SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 31 de março de 2016

TUDO MUDA, TUDO É TRANSFORMAÇÃO


Rangel Alves da Costa*


Tudo muda, tudo é transformação. Nada possuiu no passado a feição de agora, nada se mostra ser como um dia de outra forma foi. É próprio do mundo e da vida o dom da mudança e da transformação. Passa-se de um estágio a outro, segue-se por caminhos novos, e assim num percurso que tanto pode degenerar como renovar, dependendo do sentido na vida que cada um deseje para si mesmo.
O fio d’água vai se alargando, correndo cada vez mais forte, transforma-se em rio. E este se torna pujante, caudaloso, imenso, mansamente caminhando seus caminhos, até desaguar no mar e desaparecer. A terra molhada se transforma em barro, que acariciado pelas mãos artesãs vai se transmudando em argila visguenta, e esta vai sendo cuidadosamente moldada para ganhar formas, uma feição totalmente diferente daquele primeiro momento de nascimento. E surgem os utensílios para alimentos, para sustentar a vida, demonstrando que esta jamais se aparta do barro primeiro, do sopro da origem.
Pensamentos e palavras vivem soltos, libertos, mas quando juntados produzem verdadeiras obras-primas. O homem tem a ideia, cata a palavra, escreve uma história bonita e depois entrega ao mundo como uma nova realidade. Tudo nascido do sopro da mente, do pensamento, da criatividade. E assim nascem as tramas, os personagens, os enredos tristes, os finais felizes. Nada diferente com o grão que jaz esquecido no fundo de uma cumbuca. Após um dia de chuva, o velho lavrador lança mão daquela semente e a espalha sobre a terra. Daí os brotos, os frutos, as raízes, a vida.
O jardim tão belo ao amanhecer, de repente vai definhando numa tristeza só. Há um tempo de chuva, há um tempo de sol, um tempo de flores e de folhas secas, frágeis, entristecidas, mortas. Está no outono a linha final do romance da natureza, com consequências profundas também no ser humano. Não há sorriso que se faça na face ante as cores ocres, acinzentadas e melancólicas da natureza em transformação. É como se após o sorriso ilusório viesse uma realidade muito mais contundente da vida. Então chega o instante da aflição, da saudade, da nostalgia, de uma nuvem que vai se formando dentro da alma até irromper nos olhos e fazer chorar. Para o contentamento retornar ao ser.
Assim acontece porque tudo muda, porque tudo é transformação. O ser humano é exemplo maior do verso, reverso e anverso. Os retratos não mentem, as velhas fotografias comprovam as várias vidas no percurso de uma só existência. O menino é apenas parecido com o jovem, este traz consigo apenas alguns traços do adulto, ainda que a essência permaneça a mesma em contínuo aprimoramento. Mas os anos, as experiências, as alegrias e as tristezas, é que verdadeiramente refletem as realidades transformadas pelo espelho chamado tempo.
E como tudo muda. Reconheço que hoje vivo no Livro do Eclesiastes: um tempo de sorrir e um tempo de chorar, um tempo de alegria e outro de tristeza. Mas principalmente reconhecendo que vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Ontem eu era outro, e hoje sou diferente. Em noites e dias assim, apenas sair, e agora permanecer. Em noites e tardes assim, apenas beber, e agora somente escrever. O que parece não ter mudado foi minha solidão. Só que agora maior. Imensa como lua cheia no negrume da noite.
Sou filho do tempo, da estação, com primaveras e outonos. Pelo medo da ausência de jardins, então aprendi a cultivar flores de plástico, artificiais. Mas não posso fazer o mesmo com os outonos da solidão. Por isso que colho cada folha morta que passa esvoaçando sobre minha janela e depois escolho uma página de livro para repousá-la. Mas em toda página a mesma escrita:
“Dizem que das cinzas da folha morta não renasce uma primavera nem vingará outro triste outono. Mas não acredito que seja assim. Se a folha for esquecida, o outono terá retornado. Mas se a página for sempre folheada, então uma flor na folha será avistada”.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


O sertanejo não pode estar ausente nem desconhecer sua cultura e sua história. E o Memorial Alcino Alves Costa, em Poço Redondo/SE, está de portas abertas para quem desejar reconhecer-se nas suas próprias raízes. Visitem o Memorial, façam dele um livro vivo chamado SERTÃO!






Para o meu amor (Poesia)


Para o meu amor


Um tempo de paz
fiz para o meu amor
noturno e sonata
fiz para o meu amor
poesia e canção
fiz para o meu amor
coração desenhado
fiz para o meu amor
um sonho bonito
fiz para o meu amor

tudo que pude fiz
para o meu amor
e dele só desejo
o olhar e o afeto
e o abraço quente
em noites de frio
e o doce no lábio
e assim a certeza
do bem que faço
por tudo fazer.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - em tempos difíceis, o velho Totonho ensina...


Rangel Alves da Costa*


Não há crise que faça o velho Totonho desanimar. Seja na sua cozinha, no Brasil ou no mundo, para ele tudo se resolve na calma, na paciência. Talvez seja por isso mesmo que já está com oitenta e parece ter cinquenta anos. Não vive com cara feia, emburrado, preocupado ou com jeito de quem comeu e não gostou. Incomoda muita gente que acha que zomba de tudo, mas é apenas o seu jeito de ser. Nos tempos difíceis de agora, quando parece que uma cabeça de burro foi enterrada lá por Brasília, nada melhor que seguir as lições do velho. Tudo muito simples, como é o jeito de ser do homem, mas dá resultado. Segundo o velho, quem elege e reelege não pode reclamar de mau governo. Também não adianta choramingar se na próxima eleição vai fazer besteira novamente. Se um ladrão chegar com doistões compra o voto de todo mundo. E quem vendeu não pode reclamar depois. A verdade é que tanto o político como o eleitor é farinha estragada do mesmo saco, feijão com o mesmo gorgulho, é carniça na boca do mesmo urubu. Por isso que não pode reclamar do outro não. De resto, é não votar ou votar em branco. Sem culpa no cartório da politicagem, enfim poderá reclamar do que quiser. Mas é melhor que não. Melhor mesmo é cuidar da vida, pagar o que deve, comer o que tem, vestir o que pode, ser amigo de todo mundo e ainda encontrar tempo para viver. Conversar sozinho, se balançar num cadeira de calçada, colher fruta no pé e dormir a sono solto até com a cabeça em cima de pedra. Conseguir dormir assim já é comprovação de que não há travesseiro macio que adormeça uma cabeça cheia de problemas. Por que problemas, se a vida foi feita apenas para ser vivida no melhor que ela possa oferecer?


