bem vestido.
Desconfie do outro e desconfie de si mesmo. O não atenderá eternamente suas expectativas de confiança. E você de repente se sente traído pelo que você mesmo faz.
Desconfie do sorriso largo em feição não acostumada a sorrir. As feições mudam pela intencionalidade da ação, e a que será tomada poderá não ser das melhores.
Desconfie do caminho silencioso demais. As folhagens possuem olhos, os labirintos possuem mãos ávidas e as curvas possuem surpresas. E todos podem irromper encontros desagradáveis.
Desconfie sempre do presente de um desconhecido. Ninguém é tão bonzinho assim para estar distribuindo oferendas sem desejar algo em troca. E o mais perigoso é que sempre deseja receber muito mais.
Desconfie do jardim florido em época de outono. Ou as flores são de plástico ou armadilhas iludem para chamar sua presença. E mais perigoso ainda porque o apaixonado sempre avista cor e perfume nas flores mortas.
Desconfie do barulho vindo de casa abandonada, principalmente quando a porta e a janela estão batendo. Pergunte ao vento o que poderá encontrar. Mas como vento não volta, então é melhor não entrar.
Desconfie da esmola grande demais. Dizem, e com razão, que até o santo desconfia. E desconfia porque quem doa além da medida quem receber além da possibilidade do outro em pagar. E mantê-lo no seu caderno como eterno devedor.
Desconfie de uma abelha. E mais ainda de duas abelhas. E muito mais se forem quatro ou cinco, e quando não há melado por perto. Desconfie e corra sem olhar o enxame que vem atrás.
Desconfie de político, da política, dos governantes, das autoridades governamentais, de quem defende partido ou candidato. E por razões mais que óbvias.
Desconfie do rangido da cancela se abrindo, do gemido da porteira se afastando, dos passos na sua direção, do barulho da porta sendo batida. E desconfie ainda mais se depois de abrir a porta você não encontrar ninguém.
Desconfie da estrada florida, dos caminhos atapetados de flores do campo. As serpentes esperam dias a fio qualquer calcanhar, e se escondem entre as belezas para melhor dar o bote e fazer o mal.
Desconfie sempre de quem não cumpre compromissos, de quem nunca chega na hora marcada e de quem outra coisa não faz senão dizer aquilo não se repetirá, pois certamente ele repetirá a não obediência a qualquer coisa.
Desconfie dos olhos vermelhos, das faces esmaecidas, do desleixo, do desprezo pela vida. Sintomas de muitas enfermidades, tanto pessoal como orgânica e espiritual, principalmente de uma doença avassaladora chamada droga.
Desconfie do barulho estranho no meio da noite, dos passos ouvidos no meio da noite, das sombras surgidas no meio da noite. E se você não tem gato, cachorro ou qualquer animal, nem precisa desconfiar. Alguém inesperado lhe faz uma inesperada visita.
Desconfie da nuvem escura em tempo aberto. Desconfie do pingo debaixo do sol. Desconfie do horizonte escurecido e da distância de onde você está sua casa. Até que chegue já estará encharcado de chuva.
Desconfie da palavra e até do silêncio, do repentino grito ou da mudez longa demais. Desconfie do relógio, do espelho e de toda pessoa dizendo que você parece cada vez mais jovem. E tem gente que ainda acredita.
Desconfie da vida. Mas não há como desconfiar da morte. Eis o que sempre se confirma.


Poeta e cronista
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Viagens (Poesia)


Viagens

A pena leve
voando breve
uma penugem
na nuvem

a folha morta
voo sem volta
some no ar
a chorar

o vento vem
e vai além
e leva a pena
folha também

e eu aqui
para partir
na ventania
de um dia.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 898


Rangel Alves da Costa*


“Silêncio...”.
“E a voz...”.
“E a voz...”.
“Minha mudez...”.
“E a voz...”.
“E a voz...”.
“Nada falo...”.
“Nem calo...”.
“Na mente...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“No pensamento...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“Na saudade...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“No cálice...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“No cigarro...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“No retrato...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“No frio...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“No vazio...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“No vento...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“Na noite...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“Na lágrima...”.
“A voz...”.
“A voz...”.
“Na voz...”.
“O grito...”.
“O grito...”.
“E depois...”.
“Silêncio...”.
“Silêncio...”.


Poeta e cronista
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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

