SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 31 de maio de 2016

CAMINHOS ANTIGOS


*Rangel Alves da Costa


Olha só que coisa mais sem pé nem cabeça. Eis que sonhei com o Padre Mário apontando em correria, subindo num cavalo alazão de um pulo só, depois tomando rumo da Praça da Matriz e daí enveredando pela Rua Deoclides Lucas. E umas seis ou sete casas após, refrear o animal para gritar: Acorda Marizete!
Marizete dormia em sono profundo, certamente cansada dos tantos anos de ofícios e passos na sua fé. Já muitos anos atrás e ela virando a noite e descortinando a manhã velando o Cristo nas sextas-feiras santas antigas. Enquanto a cidade adormecia, ela e mais tantas em rezas, ladainhas e orações. Mazé de Iracema, Dona Maria José de Zé Preto, Geovanete, Dona Peta e tantas outras vozes afinadas pela devoção. “Sede em meu favor, Virgem soberana, livrai-me do inimigo com o vosso valor. Glória seja ao Pai, ao Filho e ao Amor também, que é um só Deus em Pessoas três, agora e sempre, e sem fim. Amém”.
Ecoa-me na memória tanta beleza em um povo humilde. Hoje a Igreja Matriz está muito diferente, bonita, resplendorosa, mas noutros idos era um templo pequeno, com três portas estreitas à frente, duas de lado e um interior sem muito espaço para os fiéis. Ainda assim já com outra feição daquela em que Padre Arthur Passos celebrou missa na presença de Lampião e seu bando. A pedido do próprio cangaceiro e de China do Poço, permitiu que a cabroeira adentrasse ao templo para o ofício, mas com a condição de que as armas pesadas ficassem do lado de fora, posicionadas no pé da parede.
Talvez por isso mesmo, imaginando a presença dos cangaceiros diante do altar, Alcino passava lentamente ao redor da matriz. De chinelo havaiana nos pés, mordendo a gola da camisa, ou mesmo cantarolando baixinho uma velha canção cabocla de Tonico e Tinoco, ele seguia absorvendo cada passo na terra que tanto amava. Apaixonado pelo seu sertão, pela sua gente e sua história, rumava em direção ao assento da praça e lá se punha a meditar sobre aquele mundo tão belo e tão esquecido. E depois rabiscava sobre aquele incompreendido sertão.
Infelizmente, sempre um incompreendido e renegado sertão. Até mesmo por parte de muitos de seus filhos, o que é mais doloroso. O filho de hoje só quer viver o presente, curtir, viver o imprestável de cada descartável instante. Perguntem ao jovem pelo forró, pela sua história, pelo seu passado. Pouco ou nada sabe. Parece ontem, mas muitos sequer recordam mais do Forró de Miltinho. E Miltinho, fabulosa figura humana, sempre merecedor de uma grande homenagem, tudo fez para que a tradição forrozeira de Poço Redondo não acabasse. Com sua partida, as festas de agosto e outras festas ficaram órfãs do verdadeiro pé-de-serra, do ralabucho e do chinelado.
As festas antigas, aí sim, é que eram festas. Mesmo que de vez em quando Doutor Heraldo da Serra Negra entrasse com cavalo e tudo pelos salões, nada tirava o brilho e o prazer dos sons das sanfonas, dos zabumbas e dos triângulos. Há sempre que se reverenciar uma gente que, com sua arte, tornou o sertão mais alegre: Zé Aleixo, Zé Goití, Dudu do terno de linho branco, Agenor da Barra, Dida. E ainda ouço Zelito de Pão de Açúcar, do forró de Zé Aleixo, batendo o triângulo e cantando: Olhe eu não posso ver ninguém chorar, porque vem logo uma vontade em mim, quem foi que disse que não chora por amor, pois os meus olhos já chegaram ao fim...
Também ainda ouço o carro-de-bois gemendo pelos estradões, avisto o animal esquipando pelas veredas, ecoa-me o velho aboio e a velha toada. Mas tudo parece distante demais. E está, pois assim quis o homem. Não temos mais Dionísio para preservar nossas tradições de cavalhadas, não temos mais Miltinho para salvaguardar o verdadeiro forró. Não temos mais Alcino para cantar, em prosa e verso, seu Poço Redondo. E como faz falta esse passado onde a gente sertaneja em tudo se reconhecia.


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Lá no meu sertão...


Quem pisa em espinhos também sabe ser a mais bela flor. Parabéns juventude poço-redondense! Quem conhece a luta também sabe sorrir com a beleza da glória. Parabéns vaqueirama sertaneja!






Com amor e perfume (Poesia)


Com amor e perfume


E se de repente
os poemas que a ti escrevi
partissem nas tardes de ventania
e nas folhas tristes restassem apenas
os beijos e os abraços ainda ávidos
e as palavras e as canções ainda vivas
e nada mais restasse que a dor do silêncio
procurando reencontrar-se em escombros
de uma solidão de flores jazendo mortas
no buquê das esperanças que o vento levou

e se de repente
os poemas levados pela ventania
encontrassem a tua janela de entardecer
e diante teu olhar o amor ecoasse em versos
e surgissem canções cheirando a perfume
e surgissem pássaros e borboletas esvoaçantes
e surgissem meus olhos num passo de nuvem
e a minha presença avistada na suave brisa
para apenas sentir os teus olhos brilhando
em cada verso que o amor fez nascer poesia.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - mais um Aylan Kurdi (até quando crianças refugiadas vão continuar morrendo?)


*Rangel Alves da Costa


As crianças, além de indefesas ante qualquer ato hostil, estão se tornando nas principais vítimas durante as travessias das famílias fugindo das guerras e outras atrocidades cometidas em seus países. As águas dos mares e oceanos estão se transformando em cemitérios de pequeninos refugiados e as beiras das praias em tristes epitáfios de inocentes. Assim aconteceu em 2015, quando o menino Aylan Kurdi foi encontrado morto na beira da praia, na costa da Turquia, numa cena que fez chorar o mundo, ou grande parte dele. Parecia apenas dormir, de bruços sobre a areia, mas estava sem vida. E agora mais um pequenino é recolhido sem vida no mediterrâneo após o naufrágio de uma embarcação. Este não tinha mais que um ano e foi encontrado como um se fosse um bonequinho de plástico que boia nas águas. Que cena mais triste, de uma crueldade espantosa, principalmente conhecendo-se as barbáries humanas que acabam causando fugas desesperadas e mortes de milhões de crianças, jovens, mulheres, velhos. Profundo é o relato do socorrista que encontrou o corpo e fez o resgate: “Peguei o bebê pelo antebraço e puxei o seu corpinho para os meus braços na mesma hora para protegê-lo... os braços dele, com aqueles dedinhos, balançaram no ar, o sol bateu nos seus olhos, brilhantes, acolhedores, mas sem vida”. Assim o relato da morte da vida em flor. Anjos que as águas tomam para si, vidas cujo cais é não existir mais. Mas a dor não está apenas na morte em si, mas pela forma como jogam pessoas às águas e às fatalidades. Tudo como se a vida fosse barquinho de papel num mar revoltoso.


