SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 31 de março de 2015

O SILÊNCIO TRISTE DA CATINGUEIRA


Rangel Alves da Costa*
 

Catingueira nunca foi árvore gorda, robusta, de tronco grosso e galhagem alentada. Pelo contrário, sempre magra, esguia, com tronco e galhos parecendo pernas e mãos de magrez sertaneja.
Catingueira também jamais se sobressaiu altaneira em meio aos arvoredos próprios das caatingas. Bela, altiva, imponente, mas miúda se comparada às titanias da umburana, do angico, do cedro, do bonome, do umbuzeiro.
Mas de beleza sem igual. Com o corpo reto que vai se retorcendo sem formar uma copa fechada, procura ser espaçosa o suficiente para que suas folhas miúdas bailem ao sabor da ventania que chega veloz dos descampados.
E de repente, quando chegam as primeiras chuvas, vão surgindo pequenas flores amareladas, de beleza somente comparável ao festim de cores apresentado pelas floradas dos caibreiros. Flores perfumadas, adocicadas, atraentes, verdadeiros assovios para abelhas e pássaros.
É no período chuvoso que abre suas janelas e portas para os convidados. Não só as folhagens novas e as flores brotando, mas pelos braços que parecem crescidos para acolher a fogo-pagô, o cabeça, o coleirinho, a nambu, o beija-flor e toda uma passarada sertaneja.
Assim aconteceu com a catingueira depois de uma chuvarada boa. Já parecia dançante quando as nuvens gordas avançaram. Quanto mais o vento batia mais ela parecia se lançar festiva e cheia de contentamento. Quando a trovoada começou a cair então nem se fala, tamanho era o seu júbilo de agradecimento.
A felicidade se fez moradia. E então a catingueira bailava sua indisfarçável alegria, cantarolava baixinho sua exultação, valsava leve o seu grandioso contentamento. Sentia-se reconhecida, admirada, amada e visitada por seres tão singelos naquele meio doloroso demais de vez em quanto. Sim, nas estiagens a dor, o sofrimento.
Desde o tronco à copa tudo parecia uma festa. Pelos inexplicáveis mistérios da natureza, nem mesmo os arbustos e árvores de maior porte eram tão visitados como a singela catingueira. Não se sabe se pelo perfume da flor ou pela maciez da folha nova, mas a verdade é que ali estava uma mesa farta e um salão suntuoso para festividade passarinheira.
E assim ano após ano, bastando que a chuvarada resolvesse chegar. Mas depois de uma invernada a catingueira começou a sentir algo diferente sobre suas folhagens e ao redor. Os pássaros rareavam, as abelhas haviam sumido, os seres da mataria não eram mais avistados como antigamente.
Logo pressentiu o pior, mas não sabia o que. E começou a entristecer mesmo tendo por cima de si um ou outro visitante. Entristeceu mais ainda quando mirou a paisagem ao redor e percebeu algo que ainda não havia se dado conta: a mata estava sendo devastada e apenas umas poucas árvores continuavam em pé.
Olhou com atenção por cima da terra e não avistou restos caídos pelo chão, apenas troncos cortados já quase perto da raiz. Aquelas árvores não haviam morrido, tinham sido mortas. E somente a mão do homem com o machado ou o facão para agir com tamanha brutalidade.
A estação seguinte e ao longo do ano se mostraram terríveis pela seca esturricando tudo. Como das outras vezes, sabia que suportaria mais aquela estiagem, mas talvez não suportasse aquela desolação da mata nua, aquele silêncio mortal e estarrecedor.
Mas o pior foi acontecendo a cada dia. Tudo estava sem vida, cinza, frágil, caindo, morrendo. A paisagem parecia um campo desolado pela coivara sertaneja. O sol cada vez mais quente fervilhava a terra. E a catingueira sentia isso no tronco.
E chorava. Silenciosamente chorava temendo o pior. Não sabia se suportaria mais aquela terrível estiagem. Mas os anos se passaram e ela continua lá, magra, ossuda, mas ainda viva. Já caduca, pensa que passarinho é pingo de chuva. Tenta sorrir e chora. 

Poeta e cronista
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Fé (Poesia)



 
Apenas uma vela
uma chama acesa
uma flama singela
e a imensa certeza

olhos brilham à luz
o silêncio na prece
o ser diante da cruz
a fé que enternece

o que seria do ser
sem essa oração
e não apenas crer
ter a fé no coração.


Rangel Alves da Costa
 

PALAVRAS SILENCIOSAS – 929


Rangel Alves da Costa*

 
“Plantou uma semente...”.
“E possui a sombra de uma árvore...”.
“Plantou um grão...”.
“E abre a janela para um jardim...”.
“Doou um pão...”.
“E nunca lhe faltou uma oferta...”.
“Deu um sorriso...”.
“E vive encontrando a felicidade...”.
“Deu um aceno...”.
“E jamais foi esquecido...”.
“Abriu uma porta...”.
“E jamais lhe foi negada acolhida...”.
“Abriu a janela da manhã...”.
“E sempre chegam borboletas ao amanhecer...”.
“Respondeu uma pergunta...”.
“E jamais ficou sem respostas...”.
“Compreendeu a noite...”.
“E jamais ficou sem a lua...”.
“Compreendeu o sol...”.
“E jamais ficou sem claridade...”.
“Compreendeu o mistério...”.
“E sempre descobre o que quer conhecer...”.
“Compreendeu o espelho...”.
“E jamais desacreditou na aparência...”.
“Compreendeu a paz...”.
“E jamais aceitou a guerra...”.
“Compreendeu o nada humano...”.
“E jamais desacreditou em Deus...”.
“Compreendeu a fé...”.
“E jamais deixou de ter esperança...”.
“Será sempre preciso...”.
“Conhecer as faces e as feições...”.
“Os lados e seus opostos...”.
“Para conhecer uma parte de tudo...”.
“E assim caminhar...”.
“Com a certeza que nada é acaso...”.
“Nada existe ao acaso...”.
“Com tudo se entrelaçando em destino...”.
“Como uma escrita antiga...”.
“E exposta diante de todos...”.
“Mas que somente poucos...”.
“Conseguem enxergar e compreender...”.
“Que o viver nada mais é...”.
“Que sujeitar-se à realidade...”.
“E dela se precaver todas as vezes...”.
“Que pretenda outra realidade...”.
“Num mundo bem melhor...”.