Poeta e cronista
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quarta-feira, 30 de março de 2016

ESPINHO NO PÉ


Rangel Alves da Costa*


Os espinhos se alastram pelas estradas e todos esperando uma sola de pé. Ora, se tentam ultrapassar a sola de sapatos, chinelos e outros calçados, que se imagine em pés descalços que cruzem os seus caminhos.
Escondidos, furtivos, misturados ao barro da estrada, os espinhos sempre surpreendem a caminhada. E não é toda sola de sapato ou chinelo que protege o caminhante, vez que as pontas afiadas conseguem vencer os solados mais duros.
Acaso seja um espinho maior e de ponta rija, certamente vai cortar as entranhas e se instalar já rente da pele, quando não vai perfurando até despontar em dor. Uma dor fina, pinicada, que espanta pela proteção que se imaginava ter.
E não há como fugir dos espinhos. Eles são lançados na estrada através de folhagens, de galhagens, de garranchos e pequenos troncos de paus. Também a ventania vai instalando sutilmente as armadilhas perigosas por todo lugar.
Contrariando a poesia, não há somente uma pedra no meio do caminho, pois os mais indesejados habitantes estão ali, desde pedrinhas pontudas e perigosas a espinhos finos, vorazes, espreitando a passagem de um pé desprevenido.
Outro dia enfrentei uma situação desagradável assim. Estando na região sertaneja onde nasci, no sábado pela manhã juntei-me a mais dois amigos e seguimos rumo ao leito de um riacho pedregoso nos arredores da cidade, objetivando encontrar umas pedras antigas com formatos de sela e outros objetos.
As pedras são famosas entre os mais antigos, mas desde muito que estavam esquecidas pelos mais jovens. Paramos o carro nas proximidades do riacho e seguimos a pé pelo meio do mato. Os dois calçavam havaianas, sandálias apropriadas para a ocasião, mas eu ostentando um chinelo de couro, frágil e inconveniente.
Não deu outra. Quando entramos no leito de pouca água e encontramos pedras e mais pedras pela frente, a cada escorrego eu sentia que a qualquer instante ficaria descalço, tendo de caminhar totalmente desprotegido por cima de lama, pedras e espinhos. Fui subir numa pedra, o pé foi e o chinelo ficou, preso e quebrado.
Nem pensei duas vezes e deixei o chinelo ali mesmo, em cima da pedra. Como não queria voltar, decidi seguir em frente completamente descalço. Então, caminhando sobre o leito ora encharcado ora seco, por cima de pedras e espinhos, passei a experimentar desafios jamais imaginados.
Tendo que acompanhar os dois amigos mais adiante, toda vez que eu descia os pés nus sobre o chão ou a água, era como esperar a dor despontando. Entre alívios e sofrimentos, fui seguindo adiante pelo simples fato de que não havia outra coisa diferente a fazer. O problema é que tinha de voltar ainda descalço.
Nem me recordo mais quantas vezes me abaixei para tirar espinhos do pé. De tanto experimentar a dor, aos poucos fui me acostumando ao sofrimento. Era como um entorpecimento pelo inevitável já não causasse tanto sofrimento.
Já se passou pouco mais de um mês dessa dolorosa experiência no leito do Riacho do Poço de Cima, no sertão sergipano de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, mas ainda hoje tenho na memória cada passo dado e cada pontada de espinho recebida.
Mas de tudo e em tudo importantes lições. A realidade daqueles espinhos no pé não é muito diferente de outros espinhos encontrados em todos os caminhos da vida. Aqueles não ferem mais ou menos que os outros encontrados em cada passo. Tudo é espinho e fere, e faz doer.
Também não aprendi que não basta procurar apenas caminhos floridos, abertos, confiáveis, pois não há como fugir dos espinhos. Mesmo tendo pontas afiadas, certamente possuirão armadilhas que causam dor, tristeza, desilusão.
Mas seguir adiante é preciso. E a melhor proteção que se possa ter sempre será a fé, a persistência, a perseverança e a certeza que os perigos serão vencidos, ainda que os pés e o coração fiquem marcados pela dor.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


Uma estrada. Um cachorro. Um sertão. Um cachorro na estrada do sertão. O cachorro sempre segue o seu dono. O dono olha pra trás e avista os melhores amigos de sua vida: seu cão e seu sertão.




Tristeza de pássaro (Poesia)


Tristeza de pássaro


Pássaro fui
e pássaro sou
voando alto
em céu de condor

o amor é pássaro
naquele que amou
um sonho de céu
no voo que acabou

pássaro sem asa
que o vento levou
querendo amar
no pássaro que sou.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - o governo Dilma e o cadáver teimoso


Rangel Alves da Costa*


O governo Dilma, mesmo já morto desde muito, já espalhando um insuportável mal cheiro, ainda assim insiste em se manter sendo velado. Bastaria colocar máscaras e segurar nas alças do caixão e sepultá-lo no cemitério das lamentações petistas e tudo já estaria terminado. Mas é um cadáver teimoso demais. E tão indigesto que talvez nem o lamaçal corrompido suporte seus putrefatos restos. Toda vez que se preparam para limpar o recinto da podridão, eis que chega um dizendo que viu o morto se remexendo, revirando os olhos ou balançando o dedão do pé. Tem até gente jurando ter ouvido, do próprio morto, que só sai do velatório se lhe for assegurado exílio eterno num país socialista europeu. Não aceita outro lugar, como Cuba, Bolívia ou Venezuela, afirmando que nenhum destes dá certo nem para os mortos. Já outro insiste em afirmar ter presenciado o defunto agonizando e dizendo “não companheiro, não deixe que me enterrem companheiro”. O problema é que aos poucos o defunto vai ficando cada vez mais solitário. Aqueles que se comprometeram a dar um sepultamento justo e dignificante, já começaram a debandar. Até mesmo quem vivia das benesses do morto já caiu fora. Na verdade, só resta um que ainda se diz fiel ao defunto. Mas este não vê saída senão também se despedir da vida política e de todas as vidas que possa ter uma raposa que se transformou em cascavel e acabou mordendo o próprio rabo.