FILOSOFANDO A FILOSOFIA


Rangel Alves da Costa*


A filosofia, por mais que tivesse aprofundado seu estudo ao longo dos tempos, jamais alcançou um entendimento pacífico acerca do seu surgimento. Comumente se tem que a mesma nasceu a partir do instante em que os primeiros filósofos - pré-socráticos - procuraram compreender a imensidão do universo não a partir da realidade visível, mas da essência, das causas primeiras para sua existência. O seu conceito também jamais foi consensual. Do mesmo modo, suas bases e fundamentos possuem vertentes diferenciadas segundo o alcance que se pretenda dar ao seu estudo.
Uma coisa parece ser unânime no estudo da filosofia. Sua base de investigação nasceu diante das infindáveis indagações surgidas acerca do universo. A escultura de Rodin, O Pensador, talvez seja a visão mais aproximada do ato filosófico de pensar o mundo. Foi através do pensamento e não da escrita que os primeiros filósofos surgiram tentando compreender e dar explicações sobre o universo e tudo aquilo existente nas sombras de sua imensidão.
Contudo, propor explicações para aspectos surgidos apenas como suposições não era tarefa fácil. Daí o aprofundamento cada vez maior para entender a raiz de tudo e assim, explorando seus aspectos exteriores, possibilitar uma possível explicação sobre a existência dos seres e das coisas. Contudo, tudo envolto em muitas contradições e discordâncias.
Dessa primeira visão acerca do universo, o próprio universo da filosofia foi se expandindo em busca de outras explicações. Nesse passo, tudo ao redor do homem passou a ser objeto de investigação filosófica. Como uma das máximas da filosofia é buscar a compreensão da causa primeira das coisas, os estudiosos passaram a oferecer ao mundo conceitos, ainda que na maioria das vezes inconsistentes, sobre o homem, a natureza, tudo enfim.
Por muito tempo a filosofia se baseou no homem com ser natural e influenciado pelo meio e pela religiosidade. O pensamento filosófico moderno procurou situar o homem como ser universal e estabeleceu uma nova forma de estudá-lo, agora baseada na racionalidade e na comprovação científica. As meras indagações passaram a dar lugar a estudos e experimentos mais aprofundados em busca da máxima certeza.
Contudo, novos pensamentos filosóficos foram surgindo muito além da busca da racionalidade humana. Procurou-se, a partir de então, estender a filosofia para vertentes até então inimagináveis, numa verdadeira ruptura com o tradicional, e assim todas as relações da vida passaram a ser objeto da filosofia. Os novos cenários surgidos e os avanços tecnológicos também não foram esquecidos. O que se tem hoje é uma tentativa de repensar toda a trajetória empreendida e apontando novos limites para o pensamento filosófico.
Contudo, repensar a filosofia e impor novos horizontes não é tarefa fácil, principalmente pelo arcabouço que já foi produzido desde os tempos antigos, desde o seu surgimento. O primeiro desafio da filosofia foi fugir do mito como explicação do universo para impor explicações plausíveis. Os estudiosos gregos debatiam em praça pública e academias suas razões para a existência das coisas.
Tais debates ganhavam força pelos argumentos ali defendidos. Neste momento se deu o surgimento da lógica como forma de argumentar com coerência e racionalidade e permitindo que as explicações praticamente não pudessem ser refutadas. Tais argumentos lógicos foram primeiro utilizados pelos filósofos pré-socráticos ou cosmológicos. Estes, ao se voltar para a compreensão do universo, passaram a estabelecer as questões primeiras da filosofia: O que é o ser? O que é o movimento? Por que a existência assim e não de outro modo? E assim por diante.
Atualmente, a lógica talvez não tivesse força suficiente para explicar e justificar as realidades do mundo e da vida. Seria difícil demais argumentar acerca da regressão humana ao estágio do barbarismo, sobre a prevalência da irracionalidade em todas as situações que exigem o uso da razão, acerca do fanatismo religioso como arma mortal para intimidar e devastar a vida. Não sei se seria possível, por mais que se aprofundasse em possibilidades, dizer o porquê de o homem desumanizar-se cada vez mais.
O pensamento filosófico de hoje é o do espanto, da incompreensão e até do medo. Não há lógica na existência humana que permita compreender como o elevado nível de conhecimento alcançado não consegue fazer com que o homem aprenda a simplesmente viver. Eis o abismo da filosofia. Ou do homem.


Poeta e cronista
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Guerra e paz (Poesia)


Guerra e paz


Num tempo de guerra e temor
só quem me dá abrigo é o amor

num tempo de mundo de dor
só quem me reconforta é o amor

num tempo de aflição e pavor
o meu lenço ainda cena ao amor

e faço desse fel um doce sabor
porque ainda acredito no amor

e amo e abraço e beijo em fervor
porque assim a guerra do amor

e vencido sou também vencedor
assim um final feliz para o amor.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 897


Rangel Alves da Costa*


“Fechadura sem chave que entre...”.
“Um aperto danado na vida...”.
“Nó de vento e que não se desata...”.
“Coisa feita na encruzilhada...”.
“Vai-te pra lá com seu desacerto...”.
“O que não presta não pega em mim...”.
“Sou devoto de todos os santos...”.
“Sou protegido pela divindade maior...”.
“Há um anjo que vai no meu ombro...”.
“E outro guiando meu passo...”.
“Por isso não venha com sua mandinga...”.
“Que desfaço o feito...”.
“E mando de volta...”,
“Saravá grande pai, saravá...”.
“Abulê, maniquê saravá...”.
“Jogo cuia transbordante de aroma...”.
“Derramo alguidar com flores da noite...”.
“Uma lua enfeitada de rosas...”.
“E rosas num jardim iluminado...”.
“Mil velas iluminando os caminhos...”.
“E um pássaro de sol na portada da casa...”.
“Uma linda mulher que chamam de deusa...”.
“Uma fonte de água cristalina...”.
“Cheiro de incenso na correnteza do rio...”.
“Água cristalina como a sina do justo...”.
“Uma benção a quem é de Deus Pai...”.
“Uma proteção vinda da natureza...”.
“E corre o rio na maior correnteza...”.
“Leva nas águas aflições e tormentos...”.
“Pesadelos de noites insones...”.
“Alma carregada pelo olhar diferente...”.
“Mas não jogue seu trabalho na estrada...”.
“Cruzo a encruzilhada sem nada temer...”.
“Desfaço o feitiço com a mão dadivosa...”.
“E lanço ao mar a mandinga raivosa...”.
“Pois sou de Deus Pai...”.
“Sou também de uma deusa...”.
“Moça bonita que mora nas águas...”.
“E me espera com perfumes e flores...”.
“E logo afasta todos os dissabores...”.
“E diz filho vá que o mundo é seu...”.
“É sua a vida como Deus prometeu...”.
“Nada tema do homem...”.
“Nada tema do mal...”.
“O mal vem do homem...”.
“Que o divino desfaz...”.


Poeta e cronista
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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A PROMETIDA DO CORONEL