Poeta e cronista
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segunda-feira, 30 de março de 2015

O VELHO E A MONTANHA


Rangel Alves da Costa*

 
Sim, eu era mais velho, bem mais velho do sou agora. Já tive oitenta, já cheguei perto dos cem anos. E creio até que muito mais que isso. Acreditem, conheci da velhice muito além do que a geriatria e a psicologia poderiam imaginar. Diferentemente do que diz a voz popular, pois supõe a idade provecta como uma fase de enfermidades, tristezas e desilusões, sentia-me verdadeiramente senhor do tempo. Eu era sábio, eu era mestre em meio a discípulos, eu era a flor da razão e do conhecimento.
Como se estivesse no cume de uma montanha bem alta, lá de cima avistava a vida sem disfarces. Nada mais me surpreendia, nada mais me enganava, eis que tudo eu já conhecia como a palma de minha mão. As guerras, os dolorosos acontecimentos do mundo, a violência, o espanto e o medo do povo, a arrogância da vida e o sofrimento de muitos, tudo isso me chegava como um espelho: Assim teria de acontecer. Tudo uma questão de tempo. Nada de novo debaixo do sol!
E que belo Eclesiastes colocando o homem no seu devido lugar, colocando o sujeito como reflexo de qualquer um, sem mais poder ou riqueza, sem mais luxo ou bonança, pois ouro hoje e amanhã um cobre enferrujado. E que belo livro esse que ensina a esperança, a perseverança a força para a continuidade dos sonhos. Nada será eterno sofrimento, nenhuma mão deixará de ter o seu pão, nenhuma luta será vã. Ora, o livro ensina, ensina, mas o que faz o homem? Eis que sobre a terra poucos conhecem as lições, e por isso mesmo que nada de novo parece surgir debaixo do sol.
Muitos dos meus instantes de velhice eu passei folheando o livro sagrado. Lia e relia, voltava aos evangelhos, aos salmos, às sabedorias, ao percurso de um Cristo sofredor na construção de seu templo. O templo de um mundo sonhado, e que certamente não possui a feição de agora. Coisas de velho, sempre diziam ao me avistar subindo a montanha levando a certeza à mão. Não sabiam, porém, que nas páginas daquele livro também estava escrito o mundo tormentoso lá embaixo e arredores. Um mundo de homens esquecidos de Deus e que transformaram a permissão de existir na destruição de si mesmos.
Não eram poucos os que desacreditavam no meu conhecimento, principalmente por ser um velho, e envelhecido demais. Mas quando eu era mais velho gostava de ser assim, bem velhinho, corcunda, calejado, andando lentamente, quase uma folha de outono ao vento. Não pensava em ser diferente porque a pessoa vive segundo as circunstâncias da idade, não procurava mostrar qualquer vigor físico além daquele que me mantinha em pé e com a mente suficientemente boa para pensar. E que idade boa é a da velhice. E que tristeza quando fui deixando de ser velho.
Deixar de ser velho foi uma das maiores decepções de minha vida, e até hoje fico entristecido só em pensar que tive de deixar o ponto mais alto do cume mais alto da montanha. Um dia, avistando a vida lá de cima, eis que olho ao redor, pelas redondezas do mundo lá embaixo, quando percebi um caminho novo descendo montanha abaixo. E uma voz sem face, porém suave como cristal, dizendo para seguir por aquela estrada. E lá reencontre um tempo que de agora em diante será o seu.
Em obediência à voz, pois já a tinha ouvido nos momentos de oração no alto da montanha, lentamente fui descendo até colocar os pés naquele novo caminho. E fato interessante começou a acontecer, pois quanto mais eu caminhava mais sentia força e disposição. Não sentia sede ou cansaço, apenas caminhava, e caminhando me vi de repente correndo. Ora, mas um velho não faz assim. Mas eu já era outro na mesma feição. Tão jovem por dentro que mais parecia um pássaro pronto para alçar voo.
Tudo tão diferente a partir desse instante. O mundo, que pelas mazelas rapidamente se destruía, e por isso mesmo eu o avistava com piedade, era o mundo que me chamava a vivenciá-lo. A vida, que pela perda de zelo na existência eu a sentia com compaixão, era a vida que me chamava à sua realidade. Ora, aquele velho havia ficado lá na montanha, e o que se via diante do mundo novo era um ser bem diferente.
O que fazer agora, foi a última coisa que pensei antes de perder também a feição envelhecida. O velho não existia mais, apenas a pessoa convivendo com uma realidade pela qual sofria tanto. Quer dizer, o doloroso mundo que tanto atormentava o velho agora era a tormentosa realidade que ele tinha de vivenciar. Porém sem ter mais ideia do erro ou do acerto, da boa ou má ação, pois apenas mais um dentre tantos que só pensavam em viver o momento, em curtir, em tirar proveito de tudo.
Não sei por que, mas sofri, chorei, padeci a cada instante da nova vida. Não experimentei os vícios mundanos, não me entreguei a orgias, não me despi das grandes virtudes. Ora, então eu não servia para este mundo. E talvez não servisse mesmo, tanto assim que fui forçado a tomar o caminho de volta. E voltei pela mesma estrada para ser ainda mais velho. E sofrer muito mais com o mundo avistado lá do alto da montanha.
 
 
Poeta e cronista
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O trem (Poesia)


O trem

 
Espero o trem
lá vem o trem
o trem que vem
vem o trem
que vem
o trem
o trem
que vem
o trem
 
assim a vida
uma estação
uma chegada
uma partida
uma flor ao chão
aceno de adeus
tanta solidão
olhos molhados
dor no coração
o trem apitando
maior aflição
a vida que vai
viagem de trem
o trem que vai
ao além
 
e lá vai o trem
levando alguém
sumindo além
vai o trem
o trem
o trem
...
 