Poeta e cronista
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terça-feira, 29 de março de 2016

AS CINZAS E A FÊNIX


Rangel Alves da Costa*


Morrer e ter o poder da ressurreição, do renascimento, eis uma das buscas maiores da existência. Ao ser humano é impossível de acontecer, num retorno como a mesma essência do que foi em vida, mas conta a lenda que a fênix renasceu das próprias cinzas. Tal ave mitológica vivia quinhentos anos e depois se deixava queimar, totalmente calcinar, para novamente ressurgir de seus restos.
A fênix, pois, vivia por ciclos de vida e após seu prazo existencial se deixava consumir pelo fogo. Com existência tão longa, porém reconhecendo-se mortal a cada período de vida, ela mesma alimentava a fogueira assim que pressentia estar chegando o seu fim. Depois deixava que as chamas tomassem conta de seu corpo, a tudo abrasando, até que somente restasse o pó de sua outrora imponência. Mas nas cinzas a sua espiritualidade e seu ânimo para levantar da morte a um novo ciclo de vida, e assim eternamente.
Mas a simbologia da ave lendária que renasce dos próprios restos possui analogia com muitas outras situações de morte e renascimento, de perda e reconquista, de partida e retorno, de adeus e reencontro. Mas muito mais. Significa a imortalidade da alma, a esperança que nunca tem fim, a recompensa ante os obstáculos, as chances que a todos são dadas perante situações difíceis de vida. Alguns povos veneram no sol a ave sagrada: todo dia morre para renascer na manhã seguinte.
Contudo, é nas cinzas, nos restos calcinados da fênix, no pó surgido do abrasamento, que está todo esse mistério do renascimento e ressurreição. Ora, a cinza nada mais é que o pó restante de uma combustão completa de um corpo, de um objeto, de algo. É o resíduo encontrado logo após algo ser completamente consumido pelas labaredas. É a porção tida como insignificante logo após uma imensa fogueira ser totalmente queimada. Assim com a floresta inteira cujo fogo consome a imponência e depois restará somente o pó. E neste o adubo para brotar uma nova planta.
A ave queima, a fogueira queima, a floresta queima, tudo queima e tudo se transforma em cinzas. Com o ser humano acontece o mesmo. Não há nada cuja imponência possa, no instante seguinte, já estar transformada em cinzas, em escórias, em restos, em partículas à espera da ventania para se dissipar pelo ar. Mas o vento nem tudo leva. Apenas um fragmento que reste já será suficiente para o renascimento da vida. Apenas uma migalha que reste e já terá força suficiente para a ressurreição. E assim porque a vida renasce em si mesma, pela força interior que possui.
Nações, povos, sociedades, famílias e pessoas, também podem renascer das cinzas. Há uma fênix em cada um que se faça merecedor da ressurreição. Assim porque a autoflagelação para a nova vida da ave mitológica não se dava como cumprimento de destino ou sina, mas pelo merecimento da continuidade. A fênix simbolizava o encorajamento, a força, o trabalho, a perseverança e a persistência. Não parava cruzando os céus em labuta constante, não descansava enquanto o trabalho do dia não estivesse feito, não admitia um só instante sem fazer algo útil. Daí o merecimento da continuidade.
Seria o Brasil uma grande fênix cujo padecimento de agora se reverteria em renascimento para uma nova era de duradouras conquistas? Ou seria o Brasil apenas uma ave que se autoflagela pensando em ressurgir, mas com um passado que não permite uma nova chance? Ou ainda simplesmente uma fogueira que arde dolorosamente e sem perspectiva de que suas cinzas possuam qualquer serventia para o amanhã? A verdade é que há uma força tamanha na ave Brasil, uma propensão tamanha ao voo cada vez mais alto, que retomaria seu pulso de vida mesmo que nem cinzas restassem da coivara se alastrando voraz.
O Brasil é fênix e pássaro encantado, é ave real de mais belo canto. Desde seu surgimento como terra de gente que vem sendo explorado, submetido, aviltado, ferido na alma. Contudo, nunca se quedou aos ataques, nunca calou seu canto nem deixou de voar. Além do homem e sua ambição, muito além de todo o mal que possa surgir, bem além dos usurpadores e saqueadores de suas riquezas, está o seu destino de grandeza e de progresso. E certamente não será uma crise, ainda que volumosa e torturante, que vá escurecer o seu céu de voo e conquista.
De toda essa crise restarão as cinzas. Mas não do país, da nação, da terra brasileira, mas tão somente dos vis caçadores que quiseram retirar da ave real até sua última pena, até o seu último canto e sopro. Mas não conseguiram pelo céu bem mais alto do que alcança a mão humana. Eles, os espoliadores de um país inteiro, nem incólumes nas cinzas restarão. O sal da história cuidará para que seus restos não assombrem mais. E então, a fênix/pátria renascida de todo o mal, alçará seu voo ante o céu do seu povo.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


O que resta da Fazenda Mulungu. Dói recordar, mas ainda ouço as vozes e os passos de Mané Dandacho e Cenira. E meu pai na porteira do curral contando estrelas.






Mal de amor (Poesia)


Mal de amor


Todo mal de amor
a cura está no amor
na febre resistente
na dor tão persistente
a única prescrição
é a bula do coração

para curar o torpor
de todo mal de amor
será preciso amar
ao desejo se doar
e terá com tal receita
uma cura perfeita.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - diário da pátria desiludida


Rangel Alves da Costa*


Acaso o Brasil fosse um jornal, sua manchete poderia ser uma para toda a vida: O País afunda! E quando uma pátria submerge, mais triste ainda será imaginar acerca do destino daqueles que já viviam à beira do precipício, na altura escorregadia do penhasco. Mas na manchete a verdade absoluta. Por mais que os esforços conduzam a pensamentos positivos, às tentativas de dar esperanças ao que não mais resiste, não há que se reconhecer senão a crise profunda, o colapso total, a derrocada fatal. Ora, o que colher na pátria cujo plantio vendo sendo unicamente de erva daninha, de lamaçal, de corrupção, de ladroice? Não há colheita futura num solo corrompido, num terra infértil pela ambição, num chão contaminado pela rapinagem. Quanto mais o tempo passa mais surge notícias ruins, tristes, desesperançadas. A qualidade de vida aviltada, a inflação galopante, os juros desenfreados, o pão sumindo da mesa, o remédio inexistente, a falta de tudo. E quando até os ricos reclamam da falta de brioches, então é porque a revolução flameja e a guilhotina está sendo afiada para cortar cabeças. Que seja golpe, revolução ou impeachment, seja lá o que for ou como se denomine, mas alguma deve ser feita. Quem for culpado que seja colocado diante da guilhotina, mas uma pátria inteira não pode continuar refém de apenas alguns. Talvez amanhã a manchete do jornal Brasil traga, enfim, uma notícia nova: Já é possível avistar o sol através da janela!


