SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 30 de abril de 2016

A IGREJA NUNCA FOI SANTA


*Rangel Alves da Costa


Desde os seus primórdios que a Igreja vem sendo perdoada nos seus erros, nos seus abusos, na sua cumplicidade e conivência. Quando não totalmente perdoada, simplesmente tratada com um respeito não proporcional aos agravos cometidos. Trata-se de uma instituição e não de um céu, trata-se de uma entidade formada por pessoas e não por anjos e santos. As divindades que lhes servem de escudo certamente não comungariam com algumas de suas práticas. Oremos.
A História testemunha o quanto a Igreja impôs, perseguiu e matou. É a guardiã dos ensinamentos sagrados sobre a terra, mas tantas vezes se distanciou da santidade quando o assunto era a defesa de seus próprios interesses e de seus comandantes. A Santa Inquisição e As Cruzadas, dentre outros acontecidos, não deixam mentir. Em nome e por ordem da Igreja muita vida foi ceifada por navalha afiada e muita gente abrasou na fogueira inquisitorial. Existe o mal em nome da boa causa?
Quantas e quantas vezes a Igreja vendeu, por valores inestimáveis, seu assento papal a integrantes de famílias romanas? Alguns papas, mesmo sem jamais terem sido sequer coroinhas, simplesmente foram levados ao altar de Pedro. E tudo por conveniência econômica, por lucratividade, por interesse de alguns de seus membros. Ora, uma instituição que vendia indulgência, algo como uma carta de remissão de pecados, hoje em dia nada pode dizer das vergonhosas práticas de pastores de outras igrejas.
Como já dizia o outro, a verdade é que a igreja nunca foi santa. Até mesmo a Bíblia afeiçoa-se a uma imposição desrespeitosa a outros textos sagrados. Muitos evangelhos foram simplesmente ignorados ou mandados à fogueira simplesmente porque não se amoldavam aos preceitos defendidos pela sua cúpula. Livros ignorados dão conta de outra vida de Jesus, mais humanizada, mais presente no mundano. Maria Madalena se apresenta como mulher importante e influente na nascente religião, e que, talvez, tivesse tido um relacionamento mais íntimo com Jesus. Mas isso pareceu não possuir interesse algum para a Igreja.
Indubitavelmente que Igreja é, no mínimo, contraditória. E se contradiz em atos, palavras e ações. Ora, prega a caridade, a humildade, o voto de pobreza, a vida na mais singela simplicidade, mas se compraz em adornos, em luxos, em ostentações. Nos evangelhos não consta que os apóstolos pregavam com vestimentas adornadas, suntuosas, bordadas a ouro. O próprio Cristo negou que a palavra fosse menor que a ostentação para poder ser ouvido. Não se admite, pois, que se pratique o que tanto se combate.
O Vaticano, por exemplo, possui riqueza inigualável. Talvez não haja outro palácio no mundo que guarde tantas e valiosas preciosidades. São coroas, joias, relicários, adornos, tudo em ouro maciço ou ornadas das pedras mais preciosas. São quadros, estátuas, desenhos, esculturas, manuscritos, cujo valor se tem como inestimável. Logicamente que nada disso está à venda ou possa ser vendido, pois da Igreja e não de qualquer papa, mas tal suntuosidade já demonstra a grandeza material que possui.
Mas, para o mundo exterior e perante os fiéis, o materialismo é pregado como verdadeiro pecado original. Sem falar no Banco do Vaticano (Instituto para as Obras de Religião), em cujos cofres há tanto dinheiro que nem os escândalos envolvendo o seu nome diminuiu o seu poder. Atualmente, é terminantemente proibido divulgar quanto dinheiro o banco possui e quanto coloca em circulação. Algo muito estranho para uma instituição religiosa e que administra as contas dos principais clérigos.
E há um erro gravíssimo continuando sendo praticado pela Igreja, mas que, historicamente, apenas palavras e promessas, mas poucas ações efetivas procuram resolvê-lo. Diz respeito à pedofilia. Ao impor voto de castidade aos religiosos, impedindo o casamento dos sacerdotes, acabou cerceando uma sexualidade que não se apaga por ordenamento algum. Por consequência, os impulsos carnais surgidos são geralmente voltados para jovens indefesos ou de fácil manipulação. Quer dizer, a própria Igreja criou um problema para si mesma.
E problema este que nunca é combatido a contento. Mesmo que as provas de práticas pedófilas sejam muitas e incontestáveis, a Igreja tudo faz para proteger os seus, através de processos internos que duram uma eternidade e nem sempre produzem resultados. Enquanto isso, as práticas continuam estampando os jornais e o papa apenas pedindo desculpas e prometendo punições. Quer dizer, enquanto se aparenta preocupação, a pedofilia continua reinando como um subterfúgio à castidade sacerdotal.
Contudo, há de se dizer que a Casa de Pedro santifica-se por si mesma. A religião em si não tem culpa pelos que a professam e se dizem pastores de seus evangelhos. Ademais, a fé está na religião e não na Igreja.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Nosso verdadeiro Velho Chico...




Enquanto chove lá fora (Poesia)


Enquanto chove lá fora


Bom dia, amor
um café quentinho
um buquê de flor
ainda é muito cedo
e chove lá fora
deite aqui ao meu lado
e ouça a bela canção
canto de chuva caindo
uma valsa ao coração

tudo parece triste
na vidraça embaçada
um cheiro de nostalgia
um olhar tristonho
que também quer chover
mas não fique assim
pois estou bem aqui
eternamente ao teu lado
para o abraço e o afago
e dizer te amo, te amo...


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - a política, as bondades e as promessas


*Rangel Alves da Costa


As eleições municipais se aproximam. Candidatos a prefeito e a vereador já iniciaram seus trabalhos de convencimento. Mas tudo numa mentira tão deslavada que vai além do razoável. As pessoas, agora vistas apenas como eleitoras, desde muito esquecidas e relegadas ao abandono, agora são procuradas como seres de suma importância. Nos rincões distantes, nas casinholas de fim de mundo, nos casebres escondidos, agora a presença constante daqueles que se apresentam como milagreiros, como verdadeiros salvadores da pátria. Nada levam para matar a fome ou curar a doença, nada levam que conforte os desvalidos, mas não se deixam acompanhar de promessas. Chegam abraçando, beijando, e prometendo. Chegam alegres, contentes, e prometendo. Chegam como se fossem velhos amigos, ou mesmo de parentesco distante, e sempre prometendo. E são extremamente bondosas, cordiais, solícitas, pois não dizem não a nada e não há problema que não possa ser solucionado. Mas somente depois da eleição. E por isso mesmo precisam que votem nos seus projetos e nos seus planos de governança ou vereança. Reis dos simulacros, das dissimulações, das mentiras, da cara de pau. Eleitos ou não, aqueles povos visitados serão devidamente esquecidos. Aliás, como sempre acontece.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