Rangel Alves da Costa
 

PALAVRAS SILENCIOSAS – 928


Rangel Alves da Costa*

 
“Longe, longe...”.
“Muito longe daqui...”.
“Não quero asfalto...”.
“Quero chão...”.
“Não quero pedra...”.
“Quero terra...”.
“Não quero cimento...”.
“Quero pedra nua...”.
“Não quero edifício...”.
“Quero moradia...”.
“Não quero relógio...”.
“Quero manhã...”.
“Não quero buzina...”.
“Quero canto passarinheiro...”.
“Não quero carro...”.
“Quero andar a pé...”.
“Não quero plástico...”.
“Quero a flor do campo...”.
“Não quero jardim murado...”.
“Quero o descampado...”.
“Não quero barulho...”.
“Quero o som da natureza...”.
“Não quero a rua...”.
“Quero a vereda...”.
“Não quero a torneira...”.
“Quero a chuva caindo...”.
“Não quero a fila...”.
“Quero a liberdade...”.
“Não quero a burocracia...”.
“Quero a rebeldia do nada...”.
“Não quero a receita...”.
“Quero a planta medicinal...”.
“Não quero a luz...”.
“Quero o luar...”.
“Não quero a fumaça...”.
“Quero a cor da aurora...”.
“Não quero a embalagem...”.
“Quero a fruta do mato...”.
“Não quero a discussão...”.
“Quero a solidão...”.
“Não quero prato feito...”.
“Quero cuscuz com ovos...”.
“Não quero talher...”.
“Quero comer com a mão...”.
“Não quero seu lugar...”.
“Só quero o meu sertão...”.


Poeta e cronista
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domingo, 29 de março de 2015

NO ALTO DA COLINA (MAGIA, TERROR E SUPERSTIÇÃO)


Rangel Alves da Costa*


Não faz muito tempo que assisti num canal fechado de televisão um episódio acerca das assombrações que ainda assolam Salem (cidade norte-americana em Massachusetts), mesmo mais de quatro séculos após aquelas famosas perseguições e mortes dos acusados de envolvimento com bruxarias.
Com efeito, pelos idos de 1692, a vida da pacata cidade começou a mudar totalmente quando uma escrava relatou casos de magia africana e algumas pessoas passaram a ter pesadelos. Ao ser examinadas, o médico afirmou que só poderiam estar tomadas por bruxarias. Como outras pessoas começaram a ter estranhos sintomas, as autoridades logo supuseram que haviam sido enfeitiçadas pelas mulheres, ou as Bruxas de Salem.
Mais de cem pessoas foram levadas a julgamento e mais de vinte sentenciadas à morte por enforcamento, que era executado nas árvores localizadas no alto de uma colina nos arredores. Segundo relatos, os julgamentos se afeiçoaram a tragicomédias. Sempre prevalecendo as acusações, com ênfase nos desmaios, gritos e histerias no tribunal, procurava-se provar que aqueles acusados ainda estavam agindo no corpo e na alma daquelas pobres pessoas. Uma grande farsa, na maioria dos casos.
E não somente farsa, mas principalmente a demonstração de como o medo e a ignorância agem para transformar superstições em realidades. Desde o seu surgimento, nenhum relato de bruxaria havia recaído sobre Salem. Bastou, contudo, que um diagnóstico temerário tenha sido feito, fugindo dos padrões médicos e levianamente proclamado - vez que a possessão espiritual não diz respeito à ciência médica -, para que as pessoas começassem a traduzir suas enfermidades em ações de bruxaria.
A fragilidade da mente humana, aliada à ignorância, ao medo e à superstição, pode realmente fazer surgir não apenas bruxas como quaisquer outras entidades de maus espíritos. Já se disse que o medo infundado acaba provocando o medo real, e com monstros inexistentes. Pessoas ignorantes, convivendo num mundo distante de outras realidades, acabam acreditando em tudo que se espalha como realidade, mesmo não passando de mera imaginação. E assim ocorre por uma imposição coletiva.
Certamente que lá naqueles idos de Salem, porém antes da disseminação dos episódios de bruxaria, as doenças, os achaques, as indisposições, os desmaios e as histerias, eram vistos como problemas orgânicos e tratados segundo os meios e procedimentos da época. Mas crer que os mesmos problemas passaram a ser causados por bruxarias e enfeitiçamentos só porque algumas pessoas estavam sendo acusadas de tais práticas, não parece aceitável. A não ser, como afirmado, que a ilusão histérica coletiva tenha realmente afetado a todos. Então as doenças passam a ser provocadas pelo medo e não por causa de supostas magias.
Mas era um mundo dividido entre incautos e espertalhões. Enquanto os ignorantes acusavam as bruxas pelos seus males, alguns finórios procuravam tirar proveito da situação. Como ao sentenciar o tribunal retirava todas as posses do acusado, muitos se acharam no direito de chamar para si muitos bens e propriedades. Num situação tal, logicamente que muitos outros seriam acusados e condenados. Então foi preciso o mundo exterior agir sobre aquele mundo irreal e primitivo para que a situação fosse resolvida.
E só foi resolvida porque um sacerdote fez circular uma carta relatando os absurdos até então cometidos. Uma nova corte de julgamento foi formada e todos os acusados foram absolvidos e soltos. O juiz anterior acabou reconhecendo os erros cometidos nos julgamentos, mas já tarde demais, pois muitos inocentes haviam sido levados amarrados ao alto da colina, lá pendurados em árvores para penderem mortos.
São tais mortos que até hoje assombram os arredores de Salem. E assustam também a todos aqueles que, mesmo nos dias de hoje, tomam conhecimento da existência de uma realidade tão brutal e apavorante. E mais assustador ainda quando se tem conhecimento que pessoas, em pleno século da razão e do conhecimento, ainda são conduzidas por tais crenças obscuras e degradantes.


Poeta e cronista
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Manhãs (Poesia)


Manhãs

As manhãs acordam
e adornam o futuro
com ramos floridos
pétalas perfumadas
cantos de passarinhos
cores de borboletas
com frutas de pomar
e depois caminham
pelas suas paisagens
até o sol se firmar
e após beber o orvalho
e banhar-se na fonte
novamente adormece
no leito dos corações
que a cada alvorecer
abrem suas janelas
para que a vida renasça. 