Poeta e cronista
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segunda-feira, 28 de março de 2016

O SAL DAS COISAS


Rangel Alves da Costa*


O elemento sal não significa apenas cloreto de sódio ou a definição repassada pelos livros: substância cristalina, de cor branca, solúvel e que usualmente serve para temperar alimentos, ou a substância que resulta da combinação de um ácido com uma base química.
O sal também pode significar preservação da vida, do espírito, da essência do ser. No mesmo sentido o ânimo da fé e da perseverança. Através do sal do caráter e da amizade se preserva as relações humanas. Diz-se também do sal que o ser humano amarga em diversas situações da vida.
Neste aspecto, tem-se que a vida não é feita apenas de coisas boas, agradáveis, adocicadas aos olhos e ao coração. Nem tudo provoca apenas prazer, deleite, boa experiência, pois há uma forçada degustação de coisas e fatos desagradáveis, de instantes salgados e indesejados.
Em tais situações, comumente se diz que a pessoa também experimenta no sal o sabor daquilo que não desejou. Ante o sofrimento surgido, então se afirma do sal da vida que usualmente chega com amargo sabor. A tristeza, a melancolia, a aflição, as dores, os infortúnios, tudo isso pode ser tido como experiências salgadas.
Diz-se salgadas exatamente porque em contraste com os prazeres, as felicidades, as doçuras da existência. É lógica e consequência, vez que absolutamente nada permanece ou sempre acontece segundo o desejado. Desse modo, através das experiências de sal é que também se experimenta as angústias e os dissabores.
A bem dizer, quase nada existe sem que traga consigo um pouco de sal. É como uma bula, uma receita de vida, sendo da normalidade que assim aconteça. Tanto para não adoçar em demasia como para fazer recordar que o sal tempera todo sabor, ainda que o açúcar prevaleça naquela fórmula.
Afirmar que o sal tempera o sabor remete a uma reflexão. Sendo o sal também um símbolo de sofrimento e de tristeza, experimentar o seu sabor significa não apenas a consciência de que as coisas indesejadas também acontecem como temperar o próprio espírito para as bonanças vindouras.
Contrariamente do que se imagina, a experiência salgada não se desfaz quando desaparece o motivo da aflição ou quando a dor se transforma em contentamento. O sal faz parte da essência do ser, e assim permanece no seu interior. Daí ser preciso que o indivíduo reconheça o gosto salgado que pode afluir a qualquer instante e assim esteja preparado para senti-lo e também evitá-lo.
A verdade é que a vida e o próprio homem são compostos de doçuras e azedias. A lágrima desce temperada de sal, o suor escorre salgado. Não há quindim ou cocada que não leve pitadas de sal na sua feitura, qualquer sobremesa doce traz a química salgada no seu sabor. Contudo, o que é para ser salgado geralmente dispensa qualquer porção de açúcar.
Nisto a afirmação de que o sal está em tudo e prevalece sobre tudo. O sal da terra como forma de luta, de esforço e cansaço, para produzir. Mas também o sal da terra simbolizando a purificação. Eis que o sal tem de o dom de conservar aquilo que foi gerado das boas sementes.
A Bíblia se refere ao sal como gesto de firmeza e de aliança: “É uma aliança de sal perpétua perante o Senhor, para você e para os seus descendentes" (Números, 18:19). Como perseverança de fé: “Vocês são o sal da terra. Mas, se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens” (Mateus 5:13).
Nada, pois, é insípido. Há sal em tudo. Na palavra dita, na palavra ouvida. No amor e no afeto, de modo que o seu tempero seja suficiente para manter o sabor desejado, numa medida onde o querer não se descuide da realidade. Nesta, o sal em cada passo, como prova e lição de tudo. Amarguras que devem ser consumidas como fortalecimento à alma e ao espírito.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


Talvez se imagine apenas uma velha casinha abandonada, prestes ao desabamento pela força do tempo e descaso dos seus, mas aí, no alto do Poço de Cima, toda a raiz do que se conhece hoje por Poço Redondo. Portanto, será preciso reverenciá-la, mas, antes de tudo, procurar salvá-la da destruição iminente. Poço Redondo precisa preservar seu patrimônio, sua história, suas raízes, suas riquezas, suas tradições. Prefiro acreditar que não haja uma Secretaria Municipal de Cultura e muito menos alguém que receba salário cumprindo a missão de incentivo e preservação do patrimônio. Também não sei se há prefeito.




Papel (Poesia)


Papel


Papel riscado
com seu nome

papel desenhado
com seu rosto

papel molhado
de lágrima

papel querendo
ser poema

e ser pássaro
de papel

e assim voar
até sua janela.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta – viver na roça


Rangel Alves da Costa*


Como diz a letra da música caipira, de que me adianta viver na cidade se a felicidade não me acompanhar, adeus paulistinha do meu coração, lá pro meu sertão eu quero voltar. E um retorno que se justifica plenamente, pois não há vida nem viver melhores que a da roça. Viver na roça é estar na plenitude da natureza, é conviver com o singelo e afetuoso, é sentir a canção da brisa cheirando a folha, é partilhar das belezas do sol e da lua, do amanhecer e do anoitecer. De lado a outro apenas a estrada de chão batido, a vereda espinhenta, o pé de pau, a moradia do xiquexique, do mandacaru, do velame e da catingueira. Mas também da baraúna, do angico e da umburana. O bicho que pasta adiante, o cavalo que relincha, a galinha ciscando, o cachorro perdigueiro correndo atrás de preá afoito. Uma rede na varanda, debaixo do alpendre e o cheiro bom do cuscuz ralado, do café torrado, do toucinho por cima do fogão de lenha. O queijo fresquinho, o doce de leite, a coalhada e a umbuzada, a panelada de galinha de capoeira e a cachaça com casca de pau para abrir o apetite. Um compadre que passa, um berrante ao longe, uma vida chamando a viver. E aquele tempo manso, preguiçoso, de horas lentas e murmurantes. O entardecer que vai chegando para a boca da noite se abrir e aquela cor dourando a sertão se espalhar na feição do luar mais lindo do mundo. Um sertão que é dádiva divina, um viver na roça que é a verdadeira paz tão almejada por todos.


Poeta e cronista
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quarta-feira, 23 de março de 2016