sexta-feira, 29 de abril de 2016

A VIDA EM FLOR


*Rangel Alves da Costa


No verso do poeta, a vida é jardim perfumado pelo seu cultivo, mas há uma fase na existência que exala o mais suave aroma do mais belo jardim em flor. Eis a fase da vida em flor chamada adolescência, mocidade, juventude.
Moço na idade, mocidade. Ninguém era mais inocente, não podia mais tomar banho nu na biqueira em frente ou nos lados de casa nem era mais costumeiro brincar de boneca de pano nem de cavalo de pau. Soltar pipa somente no pensamento. A mocidade havia chegado. O corpo surpreendia a cada instante, o imaginário do mundo se tornava real, dali por diante teria que se viver outra vida. Afinal de contas, já rapazinhos e mocinhas.
Os livros, que não têm nenhum sentimento e nenhuma saudade, dizem apenas que mocidade é o estado ou idade de moço; é o período que antecede a maturidade sexual; é um período de transição do estado de dependência para o de autonomia. Mais acertado aqueles que afirmam ser a mocidade a fase da existência por excelência, aonde tudo chega como aprendizagem e como vontade de experimentação. O frescor, o viço próprio das pessoas moças, eis a mocidade.
Para as meninas, não existia mocidade sem janela. Ao entardecer nas janelas é que se pode sonhar, olhar para o horizonte e imaginar coisas bonitas que vão acontecer nas suas vidas, olhar para os lados da rua e ver se avista o príncipe encantado chegar. E não raro cantavam baixinho, num sussurro de voz levado pelo vento: Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, só pra ver, só pra ver meu bem passar...
Há cantiga popular mais apropriada para ser cantada pelas mocinhas vivendo a transcrição da infância à mocidade? A casinha de madeira, a boneca de pano e os brinquedos de ontem já estavam embalados, guardados e esquecidos em qualquer canto da casa. Mãe eu quero um vestido bem bonito, um batom e um perfume bem cheiroso, e não se esqueça de comprar um diário que eu preciso escrever umas coisinhas que fico imaginando.
Não podiam ver um espelho e lá estavam se mirando, se embelezando, se penteando. E no diário as primeiras poesias. Primeiro a lua é bonita, o sol é luz da vida, a vida é cheia de encantos, o mundo poderia ser melhor se... Depois os planos, os sonhos, os objetivos: sinto em mim a primavera nascer...  Mais tarde as coisas do coração, os sentimentos brotando e a voz dos desejos expressando tantos quereres.
Noutros tempo, nessa fase da vida os assuntos sobre sexo eram tão instigantes quanto escondidos e apenas imaginados. Conversando com amigas da mesma idade ou mesmo com pessoas mais velhas, as coisas proibidas causavam vergonha, muitas vezes espanto e sempre um queimor e uma vermelhidão na pele. De tão estranho que eram, começavam a povoar aquelas mentes sonhadoras. Aquilo só quando casar, e filho também, só quando casar. Mas como o tempo a tudo muda!
Nas cidadezinhas interioranas mais distantes, ainda tão longe dos modismos televisivos, as meninas eram assim, agiam assim, sonhavam assim. E graças a Deus eram verdadeiras matutas para o que se tem nos dias de hoje. Já crescidinhas e em idade de namorar, mesmo assim para qualquer rapazinho se aproximar era igual o guerreiro grego querendo invadir Troia pela porta da frente.
Menina que ainda não tinha tirado fedor de mijo não era para namorar de jeito nenhum. O mundo se acabava se ao menos os pais sonhassem que elas estavam de namorico às escondidas. Quando fosse para namorar tinha de ser à vista de todos, de modo que as más línguas e as fofoqueiras de plantão não começassem a dizer que a filha de fulano quer beijar sem tirar o bico da boca.
Os pais não queriam dar esse prazer maldoso de jeito nenhum. Então elas enlouqueciam querendo experimentar as delícias dos encontros, dos beijos e dos abraços, dos bilhetinhos e dos poemas entregues às escondidas. Mas não tinha jeito que desse jeito. Eram muito novinhas pra pensar em coisa de namoro. Primeiro estudar e ir aprendendo as responsabilidades de mulher, só muito depois é que podiam sonhar em olhar se o príncipe encantado vinha despontando pela rua.
Mas também as espertezas da mocidade. As mocinhas sonhavam e os molecotes faziam os sonhos acontecerem. Na escola, e lá iam eles todos desconfiados, com cabelos lisos de brilhantina e perfumados como Toque de Amor ou Charisma, com o que tivessem conseguido para presentear suas pretendentes: um pirulito, um pedaço de bolo de ovos, uma fruta roubada num quintal, um papelzinho com versos rimados, uma lua desenhada, um sol esquentando a mão.
E daí os encontros furtivos, os primeiros beijos, os primeiros voos. Mesmo o outro lábio não sendo tocado, confortante era a esperança de amor futuro. Ora, ela havia correspondido ao olho piscando, ao beijo lançado pelo ar, ao sorriso encantado. E ela olhou para trás ao virar a esquina.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Meu sobrinho Átyla, com feição tristonha ao lado do avô Alcino. Já parecia um rapazinho, como se entendesse os desígnios da vida. Ontem, 28/04, ao completar mais um ano de vida, vive abraçado ao sorriso, à alegria, à felicidade. Eis a força de Deus. Parabéns, menino bonito!




O mais belo sonho (Poesia)


O mais belo sonho


O amor sonhei
e quando acordei
ainda estava amando
e amando caminhei
para viver sonhando

sonhar o amor
é aprender o caminho
que o coração quer seguir
ter asas como passarinho
e ao teu destino partir.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - Velho Chico: o rio e a novela


*Rangel Alves da Costa


Para iniciar, com toda razão afirmar: o Velho Chico é sertão, o outro Velho Chico é ficção. E nisto a certeza de que a ficção, por mais que se esmere em busca da fidelidade, sempre se afasta da realidade. Por isso mesmo que o Velho Chico do sertão é tão diferente do Velho Chico da televisão. A vida ribeirinha é repleta de lendas, de costumes, de tradições, mas não de fantasias exacerbadas, próximas ao realismo fantástico. A vida beiradeira é de luta, é de sofrimento, é de suor e lacrimejar, mas não em pieguices e trejeitos sofridos que chegam ao ridículo. A vida matuta das encostas e carrascais, das beiradas das águas e montanhas, possui feição própria e reconhecível. É um povo de falar sertanejo, arrastado, sem lidar com a gramática nem com a boniteza do verbo. Contudo, não do modo que a novela tenta transmitir, como se o sertanejo do São Francisco sequer soubesse falar. É um povo ao modo de Guimarães Rosa, com seu palavreado próprio, com sua voz audível tanto pela terra como pelo bicho, mas uma palavra tão bela que amansa em remanso o leito que passa lento somente para ouvir seu irmão e seu filho: Velho Chico, meu São Francisco, me leva no seu colo, me faz cafuné, me molha de lavanda que a moça bonita está esperando flor. E no seu leito vou...