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 927


Rangel Alves da Costa*


“Inventaram a pólvora...”.
“Inventaram a arma...”.
“Inventaram a guerra...”.
“Inventaram o medo...”.
“Inventaram o medo...”.
“Inventaram a dor...”.
“Esqueceram a paz...”.
“Não pensaram na paz...”.
“Não pensam na paz...”.
“Inventaram a ogiva...”.
“Inventaram a bomba...”.
“Inventaram o foguete...”.
“Inventaram o míssil...”.
“Inventaram o tanque...”.
“Inventaram a trincheira...”.
“Inventaram o grito...”.
“Esqueceram o amor...”.
“Não pensaram no amor...”.
“Não pensam no amor...”.
“Inventaram o fuzil...”.
“Inventaram o rifle...”.
“Inventaram a metralhadora...”.
“Inventaram a mauser...”.
“Inventaram a espingarda...”.
“Inventaram a escopeta...”.
“Inventaram o chumbo...”.
“Inventaram a bala...”.
“Inventaram o tiro...”.
“Esqueceram a vida...”.
“Não pensaram na vida...”.
“Não pensam na vida...”.
“Inventaram o inimigo...”.
“Inventaram o beligerante...”.
“Inventaram o morticida...”.
“Inventaram a crueldade...”.
“Inventaram a desumanidade...”.
“Inventaram a frieza...”.
“Inventaram a estatística...”.
“Inventaram o cemitério...”.
“Esqueceram a pessoa...”.
“Não pensaram no sujeito...”.
“Não pensam no indivíduo...”.
“Inventaram a treva...”.
“Inventaram o horror...”.
“Inventaram o ódio...”.
“Esqueceram Deus...”.
“Simplesmente isso...”.
“Não pensam em Deus...”.


Poeta e cronista
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sábado, 28 de março de 2015

MENTE: REALIDADE E SIMULAÇÕES


Rangel Alves da Costa*


A mente humana é capaz de transformar realidades em representações. Significa dizer que ela pode transcender o que vê para dar uma significação própria. Simulando outras realidades a partir de uma dada realidade, de repente tem num objeto visualizado algo impossível de percepção por qualquer outra pessoa.
Citando um exemplo. Um olhar que se depara com um campo devastado pela seca pode não ser fotografado pela mente como uma paisagem acinzentada, de galhos tortos, folhas mortas, vegetação esturricada pelo sol. Indo além, aquela realidade pode surgir como outro retrato na mente: pessoas raquíticas, crianças esqueléticas, panelas vazias, fome e sede, tristeza, dor e sofrimento.
Quer dizer, aquela realidade foi simulada pela mente, que a representou segundo sua percepção própria. E assim também em todas as situações de vida onde as realidades são traduzidas segundo a perspectiva mental de cada. Logicamente sendo influenciada pelo próprio ambiente, o estado de espírito, as experiências vivenciadas e as lições aprendidas. Tais aspectos configuram o que se denomina Modelos ou Representações Mentais.
O conceito de Modelos Mentais ou Representações Mentais surgiu com o filósofo e psicólogo Kenneth Craik, no livro The Nature of Explanation (A Natureza da Explanação). Segundo Craik, o ser humano traduz os elementos do ambiente em modelos mentais, manipulando suas representações simbólicas. Assim, um modelo mental é, antes de tudo, uma representação dinâmica ou uma simulação do mundo.
Os modelos mentais possuem dois aspectos importantes: Um primeiro aspecto no sentido de que o conhecimento do passado na junção com o presente acaba influenciando a ação da pessoa. E o segundo no sentido de que os modelos mentais socialmente adotados acabam influenciando nos modelos mentais dos indivíduos.
Os modelos mentais são diferentes de indivíduo a indivíduo. A imagem que um tem sobre um objeto pode não ser a mesma que outro sujeito possui sobre o mesmo objeto. E não são fixos, pois se modificam em resposta às mudanças do ambiente. Por não serem fixos, podem ser manipulados para transmudar realidades em outras. As pessoas deixam de negar determinadas realidades porque foram influenciadas para agir assim.
Logo se percebe a grande utilização dos modelos mentais na política, como forma de manipulação do eleitorado ou forçando o seu convencimento de realidades inexistentes. As mentes votantes são trabalhadas para cegar determinados aspectos e validar outros inexistentes. A realidade é mostrada de forma deturpada, de modo que a representação desejada faça surgir outra realidade que se ajuste às intencionalidades eleitoreiras.
Os modelos mentais também podem ser utilizados nas organizações empresariais. As empresas devem modificar a percepção mental de seus colaboradores toda vez que quiser inserir mudanças, sob pena de não aceitação da mudança. Quer dizer, a organização deve procurar moldar o novo modelo na mente de seus funcionários a partir da quebra de paradigmas anteriores.
O indivíduo enquanto sujeito que pretende mudar seu jeito de ser ou sua postura perante a sociedade e o mundo, também pode se utilizar dos modelos mentais. Para tal, deve incutir em si mesmo que sua postura não vem a sendo a correta e que por isso mesmo tem de se transformada. E, a partir da negação de determinadas atitudes, ir confirmando outras como escolhas de vida.
A finalidade, pois, das representações mentais são mudanças. Como as mudanças sempre implicam resistências, a persistência será a arma mais eficaz para a transformação. Ora, nenhuma caixa preta de avião é preta, e sim de forte alaranjamento. Contudo, a cor preta está representada de maneira de forma tão consistente no indivíduo que raramente alguém percebe sua verdadeira cor. Tudo porque a mente foi simulada para tal.