MINHA PRIMEIRA BORBOLETA


Rangel Alves da Costa*


Minha primeira borboleta estava escondidinha dentro de um livro. Toda entristecida, amarrotada, quase sem fôlego e força para viver. Sorte dela que cheguei a tempo. E sorte a minha que dali em diante passei a ter borboleta.
O Livro dos Pássaros e dos Insetos jazia esquecido por cima de uma caixa. Não só esquecido como empoeirado. Certamente que as traças logo avançariam em cada sabiá, cada beija-flor, cada louva-a-deus. Destruiriam matas, ninhos e toda a natureza presente.
Livro colorido de capa bonita, por cima desenhado um uirapuru. Soprei a poeira e bati com a mão, de repente ouvi como um cantar de pássaros e mil asas despertando para seguir em voo. E também um zumbido de bicho se arrastando pelas folhas.
Que coisa mais estranha, disse a mim mesmo. Mas as sombras do quarto atrapalhavam a visão que eu precisava ter diante da novidade. Então afastei a cortina e fiz a luz do sol entrar. E quase o livro foge de minhas mãos querendo pular, voar, ir além da janela.
Diante da luz e do vento soprando pela janela, então os sons dentro do livro aumentaram, agora alegres, contagiantes, querendo saltar para fora e ecoar pelo mundo. Mas o que será isso mesmo, indaguei já pronto para folhear.
Não abri a contracapa nem a página seguinte, fui direto numa página qualquer, quase no meio do livro. E ao abrir encontrei uma borboleta, num retrato tão belo que mais parecia ali pousando em vida. Cores e mais cores espalhadas pelas asas e pelo corpo inteiro.
Esta foi a primeira impressão de surpresa diante de tamanha beleza. Mas noutra realidade quando aproximei mais os olhos para melhor observar e sentir. As cores estavam desbotadas, as asas quebradiças, o corpo magro e os olhos entristecidos.
Pelos cantos da página pequenas traças insistiam em passear. O tempo e a poeira ainda permaneciam com suas marcas indesejadas. Mas bastou que eu espantasse as traças e soprasse cuidadosamente a poeira, passando um paninho leve por cima, que a borboleta quase voa.
Verdade. Assim que dei uma nova feição à página, no mesmo instante a borboleta pareceu renascer. Suas cores pulsantes voltaram, suas asas se firmaram prontas para o voo, os olhos pareciam com brilho novo e festivo. A mais bela borboleta do mundo.
Então resolvi libertar todos os pássaros e todos os insetos aprisionados, famintos e sedentos, mantidos no cativeiro daquele livro. Fui abrindo página a página, soltando pela janela o curió, o pintassilgo, a formiga, o gafanhoto e todos os que ali estavam.
E foi quando cometi o maior pecado do mundo. E pequei o pecado maior porque não libertei a borboleta. Eu senti que ela se esforçou para alçar voo ante a partida daquela multidão de pássaros e insetos, mas simplesmente não deixei que partisse.
Além disso, acabei cometendo uma atrocidade imperdoável: rasguei a página. Assim que rasguei, a borboleta aproveitou o vento soprando e quase vai embora com folha e tudo. Alcancei-a já subindo ao espaço. Trouxe para pertinho de mim porque meu desejo era outro.
E meu desejo era ter aquela borboleta somente para mim. Ora, se as pessoas criam gatos, cachorros, papagaios e até passarinhos, eu poderia ter aquela borboleta como minha cria de estimação. Daí que resolvi separá-la daquela página desconfortável e solitária.
Com uma tesoura afiada, separei milimetricamente a borboleta. Depois de colocá-la sobre a palma da mão, soprei para ter diante de mim uma cena encantadora e inesquecível: a linda borboleta voando, passeando pelo ar, dando voltas cada vez maiores a cada sopro.
Sorri e chorei diante da cena. Alegria pela primeira borboleta e tristeza porque sabia que o mundo daquele quarto não era o seu. Então tomei uma difícil decisão. Deixei-a sobre o umbral da janela para que seguisse na ventania.
Passaram-se dois, três dias, e ela no mesmo lugar. Mas um dia retornei e não mais avistei minha primeira borboleta. Certamente que o vento a havia levado. E levou sim, para o alto, para bem perto da nuvem.
Quando desceu, ela já havia renascido para a vida, como borboleta normal e majestosamente bela. Assim sei por que todos os dias, ao amanhecer, ela entra pela janela, sobrevoa o quarto, pousa na minha mão e me beija a face.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


Lá vai a vida e destino, lá vai no rio menino. E menino e Velho Chico, tão velho e menino, no meu viver, no meu destino...







Canção de amor (Poesia)


Canção de amor


Canto a canção
presa no silêncio
e na solidão
que ecoa triste
na desilusão
assim a saudade
e sua aflição

cale a canção
venha me amar
não quero sofrer
não quero chorar
o amor é canto
para se cantar
como acalanto.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - pátria ferida


Rangel Alves da Costa*


A pátria amada Brasil parece esquecida na letra do hino. Por imposição política, partidária e governamental, agora é pátria desamada. Não só desamada pelos mandantes da nação, como por estes mesmos aviltada, achincalhada, corrompida, enlameada. Desde muito que não se ouve uma notícia boa, alvissareira sobre o país. Desde muito que uma grande obra não é construída. Desde muito que o orgulho de brasileiro foi sendo negado pelos constantes aviltamentos. Em todo jornal impresso, em todo jornal radiofônico ou televisivo, pela boca do povo, somente a manchete de um país em ladeira abaixo, sem saída, sem salvação. Sobe o dólar, aumenta a inflação, o desemprego aumenta, não há nenhum tipo de investimento, o caos na saúde e na segurança, o vexame na educação e em setores essenciais, tudo revirado, tudo desandado. As projeções futuras são as piores possíveis, os superfaturamentos são alarmantes em obras que foram construídas pela metade. Corrupção, lamaçal, ladroice, roubalheira sem fim. Todo dia surge um fato novo e muito mais espantoso. Um Brasil de pessoas inteligentes, mas de verdadeiros doutores na arte do desvio, da fraude, da improbidade, da safadeza. Com muito tempo de atraso, somente agora se chega à idade das trevas. E pelo jeito nem a luz do sol para iluminar o que resta de um país que outrora foi gigante e promissor, mas que se deitou em berço esplêndido e sequer percebeu o quando foi sendo roubado e diminuído. Resta somente esperar que tudo entre em combustão para, quem sabe, renascer das cinzas. Assim a pátria ferida, aviltada, dilapidada.


Poeta e cronista
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terça-feira, 22 de março de 2016