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segunda-feira, 30 de maio de 2016

FEIRA DO INTERIOR


*Rangel Alves da Costa


A feira interiorana, grande ou pequena, já começa ao entardecer do dia anterior. Caminhões vão desembarcando produtos, feirantes vão ajeitando suas tendas e barracos, por cima das bancas os fardos vão sendo abertos, os sacos são empilhados, os cestos são arrumados. E tem até gente que aproveita a arrumação para ir logo catando uma melancia, uma abóbora, um melão.
Durante a noite inteira os feirantes se esmeram nos arranjos. Carregamentos e mais carregamentos vão chegando, cada um vai levando seus produtos de venda para seus espaços, e quando o dia amanhece já se encontra de tudo de ponta a outra. E também pelos arredores, vez que as feiras de hoje vão tomando ruas, calçadas, se espalhando por todo lugar. Sem falar no comércio permanente que é sempre grande nas praças e imediações.
Atualmente, com o aumento das populações e a disponibilidade maior de produtos, a feira em si é dividida em muitos locais, segundo o que seja colocado à venda. Assim, se fala em feira das verduras, das frutas, da farinha, do queijo e da manteiga, das panelas, das roupas, das quinquilharias, do frango, da carne de porco e da carne de gado. Tudo próximo um do outro, mas com locais de destinação específica.
Pequenos vendedores também aproveitam os espaços para instalar sua banquinha de qualquer coisa. É assim que é possível encontrar o quebra-queixo, a cuia de araçá, o arroz doce, o bolo de milho, o pé-de-moleque, o beiju, o malcasado, a pamonha, a cocada branca e a cocada queimada, o doce caseiro, a gostosura diferenciada. E também o comércio ambulante e seus anunciantes gritando as palavras tão conhecidas: Olha a pomada de peixe-boi, sem igual na cura do reumatismo, da erisipela, da doença das juntas, das inflamações da garganta e até para juntar osso partido.
Mais adiante outro grita: Quem vai querer óleo de tubarão, o melhor remédio para todas as doenças do corpo e da alma. Cada frasquinho custa apenas três contos. Levando dois só paga cinco contos de réis. Ou ainda: Venha experimentar e adquirir a maior novidade chegada diretamente da Amazônia, feita por velho pajé. Trata-se de uma porção milagrosa que misturada em copo d’água levanta até defunto, e também sem igual na cura das palpitações do coração, enxaqueca e desânimo de tudo.
Não é difícil ainda encontrar barracas com livretos pendurados em barbantes e o vendedor anunciando cordel de todo tipo, com pelejas que vão desde a chegada de Lampião ao mundo da escuridão ao casamento da donzela com o broxado coronel. Não há mais aqueles velhos retratistas com seus tripés mágicos e seus retratos em preto e branco, mas ainda assim é possível encontrar a barraca cortinada para fotografia instantânea e colorida. Com direito a três por quatro com gravata e datação logo abaixo.
Mesmo com alguns inconvenientes dos barulhos e dos apertos, não há nada mais prazeroso que um passeio pelas opções das feiras interioranas. Encontra-se de tudo, do esperado ao absolutamente inesperado. As provocações são tantas que é impossível não se encantar com as melancias bonitas, vermelhinhas, apetitosas. Assim também com as mangas, as jacas perfumadas, os melões maduros. Feijão de corda, fava, milho verde, abacaxi, goiabas graúdas, banana de todo tipo. E quem vai apenas com uma sacolinha, imaginando que não vai cair em nenhuma outra tentação, acaba retornando quase sem poder carregar tanta coisa.
Outro dia, caminhando logo cedinho pela feira de Poço Redondo, numa segunda-feira com jeito de fim de semana, eis que pude reencontrar até mesmo a minha infância. Jamais imaginaria avistar rosário de aricuri, feito de coquinhos enfiados em linha, e quase uma brincadeira apetitosa que tanto fazia parte dos pescoços da criançada sertaneja de outros tempos. Também o aricuri em casca, pronto pra ser quebrado em calçada e levado à boca pedaço a pedaço. E também o vendedor de passado, pois com mesinha contendo pião, carrinho de madeira e boi de barro. As bonecas de pano eram tão bonitas que fiquei enamorado.
A música Feira de Mangaio, letra de Glorinha Gadelha e Sivuca, traduz toda essa beleza. Seus versos são tão verdadeiros como o que ainda se encontra por lá: Fumo de rolo, arreio de cangalha, eu tenho pra vender, quem quer comprar? Bolo de milho, broa e cocada, eu tenho pra vender, quem quer comprar? Pé de moleque, alecrim, canela, moleque sai daqui me deixa trabalhar. E Zé saiu correndo pra feira de pássaros e foi passo voando pra todo lugar. Tinha uma vendinha no canto da rua, onde o mangaieiro ia se animar, tomar uma bicada com lambu assado e olhar pra Maria do Juá...
Mas é preciso muito cuidado. Um copo de arroz doce, depois um pedaço de bolo de milho e uma colherada de doce batido, tudo isso vai fazendo uma diferença danada no corpo. Contudo, impossível não experimentar os sabores e os cheiros das feiras interioranas.


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Lá no meu sertão...


Os cangaceiros mais lindos do mundo. No sertão mais lindo do mundo: Poço Redondo, no semiárido sergipano. Assim nossa história, assim nossa cultura.




Vintém (Poesia)


Vintém


Quase nada, vintém
é o que se tem

milhões para viver
bilhões para sonhar
trilhões para gastar

mas quase nada tem
apenas um vintém

nada custa o amor
nada custa a amizade
nada custa a afeição

só quer o que for além
e custar muito vintém

mas nada mais tem
nem aquele vintém.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - quem com porcos se mistura...


*Rangel Alves da Costa


Os fatos não podem ser vistos, sentidos e comentados, apenas pela superfície, pela ponta do iceberg que surgiu como consequência. Verdade é que ultimamente aquela selvageria do estupro comoveu todo o país e tomou as páginas do Brasil e do mundo. Ali a prova maior da bestialidade, da covardia e da insensatez humana. Um monte de animais, de verdadeiras bestas humanas, usando e abusando selvagemente de uma indefesa. Tão indefesa que estava entorpecida e entregue em corpo e vida aos seus algozes. Contudo, há o outro lado que não pode ser esquecido. Ela já vivia e convivia naquele perigoso meio, já compartilhava o uso de drogas naquele ambiente, já era conhecida entre aquele universo de tudo o que não presta. E o pior, não morava ali, sua família não morava ali, não havia residência familiar naquele local. Mas ela saía de sua casa, sumia por dias e mais dias, acoitada naquele submundo, era contumaz usuário de drogas e mantinha relacionamento permissivo com todo aquele tipo de gente. Então, o meio por ela escolhido não lhe ofereceria qualquer recompensa senão ferir seu corpo, sua alma, seu útero, sua vida. O episódio em si, como se deu e o número de pessoas envolvidas, é realmente estarrecedor, indescritível na sua bestialidade. Mas jamais ela sairia da escolha sem deixar para trás um tanto de si. E infelizmente lá ficou quase toda a sua vida. Mas eis a verdade do ditado: quem com porcos se mistura farelo come. Não há saída.