Poeta e cronista
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Vida viver (Poesia)


Vida viver

Vida, vida, vida
quem vive o encanto
de sua acolhida
repete em acalanto
vida, vida, vida

os pássaros em revoada
a brisa soprando perfumada
a relva embalada ao vento
o azul tão belo no firmamento
e o ser tão feliz por viver
a cada magia do entardecer

viver, viver, viver
muito além de existir
expandir o ser no seu ser
ir além até partir.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 926


Rangel Alves da Costa*


“Cantei a cantiga...”.
“Já rodei na roda...”.
“Já subi no ar...”.
“Na bolha de sabão...”.
“Limpei a casinha...”.
“Casa de boneca...”.
“Amansei o cavalo...”.
“Cavalo de pau...”.
“Menina e menino...”.
“Na vida de um dia...”.
“Tanta inocência...”.
“Tanta alegria...”.
“Cirandar ciranda...”.
“Dar as mãos em roda...”.
“A boneca de pano...”.
“Não vai mais chorar...”.
“A bola de gude...”.
“Acerta o buraco...”.
“Debaixo da lua...”.
“É mais doce brincar...”.
“Olhar as estrelas...”.
“Que passeiam na noite...”.
“É tanta magia...”.
“Na vida em açoite...”.
“Voando voraz...”.
“Passando veloz...”.
“Tirando da infância...”.
“Seu instante singelo...”.
“Vem me dar a mão...”.
“Que não quero partir...”.
“Pelo caminho adulto...”.
“Não quero seguir...”.
“Prefiro a rua...”.
“A noite de lua...”.
“Cantando ciranda...”.
“Rodando na roda...”.
“Jogando a bola...”.
“Derrubando o varal...”.
“Um doce mistério...”.
“Entre fadas e bruxas...”.
“Castelos encantados...”.
“E dragões pelo ar...”.
“Esse reino encantado...”.
“Que é meu...”.
“E que ninguém me tira...”.
“Pra dizer que é seu...”.


Poeta e cronista
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sexta-feira, 27 de março de 2015

COIVARA


Rangel Alves da Costa*


A coivara queima, faz subir labareda, enfumaça tudo ao redor, mas depois vira cinzas e vai sendo dissipada no vento.
Conceitualmente, coivara é uma técnica agrícola rudimentar para queimar velhos arbustos e preparar o pasto para a plantação.
O facão derruba a mata, os galhos e restos mortos são amontoados e tocado fogo em tudo. Imaginava-se que as cinzas serviam de nutrientes para a plantação.
As labaredas da coivara vão consumindo tudo ao redor. A fumaça sobe e vai avançando pelos arredores. Nos dias seguintes ainda restam brasas por cima da terra.
Somente o tempo do tempo para acabar de vez com o fogo da coivara. Quando as cinzas estão assentadas e frias, logo a terra é preparada para outro destino.
O vento leva a fumaça e ficam as cinzas. Logo as cinzas serão misturadas a terra e também desaparecerão. E nenhum retrato restará da mata que foi derrubada.
Assim a coivara antiga, a coivara dos sertões, os costumes dos povos nas suas lides com a terra. E muita mata se derrubou para coivara que não vingou.
Os campos nus de agora, pobres de nutrientes, sedentos e famintos, não possuem mais forças para fazer brotar arvoredo imponente. A terra nua e feia é também de solidão.
Distante dos sertões e dos campos mais afastados, a coivara ainda permanece sendo formada em muitos lugares e situações. Tronco a tronco, pau a pau, galho a galho.
O fogo ainda queima, as labaredas fremem, a fumaça sobe, o calor fraqueja o resto de seiva. A terra queima, geme, sofre, tudo ao redor parece tomado de desolação.
Uma paisagem que também é a humana na dor de seus dias. Um cenário que também é o do ser na solidão, na tristeza, na saudade, na sua busca de reencontrar a felicidade.
A coivara se multiplica. As pessoas vão juntando restos para a grande fogueira. Um amontoado de coisas e situações pesarosas vai se avolumando para o destino das cinzas.
Naquela coivara juntavam-se troncos, pedaços de paus, galhos secos, folhagens mortas, gravetos e bagaceira da mata. E nesta outra não é muito diferente.
Naquela coivara o fogo se fazia voraz, formava labareda, crepitava, dançava pelo ar, se tornava fumaça enegrecida, fagulhava pelo ar à espera da ventania. E nesta também.
A madeira morta crepitava e ia se tornando brasa para depois se esconder entre as cinzas. A terra continuava abrasada, quente por muito tempo. E nesta outra também.
Até quando a coivara queima totalmente e debaixo de suas cinzas não restem mais brasas e nem o calor relembre sua vivacidade? Somente com o abano do tempo.
Somente com o sopro do tempo não haverá mais qualquer recordação, ainda que os vestígios continuem existindo. Mas é difícil demais apagar de vez uma coivara da vida.
Saudades, tristezas, angústias, recordações, lembranças, retratos mentais, imagens que nunca saem do pensamento, presenças constantes, eis os galhos dessa coivara da vida.
Marcas não cicatrizadas, amores não esquecidos, mágoas não dissipadas, angústias não remediadas, sentimentos não revelados, eis o que deve servir de fogueira à coivara.
As grandes matas são derrubadas por coivaras imensas. As grandes dores e sofrimentos humanos crepitam em chamas vorazes, avançando sobre tudo, a tudo destruindo.
O homem queima e se torna cinzas a cada instante. Os seus restos renascem tentando vingar outra vida. Mas logo se percebe a chegada de outonos, securas e labaredas.
Quem dera que as cinzas fossem sempre para o renascimento. Quem dera que dos restos brotasse o novo ser, menos fragilizado e sofrido que aquele devorado no fogo.
Quem dera a Fênix mitológica em cada um. Mas não. Infelizmente as folhas da vida são expostas demais. E frágeis, queimam, se tornam cinzas, e somem na ventania.