CANÇÕES QUE CHEIRAM A SERTÃO


Rangel Alves da Costa*


As canções possuem o dom da transformação. Agem tão profundamente no ser humano que este se sente em viagem na recordação. Canções que relembram momentos, que trazem saudade, que fazem chorar. Canções que fazer sorrir e entristecer, que fazem meditar e enternecer. Um noturno, uma valsa vienense, um bolero, uma música popular. Tanto faz se o que importa mesmo é a junção da melodia e pensamento, daí derivando as tantas viagens ao entardecer ou ao silêncio da noite enluarada.
Mas as canções não refletem apenas no pensamento, pois também enlaçam os sentidos do ser. Chegam com gosto na boca, com sabor de beijo, com perfume de corpo. Chegam pulsando o coração, atormentando o juízo, causando frio ou calor. E também provocando reencontros tão fortes que as sensações se tornam como de presença. Assim acontece com as canções sertanejas perante o ouvinte acostumado com a terra, com o bicho, com a natureza.
Tais canções matutas, caboclas, caipiras, nascidas na viola de pinho, chegam até a ter cheiro de mato, de chão, de boi, de chuva caindo sobre a terra. Canções que lembram porteiras rangendo, gado berrando, folhagem murmurando, riacho correndo, o pilão batendo, aboio e toada. Canções que fazem surgir a alvorada passarinheira, o velho carro de boi vencendo estradões, a ventania soprando sobre os arvoredos e o homem na sua lida singela de todo dia.
Como não sentir a presença do sertão em canção assim: “De que me adianta viver na cidade/ Se a felicidade não me acompanhar/ Adeus paulistinha do meu coração/ Lá pro meu sertão eu quero voltar/ Ver a madrugada quando a passarada/ Fazendo alvorada começa a cantar/ Com satisfação arreio o burrão/ Cortando o estradão saio a galopar/ E vou escutando o gado berrando/ O sabiá cantando o jequitibá/ Por nossa senhora, meu sertão querido/ Vivo arrependido por ter deixado/ Esta nova vida aqui na cidade/ De tanta saudade eu tenho chorado/ Aqui tem alguém, diz que me quer bem/ Mas não me convém, eu tenho pensado/ Eu digo com pena, mas esta morena/ Não sabe o sistema que eu fui criado/ Tô aqui cantando, de longe escutando/ Alguém está chorando com o rádio ligado...”. (Saudade de minha terra, de autoria de Belmonte e Goiá).
Como não se encantar ouvindo “Eu e a lua”, com Tonico e Tinoco: “Eu me desperto em arta madrugada/ Em arvorada ponho-me a cantar/ Em tom profundo lamento em meu pinho/ Triste sozinho vivo a recordar/ Vem ouvir ingrata quem deixou de amar/ Somente a lua no céu estrelado/ Está a meu lado, surgiu num clarão/ E tu querida nem abre a janela/ Vem ouvir donzela a minha canção/ Tu foi aquela muié sem coração...”. Ou ainda, com a mesma dupla, “Tristeza do Jeca”: “Nestes verso tão singelo/ Minha bela, meu amor/ Pra você quero contar/ O meu sofrer e a minha dor/ Eu sô que nem sabiá/ Quando canta é só tristeza/ Desde o gaio onde ele está/ Nesta viola eu canto e gemo de verdade/ Cada toada representa uma saudade...”.
Como não se sentir saudoso da terra sertão ao ouvir: “Eu venho vindo de um querência distante/ Sou um boiadeiro errante que nasceu naquela serra/ O meu cavalo corre mais que um pensamento/ Ele vem num passo lento porque ninguém me espera/ Tocando a boiada, uê, uê, uê, boi/ Eu vou cortando estrada/ Uê boi/ Tocando a boiada, uê, uê, uê, boi/ Eu vou cortando estrada...” (Boiadeiro errante, composição de Teddy Vieira). E sentir o coração apertar ouvindo “Triste berrante”, de Solange Maria e Adauto Santos: “Já vai bem longe este tempo, bem sei/ Tão longe que até penso que eu sonhei/ Que lindo quando a gente ouvia distante/ O som daquele triste berrante/ E um boiadeiro a gritar, êia!/ E eu ficava ali na beira da estrada/ Vendo caminhar a boiada até o último boi passar/ Ali passava boi, passava boiada/ Tinha uma palmeira na beira da estrada/ Onde foi gravado muito coração...”.
Quem for nascido no sertão ou pelas terras matutas guarde amor e afeto, não há como não se encantar ao ouvir tais canções. É como se da viola emanasse sua raiz e da melodia um chamado ao retorno. E em tudo um cheiro gostoso de terra, de café torrado ao entardecer, de cuscuz ralado no fogo de lenha. E uma saudade danada de apertar coração e marejar os olhos distantes.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


Se todo artista tem de ir aonde o povo está, o Padre Mário vai aonde a fé esteja. E por todo lugar, como nesta celebração no Reinado de São José, da Rainha Nininha, no último sábado, em Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo.




Nos varais (Poesia)


Nos varais


E nos varais da vida
esvoaçam ao vento
pessoas e sonhos
olhos e lágrimas
amores e adeuses
nas roupas antigas
no silêncio do tempo
pela eternidade

nos varais de quintal
os pássaros cantam
os mistérios antigos
as presenças eternas
que o vento soprou
nos sóis e nas luas
nas noites serenas
de tanta saudade.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - a pobre riqueza


Rangel Alves da Costa*


A sovinice é algo realmente espantoso. Dificilmente a riqueza se conjuga também pela benevolência, pelo humanitarismo, pela fraternidade e pelo compartilhamento. Quem tem muito, parece que sempre quer ter mais. E na ânsia de ter, de somar, de ser cada vez mais rico, acaba até mesmo vivendo na miserabilidade. E assim porque acha que comprar qualquer coisa irá desfalcar seu patrimônio e deixá-lo mais empobrecido. Conheço pessoas que vivem como mendigos, como empobrecidas, de roupa rasgada e barriga vazia, mas com patrimônios milionários. Não são poucos aqueles endinheirados que enfrentam filas quilométricas para comer bandejão público a um real. De vez em quando avisto o dono de uma rede de armarinhos, ele próprio, sem ajuda de ninguém (certamente para não pagar mão de obra), tapando buracos nas calçadas com cimento. E é também esse que possui um imenso estacionamento pago por hora e de repente é avistado vendendo bala e pirulito à entrada do estabelecimento. Quer dizer, possui rede de armarinhos, estacionamento, vultosa conta bancária, mas certamente sequer come bem. E também não dorme bem, pensando somente em dinheiro. E quantos e mais tantos milionários que se negam a ajudar uma família carente, que nunca fornece uma cesta de alimento, que faz de conta que a pobreza não existe. E ainda por cima explora o trabalhador até a última gota de suor. Há muita gente assim, infelizmente. Vive num céu comprado, dourado, sem sequer imaginar que ao morrer terá o mesmo destino do pobre. E também não sabe que sua prestação de contas lhe será tão cara que não haverá dinheiro que possa comprar a salvação. E sucumbirá eternamente em sofrimento.


Poeta e cronista
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segunda-feira, 21 de março de 2016

