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sexta-feira, 1 de abril de 2016

SENTIMENTOS E TEMPESTADES


Rangel Alves da Costa*


Qualquer poeta, filósofo ou sujeito, poderia dizer: Difícil amar em meio às dores da guerra, impossível sorrir enquanto a lâmina fere a pele, impensável varais de roupas secas e esvoaçantes embaixo de chuva. Ou ainda: Ninguém se imagina recebendo flores no cais enquanto o barco está afundando em meio à tormenta. Do mesmo modo, ninguém é tão bíblico assim para continuar repetindo que bata mais, esbofeteie a outra face, mais ainda e mais.
Ora, os sentimentos também morrem. E morrem todas as vezes que a pessoa sinta impossibilitado de sensibilizar-se perante as situações de vida. Corações existem que se fecham e se guardam em porões impenetráveis, sentimentos existem que já petrificaram no ser. Contudo, nem sempre assim ocorre pela dureza do ser, mas sim porque já não mais consegue expressar coisas boas ante as dores que se repetem.
A pessoa possui um limite, suporta até um estágio. Depois dessa fronteira, então tudo será tido e visto de outra forma. Como um represamento que de repente irrompe ou grito que se desprende da garganta por não poder mais calar, assim também o ser humano num dado momento. Permanecer inalterado, tudo aceitando de forma passiva, será sinal de que já não conta com reação sequer para viver.
Como diz o ditado popular, ninguém é de ferro, ninguém é de pedra dura para suportar tudo calado. Mas até mesmo o ferro corrói, enferruja. Também a pedra vai se alquebrando e como pó tomará seu destino. O tempo também envelhece e todo reinado tem um dia de fim. Em tudo isso se expõe o sentimento como ideia de suportabilidade. Ou não. Eis que no sentimento está a medida de ação e de reação do homem.
Certamente que é difícil confrontar o sentimento íntimo com a insensibilidade imperante pelos quadrantes do planeta. Os de maior sensibilidade logo começam a se perguntar acerca da desumanidade, da intolerância, da violência, da brutalidade, da ceifação de vidas pelos motivos mais banais. E se questionam sobre o que leva pessoas a de repente violar a vida de outras pessoas, o que faz com que um motivo de suposta fé seja razão suficiente para cortar cabeças.
A sensibilidade se vê, assim, na maior das angústias. Bem poderia ignorar a dor alheia, fazer que não tem conhecimento dos genocídios, fazer de conta que crianças não estão morrendo nas travessias fugindo das guerras e em busca de refúgio, desconhecer a fome e a dor de tantos, jogar tudo debaixo do tapete da conveniência. Mas é humano, é sensível, não pode deixar de sofrer o mesmo sofrimento daquela criança africana que rasteja em busca de um grão de arroz.
Vida, vida, não é fácil vivê-la, principalmente se a pessoa não vive somente para si mesma, egoisticamente, pensando somente na sua conta e no seu salário. Não é fácil ler nos jornais o sangue jorrando pelo mundo, não é fácil saber que o terrorismo trama a cada momento o fim da vida. Dói até estar diante da mesa, usar uma roupa nova, sorrir, ser feliz de vez em quando. Ora, na mesa há o pão, no armário há roupa, na face há felicidade. Mas isso basta, se adiante e muito além aquela criancinha rasteja em busca de um grão de arroz?
Ninguém vai consertar o mundo, diria o outro. Mas a formiga faz a sua parte sem temer a pata do elefante. Certamente que uma pessoa comum não vai confrontar ditadores, terroristas, senhores do mal. Mas existem outras armas para tais tipos de enfrentamentos. O simples ato de indignação já demonstra a não aceitação, já revela um sentimento piedoso perante o que continua ameaçando a vida humana.
Também uma oração pela vida, pelos homens, bons e maus. Também a esperança da redenção do planeta e de seu habitante. Mesmo que nada seja conseguido, que sejam vãos os rogos e as orações, ainda assim a pessoa terá demonstrado seu compromisso existencial. Um ser cujos sentimentos afloram seja no ensolarado ou nas tempestades.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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