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

quinta-feira, 28 de abril de 2016

LAMPIÃO: AS VIDAS, AS MORTES, AS INCERTEZAS


*Rangel Alves da Costa


Além da alcunha de rei do cangaço e da patente de Capitão, em Lampião caberiam muitos outros codinomes: o indecifrável, o insepulto, o misterioso, o eterno desconhecido. Sobre o guerreiro e líder maior das caatingas ainda recaem verdadeiras teorias conspiratórias: suas tantas vidas, suas tantas mortes, suas sombras que permanecem debaixo do sol e da lua. Certamente não há personagem cuja história seja mais instigante do que a desse que ora é herói e ora é bandido, e vice-versa.
O homem, o cidadão sertanejo Virgulino Ferreira da Silva, filho de José Ferreira da Silva e Maria Lopes de Oliveira, já morreu, não há dúvida. Nascido talvez em 1897 ou 1898, portanto há cento e dezoito ou cento e dezenove anos, já não teria forças físicas e orgânicas para continuar vivendo, principalmente pela sua exaustão em muitos momentos. Sua morte é, assim, o único fato tido como incontroverso, pois os demais estão quase todos envoltos em polêmicas e contradições.
O exato ano de nascimento é apenas um dos tantos debates que envolvem sua história.  Seu Registro Civil consta o ano de 1897, mas sua Certidão de Batismo (Batistério) consta o ano de 1898. Atualmente, se aceita a data constante do Batistério como a correta. Não obstante isso, muitos são os escritos dando conta de outras datas, indo mesmo além do ano de 1900. E não por invenção do escritor, mas porque colheu como veracidade a informação repassada.
Problema de igual monta se relaciona ao dia de seu nascimento. Seu Batistério sinaliza o 04 de junho de 1898 como aquele em que Dona Maria Lopes deu a luz. No entanto, no seu Registro Civil consta o dia 07 de julho de 1987, documento este que fez com que muitos passassem a ter essa data como a correta. Mas é mera questão lógica. Ora, o menino Virgulino no poderia ter sido batizado um ano antes do seu nascimento.
Mas ainda não se chegou a verdadeiro consenso sobre as datas envolvendo o nascimento de Virgulino. No livro “Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro” (EdUSP, 2006), a escritora Élise Grunspan-Jasmin procura sintetizar o emaranhado dessa questão, e cita:
“Nos limites de uma história familiar, em que as referências variam segundo os relatos porque dotados de uma dimensão simbólica, é difícil atribuir a Lampião pontos de referência temporais precisos: como estabelecer um começo, um fim? Quando uma personagem toma essa dimensão histórica, fixar a data de seu nascimento ou a data de sua morte de maneira precisa equivale a identificá-la com o comum dos mortais. No caso de nosso herói, os registros de estado civil e de batismo (há vários), os versos da literatura de cordel e os testemunhos orais indicam as mais diversas datas de nascimento, seja em 1893, em 7 de julho de 1897, em 12 de fevereiro de 1898, em 4 de março de 1898, em 4 de junho de 1898, em 4 de julho de 1898, em 7 de julho de 1897, em 1898, em março de 1900, em 12 de fevereiro de 1900, em meados de 1900, em 15 de junho de 1900, em 1905...” (2006, pp. 43-44).
O ano de 1893 é citado pelo Diário de Pernambuco de 12/12/1936 (“Lampeão tem 42 anos e ainda está forte, levando uma vida tão acidentada”). O dia 7 julho de 1897 é citado por Aglae Lima de Oliveira no livro Lampião: Cangaço e Nordeste. O dia 12 de fevereiro de 1898 é citado por Felipe de Castro (Derrocada do Cangaço no Nordeste, 1976, p. 88). O dia 4 de março de 1898 é citado no Diário de Pernambuco de 20/3/1928. O dia 4 de junho de 1898 é citado por Estácio de Lima (O Mundo Estranho dos Cangaceiros: Ensaio Bio-sociológico, 1965, p. 142). O dia 4 de julho de 1898 é citado por Frederico Bezerra Maciel. Para Antônio Amaury e Vera Ferreira, Lampião só poderia ter nascido em 1898 (O Espinho do Quipá: Lampião, a História, 1997, p. 27). O dia 12 de fevereiro de 1900 é citado por Ranulfo Prata (Lampeão, 1934, p. 24) e Leonardo Mota (No Tempo de Lampião, 1967, p. 16). E muitos outros autores citam datas diferentes para o nascimento de Lampião. Mas qual a verdadeira?
Ainda segundo Grunspan-Jasmin, “Existem divergências quanto ao local exato de nascimento de Virgulino, seria ora em Triunfo, ora em Mata Grande, ora na Fazenda Ingazeira, no município de Vila Bela, ora no sítio Matinhas, próximo de Vila Bela, ora no sítio Passagem das Pedras, na região do Riacho do Navio, distrito de Carquejo, em Pernambuco, ora no sítio Serra Vermelha” (2006, p. 46). Mesmo com as controvérsias, ponto pacífico é que Virgulino nasceu no sertão pernambucano, na região de Pajeú, berço de nascimento de tantos outros vultos da saga cangaceira nordestina.
Mas os questionamentos não acabam aí. Para embaralhar ainda mais o emaranhado deixado pelo Capitão, muito ainda se debate sobre o porquê e como surgiu o apelido Lampião, como se deu o ferimento que lhe afetou o olho direito, e a maior de todas as questões: como morreu Lampião? A maioria comunga ter sido na Gruta do Angico, naquele fatídico alvorecer de julho de 38. Alguns conspiradores afirmam a morte por envenenamento, citando até cada passo da trama. E há até quem afirme que o Capitão nem lá estava durante o episódio. E mais recentemente uma história sem pé nem cabeça insinuando que o rei cangaceiro passara toda sua velhice nas Minas Gerais. Por falar em loucura, não se pode se esquecer daquele que jurou ter o Capitão simplesmente sumido no ar ante a chegada da volante, e desaparecido como uma bruma silenciosa.
Por fim, foi herói ou bandido, justiceiro ou frio e cruel matador? Neste aspecto, é a História a dona da razão. Tudo o que o homem disser será por exercício de conveniência ou de paixão. Mas o Tempo, pela voz da História, já disse: Sinta na pele a sua dor para saber se ele estava brincando de sofrer.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Criança sertaneja já reconhecendo o assento de sua origem...




Amor mexicano (Poesia)


Amor mexicano


Venço a traição com traição
na mesma moeda oferto o coração
para que sintas a dor de quem ama
e ao invés de amar apenas me difama

tome teu veneno que o meu tomo eu
o cálice de sangue e ódio que não bebeu
derramará na tua boca sedenta de mim
e ajoelhada a meus pés encontrarás o fim

sinto punhal sangrando-me ao dizer assim
uma doce flor que no ódio se fez vil estopim
mas não há palavras para dizer da decepção
ao ferir-me com a terrível arma de uma solidão.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - Totonha e o seu quintal