Rangel Alves da Costa*


Coisas que só aconteciam nos sertões de antigamente...
Dizem que o Coronel Ponciano Pindaré viu sua vida totalmente modificada depois de passar galopando defronte da casa de Lavandeira, um de seus tantos vaqueiros.
Ia passando só de passagem, porém refreou o alazão ao avistar uma menina saindo na porta da casinha de cipó e barro. Teve de passar a mão nos olhos para ver se era verdade o que via à sua frente.
Confirmou num sorriso desavergonhado. Em seguida acenou para o vigário que lhe acompanhava e num repente já estava mandando a menina chamar o pai. Ao avistar o patrão, o homem estremeceu, pois conhecia a fama ruim daquele dono do mundo.
Mas estranho mesmo se sentiu quando percebeu um sorriso no rosto do velho e foi abraçado como um bom amigo. Coisa boa não é, pensou. Quase sem voz, perguntou o que o patrão desejava visitando uma casa tão pobre.
O velho mirou a menina de cima a baixo, fez menção de que ia falar o que desejava, mas resolveu primeiro dialogar com o vigário. Chamou o da igreja num canto e começou a segredar.
Após ouvir as intenções do coronel, porém procurando a melhor forma de dizer o que achava sem despertar qualquer ira, o vigário começou a explanar. E se alguém estivesse entre eles certamente ouviria:
“Mas coronel, ela é muito novinha, é uma menina ainda. Mas se caiu nas suas graças, então o melhor a fazer é assegurar que mais tarde ela seja sua. Então faça com que o pai dela lhe prometa que assim que ela estiver mais crescida, já mocinha, então irá entregá-la de mão beijada no casarão”.
E foi assim que a menina, sem mesmo saber de nada, passou dali em diante estar prometida ao Coronel Ponciano Pindaré, senhor absoluto daquele mundo e de tantos outros.
Na verdade, a menina era quase criança ainda, não tendo nem chegado aos dez anos. Ainda brincava de boneca e dormia chupando dedo, e sequer sabia o que era namoro ou essas coisas de homem e mulher. Por outro lado, o coronel já era reconhecidamente velho.
Velho e viúvo, já quase chegado aos oitenta, mas metido a ser fogoso. Dizem que gastava fortunas no Cabaré da Francesa, todas as vezes que se dirigia até a capital. Mas seu sonho era mesmo encontrar alguém quem nem lhe chamasse de velho nem lhe negasse um dengo.
Continuando na normalidade empobrecida da família, a menina sequer imaginava que estava prometida. Seus pais não diziam nada porque tinham bastante interesse que tudo desse certo mais tarde. Ora, sua filha ia ser herdeira do coronel.
De três em três meses o poderoso patrão passava pela casa dos pais da prometida. Mas sempre ouvia do vigário acompanhante que esperasse um pouco mais, pois ainda não estava no tempo certo.
Passado um ano, o coronel mandou chamar o vigário ao casarão para dizer que vinha sentindo alguma coisa estranha na sua saúde e que, por isso mesmo, precisava logo trazer a menina antes que lhe acontecesse o pior.
O vigário respondeu-lhe que já que se sentia assim, trazer a prometida seria a morte certa, pois suas forças sucumbiriam de vez diante da carne nova demais. E indicou-lhe uns dez médicos.
Passado mais um ano, eis que o coronel manda chamar novamente o vigário. Disse que estava com a saúde perfeita, mas pressentindo uma dorzinha nos joelhos parecendo reumatismo. Mas nada disso impedia trazer logo a menina, que já devia estar mocinha.
Mas o vigário negou-lhe prontamente a pretensão. Disse que precisava se curar de todos os males antes que pudesse ver à sua frente uma flor tão bela e jovial. E indicou-lhe mais dez médicos.
Os anos foram passando com o velho coronel insistindo em mandar logo buscar a prometida e o vigário sempre inventando uma desculpa para livrá-la daquela velharia repugnante. Mas eis que um dia o coronel risca na porta da igreja em cima de seu alazão e manda que o religioso o acompanhe. Havia chegado o tempo de buscar a menina, disse um tanto carrancudo.
O vigário, sem mais saber o que fazer, lançou-se aos últimos pensamentos enquanto seguiam pela estrada. Então se lembrou de uma coisa que poderia dar certo. Disse que a menina já era mocinha, porém já havia fugido com outro.
Ao ouvir, o velho coronel avermelhou, estuporou, soltou fogo pelas ventas, ficou a ira em pessoa. E colocou a mão no peito para depois tombar, já morto. Em seguido o vigário retornou calmamente, deixando o morto ao léu, prometido aos urubus.

Poeta e cronista
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A face oculta do amor (Poesia)


A face oculta do amor


Há uma face oculta no amor
ou outro lado desconhecido
nunca vivenciado ou explorado
ainda que se tenha a certeza
de conhecer a vida entre dois

será preciso conhecer o amor
amar com todas as consequências
estar junto e imaginar separado
estar perto e pensar na distância
estar feliz e conhecer a tristeza

somente sentindo a outra face
o lado dolorido do abandono
a face desejada será preservada
como se o medo de acontecer
fosse uma luta para permanecer.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 896


Rangel Alves da Costa*

 
“Noite escura...”.
“Noite fechada...”.
“Noite tristeza...”.
“Noite molhada...”.
“A chuva...”.
“A lágrima...”.
“O vinho...”.
“A saudade...”.
“A velha canção...”.
“Solidão...”.
“Solidão...”.
“Sem lua...”.
“Nem estrela...”.
“Sem sono...”.
“Sem sonho...”.
“Sem brisa...”.
“Nem voo...”.
“Sem vaga-lume...”.
“Nem lume...”.
“Apenas noite...”.
“Negra...”.
“Triste...”.
“Silenciosa...”.
“Voraz...”.
“Instante...”.
“E fim...”.
“Mas antes...”.
“Antes a lembrança...”.
“O retrato...”.
“A recordação...”.
“A face...”.
“O adeus...”.
“O lenço molhado...”.
“O lenço jogado...”.
“Entre flores...”.
“Murchas de sofrimento...”.
“E dor...”.
“Para depois...”.
“Sumir o sol...”.
“Sumir a lua...”.
“Sumir o sorriso...”.
“E toda alegria...”.
“Para ser apenas...”.
“A chuva...”.
“Na noite...”.
“Como açoite...”.
“Da noite...”.