Poeta e cronista
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Gaivota (Poesia)


Gaivota


A gaivota
voou pelo mar
e trouxe uma gota
do seu olhar
um azul imenso
para encantar
um pingo d’água
derramado em mim
para recordar

depois a gaivota
voltou pelo ar
levando uma gota
desse meu olhar
apenas a luz
querendo brilhar
um rio vazio
querendo um mar
para navegar.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 925


Rangel Alves da Costa*


“Noite, noite...”.
“Tudo no breu da aflição...”.
“Ouço passos...”.
“Grilhões arrastados...”.
“Mas sou eu...”.
“Com os meus fantasmas...”.
“Noite, noite...”.
“Solene cor de entristecimento...”.
“Ouço gritos aflitos...”.
“Sons desesperados...”.
“Mas sou eu...”.
“Gritando dentro de mim...”.
“Noite, noite...”.
“Vela caída aos pés da escuridão...”.
“Ouço rangidos na porta...”.
“A fechadura forçada...”.
“Mãos querendo abrir...”.
“Mas sou eu...”.
“E o meu inconsciente querendo fugir...”.
“Noite, noite...”.
“Sem lua de sangue...”.
“Nem estrelas sepulcrais...”.
“Apenas o negrume negro...”.
“Retinto e assustador...”.
“Sem luz ou vela...”.
“Sem porta ou saída...”.
“Sem nada na vida...”.
“E os fantasmas passeiam...”.
“Com seus olhos vermelhos...”.
“E suas mãos retorcidas...”.
“Seguindo pelos corredores...”.
“Entrando nos quartos...”.
“Invadindo sonhos...”.
“Beijando o sono...”.
“E querendo engolir...”.
“O que resta de vida...”.
“Mas não serei alcançado...”.
“Pois o fantasma sou eu...”.
“Todos os fantasmas sou eu...”.
“Vagando sem rumo...”.
“Nas noites infindas...”.
“Pisando nas lágrimas...”.
“Que inundam os passos...”.
“E lavam os rastros...”.
“Que fogem do abandono...”.
“Que fogem da solidão...”.


Poeta e cronista
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quinta-feira, 26 de março de 2015

POÇO REDONDO: O VERDADEIRO MUSEU DO CANGAÇO


Rangel Alves da Costa*


Lampião e seu bando percorreram quase o Nordeste inteiro. Em cada lugar a cangaceirama deixou marcas de sua passagem. Contudo, em estados como Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas, a presença foi mais constante, principalmente pela teia de protetores e apoiadores que Lampião teceu com maestria.
Do mesmo modo, alguns municípios e povoações receberam a visita do bando com mais constância. Os sertões dos referidos estados eram frequentemente percorridos pelo bando e, consequentemente, pela volante no encalço. Contudo, mesmo que as refregas e perseguições não permitissem que o bando se demorasse em determinado em local, certamente que Lampião tinha suas predileções.
Desde os testemunhos orais aos relatos dos historiadores, firmou-se o entendimento de que Lampião sempre gostou de bandear para o sertão sergipano. A verdade é que o Capitão se sentia bem na proximidade de amigos como o Coronel João Maria de Carvalho (da Serra Negra, município baiano vizinho a Poço Redondo) e Teotônio Alves China, o China do Poço. Certamente não acoitava aos pés dos serrotes baianos por causa de Zé Rufino e seu quartel-general também na Serra Negra. Então permanecia nas terras de Poço Redondo.
Lampião certamente gostava de se amoitar na região limítrofe entre o Velho Chico e as montanhas e carrascais sertanejos. Ficava, a um só tempo, perto do caminho das águas e das veredas espinhentas mais adiante. E a Gruta do Angico é assim, de um lado a então grandeza do rio e do outro e arredores a selva de catingueiras, facheiros, umburanas, mandacarus e xiquexiques. E a gruta ou grota fica, pois, entre serras dessa brutal e encantadora paisagem.
Outro fator de relevância para a predileção pelo sertão sergipano está também no grande número de coiteiros da região. Pedro de Cândido, suposto delator de Lampião, era coiteiro filho da dona da Fazenda Angico, Dona Guilhermina. Durval, então aprendiz na lide da serventia aos homens das caatingas, também era filho da proprietária. E pelos arredores os préstimos de outros sertanejos como Mané Félix e Messias Caduda, dentre muitos outros.
Há relatos afirmando que Lampião se sentia em casa na região de Poço Redondo. Quando deixou as distâncias hostis e esturricantes do Raso da Catarina, no sertão baiano, o Capitão dizia abertamente que não via a hora de chegar logo ao Angico para um repouso mais demorado. Estava muito cansado, sem dúvidas, pois já chegando aos vinte anos de luta pisando em sangue, com quase toda uma vida vivida na mira do mundo.
Dizem até que houve premeditação na escolha do Angico. Além do cansaço da luta, também estava de alma cansada. Nesta última fase da vida, o Lampião já era outro homem buscando o seu destino. Já não era o feroz comandante, mas apenas o homem compreendendo a si mesmo. Estava mais apegado às coisas sagradas, mais tomado de fé, mais reflexivo. E também muito mais entristecido. Não suportava mais viver aquela desdita na vida.
O que aconteceria a 28 de Julho, quando os homens comandados por João Bezerra se fizeram de vaga-lumes no cerco ao bando para chaciná-lo, assemelha-se muito mais a uma consequência a uma fatalidade. Ora, o cangaço estava destinado a morrer ali. Lampião não queria mais combater, mas apenas sobreviver. Lampião não queria mais um fogo na sua vida, mas tão somente um destino de um homem qualquer. Mas também sabia que era impossível. Daí o sofrimento de Virgulino. O Virgulino triste pela alma sofrida de Lampião.
E todo o desfecho da saga se deu nas terras sertanejas do Poço Redondo. E não há outra localidade nordestina onde o cangaço se fez tão presente. Mais de duas dezenas de poço-redondenses se tornaram cangaceiros do bando do Capitão. Coiteiros, fazendeiros, pessoas influentes de então, todos indistintamente serviram à cangaceirama. Por fim, há o cenário maior de toda a história do cangaço: a Gruta do Angico.
Portanto, cada município ou estado nordestino tem o direito de chamar para si o reconhecimento e as homenagens ao Capitão e seu bando, mas o verdadeiro museu do cangaço está mesmo em Poço Redondo, não entre paredes e objetos cangaceiros, mas na história viva, nos cenários e paisagens que falam por si mesmos. Não só no Angico, mas também na Maranduba e outros arredores de fogo e sangue.


Poeta e cronista
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Sabor de fruta (Poesia)


Sabor de fruta

Doce mel
mel melado
suco derramado
da fruta beijo
corpo em desejo
querendo amar
todo o pomar

pele macia
gosto e sabor
a fruta amor
no seu quintal
e o meu ritual
desse gostar
de saborear.


