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sexta-feira, 13 de março de 2015

NOMES, APELIDOS E ESTRIPULIAS


Rangel Alves da Costa*


Toda pessoa possui um nome pelo qual passa a ser conhecida. O nome é o principal caracterizador do indivíduo no seio familiar e perante a sociedade. Mas como muitos possuem o mesmo primeiro nome, a identificação se torna mais clara com o sobrenome familiar. Assim, a identidade do indivíduo só é possível, para fins de individualização, com a junção do prenome com o sobrenome. Difícil reconhecer João Aprígio Salustiano apenas por João.
Tal é a importância desse sinal de identificação pessoal que logo ao nascer a pessoa deve ganhar um nome, que em seguida é registrada com o sobrenome. E não raro que mais tarde passe a ser conhecido apenas por um apelido ou mesmo um pseudônimo. E também não é difícil que a pessoa somente seja conhecida porque ao pronome há a junção do nome do pai ou da mãe, ou ainda do nome de um destes mais do avô ou da avó. Há uma linhagem familiar num só nome.
O apelido é designativo usual, muito corriqueiro por todo lugar. Muita gente registrada e batizada com um nome, bem escolhido, pomposo, acaba com sua real identificação servindo apenas para constar nos documentos, pois aonde chegue é chamado de modo bem diferente. Não algo como Sebastião ser chamado Tião ou Humberto ser chamado de Beto, mas o mesmo Sebastião ser conhecido apenas como Lacraia ou Tiziu, ou o mesmo Humberto ser chamado Bombom ou Lata Velha. E fica sendo chamado assim para o resto da vida.
E curioso também é o que frequentemente ocorre nos municípios interioranos quando o nome do sujeito acaba sendo acrescido pelos prenomes da família, dos pais e dos avôs, e até de outras gerações. Em Itabaiana, na região agreste sergipana há muito disso. Um sujeito é registrado como Hispácio Gameleira dos Santos, por exemplo, mas de repente passa a ser chamado de Hispácio de Horácio, que é o nome do pai, ou ainda de Hispácio de Horácio de Maria Rita, que é o nome do pai acrescido do nome da mãe deste, avó daquele. E por aí vai com Tonho de Messias de Mariinha, João de José de Torquato, e muito mais num emaranhado entrelaçado de laços familiares sem fim.
Mas nada mais curioso que os nomes, ou verdadeiros nomes, comumente utilizados nos registros de antigamente, em confronto com a nomenclatura nominalesca de hoje. Coisa do outro mundo, espantosa, água em vinho revirado em líquido indescritível. Verdade que a lei impede que os pais registrem os filhos com nomes que possam expô-los ao ridículo ou cause outros transtornos, como a identificação verbal ou a escrita, mas ainda assim se tornou comum que muitos cheguem ao cartório com um nome que sequer sabem se é de gente ou de bicho, se é purgativo ou vermicida.
Nas distâncias interioranas se assentam as maiores invencionices quando se fala em nomes estrambólicos. Nome de artista hollywoodiano, de gente famosa pelo mundo afora, ou mesmo retirado de uma revista ou livreto de faroeste. Não raro se dão o cuidado de forjar um nome inexistente ou totalmente desconhecido, numa junção de letras que lhes soa bonito: Clycs dos Santos, Thatshall de Oliveira, Shelts das Graças... Mesmo nas distâncias matutas – e não sei de onde sai tanta invencionice -, de vez em quando um pai chega ao cartório e pede para registrar com um nome levado em papel: Brisaleste, Solimar, Orvalho...
Na verdade, não é difícil saber as motivações para tantas estripulias. Nas regiões interioranas, o novo parece provocar mais efeito do que nas cidades grandes. Quando os modismos despontam nas curvas dos sertões parece que chegam revirando mundo. E por isso mesmo que os costumes e as manifestações próprias acabam sendo relegadas e em seu lugar vão assentando o desconhecido mirabolante. E ainda por isso que os nomes costumeiros são deixados de lado para o surgimento de uma juventude cujos prenomes são tão difíceis de pronunciar como de escrever.
Dentro dos limites da aceitação cartorial, cada um registra o nome que quiser, é verdade. Mas existem situações que são absurdas. Ora, mas que besteira um pai colocar um nome num filho que sequer vai saber chamar. E com um aconteceu que colocou o nome de Schumacher e depois passou a chamar o menino de Chuchu. E com outro sucedeu que colocou o nome da linda filha de Britney e só sabia dizer Brita. E acabava Cabrita quando a chamava: Vem cá Brita!
Mas se engana que tanta estripulia é fato novo, pois desde muito que o sertanejo já inventava com o desconhecido. Ainda hoje perambula o desafinado Roginho, antigamente registrado como Roy Rogers, em homenagem ao famoso artista. Não sei se o sertanejo Presley Sinatra dos Santos ainda vive, mas de vez em quando eu encontrava Sisi, o conversador. E quase deu briga quando chegaram ao cartório para registrar filhos com os prenomes Godzilla e Frankenstein. O oficial se negou a aceitar nome de macaco e de monstro em gente e o caso acabou na delegacia.
Hoje em dia ninguém mais aceita nome comum em filho. Dizem que já há demais Maria, José, Pedro, João, Josefa, Antônio. E também dizem que a televisão mostra nomes tão bonitos que chegam a parecer coisa de princesa e príncipe. Então tascam a colocar baboseira como nome das crias. E logo num sertão onde os grandes vultos possuem nomes singelos, autênticos, verdadeiramente nordestinos: Luiz Gonzaga, Virgulino Ferreira, Antônio Conselheiro, Cícero Romão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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