Poeta e cronista
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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A SOLIDÃO QUANDO CHEGA O DESERTO


Rangel Alves da Costa*


A estrada da vida é entremeada de chão florido e terreno espinhento. Caminhar por ela significa vencer os obstáculos para completar o ciclo da existência. Contudo, dependendo da situação de cada pessoa, a estrada se torna menos difícil pelos acompanhantes que se juntam ao passo, pela ajuda a cada necessidade, pelo que lhe é colocado à disposição para que prossiga sem maiores problemas.
As pessoas ricas, influentes, poderosas e possuidoras de status político e social, nunca estão sozinhas na estrada nem caminham próximo aos buracos, espinhos e armadilhas. O sol não as aflige porque sempre haverá alguém com um guarda-sol para proteger, e assim também com a chuva. Não sentem sede nem fome, quando o cansaço chega logo surge um bom lugar para descanso.
Tais pessoas, praticamente conduzidas por outras pessoas, sempre estarão próximas à sombra e água fresca, ao que de menos pesaroso possa existir na estrada. Muitas delas sequer caminham ou fazem qualquer esforço, pois não faltarão aqueles que lhes arrastem nos ombros. Os outros cansam, suam, sofrem e se estropiam para que os seus endeusados prossigam sorridentes e cheios de felicidade.
A sorte da estrada é uma só: poder, dinheiro, influência. Eis as chaves da caminhada. Quem conta com a dádiva econômica, política ou de status, certamente nem perceberá se está caminhando sobre flores ou pontas de pedras, pois praticamente flutua. Nada lhe aflige, nada lhe ameaça, nada lhe causa perigo ou temor. O próprio poder é protetor, mas quem lhe serve de escudo e proteção é sempre aquele que lhe deve submissão ou que espera qualquer tipo de reconhecimento.
Mas nem sempre ocorre assim, nem sempre a pessoa consegue trilhar toda a estrada da vida à sombra do que possui. O mundo dá muitas voltas, e basta que o afortunado perca prestígio e poder, se veja sem a riqueza de antes ou ameaçado de viver como um ser comum, então se torna muito diferente. A estrada de flores dará lugar ao chão de terra batida, e mais adiante os espinhos poderão surpreender a cada curva.
Sem poder, sem dinheiro, sem influência, sem status, caminhando apenas como um ser comum, dificilmente chegará alguém para lhe matar a sede, saciar sua fome ou oferecer uma cadeira para descansar. Na lei dos comuns, cada um deverá vencer segundo suas próprias forças. E que não se imagine que o prestígio de outrora possa servir para qualquer coisa, pois o momento exige mostrar o que tem e não o que teve.
Então surge a imagem daquela pessoa poderosa que sempre caminhou acompanhada por um verdadeiro séquito de aduladores. Quanto mais poder mais pessoas ao redor, e todas servindo, acarinhando, numa bajulação de envergonhar os outros caminhantes. Mas bastou que o poder fraquejasse, que sua influência diminuísse e já não pudesse mais ser tido como mandachuva, para que a procissão fosse ficando esvaziada cada vez mais. E com a dissipação total do poder surge apenas a solidão como companhia.
Acaso continuasse poderoso, certamente que a procissão de bajuladores pisaria em brasas e espinhos, seguiria aonde ele fosse. Mas a situação agora é muito diferente. Não tem mais nada nem a ser desejado nem a oferecer, não é senão uma pessoa que caminha sem olhar para trás para não recordar o passado faustoso. E solitário vai seguindo porque ninguém se arrisca a acompanhar quem nada tem a oferecer como reconhecimento.
Assim ocorre na vida inteira e em diversas situações. A perda de prestígio e de poder tende a ser acompanhada de uma terrível solidão. Todos parecem sumir de repente. E no instante mais difícil, quando após a jornada chega o instante de pisar no deserto, então é que se sente quanto dói a areia ardente do abandono. Noutros tempos, tudo um oásis, mas agora somente a poeira, a tempestade, a solidão.


Poeta e cronista
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O amor que amo amar (Poesia)


O amor que amo amar


Há um amor
ingênuo e puro
que amo amar

amo o amor
algodão doce
bolha de sabão
ave em voo
assim tão leve
e imensamente
cativante

amo o amor
verso na boca
beijo no ar
olho piscando
assim singelo
e imensamente
amante.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 895


Rangel Alves da Costa*


“A mão da paz...”.
“Fazendo a guerra...”.
“A mão do aceno...”.
“Fechando o punho...”.
“A mão do adeus...”.
“Dizendo que vá...”.
“A mão da esmola...”.
“Pedindo de volta...”.
“A mão que doa...”.
“Querendo receber...”.
“A mão que afaga...”.
“Provocando terror...”.
“A mão que alimenta...”.
“Deixando esvair...”.
“A mão carinhosa...”.
“Tornada tão áspera...”.
“A mão que levanta...”.
“Fazendo recurvar...”.
“A mão delicada...”.
“Ordenando a dor...”.
“A mão do destino...”.
“Mostrando outro traço...”.
“A mão que semeia...”.
“Devastando a raiz...”.
“A mão que colhe...”.
“Jogando os restos...”.
“A mão que cativa...”.
“Impondo sofrer...”.
“A mão que acolhe...”.
“Negando a presença...”.
“A mão que reage...”.
“Deixando acontecer...”.
“A mão estendida...”.
“De rente recolhida...”.
“A mão com a flor...”.
“Recolhendo espinhos...”.
“A mão inocente...”.
“Tomada de sangue...”.
“A mão que prepara...”.
“Desfazendo o feito...”.
“A mão que se esconde...”.
“Irrompendo feroz...”.
“A mão com o pão...”.
“Transformada em aflição...”.
“A mão que aponta...”.
“E que erra o caminho...”.
“A mão aberta...”.
“Esperando outra mão...”.


Poeta e cronista
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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