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sexta-feira, 27 de maio de 2016

OS ÓRFÃOS DO PODER


*Rangel Alves da Costa


A orfandade envolve perda, desamparo, desproteção. Por definição, órfão é aquele que perdeu o pai ou a mãe, ou ainda aquele que se vê sem um protetor ou benfeitor que lhe assegurava amparo. Diz-se também daquele que não pode mais contar com algo que lhe era importante na existência. De qualquer modo, sempre implica em deixar de ter aquilo que lhe servia como defesa e proteção.
Crianças ficam órfãs, pessoas adultas também. Animais ficam órfãos, aquele que tanto ama também pode ficar desamparado de amor. Há o sertão órfão da chuva e povos inteiros órfãos de alimentos. O direito brasileiro procura dar proteção especial à criança órfã, através da nomeação de tutor ou outros provimentos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na lei processual. Mas indubitavelmente que existem outros tipos de orfandade que se torna em situação lastimável.
O adulto órfão do empreguismo, do cargo em comissão, do ofício da bajulação, da defesa intransigente de seus protetores. Ora, todo acolhimento a um órfão adulto, e qualificado como comissionado político, possui um preço a ser pago pelo agraciado. E muitas vezes muito alto. Não só terá que votar, que defender o seu padrinho e seu partido, como também exercer a descarada arte da bajulação e até ir à guerra quando preciso. Quantos comissionados não defendem a ferro e fogo seus padrinhos, não levantam bandeiras partidárias, não se fanatizam ao extremo?
Nas prefeituras municipais, por exemplo, qualquer cargozinho comissionado se transforma num lamber de botas desavergonhado. Não só há uma defesa intransigente dos malfeitos do prefeito como parte para a briga se alguém disser que ele é não é bonito. Corre-se risco de vida se falar na sua feiura. Mas basta que o poder vá chegando ao fim que logo a bajulação vai mudando de lado. Sabendo do quanto doloroso é ficar sem o salário ao final do mês, então vai se jogando nos braços daquele que esteja bem cotado nas pesquisas.
Cena triste é vê-lo desempregado, desacreditado, rejeitado pelo novo poder no comando. Sem poder manter o status de outrora, passa a amargar a condição de pessoa comum, sem dinheiro fácil, sem esbórnia, sem farras e gastanças desmedidas. E sem ter a quem adular, a quem lamber as botas, nem parece aquele pavoneado de outros tempos. E se coça e se atormenta, pois o puxa-saquismo é mal que não sai do ser com facilidade. Pensa e repensa e chega à conclusão que a única saída é submeter-se a qualquer preço. Sua sina é mesmo a da submissão.
Como dito, por não possuir estabilidade empregatícia alguma, o fanatizado ou bajulador pode perder seu fácil ganha-pão a qualquer momento, bastando que haja um revés na situação política, um término de mandado ou que se finde um ciclo de poder. Do mesmo modo acontece com os próprios políticos que vivem e sobrevivem de mandatos sucessivos, mas que sem eles se tornam em verdadeiros órfãos abandonados. O revés do poder: quem tem tudo às mãos, de repente passa a não ser ouvido sequer por um ex-adulador.
Não desejo falar da orfandade do poder pós-afastamento da preside Dilma. Creio que ninguém suporta mais o lengalenga, as defesas e as lamúrias que se instalaram no país nos últimos tempos. Mas ainda assim, impossível não citar, só como exemplo, as exonerações assinadas e o desemprego de milhares de comissionados governistas daqui em diante. Tal orfandade certamente continuará lutando pela retomada de suas benesses.
Para um político acostumado ao poder e ao mando, nada mais terrível e cruel que ficar distante da governança, das câmaras, dos centros de decisões. E também das facilidades financeiras advindas com os mandatos. Tal orfandade possui drásticas consequências. Nem sempre é possível um retorno vitorioso estando distante das verbas, dos benefícios, dos acertos sempre rentáveis. Seus eleitores tendem a outras escolhas, a optar por outras promessas ou facilidades. Não tem mais força suficiente para fazer indicações de apadrinhados nem encher folhas e mais folhas de cargos em comissão. Acostumado a ter tudo de mão beijada e receoso de tirar do cofre parte do juntado, acaba no ostracismo, no esquecimento.
Em tal contexto, ser um ex é ser um quase nada. Dependendo do ânimo e do fôlego, das benesses e das facilidades do poder, qual a verdadeira força de ex-vereador, de um ex-deputado, de um ex-governador, de um ex-ministro? Em relação ao poder de mando quando no poder político, quase nenhuma. Quando não mais consegue alçar ao mando ou ser indicado para função relevante, deve se contentar, quando muito, com o reconhecimento do que significou um dia. Mas nem sempre há garantia de qualquer tipo de recordação.
Diferente ocorre com o que nem político era, mas que se mantinha envolvido na política por conveniência, sempre em busca de escusos proveitos ou de salário garantido sem trabalhar. Baixa a voz, baixa o nível, muda de carro, reaprende a ser comum. E de vez em quando estende a mão a qualquer um em busca de ajuda.


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Lá no meu sertão...


A LUTA. E MUITO MAIS CONQUISTAS AINDA VIRÃO. COM FÉ EM DEUS!




Amor ou amar (Poesia)


Amor ou amar


Amor
ou amar
eis a dúvida
pois amor
é fruto
e amar
é semente

amar é o grão
do fruto do coração
e o amor é o aflorar
nascido do semear

amor
ou amar
eis a certeza
todo amar
se torna
em amor
pelo cultivo.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - o barco dos mortos na costa líbia


*Rangel Alves da Costa


Chocantes as cenas do barco de migrantes naufragando, com mais de quinhentas pessoas, na costa líbia, no último dia 25. Ao menos sete morreram. A embarcação não suportou a instabilidade das águas e, devido ao número elevado de refugiados, acabou virando. As imagens mostram cada instante do ocorrido: o barco apinhado, tombando, as pessoas em desespero, o salve-se quem puder, as pessoas se lançando às águas, os infortúnios, a morte. As operações de resgate logo foram iniciadas pela marinha italiana. Mas todos morreram. Ainda que das mais de quinhentas pessoas, apenas sete perderam suas vidas, impossível não afirmar que todos morreram. Ora, qual a vida ou a esperança de vida de milhões de refugiados nos países em conflito? Qual será o amanhã de um povo sem pátria, forçado a fugir pelas tormentas, em busca de um porto qualquer? São crianças, velhos, mulheres, doentes, todos entregues à sorte das violentas fronteiras, dos inimigos que os acolhe às valas. Aquela imagem de Aylan Kurdi, o menino encontrado morto na beira da praia, sintetiza bem o drama de populações inteiras. E neste momento, fugindo das guerras nos seus países, sendo enxotados por serem minorias ou por tiranas perseguições, milhares estão navegando para a morte. E ninguém mais sobrevive dos horrores a que são impostos, ainda que coloquem os pés nas margens encontradas. O fim da vida será o mesmo.