*Rangel Alves da Costa


A vida de Totonha praticamente é o seu quintal. Quintal antigo, cercado na madeira, na vizinhança da mataria, onde costuma viver o seu dia a dia. Não gosta de janela ou porta da frente, muito menos estar pelos arredores em fofoquices, mas apenas de sua cozinha adiante. Pobre, moradora de tapera de barro, diz sempre que seu luxo é estar tomando ar fresco no seu quintal. E neste o seu mundo. O velho pilão de herança escrava, o varal de pouca roupa, o pé de mamoeiro, o pé de goiaba e outro de jabuticaba. Ah essa meninada que pula a cerca e vem logo cedinho colher os frutos caídos ao chão, reclama de vez em quando. Possui também duas ou três galinhas poedeiras, um galo velho, dois guinés e um gato que para nada serve senão para estar cochilando. Mas o que mais gosta mesmo é da pequena horta medicinal que possui: boldo, hortelã, erva cidreira e muito mais. De vez em quando está servindo a um e a outro que bate à porta em busca de um bom remédio. Ao abrir a porta da cozinha e encontrar o seu mundo, então se enche de vida, de alegria, de contentamento. Olha para o alto e diz se vai chover. Como nunca chove, então mete a cuia no pote grande e sai molhando suas plantinhas medicinais. Depois acende um charuto, bafora bem e começa a andar de lado a outro. Apenas feliz.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

quarta-feira, 27 de abril de 2016

AS SOMBRAS DO CORONEL


*Rangel Alves da Costa


O coronelismo foi sepultado em cova rasa, sem cruz nem epitáfio e, por isso mesmo, seus fantasmas costumam assustar até os dias atuais. Na política, no poder, no eleitorado, na sociedade, na vida da população, muito do que se tem hoje ainda se ressente das aparições daqueles donos do mundo, senhores da justiça e do injusto, de paus mandados e de governantes, encabrestadores do voto e de parlamentares, possuidores da vida de bicho e gente, absolutos até onde quisessem mandar.
A terra do tempo se move para que os fantasmas ressurjam. Por todo lugar ainda é possível avistar o chapéu importado, o paletó de linho branco, a botina de couro reluzente e espora dourada, a taca de lanhar lombo de gente, o cajado para se sustentar dos pecados, o charuto de ponta amarelada pelo sumo da boca, a cusparada dizendo do tempo para o cumprimento da ordem, o olhar chispante e um combalido coração sem mágoas e sem remorsos.
Arrastando grilhões assim os fantasmas caminham em tempos outros. Ao redor do coronel um mundo só seu. No mundo dos coronéis, a vida partilhada em apenas alguns. Poder em demasia e desumanidade também. Mando sobre tudo e até sobre a vida do outro, principalmente do desafeto. Sem extremidade ou limite na manutenção de sua força, pois o seu mundo vai além do latifúndio para também se instalar nos currais das mais altas esferas dos poderes constituídos. Tudo nascido de uma junção de fatores como compadrio e troca de favores.
Cinzas putrefatas que ainda pensam em humilhar e submeter a tudo como um grande curral. E no mundo do coronel as chaves debaixo de suas botas. O poder, o mando e a influência acima, e embaixo a sociedade dependente. E o que mais se compraz em fazer é pisar cada vez mais forte sobre o seu chão, pois sabe que nele está o povo, a gente humilde, a classe assalariada, uma reles submissa e escravizada. Onde havia o senhor dono do mundo lá estava o escravismo, a submissão, a exploração, a negação do ser humano, a violência, o pavor.
Na cova rasa a terra revirada e a insistência de não morrer. Coronel de jagunço e tocaia, de emboscada e pistoleiro, de inimigo e de morte certa. Somente o outro de mesma patente e jagunçada era respeitado no mundo coronelista. Mas um respeito ocultando inimizade, ódio, vingança, jura de sangue. Num mundo assim, nenhuma valia possuía o cidadão comum, nenhum respeito possuía aquele que não fosse do círculo do alpendre e das entranhas do casarão. Mas o poder e a riqueza não podiam existir sem a força do simples humano.
Então a valia do ser enquanto escravo, subserviente, jagunço, pau pra todo mando e toda obra. Esta era a valorização do homem da terra. Mas somente para esvair-se debaixo do sol, levantando e baixando sua enxada, foice ou facão. Para nada mais do que ter filhas mocinhas e virgens e estas serem usadas e abusadas, por cima de camas de capim e espinhos, pela podridão sumarenta do poderoso algoz. Para tocaiar e matar inimigos ou qualquer um que não se ajoelhasse ante os insanos desejos coronelistas.
O jagunço preparava a sina, se amoitava por dentro do mato, perto das curvas de passagem pelos caminhos ou veredas, e esperava somente a aproximação do escolhido para apertar o gatilho. Um tiro só, no meio da testa. A orelha ou um dedo era cortado para servir de troféu e comprovação ao mandante e o restante acabava servindo como comida de urubu e outros bichos carnicentos. Sobre a vítima: um zé-ninguém que se negou a vender ao coronel seu pedacinho de chão por dois contos de reis. Ou vendia ou morria. Como não vendeu, morreu. Assim o sangue jorrando em muitos caminhos passados.
Enquanto a bota esmagava a vida e o destino, a cadeira do alpendre se balançava esperando o repouso de seu dono. Sentado, largamente abancado, de charuto descendo pelo canto da boca, pensativo, levemente batendo a bengala sobre o assoalho, parecia gente. Mas era apenas um coronel. Sobre o que meditava aquele senhor dono do mundo? Na flor do tempo. Sim, na flor do tempo. Uma flor que já sabia murchando e que logo findaria jogada ao chão: a morte. E tinha medo de morrer já sem a pétala de sangue e a temeridade do espinho. Na sua concepção, um coronel como ele não podia morrer sem levar pra cova o mesmo poder absoluto com o qual reinou perante bicho, terra e gente.
Mas a morte que consome a todos, também o poderoso definha. Aqueles senhores do engenho, do latifúndio, do curral eleitoral, do assistencialismo, do compadrio, do poder sobre os poderes, um dia foram sepultados em cova rasa, sem epitáfio de valia e honradez. Seus ranços e suas práticas, contudo, continuam insepultos. Por isso que muitos ainda são encontrados às sombras dos casarões do poder querendo mandar, querendo exigir, querendo o mundo em suas mãos. E tanto faz a nova realidade da legalidade e da democracia: tudo tem de ser pisado pelas suas botas.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Uma vegetação e uma paisagem reconhecíveis a todo olhar. Assim o sertão, assim seu retrato à espera de chuva...




Solidão na noite (Poesia)


Solidão na noite


Duas solidões
numa mesma noite
o mesmo amor
soprando em açoite

um deseja ir
o outro quer voar
ao mesmo amor
o amor reencontrar

mas a solidão
insiste em não deixar
que a porta se abra
para seguir e voar

e a lua entristece
com tanta solidão
de corações separados
pela mesma paixão.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - os segundos, os minutos, as horas, o tempo...


*Rangel Alves da Costa


O tempo. O tempo nos segundos, nos minutos, nas horas. Tanto faz o calendário na parede, a folhinha, o relógio, tudo relembrando a data e o dia, pois tudo acontecerá no passo e no compasso do tempo, com o seu percurso e seu fadário. Não adianta nada antecipar, não adianta querer ir além, não adianta querer ser ponteiro ou marcador. Tudo nas mãos do tempo, dos segundos, dos minutos, das horas. O sol com seu tempo, a lua com seu tempo, as estações com seu tempo, a vida também com seu tempo. O sino dobra um sinal do tempo, de tempo de orar, tempo de despedida ou tempo de adeus. A manhã chega no seu tempo, a noite não chega noutro momento. Diz o Eclesiastes que há um tempo de tudo, tempo de nascer e tempo de morrer, num contínuo refazimento. Não há, pois, que duvidar: tudo é tempo, tudo nasce a partir do segundo e se prolonga nas horas, nos dias, na idade, na existência. Até que tudo chegue ao fim. Mas um fim que não é um final. Assim porque há tempo de saudade e de permanência, que podem durar a eternidade de uma vida, pois nunca morre completamente aquele que fica na memória do tempo e dos seus.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