TUDO NA TELA: A CRIANÇA E A APRENDIZAGEM TECNOLÓGICA


Rangel Alves da Costa*


Hoje em dia, qualquer criança sabe manusear ferramentas tecnológicas muito melhor que grande número de adultos. Contudo, manusear não é o mesmo que utilizar, vez que se pressupõe que o uso das tecnologias deve ter uma utilidade específica. Assim, o uso das novas ferramentas pela criança implica numa série de considerações, principalmente pelo seu senso de curiosidade, podendo provocar em busca de temas inapropriados.
A verdade é que as novas ferramentas tecnológicas caracterizam-se, inegavelmente, como instrumentos essenciais para o desenvolvimento e o progresso da sociedade. Tornando mais acessível o conhecimento e possibilitando maior agilidade na pesquisa e na informação, acaba transformando o ser humano um agente interativo com o próprio mundo.
Do mesmo modo, são reconhecíveis seus contributos à educação. O antigo processo de ensino-aprendizado baseado em ferramentas como o quadro negro, o giz, as pesquisas em livros de difícil acesso já é visto como ultrapassado. O slide-show e outros meios de repasse de conhecimentos deram lugar a mecanismos modernos e ágeis.
A escola e a educação, bem como professor e aluno, não poderiam ficar dissociados das facilidades oferecidas pela rede mundial de computadores. A internet se tornou, induvidosamente, o incansável professor e agente primordial de estudo, leitura e pesquisa. O computador em si se transformou numa verdadeira escola, ocasionando a permanência presencial apenas um acompanhamento daquilo que o aluno está adquirindo com o uso das tecnologias.
Contudo, as facilidades e possibilidades das novas tecnologias não chegam de maneira adequada para todos. Considerando que cada aluno pode encontrar o que bem entenda, e muito além de uma simples pesquisa escolar, o que se observa é uma faca de dois gumes. Ou seja, a ferramenta educacional também pode perverter a educação ou desnortear o interesse do pesquisador, buscando acessar aquilo que nada tenha a ver com educação e aprendizagem.
Em situações assim, e que permeiam todos os usos que se faz do computador e da internet, torna-se sempre necessária a intervenção dos professores e dos pais. Muitas vezes, na própria escola se faz uso inadequado do computador. E nas residências, se não houver acompanhamento pelos pais, certamente que pouco proveito terá o uso do computador como ferramenta de aprendizagem.
Contudo, há que considerar que o uso das tecnologias também pode ser visto como um processo de formação, como uma aprendizagem. Daí que o aluno deve ser ensinado e educado para o seu uso, ainda que o mesmo já chegue à escola tendo mais conhecimento do computador que o próprio professor. Muitos alunos já nasceram no mundo da informática, desde muito cedo entram em contato com o computador, principalmente através de jogos. E por isso conhecem tanto das ferramentas.
Há uma crítica acirrada acerca do uso de jogos violentos pelas crianças. Mas a criança poderia fugir dessa realidade, que é cotidiana mostrada pela televisão? Não significa que vá se tornar violento pelo jogo, e sim que vai tomar conhecimento do que seja a brutalidade, ainda que de modo virtual. E, mesmo que inconscientemente, vai tomando posição acerca daquele mundo e o confrontando com a realidade.
Considerando que as novas tecnologias possuem também um importante papel de atratividade emocional, quem as utiliza tende a se sensibilizar com maior facilidade. E as crianças sabem muito captar essa emoção tecnológica ao escolher interagir com aquilo que faça parte do seu universo infantil. Buscando e encontrando o seu mundo, logicamente que terá seus sentimentos aflorados.
Tomemos o exemplo das antigas canções e brincadeiras infantis. Muitas vezes o professor apenas dá noções de como elas eram e qual a sua importância como processo de desenvolvimento lúdico. Mas se o mesmo professor pedir para que as crianças conheçam, através da internet, tais canções e brincadeiras, certamente que haverá uma descoberta fenomenal. Os pequeninos logo procurarão interagir cada vez mais com aquele mundo tão bonito e até então desconhecido.
A permanência dessa busca pela criançada tenderá a torná-la mais criativa, mais questionadora e, principalmente, mais humana. E humanização que não vem apenas da interação da criança com um mundo virtual criado, mas também através de outras informações obtidas, vez que o conhecimento é também forma de sensibilizar e tornar a pessoa mais coerente e racional.


Poeta e cronista
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O jardim (Poesia)


O jardim


As lágrimas regaram a terra
da dor de ontem nasceu uma flor
aprendemos no sofrimento
que é possível cultivar o amor

o amor grão a grão semeado
suporta o outono e a desolação
floresce em tempos difíceis
pela seiva persistente do coração

e se as flores e folhas ressecam
e tudo parece chegado ao fim
ao redor dos nossos canteiros
sempre estará um florido jardim.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 894


Rangel Alves da Costa*


“Eu era feliz...”.
“Sim, eu era uma pessoa muito feliz...”.
“Abria a janela ao amanhecer...”.
“E sentia o aroma florido...”.
“Ouvia canto de pássaros...”.
“Colibris beijando flores...”.
“E borboletas entrando no meu quarto...”.
“E quanta felicidade eu sentia...”.
“Com o cheiro da terra molhada...”.
“Com o broto irrompendo da terra...”.
“Com a flor do algodão...”.
“Com o manto branco do cafezal...”.
“E meu olhar mirando paisagens...”.
“De encantar coração...”.
“Uma felicidade singela...”.
“Simples num mundo bucólico...”.
“Com cheiro de café torrado...”.
“Comida em panela de barro...”.
“Cuscuz ralado apetitoso...”.
“As frutas doces do pomar...”.
“Tinha manga...”.
“Tinha goiaba...”.
“Tinha pinha...”.
“Sapoti e jabuticaba...”.
“Meu avô sentava em cima do tronco...”.
“E riscava o chão...”.
“Com letras logo apagadas pela ventania...”.
“Minha avó junto à almofada...”.
“Uma almofada de bilros...”.
“Para fazer rendas maravilhosas...”.
“Enquanto isso o forno de lenha...”.
“Assando os bolos...”.
“Bolo de leite e de macaxeira...”.
“E de vez em quando...”.
“O tacho de doce em cima do fogo de chão...”.
“Quanta gostosura naquela cozinha...”.
“Naquele quintal e arredores...”.
“Sobre a mesa de madeira envelhecida...”.
“O queijo de fazenda e a coalhada...”.
“O leite saído do peito da vaca...”.
“E eu beliscando tudo...”.
“Mas tudo rapidamente...”.
“Pois meu cavalo alazão...”.
“De pau retorcido...”.
“Já me esperava num cantinho...”.
“Pra gente viajar distante...”.
“Galopando entre as nuvens do passado...”.