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quinta-feira, 26 de maio de 2016

NO MUNDO DAS ASSOMBRAÇÕES


*Rangel Alves da Costa


Não faz muito tempo que aqui mesmo nesta página ofereci aos leitores o texto “Medos e assombrações”, relatando histórias, proseados e causos antigos sobre o mundo das noturnas e inexplicáveis aparições. Cuidei de pessoas que viravam bicho, do cavaleiro da noite, da procissão fantasma e outras medonhices que se tornaram constantes na oralidade popular.
Não demorou muito e o professor e radialista Vilder Santos me jogou pelo portão o livro “Assombrações do Recife Velho”, do genial folclorista e sociólogo Gilberto Freyre. Antes mesmo da chagada inusitada do presente, o próprio Vilder havia me falado da necessidade de escrever alguma coisa sobre as assombrações de Aracaju, relatando acerca das casas mal assombradas e outros episódios espantosos que marcaram épocas em velhos casarões e antigos sobrados.
Prometi que me debruçaria sobre tais episódios, mas para uma publicação futura, vez que somente contando com ajuda de memorialistas e pessoas de mais idade para conhecer as ocorrências, as localidades e os personagens. E é um assunto deveras palpitante, vez que a história de uma cidade é também a povoação dos seus medos e dos seus enfrentamentos do sobrenatural. Mas as assombrações da Aracaju antiga ficarão para outra empreitada.
Mas voltando ao livro de Gilberto Freyre, o seu “Assombrações do Recife Velho” possui como subtítulo “Algumas notas históricas e outras tantas folclóricas em torno do sobrenatural no passado recifense”. Em seguida, página a página, vai abordando sobre casos de assombração e casas mal assombradas. “O Barão de Escada, num lençol manchado de sangue”, “Uma rua inteira mal-assombrada”, “Assombrações no rio”, “O sobrado da Rua de São José”, “O visconde encantado” e “O sobrado das três mortes”, são alguns dos relatos do grande escritor de Casa Grande e Senzala.
Contudo, não só no Recife antigo, mas por todo lugar, proliferam os relatos sobre assombrações. Fato interessante é que os casos ou causos sempre envolvem o passado, e muitas vezes muito distante. E não raro que a oralidade, a contação de pessoa a pessoa, de geração a geração, vai transformando um mesmo episódio em muitos outros. A história de um padre que vira lobisomem, por exemplo, de repente passa a ser contada com outro personagem, como o filho malvado que bateu na mãe e passou a ter a desdita de se transformar em fera nas noites de lua cheia.
Nas minhas andanças interioranas aprecio muito ouvir tais relatos, sempre nas noites pelas calçadas ou pelos arredores dos pés de paus. Conheço muitos que gostam de prosear sobre histórias antigas, principalmente assombrações. Mas não faz muito tempo que um sertanejo, depois de contar um causo de um conhecido que simplesmente sumia na presença do inimigo ou perante aquele que não desejava avistar, prontamente se negou a revelar o segredo: “Você mais novo que eu, então sou impedido de dizer qualquer coisa sobre o que ele fazia para desaparecer de repente”.
Então outro aproveitava a deixa para emendar uma história de arrepiar: “Não sei se tá ainda de pé, mas até pouco tempo a casinha era avistada lá perto da solta do Riacho Largo. E lá nessa casinha acontecia coisa de não acreditar. Deus me livre. Não havia caçador ou mateiro que quisesse ao menos chegar perto. Mas quem não sabia de nada e desavisado passava por lá depois da boca da noite, certamente que não queria voltar nunca mais. Dizem que primeiro se ouvia um latido dentro da casa, sempre de porta fechada. Mas logo a porta se abria e aparecia um cachorro grande. Parava de latir e ia mansinho em direção ao viajante. Mas antes uns cinco metros se transformava num velho, no finado falecido dono da casinha, que começava a implorar para ser desenterrado. Como o cabra, morrendo de medo, já tinha espantado o cavalo com toda força, logo mais na frente o animal dava uma freada que só faltava revirar. Era o velho que estava adiante pedindo para ser desenterrado. Era o último pedido antes de sumir. E não demorava muito o cachorro começava a latir novamente dentro da casa”.
Outra história relata o seguinte: “Dizem que foi o sétimo filho depois de seis irmãs, ou a sétima filha depois de seis irmãos. E ao nascer os pais esqueceram de que um dos irmãos ou irmãs tinha de se tornar padrinho ou madrinha. Como assim não aconteceu, então passou a carregar o cruel desígnio de virar lobisomem, principalmente em época de semana santa. No período da transformação, procurava se distanciar da casa logo após o anoitecer. Seguia atrás de um capinzal ou de algum escondido onde pudesse rolar pelo chão e se estrebuchar todo até a fera surgir em seu corpo. Depois saía correndo pelos pastos e quintais em busca de alimento, geralmente galinha, cachorro, gato, cabrito ou bode. Não era difícil ser encontrado pelos quintais ou ao redor de chiqueiros. Mas se alguém, já conhecendo o bicho e a pessoa nele transformada, gritasse pelo seu nome, então o mundo desandava. Era como se um punhal atravessasse o seu peito e o bicho dolorosamente lamentasse sua sina”.
Assim o mundo das assombrações. E tantas são que estão por todo lugar. Até mesmo na casinha que o caminhante todo dia passa sem prestar maior atenção.


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Lá no meu sertão...


MESTRE TONHO, sertanejo de Poço Redondo, no sertão sergipano, indubitavelmente o maior artesão do Brasil. Nas imagens, sua arte em madeira de lei: Antônio Conselheiro.







A dona de mim (Poesia)


A dona de mim


Viver a plantar e a colher
cultivar a bela flor do jardim
e tudo fazer para merecer
que ela seja a dona de mim

perfumar a casa do coração
na boca o gosto de lírio e jasmim
para que ela sinta admiração
e cada vez mais dona de mim

o amor que sinto já não é mais meu
retribuo a promessa de amar sem fim
e nada prometido ainda se perdeu
por isso faço ela toda dona de mim.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - cuidado, você está sendo gravado!