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 924


Rangel Alves da Costa*


“Flor da infância...”.
“Flor da lembrança...”.
“Tempo de flor...”.
“De meigo sabor...”.
“Uma ciranda...”.
“Que a vida anda...”.
“É outra vida...”.
“Mas nada parecida...”.
“Os doces anos...”.
“Boneca de pano...”.
“Roupa no varal...”.
“Cavalo de pau...”.
“Uma cantiga...”.
“Tão doce amiga...”.
“Roda girando...”.
“A lua clareando...”.
“De mãos dadas...”.
“Noites enluaradas...”.
“Cantando na rua...”.
“Debaixo da lua...”.
“Pulando de acorda...”.
“Uma saudade que acorda...”.
“Pedaço de bolo...”.
“A pipa de rolo...”.
“Correndo ligeiro...”.
“E chegar em primeiro...”.
“Mas que menina tão bela...”.
“Ali na janela...”.
“O menino em rubor...”.
“Dá maçã do amor...”.
“Um leve sorriso...”.
“Mais que paraíso...”.
“Tanta esperança...”.
“No peito criança...”.
“Brincar e sonhar...”.
“Com castelos no ar...”.
“Um príncipe valente...”.
“Na vida contente...”.
“Ser criança assim...”.
“É viver sem ter fim...”.
“É amar o viver...”.
“A nobreza no ser...”.
“No ser tão criança...”.
“Para que a lembrança...”.
“Chegue com saudade...”.
“Do passado e da doce idade...”.


Poeta e cronista
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quarta-feira, 25 de março de 2015

Devotos de São José


Rangel Alves da Costa*


Na quinta-feira, dia 19 de março, logo ao amanhecer avistei uma faixa estendida no alto da rua onde moro: “Todos estão convidados para a novena em homenagem ao glorioso São José, às 7:00 da noite. Viva São José!”. Tal visão encheu-me de encantamento. Tenho como verdadeiro fascínio que nos dias de modernidades repugnantes e modismos pecaminosos ainda se mantenha preservada tradição religiosa tão singela.
A faixa estava estendida defronte ao espaço onde sempre acontece a novena devocionária. É uma tradição familiar que começou com o pai, Seu José Morais, e que continua com o filho Cidinho, que a todos convida para o ritual religioso em homenagem a São Jesus Carpinteiro, Pai de Jesus, Padroeiro dos Trabalhadores, Protetor das Famílias, Pai e Protetor do Homem do Campo, Fiel Escudeiro do Sertanejo. Ou apenas o São José enquanto simbologia da humildade na vida.
Também louvável que a tradição se mantenha em pleno centro da capital sergipana. Ainda bem que Aracaju ainda não alcançou a feição petrificada de metrópole urbana, não se transformou na feiura disforme do concreto e na medonha insensibilidade de seu habitante. E, por isso mesmo, um aspecto interiorano ainda prevalece nas ruas, nas pessoas e nas manifestações religiosas e culturais. Melhor que seja assim, que nos anos vindouros ainda seja possível encontrar vizinhos e beatas louvando seus santos, caminhando pelas calçadas com seus livros santos, rosários e terços.
Há sempre um justificado temor que o progresso vá inibindo cada vez mais o sentimento religioso do povo. Muitos jovens não assumem a religiosidade nem frequentam os templos de fé para não serem chamados de cafonas ou servir de zombaria aos adeptos da vida como mera curtição. E corre-se o risco de mais tarde não existir mais preces, velas acesas ao pé do oratório, imagens adornadas nas janelas esperando a passagem da procissão. E ao esquecimento serão relegados não só os santos como a fé condutora da vida.
Diante desta desalentadora perspectiva, resta o alento e a comoção espiritual ao se ter preservado, em pleno centro da capital, o singelo ritual em homenagem a São José. E uma beleza sem igual os cantos, as rezas, a imagem envolta em flores no seu pedestal. Em seguida a procissão, as velas acesas, os fogos, as vozes entoando e louvando o carpinteiro. Não só a presença de pessoas de mais idade, mas também de jovens que buscam na fé também o sustentáculo da existência.
Logo ao alvorecer alguns fogos ribombaram anunciando o dia da louvação. Certamente que muitas missas foram celebradas na Paróquia de São José, no bairro do mesmo nome, e também noutras igrejas da capital. E os particulares, amigos e familiares, vizinhos e fervorosos cristãos, também cuidaram de preparar seus altares para as novenas e cantos de devoção. Assim aconteceu na minha rua, nas vizinhanças de minha casa, e também com a minha presença.
Sou sertanejo, filho das distâncias matutas do sertão de meu Deus, e trago comigo a dádiva da religiosidade. Minha mãe ensinou-me a crença, a fé, o amor divino, o respeito à sacralidade. Serei sempre grato por isso. E mesmo na capital, nesse dia fico imaginando meus irmãos sertanejos em louvação. Ora, São José é santo sertanejo, é santo caboclo, é santo cheirando a terra e a flor de catingueira. São José mora na casa de taipa, na tapera de cipó e barro, sente fome e sede nas atormentações das estiagens. Por isso que intercede junto a seu filho Nosso Senhor para que não deixe o seu povo ao esquecimento.
Com efeito, a devoção a São José possui primazia na região nordestina, principalmente nos rincões sertanejos. Há a crença que se cair chuva nesse dia será sinal que não faltarão as águas para molhar as plantações que logo terão início. Não precisa nem ser chuva forte, de trovoada, bastando que um pingo ou outro se derrame para que a crença se transforme em indescritível esperança. Já vi sertanejo chorar de alegria ante um chuvisco da noite, já presenciei mãos serem erguidas ao alto porque nuvens carregadas pareciam caminhar na direção da secura.
Assim, pingo d’água no dia de São José é promessa maior ao sertanejo, é esperança viva que haverá plantação e farta colheita. Logo se imagina a espiga de milho bonecando, o milho assando nas fogueiras juninas, a canjica gostosa, o sabor amarelado da terra. E também o feijão, a melancia, o melão coalhada, tudo o que brote na vida. Daí que por todo lugar há reverência através de missas, novenas e procissões. Logo ao alvorecer os olhos matutos se lançam aos horizontes esperando encontrar na barra os primeiros passos do santo da esperança.
Verdade que as chuvas não chegaram no dia tão esperado, ao menos na capital. Também no interior apenas chuviscou aqui e acolá. Mas mesmo que os sinais de fartura ainda não tenham chegado, o povo sertanejo se enche de esperanças e confirma sua fé nas contínuas promessas e orações. São gestos comuns que se repetem na normalidade dos dias. E todo dia parece ser um dia de São José, o santo da terra molhada e do grão semeado.