terça-feira, 26 de abril de 2016

BEBEZÃO, O JAGUNÇO CHORÃO


*Rangel Alves da Costa


Bebezão, esta era sua alcunha, seu apelido forjado no inimaginável. Um codinome, aliás, que ninguém tinha coragem de citá-lo em voz alta, de modo que o próprio apelidado pudesse ouvir. Acaso ouvisse como o chamavam, certamente a bala comia solta por todos os lados.
Seu verdadeiro nome? Acreditava-se que nem ele mesmo sabia. E ninguém perguntava por que todo mundo tinha medo de lhe dirigir a palavra. Mas o coronel seu patrão, assim que gritava para dar ordem, sempre repetia Coivara. Coivara vem cá, Coivara faça isso, Coivara vá queimar mais um! Mas o restante da população, sempre falando baixinho, simplesmente o conhecia por Bebezão.
Mas por que Bebezão? Porque chorava feito menino depois de cada maldade feita. Não era um chorinho não, mas um choro aberto mesmo, de soluçar. E em qualquer lugar que chegasse depois de ter feito a tocaia e derrubado mais um. Emboscava o cabra, esperava o tempo que fosse preciso, dava o tiro certeiro, mas depois, já despistado da cena mortal e na presença de estranhos, então se danava a chorar.
Foi o fofoqueiro do Toniquinho quem descobriu a razão do chororô. Adepto de um pé de balcão, de um proseado em torno de uma cachaça com raiz de pau, o fofoqueiro começou a perceber que toda vez que o jagunço do Coronel Targino chegava por ali para tomar pinga e em seguida começar com a choradeira, não demorava muito e alguma morte era anunciada.
Toniquinho foi juntando os fatos, morte após morte, até ter a certeza de que o jagunço era o responsável por tantas desgraças na região. E mais: a cada choro no pé de balcão correspondia uma vida a menos. E fez o desfecho do pensamento: o jagunço chorava pelas mortes que causava. Mas por que, se todo matador de aluguel ou de mando é mais frio que moringa d´água ao amanhecer à janela?
Como ninguém sabia ainda das conclusões do fofoqueiro - que já estava ávido para espalhar a descoberta -, de ouvido a ouvido foi-se firmando o nome de Bebezão. Ninguém era besta de comentar qualquer coisa na sua presença, mas todo mundo ficava encafifado querendo saber o porquê de um jagunço desalmado beber e chorar e quando mais bebia mais chorava. Até que o fofoqueiro chamou os amigos de bar a um lugar seguro e revelou a descoberta.
Todos ficaram espantados com a revelação, principalmente porque demonstrava ainda maior frieza daquele desalmado matador. Ao retornarem ao botequim, logicamente ainda arrebatados pela notícia, eis que à porta logo avistam o Bebezão. Alguns quiseram correr, mas por medo de acontecer o pior ante a fuga, foram forçados a entrar. E quando entraram logo se depararam com o Bebezão que mais parecia uma criança de doce roubado ou pé furado de espinho. O jagunço estava num choro que quase esperneava, alto sofrido, lamentoso.
Então Toniquinho, impensadamente, se viu de boca aberta e perguntando ao chorão o que havia sucedido para estar assim tão aflito. Todo mundo tinha certeza que aquelas seriam as últimas palavras do amigo fofoqueiro, vez que certamente iria tomar chumbo nas fuças. Com efeito, quase se despede mesmo da vida, pois ao ouvir a pergunta o jagunço colocou a arma diante de sua testa e disse. Não disse nada, pois chorava tão alto que deu as costas, saiu apressado, montou no cavalo e se lançou em disparada.
Certificando-se de que estava vivo, e coisa que o fez depois de virar copo cheio, Toniquinho causou mais uma surpresa ao afirmar: “Vocês vão ter logo notícia, mas tenho certeza que Bebezão dessa vez passou dos limites. Aquele choro todo não era à toa não, dessa vez ele matou foi mais de um, quem sabe uns dois ou três. Infelizmente, disso eu tenho certeza”. Mal fechou a boca e chegou gente em correria gritando que o Coronel Targino e mais dois capangas haviam sido encontrados mortos.
Todos os olhos se voltaram, estupefatos, para Toniquinho. Este apenas disse: “Menos mal. O jagunço Bebezão dessa vez acertou. Matou um coronel assassino e mais dois da mesma laia. Mas aquele choro todo era de remorso. Quem é ruim sofre demais quando derrama o próprio veneno. E vai morrer soluçando, tenho certeza”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Um sertão de muitas cores, de múltiplas feições...




Os bichos (Poesia)


Os bichos


Depois do entardecer
e no negrume da noite
o grilo que está ali e aqui
cri cri cri...

assim que o pasto seca
e a vaca fica faminta
muge um triste som
moom moom moom...

assim que a tarde se vai
e o cabrito sente saudade
chorar é o que menos quer
béé béé béé...

todo bicho tem sua voz
seu canto e seu chororô
um dá ao outro s sinal
au... au... miau miau...


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - comida da boa


*Rangel Alves da Costa


Digo, insisto e repito: a fome é a melhor comida, o melhor prato. Com fome não há escolha nem frescura, não há exigência ou etiqueta, não há mais ou menos passado. Ávida por comida, desejosa de qualquer alimento, não há como rejeitar o que encontra ou o que lhe é oferecido. Contudo, mesmo sem demasiada fome ou mesmo sem estar de bucho vazio de mais de dia, alguns pratos sempre são desejados em qualquer ocasião. De antemão, renego qualquer comida de restaurante, de menu ou cardápio, de qualquer mesa enfeitada e preço lá nas alturas. Ora, servem um tiquinho enfeitado num prato e cobram o dinheiro de uma feira inteira. Comida da boa, da boa mesmo, é aquela que a pessoa lambe os beiços depois de saborear. Algo assim como uma carne de porco bem preparada, uma carne de bode ou de carneiro, uma buchada, um sarapatel, uma galinha de capoeira gorda. Também a feijoada, a panelada de fígado com carne de gado, o velho e bom mocotó. Sem falar no feijão de corda, no baião de dois, no pirão de mulher parida. E depois um bom pedaço de goiabada com queijo, um doce de leite batido, uma cocada cremosa. Se houver uma rede por perto, então o sono estará garantido até a fome novamente chegar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