Poeta e cronista
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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

AOS POETAS VIVOS


Rangel Alves da Costa*


Enquanto expressão artística que mais reflete os sentimentos – e destes se supre como essência e seiva -, a poesia vem sendo vitimada pelos sofrimentos do mundo e pelas insensibilidades humanas. Não há poesia que ao invés de cantar os sentimentos do homem, de expressar as grandezas do ser e transformar em voz os sentimentos da alma, não venha se desencantando com os passos da humanidade e com o que ela se mostra capaz de fazer.
Triste seria somente uma poesia da dor se alastrando, do sangue inocente derramado em enxurradas, da violência exacerbada se tornando normalidade contínua. Infeliz da poesia que tem de beber no cálice do sofrimento, que tem que se iluminar pela escuridão da insensatez, tem que se comprazer com a iniquidade humana. Uma pena domada para a escrita do amor, da ternura e da grandeza da vida, não pode se contentar diante de versos que surgem avermelhados, sangrando, gritando, sofrendo. Eis que o poeta não está imune às dores do mundo. O poeta é humano, também sente e sofre, lamenta e clama, e não há verso que surja flor com a mente afligida por espinhos.
Porque, diante das realidades concretas, a poesia não pode viver somente de idílios nem se expressar apenas como cantos sublimes, devendo haver um comprometimento do poeta com o mundo além do imaginário simbólico, então nas entrelinhas das estrofes surgirá a seguinte indagação: transmudar os versos, e onde houver amor colocar dor, onde houver renascimento colocar sofrimento, onde houver sorte colocar morte? Ou simplesmente não rimar, deixando o verso branco enegrecido e de braços abertos esperando o fim? Uma poesia viva, pulsante, amorosamente clamando, de repente forçada a se voltar para o homem e seu estágio de barbárie. Não sei se o mundo atual, diante dessa realidade de ferro e fogo, seria lugar para um poeta que se omite em ser humano e pretende continuar no idílio, no sonho, na fantasia.
Não há críticas, apenas reconhecimento. As possibilidades surgidas com a poesia, onde o artista constrói realidades a partir de sentimentos ou torna o inexistente como algo possível de ser conhecido e apreciado, parecem ameaçadas demais com um mundo que procura exterminar o romantismo, a sensibilidade, o sonho poético. Perante a crueldade do mundo atual, poetas românticos como Shakespeare, Neruda, Florbela Espanca, Vinícius, só para citar alguns, ou mesmo do denominado romantismo sombrio, como Poe, Byron, Baudelaire e Álvares de Azevedo, teriam que falsear aos corações ou fechar as janelas se quisessem criar suas alegorias sentimentais. Dizimadas estariam aquelas folhas de relva aconchegantes ao entardecer na poesia de Whitman.
Fernando Pessoa, que sempre foi poeta de pé no chão, realista até onde expressava singeleza, certamente ficaria desassossegado com a vivência atual. Sua obra, contudo, não deixa de ser profética, um reconhecimento da solidão humana, da angústia interiorizada em cada ser, da desesperança nos caminhos do homem e da humanidade. Aquele homem descrito por Pessoa, tão nostálgico e solitário, valendo-se de suas próprias forças para não sucumbir, parece ser o mesmo homem abismado e impotente que hoje caminha por aí, temendo por tudo que acontece ao redor. É o homem desse mundo, o ser solitário e desesperançado de qualquer futuro alentador.
O fragmento a seguir, da poesia “A Tempestade”, de Lord Byron, poeta irlandês do século dezenove, já revelava a frustração do poeta frente ao desencanto do mundo: Se pudesse encarnar e tirar agora do meu seio aquilo que nele é mais profundo, se pudesse cingir com palavras estes meus pensamentos, e assim exprimir alma, coração, e espírito, paixões e todos os sentimentos, ah, tudo o que poderia desejar, e desejo, sofro, conheço e sinto, sem que morra, numa só palavra - e que essa palavra fosse “Relâmpago!” – eu a diria; mas não, vivo e morro voltando para o silêncio apenas, com sufocadas vozes que guardo como uma espada…
Carlos Drummond de Andrade, nosso poeta maior, igualmente revelou sua angústia no poema “Consolo na praia”, que é uma cética reflexão existencial, mas que também propõe a continuidade da esperança: Vamos, não chores… A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não possuis casa, navio, terra. Mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour? A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias precipitar-se – de vez – nas águas. Estás nu na areia, no vento… Dorme, meu filho.
Quem dera um canto novo. Não uma fuga, mas um canto poético que fosse capaz de desafiar a guerra através do verso, que fosse capaz de mostrar aos bárbaros, covardes, assassinos e genocidas da humanidade, que eles não são absolutamente nada. E nada são porque eles passarão, enquanto a poesia permanecerá como flor que sempre encontra uma primavera.


Poeta e cronista
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Saudade na chuva (Poesia)


Saudade na chuva


Toda vez que chove fico entristecido
e meus olhos de cais se transformam em mar
hoje mesmo não sei se não vou naufragar

o meu barco veleja cheio de saudade
o meu pranto no mar vai se tornando infinito
e do solitário náufrago talvez não reste o grito

a noite chuvosa se derrama em tristeza
o mar dos meus olhos distanciou-se do cais
e o meu barco some junto ao amor que jaz.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 893


Rangel Alves da Costa*


“O tempo...”.
“O tempo o tempo todo...”.
“No meu deitar...”.
“No meu acordar...”.
“No meu levantar...”.
“Na minha pressa...”.
“No meu atraso...”.
“E no relógio...”.
“Tic tac...”.
“Tic tac...”.
“Tic tac...”.
“Quero viver...”.
“Sem ser escravizado...”.
“Pelo calendário...”.
“Pela data...”.
“Pela hora...”.
“Pelo minuto...”.
“Pelo relógio...”.
“Pelo ponteiro...”.
“E tudo que repete...”.
“Tic tac...”.
“Tic tac...”.
“Tic tac...”.
“Preciso caminhar...”.
“Quero viajar...”.
“Tenho de viver...”.
“Mereço sonhar...”.
“Preciso de tempo...”.
“Para outras coisas...”.
“Muito além do tempo...”.
“E de sua agenda...”.
“Sem pressa...”.
“Sem passo...”.
“No mesmo relógio...”.
“Tic tac...”.
“Tic tac...”.
“Tic tac...”.
“Quero a liberdade...”.
“Ir além de onde estou...”.
“Ser além do que fui...”.
“Muito além do que sou...”.
“Mas até o meu coração...”.
“Cúmplice com a mesmice...”.
“Ecoa em mim...”.
“Tic tac...”.
“Tic tac...”.
“Tic tac...”.