Poeta e cronista
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Verdade (Poesia)


Verdade

Quando o olhar sorrio
eu fui encontro
quando chamei e vieste
eu fui feliz
quando disse que amava
eu fui sincero
quando jurei meu amor
eu fui certeza
quando repeti que amava
eu fui verdade
quando a ti me entreguei
eu fui consciência
mas quando amei sozinho
eu fui tristeza
e quando sozinho fiquei
eu fui só meu
mas já não restava nada
nem eu...


Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 923


Rangel Alves da Costa*


“A vida...”.
“Tão bela a vida...”.
“Uma revoada...”.
“Um horizonte...”.
“Um amanhecer...”.
“Um luar...”.
“Um entardecer...”.
“Coisas simples...”.
“Singelas demais...”.
“E tão essenciais...”.
“Assim como...”.
“A flor do campo...”.
“O silêncio da montanha...”.
“A pedra na fonte...”.
“O córrego cristalino...”.
“A noite de vaga-lumes...”.
“A nostalgia noturna...”.
“A música do vento...”.
“O canto da brisa...”.
“Por isso tão bela...”.
“Tão bela é a vida...”.
“Do amor...”.
“Dos braços dados...”.
“Da poesia na voz...”.
“Do bilhete rimado...”.
“Da flor à mão...”.
“Da maçã do amor...”.
“Da cor do arco-íris...”.
“Da folha ao vento...”.
“Das estações...”.
“Tudo na vida...”.
“Para melhor viver...”.
“E quem dera...”.
“Que o encanto...”.
“De encontrar a ternura...”.
“Seja a crença maior...”.
“Que é possível existir...”.
“Tendo como norte...”.
“Aquilo que os olhos...”.
“Tanto apreciam...”.
“E o coração agradece...”.
“Por sentir...”.
“Que ainda é possível...”.
“Encontrar os reais motivos...”.
“Da vida e sua razão...”.
“De viver...”.


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terça-feira, 24 de março de 2015

NO SINGELO MUNDO


Rangel Alves da Costa*


Sol de rachar panela de barro, os passos cansados se aproximam da porta tosca e dá duas batidas.
“Oi de casa, oi de dentro, é gente de bem que está aqui. Humilde viajante para mais ir, mas muito cansado e afadigado. Uma caneca d’água pra matar a sede deste sem chão nem parede...”.
Sons de passos são ouvidos lá dentro. Alguém caminha e para rente à porta, e pelas frestas certamente cuida de divisar o forasteiro que chega.
“Oi de casa, oi de fora, já vou abrir sem demora, mas primeiro comece a falar como chegou neste lugar, o que faz de rompante nesse sertão distante...”.
Então o forasteiro, muito mais esperançado, estendeu ao chão o carcomido embornal para falar sem pressa.
“Por Nosso Senhor lá do céu, digo a verdade sem véu. Sou de um sertão bem distante, além da serra e mais adiante. Dois dias cortando estrada, desde o dia à madrugada. Mas nem sei bem aonde vou, bem como não sei bem onde estou. Só sei que vou caminhando, um trabalho procurando, na sina me esperançando...”.
Lá dentro um silêncio repentino, mas logo o barulho da mão dobrando a chave. A porta continuou fechada até a pessoa de dentro pronunciar mais algumas palavras.
“Seja você quem seja aqui não se teme pessoa ou peleja. A casa é abençoada, é defendida por Deus e pela Virgem Sagrada. Também não há o que se temer, nada aqui tem além do nada ter. Uma casa empobrecida, com pouca água e comida, mas com a riqueza da vida: a fé que é desmedida...”.
Do outro lado, o forasteiro ouvia respeitosamente cada palavra, porém preferia mesmo que a porta fosse aberta para matar a sede.
“Sou de paz, sou bom cristão, nenhuma maldade no coração. Se chego sem ser convidado é porque sou precisado. Mas não tenha medo não, sou filho desse sertão e respeito todo irmão, seja de qualquer condição...”.
A porta, enfim, se abriu, mas primeiro um tiquinho, depois mais um tantinho, até lá dentro aparecer o dono do casebre ainda desconfiado. Sem reação de temor ou surpresa, apenas olhou no olho do outro para falar.
“Achegue-se, pode entrar, faça como seu esse lugar. Desculpe pela pobreza, pelo pão que não tem na mesa nem luxo ou miudeza que se alastre em correnteza. Sou pobre, vivo sozinho e tudo que tenho é esse cantinho e uma terra esturricada pela seca malcriada...”.
O viajante estendeu-lhe a mão e cuidou de mostrar confiança. Não precisava mais que uma caneca d’água e um tamborete pra descansar um pouquinho. Ademais, talvez o dono daquela casa estivesse com a mesma fome que ele. Então se pôs a falar.
“Sou homem de poeira e espinho, cortando légua sozinho. Vim de longe e vou seguir até um trabalho surgir. A seca tirou meu sustento e isso o que mais lamento. Agora sou retirante dessa vida de levante...”.
O dono da casa mostrou-lhe um tronco de madeira que servia de cadeira. Em seguida deu conta de uma moringa e cuidou de arranjar um pedaço miúdo de preá assado com farinha seca. E tudo se mostrou como fartura aos olhos do retirante.
“Louvado seja Deus pela água e pelo pão, comida melhor não há em todo o sertão. Mas por favor queira aceitar o que eu posso lhe dar. É coisa muito modesta, mas juro que alegra o coração e a isso bem se presta...”.
Em seguida tirou do embornal um velho rosário bento e o entregou ao dono da casa. Ao avistar a relíquia religiosa, os olhos deste lacrimejaram. Quis falar, a palavra não veio. Estava emocionado demais.
E o viajante, de coração agradecido pela acolhida, se despediu para seguir viagem. Da porta, o velho senhor acenava tendo à mão o rosário que sustenta a fé e a vida do sertanejo.


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