segunda-feira, 25 de abril de 2016

ASSIM COMO UM POEMA DE MANOEL DE BARROS


*Rangel Alves da Costa


Na terra seca, esturricada de sol, e de repente surpreendida pelo pingo d’água, logo vai subindo o barrufo perfumado a esperança. Nas entranhas da mata, as folhagens rasteiras se abrem e se fecham. Sons e sombras vão e voltam em instantâneos da vida: os bichos do mato em seu habitat e afazeres de canto a outro. O grilo cricrilando, dia e noite, seu som inconfundível. É sempre ouvido e nunca encontrado, assim como mais um mistério da natureza. A borboleta adentra pela janela, faz seu rasante, pinta de cor as velhas coisas e as velhas paisagens depois vai embora. A plantinha resseca e morre mesmo sendo aguada todos os dias, mas outra, bem ali na proximidade, floresce com flor avermelhada e sem nenhum cuidado. A ponta de pedra não, mas o espinho sempre permanece escondido por cima da estrada. E não há sola de sapato que se veja livre de sua pontuda, pois parece armado em punhal para ferir. O pardal deixa a mata e vem morar na cumeeira da casa. Suja tudo, é espantado, mas não vai embora. Será preciso que chegue o gavião para expulsá-lo dali. Ou sai ou vira carniça. Assim como aquela que o urubu saboreia no meio do tempo. Bem a seu lado, a pedra tudo observa e permaneça calada. Sabe que é melhor calar e fechar os olhos diante do urubu. Tudo acontece assim, assim como um poema de Manoel de Barros.
No tempo seco, o riacho morre, a fonte morre, o tanque morre, o bicho morre, a vida morre. Na manhã seguinte ao pingo d’água caído, e tudo já estará diferente, não de verdeja e brotar, não de juntar água e escorrer, não de renascer para a vida, mas tudo respirando diferente, demonstrando ainda força para viver. Somente o calango suporta a pedra quente, escaldante, brasa viva no meio do tempo, debaixo do sol. Mas é sua ligeireza que o faz suportar o fogo do tempo. Nem pé bate o pé na brasa e já estará salteando na brasa seguinte, e assim por diante. Triste é presenciar a solidão e o sofrimento do mandacaru. Dia e noite debaixo do tempo aberto, recebendo sobre seus braços abertos o sol e a lua, só lhe resta tempo para a oração. E quanta prece nasce em cada mandacaru do sertão nordestino. E é a única espécie que resiste a tudo sem esmorecer de vez. A palma seca, o xiquexique seca, o facheiro seca, tudo seca, tudo esfarela, tudo fenece. Mas ele continua impávido em sua contínua oração. Mais adiante, em cima do pé de pau de folhas mortas, o ninho de passarinho resta abandonado. A cobra subiu lentamente e engoliu o peloco, o bichinho nascido na noite anterior. Mas assim é a lei da sobrevivência na mataria, pois a mesma cobra teme ser abocanhada pelo bico do gavião. E o gavião nem suporta avistar o menino adiante com a peteca baleadeira à mão. Sabe que basta uma pedrada certeira e será o seu fim. Assim como o fim de tantos passarinhos que piaram pela última e depois foram parar em cima do braseiro do fogão de lenha. Tudo acontece assim, assim como um poema de Manoel de Barros.
As pequenas coisas, a singeleza e os pequenos encantos da vida, tudo como num poema de Manoel de Barros, assim avistados nos primeiros versos de “O menino que carregava água na peneira”:

Tenho um livro sobre águas e meninos.
 Gostei mais de um menino
 que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
 era o mesmo que roubar um vento e
 sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo
 que catar espinhos na água.
 O mesmo que criar peixes no bolso
............................


Assim, em tudo há poesia, no grande e no pequeno da vida. O grilo é poesia, o sabiá é poesia, a pedra é poesia, o vento é poesia. O menino que brinca num quintal com sua fazenda de ponta de vaca não passa simplesmente seu tempo de criancice, mas faz poesia. Bem assim o caroço de feijão que se negou a cair na panela e foi varrido para o quintal e aí brotou o inesperado. Tudo é poema. Assim como um poema de Manoel de Barros.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Pelos grandes sertões e veredas de Poço Redondo, um espinho, um fruto, uma flor...




O que faz a saudade


O que faz a saudade


E vejo um jardim
e vejo uma flor
o que faz a saudade
como dói a saudade

e um pássaro canta
uma borboleta voa
o que faz a saudade
como dói a saudade

e ouço a velha canção
uma canção de nós dois
o que faz a saudade
como dói a saudade

e você me abraçando
e você me beijando
o que faz a saudade
quanto dói a saudade.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - fé nordestina


*Rangel Alves da Costa


Incomparável é a fé nordestina. Sua fé é tamanha que acaba criando uma religiosidade própria. Mesmo que a Igreja diga que não, pois falta o reconhecimento da beatificação, ainda assim o povo elege seus santos e os preserva nos corações e nos oratórios. O capuchinho e piedoso Frei Damião e o santo/político/coronel Padre Cícero Romão Batista é outro, sem falar num verdadeira colcha de beatos e beatas que são reverenciados com santidade. Até Antônio Conselheiro, na região baiana de Canudos, não deixa de ter igreja e devoção. Como observado, é uma religiosidade que foge aos cânones vaticanos para se expressar na fé maior. E certamente com resultados sempre positivos, pois os milagres continuam acontecendo e os devotamentos crescendo cada vez mais, mesmo que a modernidade vá retraindo a jovem crença. Mesmo que Nossa Senhora da Conceição, Santa Luzia ou outro santo seja o padroeiro de um rincão sertanejo, certamente que tal reconhecimento é dividido com os santos próprios. Não há nada que desvirtue uma crença assim moldada, eis que toda religiosidade acaba afluindo para a igreja e todo o céu é reverenciado como um só, em nome de Deus, dos santos e dos anjos, mas também do Padim Ciço, do Frei Damião, do Beato Pedro Batista e tantos outros.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O VELHO E A ESCADA PARA O CÉU