Poeta e cronista
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domingo, 22 de fevereiro de 2015

E EU TÃO SOZINHO...


Rangel Alves da Costa*


Abro a janela e vejo os horizontes faiscando, relâmpagos cortando de lado a outro, e ouço ribombos de trovões, sons abafados que se alastram rasgando os céus. E eu tão sozinho...
Não que eu tenha medo de relâmpagos e trovões, de tempo fechado, trovoadas ou tempestades. Não tenho receio de nada disso, até louvo a mudança de tempo e a chuvarada caindo. Diferente é estar sozinho quando tudo isso acontece.
Com a chuvarada caindo em temporal, sigo até o portão e de repente me vejo molhado com os respingos que avançam na ventania. Um tempo de profundo despertar. E eu tão sozinho...
Não que eu tenha medo de solidão, que procure sempre fugir de sua presença. Nada disso acontece. Gosto de estar recolhido, meditando, refletindo sobre a vida. E quando chove depois do anoitecer então tudo se revela mais profundo, viajante, de nostálgico entristecimento.
As águas correm velozes, sedentas, famintas, levando tudo que encontrar. Folhas e flores mortas se juntam a troncos e gravetos despejados de jardins aflitos. E eu tão sozinho...
Não tenho medo da noite, do vazio da noite, dos mistérios noturnos. Seja com chuva ou tempo aberto, sempre avisto a lua imensa onde eu deseje encontrar. E por isso mesmo avisto aquele fascinante luar acima da trovoada e me ponho em viagem no pensamento. Chegam as recordações, lembranças, imagens, feições.
A noite está negra retinta, de negrume fechado, desde o horizonte aos descampados. O tempo encoberto, pesado, parece coberta de água que vai desabar. E eu aqui tão sozinho...
A solidão sempre será solidão mesmo diante da multidão. É o estado da alma, a propensão do ser que predispõe ao distanciamento de tudo. Ainda que outras pessoas estejam sendo ouvidas pelos arredores, ainda assim a solidão se faz companhia. Somente a noite, a chuva caindo e o silêncio imposto em mim, interessam como moldura dessa solidão.
As águas escorrem pelos canteiros, as calçadas são inundadas pelas biqueiras, as ruas asfaltadas mais parecem leitos negros de rios. Tudo tão diferentemente triste diante do meu olhar. E eu tão sozinho...
As ruas estão desertas, escurecidas, tristonhas. As portas e janelas foram fechadas, as vozes calaram, as crianças não correm de canto a outro. Não vejo cachorros e gatos caminhando pelas calçadas, não vejo gente correndo com medo da chuva. Não sei se dormem ou avistam a vida pelas frestas das portas e janelas. Somente eu diante da chuva que cai.
Não quero cálice de vinho nem aguardente. Bebo somente do copo da boca e de sua vertigem. Uma música clássica me faria bem, mas preciso de silêncio profundo para me envolver aos noturnos e sonatas. E a chuva desce gritando. E eu tão sozinho...
As luzes descem dos postes em amarelos aguados. O asfalto se lava e sente frio. As calçadas se desnudam para as correntezas. O vento sopra e uma valsa lenta vai tomando o salão. Somente a noite dança seu instante só seu. A rua é da rua e de mais ninguém. Tudo se banha e se molha para renascer, e talvez amanhã de manhã já esteja tudo deserto, árido, desolador.
A plena escuridão me cairia bem. Não seria ruim que as lâmpadas apagassem agora. Bastaria uma vela acesa, uma chama tosca de candeeiro. Mas nem preciso avistar mais nada, não preciso de outra coisa senão sentir a chuva caindo. E eu sozinho...
Confesso que ficaria aqui em pé até o amanhecer. Não me canso de ouvir o barulho da chuva, de sentir seu sopro molhado em mim. Esse silêncio de gente me faz bem, essa distância de gente me faz bem. Nem eu mesmo sei se permaneço ou se já segui na enxurrada. É que a saudade faz a gente sumir. Se o pensamento viaja, então não sei onde estou se também não sei onde está quem procuro. Não sei a hora. O relógio molhou e parou. Também não precisa.
Mas continuou aqui. Tão sozinho.


Poeta e cronista
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Seu (Poesia)


Seu

Não mais a mim
mas a você que pergunto
quem sou eu

não mais em mim
mas em você a resposta
o que sou eu

não mais de mim
qualquer vontade de ser
se não sou eu

nada sou em mim
nada tenho que seja meu
tudo seu, todo seu

até eu...


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 892


Rangel Alves da Costa*


“Nem ser...”.
“Nem humano...”.
“Não sei o que seja...”.
“Mas sei...”.
“Que nem ser...”.
“Nem humano...”.
“Muito menos...”.
“Ser humano...”.
“E assim por que...”.
“A covardia...”.
“A violência...”.
“A barbárie...”.
“A bestialidade...”.
“A vileza...”.
“A falsidade...”.
“A traição...”.
“Não é próprio...”.
“De um ser...”.
“Que se diz...”.
“Ser humano...”.
“Que humano é este...”.
“Que violenta a vida...”.
“Que destrói a natureza...”.
“Que corrompe o meio...”.
“Que devasta o planeta...”.
“Que mata e fere...”.
“Que leva à extinção...”.
“Que deixa em cinzas...”.
“O que o faz respirar...”.
“Talvez qualquer coisa...”.
“Menos de um ser...”.
“Que não seja humano...”.
“Apenas um ser...”.
“Que se compraz...”.
“Em apenas ser...”.
“O avesso da virtude...”.
“A face do medo...”.
“O espelho do mal...”.
“Tudo o que a vida...”.
“Não deixa para si...”.
“Nem para os seus...”.
“Que vieram à existência...”.
“Para a dignidade...”.
“E o compartilhar ético do mundo...”.
“E de si próprio...”.
“Perante o próximo...”.