*Rangel Alves da Costa


Quem diria, até que enfim uma velha tecnologia para derrubar as estruturas do poder político e governamental: o gravador. Dilma foi pega pelo gravador, Lula foi pego pelo gravador, a corte e a nobreza estão caindo pelo gravador. Delcídio se tornou o maior inimigo do gravador. Renan se arrepia todo quando ouve falar o nome. Cunha já foi tão gravado e desgravado, que para ele tanto faz no pé do ouvido ou no microfone. O pior disso tudo é que ninguém pode mais confiar em ninguém. Juiz adora mandar bisbilhotar o que os outros conversam, e fica tudo gravado. Político mal-intencionado só conversa gravando tudo, e em minúsculos aparelhos ou mesmo no celular. Sem saber, porém, que contra si já há horas e horas de gravação, e cada uma mais escabrosa do que a outra. E Romero Jucá foi cair nessa. Ao invés de cantar para ser gravado, ou mesmo recitado um poema, foi logo mexer em vespeiro. Falou demais sobre uma tal de Lava Jato e sua voz depois apareceu em delação premiada. E somente assim novamente ouvirão a voz de Sarney e tantos outros. Tudo gravado e agora revelado por Sérgio Machado. Chegava abraçando, quase beijando o bom e velho amigo. Mas por trás da gravata a arma fatal: o gravador. E tão fatal que já há muita gente em Brasília que se nega veementemente em abrir a boca. Um medo danado de ser gravado até num bom dia.  


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quarta-feira, 25 de maio de 2016

COMPRA-SE OURO (E VENDE-SE DE TUDO)


*Rangel Alves da Costa


Com uma placa deitada sobre o corpo, como num colete de salva-vidas, João Filisberto da Silva se mantém em pé, impassível entre os caminhantes do calçadão da João Pessoa, o dia inteiro, mal parando para o almoço de um real no Padre Pedro. Assim é que é avistado por todos, conhecidos e desconhecidos, num ofício que jamais imaginou exercer já envelhecido de tempo. Conta com 72 anos, aposentado por idade, empobrecido, sem poder usufruir da velhice.
Passando pelo calçadão, uma garotinha se surpreendeu com aquela estranha e tristonha figura, e muito mais com os dizeres da placa, e logo questionou à mãe: “Sei que ouro é muito caro, assim ouvi dizer. Então não sei como uma pessoa assim, com barba por fazer, roupa já a ponto de rasgar, com cara de quem não possui muita coisa, e ainda quer comprar ouro”. A mãe, coitada, sem saber muito que comentar, ainda assim arriscou: “Pobre homem. Não vende nem compra ouro. Acho até difícil ele comprar qualquer coisa. Passa aí o dia inteirinho com esse anúncio para ganhar um tostão. O seu ganha-pão é esse aí, carregar isso pra botar margarina no pão da miséria”.
Mais adiante, e por todo lugar, moças e moços, senhoras e senhores, gritando a plenos pulmões: “Olha o chip, olha o chip. Chip da Oi, da Claro, da Vivo, da Tim. Compre agora e ganhe um bônus. Olha o chip, olha o chip!”. E na babel do comércio ambulante, outros gritos são ouvidos: “Água mineral, olha a água mineral geladinha. Mate o calor com água mineral. Olha a água mineral. Um real um copinho e dois reais uma garrafinha. Olha a água mineral”. E mais: “Capa e película de celular, quem vai querer. Pulseira da novela, a moda que todo mundo tá usando, quem vai querer. Carteira, óculos de sol, quem vai querer!”.
Tem de tudo no calçadão. Logo chega uma mocinha perguntando se não deseja fazer uma consulta grátis com oculista e ganhar desconto especial na compra dos óculos de grau. Outra chega oferecendo tratamento dentário barato seja na extração, na prótese ou no branqueamento. E o doutor dentista fica logo ali, bastando subir numa escadinha, sem fila sem nada, também aceitando cartão. Por falar em cartão, alguns vendedores só faltam forçar o caminhante a preencher fichas para cartão de crédito de lojas específicas. Vão logo dizendo que é certeza de aprovação e que basta repassar os dados e que eles mesmo providenciam a xerox dos documentos.
Quem quiser comprar pode escolher no sortimento do ambulante ou na tenda colocada sobre as calçadas. A moça grita que tem açaí no copinho, a outra que tem sorvete de vários sabores. Por todo lado a venda de cartelas para ganhar moto, carro ou dinheiro. Uma mulher oferece doces e salgados artesanais, o outro se põe no meio do calçadão e começa a fazer bolha de sabão para chamar a atenção da criança. Mas esta quer mesmo o que avista adiante: um pássaro de plástico que voa dois metros para depois se espatifar pelo chão. E acaba chorando porque a mãe diz que não tem dinheiro pra bugiganga.
Como estranhíssimas espécies, que chegam em grande monta e depois desaparecem em revoada, os hippies cabeludos e tatuados tomam as calçadas das lojas fechadas e espalham seus objetos de venda. Pulseiras, brincos, enfeites, tudo feito em cipó, latão, couro ou linha colorida. São calmos, quase que silenciosos, parecendo mesmo ausentes de seus próprios objetos, do comércio e das pessoas que passam. De vez em quando um toca uma flauta, outro encontra sons instigantes em vasilhames com água, ainda outro medita como se estivesse num mosteiro tibetano. Quando indagados, não é raro que respondam num portunhol arrastado.
Os pedintes também são muitos. Ainda não desapareceram aqueles que expõem suas fraturas ou enfermidades para chamar a atenção das pessoas. E acabam causando um efeito não desejado, pois muitos evitam olhar para a gravidade da situação, seguindo sem lançar uma só moeda. Já se presenciou discussão e até briga na porta da Capela do São Salvador, e entre os pedintes que ali penitenciam no dia a dia. “Esse lugar é meu”, diz uma, ao que a outra responde: “Mas você não é mais pobre do que eu”. E assim vão estendendo as mãos, ouvindo o tilintar de moedas, sentindo a insensibilidade da maioria.
Longe o tempo quando se ouvia “Jornaleiro, olha o jornaleiro”, ou ainda “Pé de moleque, arroz doce, mungunzá, broa de milho e muito mais”. O leiteiro também não grita que vai passando, assim também com a vendedora de verduras, de queijo e de frutas de quintal. Silenciou o som da carroça passando com melancia, abóbora, maxixe e quiabo. O velho vendeirim de tempero, canela, sal grosso, folhas e raízes medicinais, gengibre e penca de alho também deixou de passar.
A vida se modernizou e hoje não se expõe ao comércio ambulante senão aquele empobrecido, desempregado, com dificuldade até de subsistir. O problema é que em número cada vez mais crescente. Por isso que as ruas vivem assim, tomadas de vozes que gritam pedindo socorro. E são cem mil desempregados só em Sergipe.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


Povoado Bonsucesso, no município de Poço Redondo/SE. Chuvarada boa, ruas molhadas, esperança renascida, o sertão em festa!