DE CABEÇA PRA BAIXO


Rangel Alves da Costa*


Gabriel Garcia Márquez, Julio Cortázar, Juan Rulfo, Murilo Rubião e José Cândido de Carvalho, dentre outros mestres do realismo fantástico, uma espécie de narrativa literária onde as realidades são verdadeiramente absurdas, ficariam estupefatos diante do mundo revirado em que se transformou uma cidadezinha chamada Berço Esplêndido. Assim denominada depois que alguém por lá cantarolou: deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo...
O primeiro susto seria com o nome da cidade, não daquele conhecido, mas no outro que de repente se alastrou como mais verdadeiro e coerente com a realidade local: Berço Revirado. Mas muitos já a chamavam de qualquer coisa, assim como Berço Esculhambado, Berço Esbagaçado, Berço Aviltado. Se alguém perguntasse o porquê da mudança do nome de Berço Esplêndido para Berço Revirado, certamente encontraria uma resposta simples: É que desandaram tudo. Ou ainda: É que tudo está de cabeça pra baixo, revirado mesmo.
E tudo estava desandado mesmo. O vento norte chegava do sul, a porta da frente da casa era na parte de trás, indo para o quintal. As casas eram praticamente vazias, pois as pessoas comiam e dormiam do lado de fora. Os bichos de criação viviam com roupas e chinelos e as pessoas completamente nuas. Os inimigos viviam se abraçando cordialmente enquanto os amigos de vez em quando se apunhalavam. Ao invés do beijo, o que o outro apaixonado recebia era um tapa na cara. Chovia lágrimas e de vez em quando pessoas eram avistadas estendidas pelos varais.
Mas muito mais: O vigário vivia choroso aos pés do confessionário porque não havia ninguém a quem relatar seus pecados. Pedras eram cumprimentadas e respeitadas, lama era tida como algo devocional. Toda vez que um lamaçal surgia, logo flores, velas e perfumes eram colocados ao redor. O louco que noutros tempos era evitado a todo custo, agora era conselheiro, verdadeiro sábio da comunidade. Pelos jardins, que ficavam no telhado das casas, no lugar das flores nasciam espinhos e ao invés de perfume exalavam odores putrefatos pelo ar. E flores eram avistadas nas lonjuras do espaço e voando com asas de gavião.
Mas até então as pessoas comiam e bebiam com fartura, se divertiam com coisas as mais impensadas e parecia tudo dentro da normalidade do absurdo, do anormal. Mas tudo piorou quando os alimentos começaram a faltar, as cobranças se tornaram cada vez mais abusivas e um quilo de folha seca passou a valer dois dinossauros. Como os dinossauros não existiam mais, então o medo, a tristeza e o sofrimento se abateu de vez entre todos. Quem vivia chorando passou a sorrir sem parar, quem vivia gargalhando começou a continuamente gemer. Além do estado estarrecedor de antes, daí em diante se viu um quadro verdadeiramente dantesco.
O doido de pedra já transformado em sábio, então resolveu que o melhor a fazer seria ir reclamar com o governante local, que era uma estátua de língua pra fora e com o dedo maior da mão direita levantado em direção a quem se aproximasse. A população nua - e então muito mais magra e entristecida - chegou perante a estátua e, sem força na voz, apenas apontou para a barriga vazia, para a boca sedenta e para os braços feridos, como a dizer que faltava comida, bebida e remédio. A estátua então gargalhou, aumentou o tamanho da língua e levantou o dedo ainda mais. E soprou ventania tão forte que quase leva todo mundo.
Quando o doido, agora se mostrando sorridente (que era o seu jeito de mostrar fúria), acenou para a população chamando para avançar sobre a estátua e derrubá-la, então repentinamente surgiu um bicho medonho de duas caras e foi logo dizendo que o povo podia morrer, mas a estátua ficava. Em seguida abraçou a tirana escultura, escondendo-se atrás dela em seguida. Mas o povo já estava afastado, dançando (que era sua forma de mostrar desilusão), cantando (que era sua demonstração de tristeza) e fazendo gestos desconexos (que era como dizia que o fim havia chegado). E depois todos seguiram pelas ruas como almas penadas em busca de suas covas. Uma cena tão estarrecedora que parecia coisa do outro mundo. Mas ali era o outro mundo.
Mas como aconteceu tal mudança, alguém poderia indagar. Contudo, para conhecer como tudo aconteceu será preciso voltar no tempo e procurar compreender o que poderia ter acontecido para o lugar revirado assim de cabeça pra baixo. E coisa simples demais de relatar. O povo dali era bondoso, humilde, trabalhador, sempre acreditando naqueles que chegavam com promessas de melhorias. Mas confiou demais nas promessas e foi enganado. E enganado, desenganou-se. Daí em diante, não acreditou mais em nada, nem que o dia era dia nem que a noite era noite.
A descrença do povo era tamanha que tudo passou a ser visto ao contrário, revirado, de cabeça pra baixo. Mas estava mesmo. Nada mais se mantinha em pé, nem a crença no governante nem a esperança de dias melhores. Enquanto isso a estátua continuava apontando o dedo para o povo penando nas ruas, sempre gargalhando quando na presença do bicho de duas caras. Assim a vida em Berço Esplêndido. Até tudo revirar de vez.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


Antônio Neto, o maior aboiador do sertão sergipano. Filho natural de Poço Redondo, exímio cantador das coisas da vaqueirama, porém muito mais conhecido e reconhecido noutros estados do que em Sergipe. Infelizmente é assim na arte, na cultura, nas tradições.



As flores (Poesia)


As flores


As flores...
e esta ventania
que leva as pétalas
o perfume e a vida
das flores

as flores...
e esta poesia
que esvoaçando vai
sem a face e o aroma
das flores

as flores...
um jardim de amor
que o vento e a poesia
dispersaram em varais
de saudade.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - é proibido chamegar na semana santa


Rangel Alves da Costa*


Neste final de semana tive oportunidade de conversar com muitas conterrâneas sertanejas. Amigas de mais idade ou mesmo de mesma estação, mas que sempre se parecem mais envelhecidas pelas durezas de todo dia. Conversando, gosto sempre de proseado solto, alegre, de modo que se sintam à vontade e percam qualquer timidez com relação à minha pessoa. Então, logo perguntei se naquele sábado estava pensando em ir dançar um forrozinho depois de a noite cair, como era costumeiro em todo final de semana. A resposta imediata foi de que durante a quaresma ela evitava dança e até ouvir música, e que só retornaria à festança depois do domingo de páscoa. E fui mais adiante, perguntando se ainda continuava aquele costume de quase nada fazer neste período. E dela ouvi: Não mais como antigamente, quando muita gente, desde a quarta-feira de cinzas, vestia de preto da cabeça aos pés, não varria a casa nem tomava banho. Vivia como se fosse num luto pesaroso durante os três dias santos. Os tempos são outros, muito mudou, mas conheço muita gente que não vai dançar forró pela necessidade de guarda que sente. Ainda tem gente que não chamegar de jeito nenhum durante a quaresma inteira. Dorme até de roupão que é pra não dar tentação. Fazer aquilo de jeito nenhum, pois, segundo diz, nos dias de sofrimento de Jesus não se pode sentir qualquer tipo de prazer, muito menos o da carne. Basta fazer safadeza e ir sem demora pras profundezas dos quintos.