Poeta e cronista
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sábado, 21 de fevereiro de 2015

TRISTE VIDA RIBEIRINHA


Rangel Alves da Costa*


Os ribeirinhos do Rio São Francisco, na maior parte de suas margens, não olham mais o seu leito com antigamente. Muitos até evitam rebuscar recordações naquele percurso que se mostra agora. Dói demais ter diante do olhar o rio magro, raso, feio e ossudo, e logo relembrar dos tempos idos de grandiosidade e pujança. É como se a saudade os fizessem avistar as grandes carrancas despontando nas lonjuras molhadas e as embarcações apitando a aproximação, anunciando chegadas e partidas.
Onde estão suas águas, suas toldas, seus cardumes, seus mistérios, oh grande rio, indaga o velho pescador. E possui razão em perguntar assim. O Rio São Francisco, Velho Chico ou ainda Rio dos Currais, dentre outras denominações, sempre foi o principal curso d’água das terras nordestinas, mesmo nascendo em território mineiro, na Serra da Canastra. O desbravamento do Nordeste se deu pelo seu curso, quando navegantes buscavam descobrir terras novas e criadores foram trazendo rebanhos e formando currais nas suas margens. Daí ser chamado Rio dos Currais.
Fugindo das instabilidades nas revoltas dos tempos coloniais, os criadores colocaram seus rebanhos em grandes embarcações e foram navegando em busca de locais apropriados para o criatório. Instalando-se nas beiradas, formando os primeiros núcleos ribeirinhos de povoação, em seguida resolveram adentrar na mataria fechada, na natureza ainda hostil ao citadino. E assim, no passo do encorajamento para abrir picadas e veredas no mundo desconhecido, o sertão foi sendo desbravado e tendo origem as primeiras povoações.
Mas muitos, por não possuírem grandes rebanhos que justificassem uma aventura tão perigosa, resolveram permanecer nas beiradas daquele leito imenso, constante e ladeado por uma natureza exuberante. Ademais, já conhecido aquele caminho das águas, muitos simplesmente resolveram deixar o litoral e outras regiões e rumar para uma nova vida muito mais pacífica e promissora. E foram se estabelecendo naquelas margens e formando uma população tipicamente ribeirinha.
Durante muito tempo o Velho Chico serviu como principal estrada naqueles sertões distantes. Não havia outros caminhos que transportassem pessoas, animais, mercadorias. Através das embarcações é que os percursos iam sendo percorridos e os ribeirinhos e forasteiros podiam se locomover entre localidades diferentes. O rio era a via do comércio, do transporte, de toda a economia regional. O peixe, o carvão, a pele do animal, a madeira, a carne salgada, o açúcar, o café e demais mantimentos, tudo era transportado no seu leito.
Diferente do que se avista agora na maior parte do seu curso, naqueles idos o São Francisco era caudaloso em todo o seu percurso, largo, bonito, com cheias periódicas e recuos ainda com imensidão. E um berço repleto de vida, pois nele a abundância de peixes e crustáceos (pitus) garantindo o sustento da população vivente às suas margens e para o suprimento de grandes mercados regionais e feiras interioranas. Ali a fartura do surubim, tubarana, curimatã, matrinchã, mandi e corvina, dentre muitas outras espécies nativas.
E que bela vida era aquela ribeirinha. A qualquer hora do dia, mas principalmente ao entardecer, as pessoas avistavam a chegada ou a passagem de embarcações pequenas e grandes, apinhadas de gente e mercadorias. Festa ao olhar era o despontar das canoas de tolda, as gaiolas e os famosos vapores como o Saldanha Marinho e o São Francisco. Havia também uma abastança de pequenas canoas tanto para transporte como para pescaria. E nas embarcações aquelas carrancas talhadas em madeira e fixadas na proa para proteger contra os perigos das águas.
Os arrozais se formavam até mesmo pelos quintais após as enchentes, bastava jogar a tarrafa para garantir a comida de cada dia. As velhas senhoras, sentadas nas cadeiras espalhadas pelas calçadas altas, iam fazendo rendas, traquejando os bilros ou produzindo algum artesanato típico da região, enquanto observavam a festa das embarcações. E os homens, pescadores e mestres das águas, iam tecendo suas vidas segundo as dádivas do rio, sem jamais imaginar que não duraria muito para o entristecimento se espalhar pelas beiradas e rio acima. E sem carranca que pudesse afastar as ameaças e crueldades do progresso, da devastação e do abandono.
O progresso foi o navegante mais cruel daquelas águas. Logicamente que não haveria de se esperar a permanência do rio com a mesma pujança desde os tempos mais longínquos. Contudo, jamais se esperaria que em tão pouco tempo o grande rio quase nem tivesse mais forças para respirar. E tudo numa junção de culpados. O ribeirinho foi desmatando ao redor e descuidando do próprio lar. Mas foi a engenharia que cuidou de dar cabo à vida. Projetos de irrigação, desvios de águas, construção de hidrelétricas e tantas outras inventivas destruidoras, tudo isso foi esvaindo a vida do Velho Chico.
Por consequência, somente em fotografia se pode avistar aquele fausto de outrora. Os vapores não apitam mais, as canoas encalham nas pedras, os grandes peixes se tornaram raridades. E em muitos lugares as margens são alcançadas caminhando por dentro do leito. Cidades inteiras pararam no tempo sem a dádiva das águas, antigas comunidades deixaram de existir. É o rio com sede e um povo com fome. Não há mais nêgo-d’água pulando da pedra nem a cobra-grande esperando o solitário pescador. E nem a carranca para proteger.
Apenas um leito estendido tal qual espinha de peixe jogada ao léu. E o olhar melancólico do ribeirinho avistando pedra aonde corria um mar sem fim. Triste que seja assim.


Poeta e cronista
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Teu sol, tua lua (Poesia)


Teu sol, tua lua


Sou o teu sol
se estais distante
e sou tua sombra
quanto estais aqui
ilumino o caminho
se noutros caminhos
e vivo ao teu lado
se sinto a presença

sou a tua lua
no meio da noite
sou a tua estrela
seguindo onde vai
ilumino o teu passo
no silêncio noturno
e brilho mais forte
se diante do olhar

sou sol e sombra
sou lua e estrela
onde tu estejas
onde tu estais.


Rangel Alves da Costa