Sem flores (Poesia)


Sem flores


Sou o calango
e a pedra do sol
porque sou
do sertão o farol
mirando a dor
sem avistar arrebol

sou o preá
e o tufo de mato
porque sou
do sertão o retrato
da sede e da fome
no fundo do prato

sou o homem
e o resto do ser
porque sou
do sertão o não ter
e a vida que tenho
quer apenas viver.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - a irracionalidade do brasileiro chega às raias do absurdo


*Rangel Alves da Costa


Isso mesmo que está escrito acima: a irracionalidade do brasileiro chega às raias do absurdo. Parece não pensar, parece não refletir, não ter senso crítico, não ser capaz de compreender qualquer lógica. Ora, ninguém sabe dizer mais besteiras do que o brasileiro. Abre a boca e expressa sua sempre razão irracional. Ontem era fora Dilma, agora é fora Temer, amanhã vai ser fora qualquer outro. E gritam: é absurdo acabar com o Ministério da Cultura. Nem a maioria dos artistas, que são os maiores defensores da continuidade da boquinha, sabe o real papel que efetivamente deveria ser exercido pelo tal ministério. Quer dizer, esbravejam, criticam, mas sem ao menos conhecer o que seja cultura. E certamente não é o que eles fazem, pois cultura não se coaduna com esperteza, com jeitinho, com carta marcada, com proteções, com dinheiro fácil para nada fazer. Na verdade, a irracionalidade brasileira é tamanha que absolutamente nada é positivo, possui serventia, ou merece um digno reconhecimento. É a cultura da mera e simples destruição, do dizer que nada presta e pronto. Sem consenso nem mesmo da pessoa consigo mesma, impossível de se caminhar sem desejar encontrar uma pedra ou espinho. E somente para esbravejar contra a pedra e contra o espinho.


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terça-feira, 24 de maio de 2016

CAUSOS E PROSEADOS DO MEU SERTÃO


*Rangel Alves da Costa


Poço Redondo sempre foi meio inexplicável. A Rua de Baixo ficava em cima, enquanto a Rua de Cima ficava embaixo. Também a Ponta da Asa, mas asa de que? Havia o Tanque Velho sem jamais ter havido o Tanque Novo.
Trocaram a data da emancipação política do município, do dia 25 de novembro mudaram para o dia 23, como se um documento oficial pudesse ser desfeito a bel-prazer. Nasceu Poço de Cima, já foi Poço de Baixo e agora é Poço Redondo. Certamente que existia, mas ninguém jamais relatou ter avistado um jacaré no Riacho Jacaré.
Criou-se uma lenda - e que muitos ainda reputam como verdade -, segundo a qual Zefa da Guia já fez mais de cinco mil partos (isso há mais de dez anos) e que tem cerca de três mil afilhados (isso também desde mais de dez anos). Até possa ser verdade, mas é preciso muito cálculo (sempre de adição) para ser chegar a tais números. Quantas mulheres da cidade, por exemplo, já tiveram seus filhos pelas mãos da famosa parteira?
Só mesmo em Poço Redondo para uma rua, agora avenida, já ter recebido mais de cinco denominações. A atual Avenida Alcino Alves Costa já foi Avenida Poço Redondo, Avenida 31 de Março, Rua de Baixo e Rua dos Vaqueiros, dentre outros nomes. Foi forçada a ser 31 de Março, não vingou como Poço Redondo, e até hoje é comumente chamada de Rua de Baixo.
A homenagem a Alcino Alves Costa é merecida, vez que o ex-prefeito morou no local e adquiriu o prédio onde hoje funciona a prefeitura municipal, na mesma avenida. Mas igual merecimento teria se continuasse a ser denominada, de modo oficial, como Rua dos Vaqueiros. Ora, ali moradia de grandes vaqueiros e sertanejos do roçado e da vaqueirama: Mané Cante, Abdias, Liberato, Tião de Sinhá e tantos outros.
Não há como se esquecer das velhas calçadas e suas rendeiras. A renda não serviu apenas como passatempo nas aragens do entardecer de mansidão como muito auxiliou na sobrevivência familiar. Sentadas em bancos, tendo à frente outros bancos com almofadas, as rendeiras de bilros, numa maestria de perfeição, iam tecendo verdadeiras proezas. As mãos hábeis iam colocando o espinho pontudo na marcação do papelão sobre a almofada, e enquanto a linha escorria o desenho rendado ia surgindo. Assim pelas mãos de tantas Marias, de Araci, de tia Mãezinha, de Neusa, de Dona Clotilde, de Cenira e de uma verdadeira colcha de artesãs sertanejas.
Pirulito bom só o de Dona Luisinha. Doce de leite só o de Noélia. Cocada de cabeça-de-frade só a de Dona Cecília. Cocada branca e mole de janela só a de Dona Quininha. Arroz doce de rua só o de Baíta. Pilombeta seca só a de Maria. Peito de Véia de qualquer uma que tivesse geladeira. Cachaça pura, de engenho mesmo, só a de Zé do Mel. Chocalho do bom só o de Galego do Alto. Roló do legítimo, de couro cru, só mesmo o de Brasilino. Roupa de homem sob encomenda só mesmo a de Zé de Bela. Caju roubado só mesmo o de Luís Doce.
Três irmãs e a primazia da venda de tecidos, panos floridos, cortes por metro, rasgando na medida certa. Minhas três tias: Conceição, Zabé e Mãezinha. Certa feita, curioso que só, fui ouvir proseado de gente mais velha na bodega de Missiinha e me sentei numa lata de querosene. A danada estava com líquido por cima e então fiquei tomado de bolhas por uma semana. Mas bom mesmo era entrar nas pequenas vendas e comprar mariola. No bar de Delino o biscoito Maria em lata. A cajuína gostosa na venda de Chico Bilato.
Não havia cozinha sertaneja que não tivesse alguma panela de barro, um pote ou purrão, da lavra de Benvinda. Esta, sem dúvida, a maior artesã do barro da região sertaneja. Pobre, morava numa casa de barro no mesmo local onde hoje seus filhos mantêm residência, mas foi na sua arte de moldar argila que muita comida boa surgiu dos antigos fogões de lenha. E também um tempo muito distante onde sabão era feito nos quintais, com banha e cinzas. Dona Alice Feitosa era quem mais sabia mexer o tacho e fazer vingar a pedra bruta do verdadeiro sabão.
Mas vou ali. Vou ver onde mora o passado, Depois volto. Hei de voltar, sim. Com fé em Deus!


