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quarta-feira, 6 de abril de 2016

ENSAIO SOBRE A VERDADE


Rangel Alves da Costa*


Antes de tudo, algumas considerações conceituais. Falar em verdade implica em falar na sua antítese ou nas suas margens. Assim, tem-se a mentira como contrária à verdade, a inverdade como falta à veracidade, a falsidade como distorção da verdade, a dissimulação como manipulação da realidade, além de muitos outros termos correlatos. Todos estes se opõem à verdade. E esta, de modo simplificado, nada mais é que a realidade concreta dos seres e das coisas.
E a verdade já custou caro a muita gente. A Igreja, tentando a todo custo preservar suas conveniências religiosas, durante muito tempo perseguiu e até lançou à fogueira pessoas responsáveis por tudo aquilo que, se comprovado como verdadeiro, ameaçava seus dogmas ou suas realidades forjadas. A Inquisição odiava todo tipo de verdade que fosse de encontro ao absolutismo vaticano. Tudo o que fosse contrário ao pensamento da Igreja era tido como heresia e o seu postulante, portanto, tendente a ser lançado à fogueira.
Enquanto o senso comum nem sempre se baliza pela verdade, a Ciência busca sua máxima aproximação e comprovação. Mesmo esta não consegue alcançar a verdade absoluta, eis que teorias são refutadas e outras proposições surgem, até que sejam novamente negadas, no todo ou em parte. E dentro da noção filosófica do termo (e logicamente dentro de uma de suas vertentes), a verdade absoluta só pode ser alcançada através da valoração que o indivíduo interioriza na própria consciência, de modo imutável.
Fato é que a verdade está acima de tudo, mas na parte inferior estão as suas antíteses e todas desejosas de macular ou enfraquecer sua base de sustentação. A mentira, por exemplo, vive se esforçando para desqualificá-la e assim tornar em embuste toda a sua raiz, pois a partir daí o que surgirá é a transformação imperfeita e impura daquilo que existe de outro modo. Igual erva daninha, vai se espalhando numa voracidade tal que sequer deixa espaço para a reflexão.
Onde imperar a transformação do real em conveniência aí não estará a verdade. Nada que se amolde por vantagem escusa às situações ou pessoas pode ser creditado como correto e justo. Assim porque a verdade traz em si correção e justeza, ainda que desagrade ou confronte interesses. Como um diamante bruto, ou se aceita sua beleza rude ou não mais terá um diamante, vez que transformado será apenas num cristal quebradiço.
Desse modo, a verdade não condiz com o erro, a ilusão, o fingimento, o disfarce, a enganação. A verdade nunca se afeiçoa às paixões desenfreadas, às cegueiras do coração e da alma, aos instintos impensados. Ela não compactua com o talvez, com o achismo, com a ignorância e a pretensiosidade. Ela é humilde, singela, desejando apenas o que lhe é real, induvidoso, verdadeiro. Não quer mais nem menos, pois perderá sua essência, apenas quer que lhe reconheça como tal: verdade.
Ao seu discípulo, o mestre afirmou: O pássaro é pássaro, o vento é vento, a flor é flor, você é você. Dificilmente as coisas chegam fingidas aos olhos, impossível que não se reconheça em si mesmo, pois encontra a verdade antes de tudo. E essa primeira percepção é o que impõe ao sujeito uma filiação inafastável da realidade. Se digo que você é um pássaro, logicamente que vai perceber o meu erro. Mas somente chegará a tal percepção se antes conhecer a verdade, ou a sua verdade. E tendo como verdadeiro, então pouco importa que a verdade lhe seja negada.
Aos olhos do cego, o arco-íris possui uma única cor: escura. O de boa visão, não compreendendo as diferentes realidades, afirma que não, e cita as sete cores. Mas onde está a verdade, aos olhos do cego ou de quem tem visão sadia? Antes de uma possível resposta, há de saber que as cores do arco-íris não são avistadas em limites absolutos, e todos sabem que a junção de cores sempre formam cores do diferentes, ainda que não bem perceptíveis aos olhos humanos. Daí não se poder afirmar com exatidão humana nem o número nem suas reais cores. Mas aos olhos do cego possui uma só, que é a escura. E neste aspecto a verdade estaria com aquele que o enxerga numa só cor, até mesmo pela impossibilidade de firmar outro pensamento.
Ainda sobre a verdade, correto será afirmar que as instituições brasileiras, como os poderes republicanos e seus integrantes, insistem em desconhecê-la de todo modo. No caso brasileiro, é induvidoso que a mentira é muito mais valorizada que a verdade. Como na crise política e governamental de agora, só falta que a verdade pule diante do olhar de cada um (governo, ministros, juízes superiores, parlamentares, pessoas comuns) e diga que não precisa comprovar a mentira para reconhecer sua existência, pois os fatos e as provas já são mais que suficientes para se chegar a conclusões verdadeiras.
E uma verdade que já se prolonga e até se cansa de ser tão verdadeira. Mas como é a mentira que prevalece no Brasil, tudo se fará para que esta tome aparência de veracidade. E num país onde a verdade é a mentira, logicamente que nada é verdadeiro.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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