*Rangel Alves da Costa


Nascido em família tradicionalmente religiosa, tendo desde cedo recebido os fundamentos cristãos, também desde jovem que começou a se preocupar com a salvação e a vida após a morte. Na sua mente, o comportamento humano sobre a terra, evitando o pecado e a desonra, talvez fosse como uma chave facilitadora da entrada no paraíso. Mas não somente isso.
Era preciso garantir sua subida ao céu a todo custo. Noites e mais noites acordadas, entre sonhos e pesadelos, imaginando como seria a morte pecadora e após ela os contínuos sofrimentos dos expurgados da salvação. Uns seguindo por uma estrada em brasas, outros caminhando entre flores e coros angelicais. E repetia a si mesmo que tudo faria para que o seu passo jamais fosse desviado da luz para a escuridão.
Católico fervoroso, obediente aos ensinamentos, fazia suas preces pontuais, carregava uma cruz de madeira sobre o peito, não perdia uma missa sequer. Lia e relia os evangelhos, os salmos, as lições sagradas. Servidor do próximo, fraterno com quem encontrasse, tudo fazia para não se sentir desviado daquela estrada de flores. Mas ainda assim continuava temendo os desvios após a morte.
Então, já passado dos sessenta anos, eis que começou a olhar para o alto, para o céu, com uma constância de se estranhar. No umbral da janela, sentado na cadeira de balanço debaixo da tamarineira, passando o tempo no banco da praça, ao invés de mirar os arredores se mantinha de olhos voltados para o alto, como a procurar qualquer coisa. Mas não procurava nuvem, passarinho ou a infinitude indecifrável, e sim imaginando qual seria a distância da terra até o céu.
Cada vez que olhava era como se imaginasse centenas de metros, quilômetros, distâncias e mais distâncias. Queria mesmo saber a distância entre o chão de sua casa até a porta do céu. Isso mesmo, subindo e subindo cada vez mais, como poderia alcançar os portais do paraíso. E assim porque há muito tempo planejava construir uma escada que chegasse até lá. Subiria, degrau a degrau, até alcançar seu lar de eternidade.
Não demorou muito e começou a colocar seu plano em ação. Viúvo, vivendo sozinho, ainda assim os filhos começaram a estranhar quando faziam visitas e sempre o encontravam ao lado de serrote, madeira, pregos, sempre juntando pedaços, batendo, pregando. Quando um dos filhos perguntou o que tanto fazia, a resposta tida foi simples: estou fazendo uma escada. Uma ótima atividade para passar o tempo, completou o filho. Contudo, não sabia que não era apenas uma escada, mas várias, muitas.
Quase todo o dinheiro da aposentadoria era gasto com madeira e pregos. Quase não saía mais de casa na dita ocupação de serrar, bater, pregar. Fazia uma escada após outra e cada uma que ficava pronta era colocada deitada num velho salão ali mesmo no quintal. Acumulava escadas como se acumulam sacos, fardos, velharias. E não pensava em parar o ofício até que suas forças permitissem. Quando sentisse que já estava fragilizado demais, então juntaria suas últimas forças para pregar uma escada na outra, sempre para o alto, e depois subiria até o céu. Cansando-se degrau a degrau, seu último suspiro seria já à entrada do paraíso. E estaria salvo. Assim imaginava.
Contudo, estranhando a ausência do religioso às suas missas, o sacerdote resolveu visitá-lo para saber se estava bem. Questionado pelo padre, pensou em inventar uma desculpa qualquer, mas logo recordou do pecado da mentira. E se mentisse não subiria nem dois degraus. Tinha que contar a verdade, não tinha saída. Ou a verdade ou a perdição. Contou tudo e muito mais detalhadamente acerca das escadas que estava construindo para chegar ao céu.
Diante do relato, imaginando a loucura tomando aquele bom senhor, o padre se fez de Tomé e pediu para conhecer as escadas. Estavam lá, empilhadas, tomando todos os espaços. Ante tal visão, o padre se fez cabisbaixo e assim permaneceu logo tempo, em seguida, já fora do salão, começo a olhar para o alto. E olhou e olhou. Depois se voltou para o velho e sorriu, docemente. Olhou no fundo dos seus olhos e disse:
“Meu bom amigo, milagres acontecem à nossa presença. E veja o que eu vi. Olhei para o alto e vi sua escada subindo, subindo, cada vez mais nas alturas, e você subindo degrau a degrau em direção ao céu. Mas ao chegar Deus o disse: Volte! Não é por escadas que se chega ao céu, mas pela caminhada na terra. Salvo estará todo aquele que reconhece no grão da terra a face do Pai. E toda sua vida foi de reconhecimento, por isto a terra mesmo o salvou. Aqui chegará na poeira do tempo, quando o seu grão em pó se tornar”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Querendo chover no sertão...




Olhos de mar (Poesia)


Olhos de mar


As ondas do mar
verdejam no olhar
pedras de cais
brilhando ao luar

os olhos de mar
tristes a chorar
solidão de cais
querendo amar

as águas do mar
em lacrimejar
esperando no cais
o amor para amar.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - ouço o silêncio, vejo a solidão...


*Rangel Alves da Costa


A tristeza. Ouço o silêncio, vejo a solidão... Não será a tristeza traduzida em si mesma? Eu queria avistar alegria, palavra, contentamento, gente andando de canto a outro, menino brincando, cachorro latindo, gato correndo, bicho berrando. Mas nada disso acontece. Apenas uma paisagem acinzentada, na beira de uma estrada, e dentro da moldura um casebre de cipó e barro. Talvez a seca, talvez a fome, talvez a sede. Ou talvez o desemprego, a desesperança, o abandono. Passei ao entardecer e já o mundo em penumbra, triste, velado, em sentinela. Retornei ao anoitecer e apenas as sombras daquele retrato. Nenhum candeeiro aceso, nenhuma vela iluminando, nenhuma palavra. Porta e janela fechada, nada ao redor, apenas o silêncio e a solidão. Pensei em ir até lá e bater à porta, chamar, seguir até o quintal, observar mais atentamente. Mas sei que não ria adiantar. Tantas vezes os cemitérios possuem mais vidas que os pobres casebres de beira de estrada. Mas na minha mente não se apagam as visões de Maria, João, Toniquinho e Cicinha. Sei que eles existem. E eles são dali. Mas a noite recobre os vultos inexistentes e já não resta gás no candeeiro. Tudo escurece de vez em quando. E resta somente o silêncio e a solidão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

quinta-feira, 21 de abril de 2016

A SANTA E O GOLPISTA


*Rangel Alves da Costa


Qualquer dia desses José Eduardo Cardozo, o ex-ministro e agora comandante da AGU, e também atuando como advogado particular da presidente Dilma, vai convocar uma entrevista coletiva para esclarecer alguns pontos e dizer:
Senhores e senhoras, Dilma é a mais inocente das pessoas. Acreditem, a mais inocente...
Dilma nunca gastou mais do que o governo tinha em caixa, nunca cometeu improbidade administrativa. Ela pedala de vez em quando, mas somente de bicicleta. Dizer que Dilma foi desonesta é golpismo.
Dilma nunca descumpriu uma só palavra, nem em campanha nem enquanto governante. Fez tudo o que prometeu...
Tudo que ela prometeu ela fez. Ofereceu a melhor educação do mundo, o melhor atendimento hospitalar do mundo, não permitiu que ninguém ficasse desempregado. É golpista quem falar o contrário.
Dilma não foi a responsável pela falência do Brasil. Nunca permitiu roubo no seu governo nem que acusados fizessem parte de sua equipe. Lula é o maior exemplo, que só foi convidado a participar porque é homem também santo, puro, o mais honesto entre todos. Dizer o contrário será golpismo.
Saibam os senhores e as senhoras que Dilma vai ser beatificada ao fim do seu mandato. Os seus milagres já estão sendo analisados pelo Vaticano, pois foi ela que transformou a nação num verdadeiro paraíso...
Dilma nunca teve nada a ver com Petrobras, nunca fez parte de seu conselho administrativo nem jamais teve conhecimento da existência de falcatruas na estatal. Portanto, é prática golpista dizer que ela foi partícipe em tudo.
Só sendo cego para não enxergar...
Dilma é a personificação do bem, da pureza humana, de perfeita harmonia com a melhor criação. Todo o restante é golpista, deslavado golpista, nojento golpista.
Esse governo de Dilma é santo, essencialmente puro, soberanamente perfeito. O restante é tudo golpista, hipócrita, rasteiro.
Basta olhar nos olhos de santidade de Dilma para saber...
O PT é imaculado, purificado, sem jamais ter praticado qualquer transgressão. Quem é contra o petismo e o governo dilmista é impuro, é carnicento, não passa de golpista.
Ora, a imprensa mente, o STF mente, mente todo aquele que decidir ao contrário...
O governo Dilma é grandeza, é pacificação social, é verdadeiro estado de bonança. Quem disser o contrário é golpista, golpista, golpista, golpista.
Ouça o que eles dizem: Dilma é uma santa e seu governo é um céu...
Nunca cometeu crime algum, nunca fez pedalada fiscal, nunca fraudou, nunca forjou números inexistentes. Afirmar o contrário é ato de golpismo.
Ninguém fez mais pela nação do que Dilma, ela sim que é a mãe de toda ordem e todo o progresso...
Dilma é pacata, humilde, um anjo de candura, incapaz de elevar a palavra para qualquer pessoa. Acaso afirme que não é bem assim é porque você é um golpista descarado.
Muitas inverdades andaram espalhando por aí. Mas é tudo mentira...
Nos hostes petistas nunca teve corrupto, ladrão, quadrilheiro, mensaleiro ou propineiro. Se não acreditar que assim seja é porque você é golpista, golpista e mentiroso.
Basta comparar quem votou a favor e contra a admissibilidade do impeachment da Santa Dilma...
Jean Willys, exemplo maior de homem, de macho, votou contra. Mas todo aquele que votou a favor é golpista. Seu pai é golpista, sua mãe é golpista, seu avô e sua avó também são golpistas.
Todos os dias, ao anoitecer e ao amanhecer, louvo a Santa Dilma e a São Lula...
Mas você, que tanto torceu pelo impeachment e tanto deseja que ela perca o seu mandato, é golpista, golpista, golpista, golpista, golpista, golpista, golpista, golpista.
O que é mesmo um golpista? Tanto faz. Só sei que você é golpista, golpista, golpista, golpista, golpista, golpista, golpista, golpista. Não sei falar em outra coisa, a não ser golpe, golpismo, golpista.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Lá no meu sertão...