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Lá no meu sertão...


No próximo dia 17 de Junho, data comemorativa dos 76 anos de nascimento de Alcino Alves Costa, será realizado o 1º ENCONTRO DE DESCENDÊNCIA DO CANGAÇO, com a presença de descendentes de cangaceiros e coiteiros do município de Poço Redondo. Será uma realização do Memorial Alcino Alves Costa, com organização de Rangel Alves da Costa, Manoel Belarmino, Djalma Feitosa e demais pessoas que desejem se engajar neste projeto. O evento contará com alvorada, palestras, exposição, pífanos, forró, fartura de comidas típicas sertanejas. Será no espaço do Memorial e por todo o trecho defronte, na Rua Gustavo Melo, no centro da cidade.




Enquanto chove (Poesia)


Enquanto chove


Enquanto chove, meu amor
vamos relembrar o que somos
ter muitas saudades de nós dois
reencontramos naqueles caminhos
em que o meu olhar avistou o teu
e o teu sorriso foi promessa ao coração

enquanto chove, meu amor
depois de recordar nossos começos
então que acalentemos o doce instante
e nos abracemos e nos acarinhemos
porque a chuva tão cedo não cessará
e a escuridão me faz procurar teu corpo.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - tanto faz como tanto fez


*Rangel Alves da Costa


Muitas vezes, a gente se preocupa demais com banalidades. Na política, no futebol, no que o outro fez ou deixou de fazer. Basta de ser assim. Não adianta. Nada vai mudar. O político nunca vai cumprir o prometido, o governante nunca vai agradar a todo mundo. Igualmente o time de cada um é o melhor do mundo. Não adianta dizer o contrário, discutir, brigar. Deixe que digam que não houve criação, mas apenas evolução das espécies. Deixe que digam que extraterrestre não existe e que óvni é coisa de quem não tem o que fazer. Cada um diz o que quer, pensa o que quer, age como quiser. Há quem goste de bife e há quem goste de lombo. E há gente que não gosta nem de um nem de outro. Não gosto de comida de rua, de comida oleosa, mas não posso dizer que os outros estejam errados porque são aficionados. Não gosto de arrocha nem de baianada. Mas há uma legião de fãs que pensa diferente. Sei que há um sol e uma lua, a nuvem que passa e um céu estrelado, dias de chuva e dias de sol. Alegria e tristeza, solidão e angústia. Eis que sei. E me basta saber que assim seja. Mas não me basta querer que todo mundo veja o azul como azul. Sei muito bem que há quem duvide.


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segunda-feira, 23 de maio de 2016

CHOVE CHUVA (E A NOITE EM NOSTÁLGICA POESIA)


*Rangel Alves da Costa


Não é nuvem desabando, repentina trovoada, apenas um chover constante, ora mais forte ora de mais leveza. Mas chove chuva...
E noite chuvosa é poesia molhada, nostálgica, saudosa, um tanto tristonha. É com se de repente a noite revelasse retratos escondidos.
Aqui sentado, tateando letras, já depois das nove, ouço lá fora os pingos caírem. Sim, porque agora está mais forte, mais chuva chuvosa mesmo.
De vez em quando levanto e sigo até o portão. Rua vazia, sonolenta, de asfalto molhado, janelas e portas fechadas, uma noite mais noite. Porém mais bela.
Dentro das casas, os mistérios. Dentro das vidas, os reencontros. Consigo mesmos e com os retratos que reaparecem. Somente a chuva noturna para tal despertar.
Tudo parece ficar mais sublime e singelo na noite chuvosa. Mesmo deitadas, as pessoas se sentem envolvidas pelos pingos caindo, pela atmosfera mágica por dentro e por fora.
Talvez alguém esteja agora rente à vidraça da janela, tentando avistar o passado ou o presente não acontecido. Talvez alguém esteja chorando rente à vidraça da janela. Não sei, mas tudo é possível na noite chuvosa.
Talvez alguém esteja agora relendo cartas antigas, abrindo álbuns, folheando diários de um tempo feliz. Ou talvez esteja simplesmente molhando o travesseiro com um caudaloso rio de saudade.
Talvez alguém esteja silenciosamente pensativo, num cantinho qualquer, por cima do sofá. Pensa que está ali, mas não está. Não há noite chuvosa que não transporte a pessoa para lugares inimagináveis noutro instante da vida.
Ouço agora uma velha canção. E viajo num mar imenso, e balanço nas águas, e aporto num cais de pedras e solidão. Eis que ouço Porto, a bela canção instrumental de Dori Caymmi, mas com MPB-4.
Quase não consigo escrever. A música envolve demais, chama, diz que há um barco no porto da noite. Levanto e vou até o portão. Estendo os braços e me deixo molhar. A chuva se derrama sobre minha pele como um abraço molhado.
Olho adiante e tudo mais parece deserto. A luz do poste reflete cada pingo caindo. O negrume do chão brilha como espelho d’água. A noite se molha com a lágrima do dia, a vida se enternece em meio ao silêncio e ao sonolento.
As plantas do jardim se banham e ecoam canções e palavras. As flores do jardim se abrem em abraços e dançam a valsa do renascimento. Depois adormecerão para o amanhecer lustroso, bonito, esverdeado.
Lá no alto, a lua escondida se deleita de um sono profundo. Talvez sonhe com réstias de estrelas cintilando ao redor. No breu dos espaços apenas a cortina do desconhecido. E atrás de tudo certamente as respostas de tudo.
Não há mais música. Melhor assim. Somente na memória o porto avança e se alarga para um mar sem fim. Os barcos se distanciam, as pedras choram, a areia acolhe uma concha e lhe conta um segredo.
Chove mais. Continua chovendo. Vou até o quintal e caminho adiante, debaixo da molhada e desabrochada flor da natureza. Dá vontade de tirar toda a roupa e me deixar molhar, num longo banho como nos tempos de infância.
Preparo um café e retorno. Beijo a xícara rente ao portão da frente e sinto que agora as águas escorrem pelo asfalto. Os espelhos se derramam e vão refletindo os noturnos das transformações.
As pedras se lavam. A noite se banha. Escrevo as últimas palavras e depois vou sonhar. Deitado sem adormecer, chamo o meu barco e vou passeando entre as nuvens. Como é bom deitar enquanto a chuva cai.


Poeta e cronista
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Lá no meu sertão...


Presenças garantidas no 1º ENCONTRO DE DESCENDÊNCIA DO CANGAÇO, confirmado para o dia 17 de junho próximo, em Poço Redondo, em frente e no Memorial Alcino Alves Costa. Na primeira foto, Elício e seu neto (filho e bisneto de Cajazeira/Zé de Julião). Na segunda foto, Paulo, filho de Adília, a ex-cangaceira do Alto de João Paulo.