Poeta e cronista
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sexta-feira, 18 de março de 2016

O SILÊNCIO DAS CASAS TRISTES


Rangel Alves da Costa*


Há um doloroso silêncio e uma tristeza profundeza nas casas que sempre parecem abandonadas. As portas e janelas fechadas, ou mesmo semiabertas em sombras, traduzem angústias e incertezas.
São muitas avistadas assim, neste semblante de esquecimento e abandono no meio do mundo, nas beiras das estradas, em meio aos descampados mais adiante. Casas pequenas, casebres, de barro e cipó, de tijolo e terra.
É como se as casinholas tivessem sido abandonadas nos dias passados. Ainda são avistadas as plantas no limiar do terreiro, pétalas floridas em galhos retorcidos, troncos deitados ao chão, cadeiras que solitariamente se balançam na ventania do entardecer.
Logo à frente um umbuzeiro baixo, de copa larga, mas sem fruto caindo. Ou mesmo uma jaqueira vistosa e quase se lançando ao chão de tanto cansaço da idade. Talvez um tamarineiro ou uma mangueira, ou mesmo uma velha catingueira emoldurando um sertão.
Tais paisagens se tornam menos dolorosas se os arvoredos existentes forem craibeiras em floração. Suas flores amareladas, de um dourado vivaz, até mesmo destoam das outras cores do cenário ao redor. Eis que em meio ao cinzento e seco, de repente desponta a altivez da florada.
Mas geralmente falta a presença humana, permitindo que se perceba que por ali há morador. Também falta a voz humana ou mesmo qualquer barulho vindo das moradias, o que representaria a vida existente além daquelas portas e janelas ao desalento.
Paisagens existem que logo se avista a ausência completa de morador. Mas não pela situação das moradias, pois uma casa caindo aos pedaços, deteriorada de cima a baixo, não significa que esteja abandonada. É que a pobreza vai forçando o surgimento de cenários assim.
Reconhece-se que a família não mora mais no lugar ou que por ali não há mais ninguém, quando os arredores passam a testemunhar a retirada. Mesmo na pobreza extrema, o vivente de beira de estrada sempre mantem limpa sua malhada e cultiva alguma planta logo adiante da porta, e quando nada disso se percebe então é porque a cancela foi fechada de vez.
Não há paisagem mais triste que uma casinha abandonada porque a seca, a pobreza ou a desesperança, forçou a família em retirada. Se o cenário da miséria já era angustiante, com os dias e as noites de aflição, depois da partida há um lenço molhado por todo lugar. Cadê aquele cachorro magro, cadê a fumaça do fogão de lenha ao entardecer, cadê o menino magricela correndo atrás de um passarinho?
Cadê o cheiro de café torrado e a cantiga de saudade grande? Cadê o velho senhor sentado num tamborete e ajeitando na boca o cigarro de palha? Cadê a galinha ciscando e o jegue adormecido debaixo do umbuzeiro? Cadê a porta se abrindo e a mulher saindo com pote à cabeça para ir buscar água barrenta no fundo do tanque?
Mas cadê tudo se nada mais existe? Mesmo entristecidos, os olhos ainda chegam ao brilhar quando avistam singelas situações. O menino sentado num canto ao redor de seu curral de ponta de vaca, outro menino descalço correndo atrás de calango. E de repente outro é avistado carregando peteca baleadeira.
Sertões, sertões, distâncias, mundo matuto, ao desalento. Nem sempre os olhos encontram aquilo que tanto desejam divisar. Nem sempre as portas se abrem ao entardecer, quando as cinzas do sol se derramam, pois raramente pessoas são avistadas aguando uma planta, varrendo o telheiro, desfazendo um feixe de lenha.
Ou os varais ficam escondidos nos quintais ou não houve roupa para ser estendida naquele dia. Ou lá dentro uma pequenina televisão toma a atenção de toda a família ou o velho senhor já não lança mão de seu radinho de pilha para ouvir violados caboclos. Apenas raramente se avista o cansado da luta com uma xícara à mão e a outra segurando o radinho de pilha.
Não há mais a escuridão de antigamente. Apenas umas poucas casas ainda não possuem luz elétrica, mas na maioria o luzir logo divisa o casebre em meio ao negrume fechado. Mas houve um tempo de candeeiros, de lamparinas, de amarelados iluminando as noites nas distâncias sem fim.
Mas tudo ainda parece sob a luz de candeeiro. As portas e as janelas fechadas, a ausência de vidas em afazeres de canto a outro, bem como aquele silêncio profundo que nem o vento pode desencantar, acabam tornando aquelas moradias em retratos esquecidos em envelhecidas paredes do tempo. É como se nada restasse além de uma aparência de vida.
Sigo pelas estradas e quando retorno sempre percebo a mesma coisa. E cada vez mais me vem a certeza que muito ainda desconheço desse mundo que está por trás daquela porta, daquela janela. Um mundo que também é o meu, mas ainda não conhecido nas suas entranhas. Somente aqueles que vivem lá dentro reconhecem a imensidão do quase nada.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


Missa dominical na Igreja de São José, no Bairro São José, em Poço Redondo, sertão sergipano. Padre Mário celebrando o Senhor e a vida, numa genialidade em cada sermão que reflete as tristezas e as alegrias da comunidade.




Eu (Poesia)


Eu


Quem sou eu?
eu sou eu
e sou o eu
dentro de mim

o eu que sou
é um só eu
dentro e fora
de mim

nos olhos
está o coração
e na palavra
a verdade

nada muda
de como sou
e do que sou
dentro de mim.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - manual de destruição de um país


Rangel Alves da Costa*


Como se destrói um país? O PT, seus líderes e governantes, possuem todas as respostas. Mas dizem que há um manual que foi sendo seguido à risca: busca-se o poder através do discurso em defesa da classe trabalhadora; ao chegar ao poder, esquece-se o mote da luta e se vai à busca de mais poder; para manter e aumentar o poder, então passa a utilizar de todos os meios e manobras; defende-se como prática partidária a máxima de que os fins justificam os meios; a manutenção do poder e sua projeção futura passa a envolver corrupção, improbidade, roubo, favorecimento, evasão, propina, caixa dois, todo tipo de ilicitude que permita enriquecimento e lucro; controlando o poder, distribui os poderes estatais entre pessoas habilitadas a furtar os cofres públicos e distribuir as benesses ilícitas entre partidos da base governista, parlamentares e petistas influentes; tal projeto de poder se oculta em projeto de governo, mas este passa a não ter nenhuma eficácia por falta de investimentos em setores sociais e produtivos; neste processo, esvaziam-se cada vez mais os cofres da nação, mas quando a crise interna começar a ficar insustentável, então a desculpa será da ocorrência de fatores externos que afetaram o país. Quando os crimes praticados começarem a ser revelados e surgirem investigações e processos, há de se negar tudo com veemência: ninguém nunca roubou, ninguém sabe de absolutamente nada; quando a justiça não mais acreditar nas desculpas e levar adiante ações criminais, sentenciando e condenando, então o discurso da inocência será transformado em ataque ao judiciário, afirmando perseguição ao partido e seus dirigentes por falta de provas nas acusações; quando não mais for inviável culpabilizar a justiça, então se começa a culpar a sociedade, as forças ocultas e até Deus. E, por fim, quando nada mais disso surtir efeito, então os petistas, seus líderes e governantes, promovem um ritual de suicídio coletivo. Mas não entregam o poder. Preferem morrer, mas não entregam o poder. 


Poeta e cronista
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