Logo mais estarei por lá, mas já te envio um cartão postal. Mas não se contente, faça como eu, vá se encantar, vá amar, vá caminhar pelo cartão postal. Poço Redondo é beleza, história e tradição. 




Amo-te, confesso... (Poesia)


Amo-te, confesso...


Amo-te, confesso
mas não por ser bela e mulher
não por ser um mar no olhar
mas simplesmente porque
és como a brisa e o entardecer
suave e terna como bela poesia

amo-te, confesso ainda
mas não pelo lábio e pelo corpo
não por ter abraço e doce beijo
mas simplesmente porque
sabes ter a palavra e o silêncio
e o carinho ao chegar a tristeza

por isso amo-te e mais confesso
não um amor definido em palavras
mas o amor na essência da alma.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - o dia do dia


*Rangel Alves da Costa


O dia do dia, como será? É um só dia, com o mesmo tempo, o mesmo relógio, mas com feições diferentes. Contudo, também dorme, adormece, levanta, luta, se cansa e repousa. As pessoas utilizam o dia como desejam, mas ele próprio, o dia, é metódico demais e rotineiro. Ele sabe o tempo de anoitecer, de ser madrugada, alvorecer, manhã, claridade, vermelhidão e penumbra. Também se encanta com o primeiro cantar do galo, se alegra com a primeira alva que vai surgindo no horizonte, faz festa com os sons da natureza e os cantos passarinheiros. Gosta de café ao despertar e passear pelos campos ao amanhecer. Começa a sentir o chamado à luta toda vez que o sol se faz mais forte e tudo se abre em cores de cobre e de ferro. E vai passando o seu tempo ouvindo o relógio de ponto, o apito do trem, a buzina, o ronco do motor, a voz em algazarra, o barulho ensurdecer. Gosta quando os ânimos vão refreando e o entardecendo vai chegando. Gosta do pôr do sol, de sua cor e de sua poesia. Faz versos de saudades e despedidas e se prepara para a pouca luz. Recolhe-se porque também se cansa. E cansado repousa. E sonha. E levanta para o novo amanhecer. Assim o dia do dia. O mesmo, sempre. Cabe à pessoa aproveitá-lo instante a instante.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

quarta-feira, 20 de abril de 2016

O ANJO QUE TE GUARDA


*Rangel Alves da Costa


Acredite, confie, creia com toda fé: há um anjo que te guarda. Sim, os anjos da guarda existem. São reais e neste momento estão ao lado e dentro de todos que lhes foram confiados proteção. O seu anjo está contigo agora, bem ao lado, por cima, ao redor e dentro de você, calmo, silencioso, atento.
Anjo da guarda, anjo guardião, ser angelical enviado dos céus para estar ao lado, prover, interceder, proteger e guardar seu protegido perante as forças nefastas do mundo. Amparo e escudo, a voz silenciosa ecoando, a motivação de repente surgida, aponta a estrada, guia os passos, faz renunciar às escolhas.
Mesmo que você não sinta, o seu anjo protetor sopra-lhe aos ouvidos, diz sobre o melhor a ser feito, sugestiona o coração, provoca disposições para o bem, tudo faz para evitar a ocorrência do mal. Sua responsabilidade é tamanha que sempre está pronto para, através de você, vencer os desafios surgidos.
O anjo da guarda também age como o ser consciente ao lado do ser duvidoso. É presença que aconselha o espírito, predispõe a alma, fortalece a vida. Preocupa-se com o seu pensamento, suas intenções, com o que pretende fazer. Guarda para o bem, para nortear o fazer e o destino. Protege contra o mal, contra toda maldade que contra você desejem praticar. Influencia o seu passo, cada gesto, cada ação.
Talvez nem imagine que seja assim, mas de repente você muda repentinamente de pensamento. Tencionava ir por um caminho e vai por outro, decide não viajar, deixa de passar por algum lugar num determinado momento. Obra do acaso? Não. Ação do anjo que guarda e protege. Ação do anjo que direciona, que norteia, que tudo faz para proteger. Mas por que o mal acontece? Ora, aquele que se distancia de Deus se aproxima cada vez mais dos perigos e dos labirintos da vida.
O seu anjo é a mesma força de Deus a cada instante. Ele entristece pela sua tristeza, chora pela sua lágrima, regozija pelo seu contentamento, alegra-se pela sua vitória. Ao adormecer, ele continua sempre ao lado, pois anjo de guarda. Ao acordar, ele abre os olhos contigo, caminha contigo, segue aonde vá, pois anjo de proteção.
Mas você poderia perguntar se a proteção divina não está sendo diminuída pela proteção de um simples anjo. Ledo engano, pois sua proteção é a mesma aos olhos de Deus. Ora, os anjos são mensageiros celestiais, são seres que intermediam seus anseios terrenos com os poderes divinos. Deus é tudo e está em tudo, inclusive em você, mas seu anjo se afeiçoa a um amigo bom que tudo faz para que tenha o melhor na vida.
As palavras não são vãs, atente bem para isso. Anjo significa o ser espiritual, o ser iluminado, criado por Deus para cumprir sua vontade perante os seres terrenos. Daí ser mensageiro da vontade divina e intercessor da vontade humana. Por sua vez, o termo guarda implica em guardar, proteger, guiar. Diz-se, então, que anjo da guarda é o ser enviado por Deus para guardar e proteger o seu filho.
Por isso que há um anjo que te guarda, e sempre. Não está refletido no espelho nem como vulto no retrato. Não está com foice à mão lhe abrindo as veredas nem empurrando você para que não dê o passo seguinte em direção ao abismo. Mas está em seu pensamento, em sua mente, no seu coração, no seu espírito, na sua alma. Portanto, no todo você.
A mente boa procura a boa ação. O bom coração deseja fazer o bem. A força interior positiva ilumina a pessoa em cada ação. Eis a intercessão angelical na mente, no coração, no ser. Por isso não há que duvidar nem da presença nem da importância do anjo de guarda na vida do ser humano, na sua vida.
Digo, por fim: Não deseje que seu anjo se vá. Acolha-o com acolhe o próprio Deus. É um anjo e anjo de Deus. Não peça sua intercessão somente em momentos difíceis. Permita, sim, que ele te livre sempre das dificuldades da vida e do mundo. Mas para agir assim, precisa sempre estar dentro e ao redor de você.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com