Filosofia (Poesia)


Filosofia


Sou tudo
e nada

completo
e vazio

imenso
e grão

sempre
e nunca

eterno
e mortal

começo
e fim

eu
e tudo

ou nada
apenas.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - Eu e o meu neto


*Rangel Alves da Costa


Já tenho um neto. Joaquim é o nome dele. Filho de minha filha, de extensa linhagem familiar. Mas ele não é só neto, pois espelho, reflexo e tudo. A criancinha que fui um dia, com a mesma inocência que tive um dia, num mundo belo e encantado que já tive um dia. E não faz muito tempo. Na verdade, nem sei como o tempo passou tão rápido para que o menino de ontem hoje já seja avô. Mas a gente só se reconhece na idade pelos nossos que chegam, pelas novas raízes que vingam, pelos frutos que brotam. Já a segunda geração depois de mim, pois primeiro minha filha e depois ele. Por isso que perto dele, abraçado a ele, gosto de silenciar, de mirar os seus olhos e sua feição e procurar compreender esse mistério da vida: a gente noutro ser, um pequeno ser que também é a gente, pois na herança de tudo. E em tal espelho me alegre, me encanto, me perco e me encontro. E ainda encantado por tudo, apenas beijo na sua face, acaricio seu corpo, busco a doce palavra. Sei, contudo, que não falo e acaricio somente a ele, pois igualmente me sinto tão amado como o próprio neto. E assim porque espelho, reflexo e tudo.


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domingo, 22 de maio de 2016

SIMPLES COMO O MEU SERTÃO


*Rangel Alves da Costa


Ninguém sabia muito bem onde ficava o Timbó, mas Tonho Doido não tirava da boca o nome de seu lugar de nascimento. E em Poço Redondo, depois de simplesmente aparecer vindo não se sabe de onde, acabou encontrando lar, família e amigos. Foi acolhido, cuidado nas suas doenças, alimentado e protegido, até morrer ainda jovem. Estava com sede, pediu água, deram-lhe gasolina. E foi definhando.
Cinema era coisa do outro mundo, talvez um bicho que só se ouvia falar. Ora, da boca da noite em diante o filme era feito às escondidas, nos namoros distantes dos pais. Mas a meninada, inventiva como ela só, não deixava de brincar de sétima arte. Aproveitava a luz do poste, levantava a mão, gesticulava o que quisesse, e pelas paredes apareciam imagens as mais engraçadas e surpreendentes.
Poço Redondo sempre se mostrou adocicado para os de pouco juízo. Tonho Doido apareceu e não demorou muito para surgir - também não se sabe de onde -, uma moreninha chamada Nalvinha. Se Tonho era um doido calado, manso, Nalvinha era espevitada que só. Mas logo cuidaram de arrumar namoro e casamento entre os dois. Até que moraram juntos um tempo, mas conviver com outro já é uma doidice pra quem é são, que se imagine um casal de desajuizados. Não deu certo não.
Certa feita apareceu um circo na cidade e uma mocinha acabou se apaixonando por um dos integrantes, acho que malabarista. Rogéria, o seu nome, filha de Antônio Boa Sorte, morador da Rua de Baixo e um dos cidadãos mais respeitados do lugar. Namorar o circense era uma coisa, mas tomar a decisão que ela tomou era algo espantoso demais para a sociedade de então. Eis que ela resolveu seguir o circo e se tornar dançarina (rumbeira). E fez a estranha em Poço Redondo. Nem o mundo caiu nem o circo desabou.
Grande parte dos rapazes poço-redondenses que seguiam para o sul fugindo da seca e em busca de emprego, retornavam quase que desconhecidos, ainda que não tivessem passado mais de ano na metrópole. Quando a marinete de Seu Vavá parava na Praça da Matriz, então descia aquele que mais parecia um artista. Cabelo grande, às vezes estoquiado, camisa florida, correntes pelo pescoço, anéis imensos, calça boca de sino, sapato cavalo de aço e um chiado na voz de não acabar mais. De carioquês forçado, enfeitado demais, quase ninguém entendia o que falava. Voltava de mala sortida, radiola, disco de balada, quase uma discoteca ambulante. Mas não demorava muito e o carioca ou paulista era forçado à conhecida realidade. Sem dinheiro, sem emprego, ia vendendo seu pequeno luxo. Até ser apenas sertanejo.
Coisa de se estranhar, mas a vida noturna de Poço Redondo já foi das mais animadas do sertão. Não havia uma só noite que a Praça da Matriz e arredores não estivessem tomados de gente de canto a outro, principalmente de estudantes antes e após saírem das escolas. Mas mesmo a população em geral era mais animada, mais disposta e chegada a uma festança. Quando chegava sexta-feira à noite, até o domingo, a imensa juventude acorrendo à discoteca de Mané Dandacho. Nos dias de baile no mercado então, havia até dificuldade de caminhar em meio a tanta gente.
Mesmo sem a paixão de Marizete, outrora foi tia Bebela a grande guardiã da igreja matriz. Guardava consigo as chaves do templo, cuidava dos ofícios, organizava tudo. Contudo, tanto beatismo e devoção não conseguiam afastar seu jeito difícil de ser. Implicava com tudo, tudo tinha de ser ao seu modo e gosto. E por isso mesmo acabou brigando com o padre da ocasião. E foi briga tão feia que ela entregou as chaves e jurou nunca mais pisar os pés no lugar. Em seguida mandou construir sua própria igreja, uma capelinha que até hoje existe ao lado da casa de Edivaldo e Deijanira.
Quando Maria do Piau começava a gritar com a cuia na cabeça era uma festa. Mas muita gente gostava mais quando ela aparecia com um balde cheio de araçá. A maior delícia que já brotou na terra sertaneja. Assim como delicioso é recordar Mané Tem-Tem e sua caixa de engraxate, Seu João Fotógrafo e seu tripé de magia em preto e branco, a música O Milionário anunciando que as atividades do parque iam começar. Tempo de festas, de festas verdadeiras. De Festa de Agosto.
Depois retorno, pois tem muito mais.


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Lá no meu sertão...


Uma canção de vida e de flor. Uma canção de sertão. No espinho, na terra, no louvor, na devoção. No cacto, na craibeira, na avoante, por todo o coração...




O beijo (Poesia)


O beijo


Ei
ainda guardo um beijo
que era teu e você me deu

Agora que é meu
se quiser que seja teu
venha aqui buscar

não só beijo
mas o todo eu
que você esqueceu.


Rangel Alves da Costa

Palavra Solta - “um girassol nos teus cabelos” ou as velhas canções


*Rangel Alves da Costa


Nem tudo está perdido. Se é péssima a produção musical do momento, outra coisa não resta a fazer senão buscar e rebusca no baú dos sentimentos. Basta uma olhada pra trás e possível será encontrar o encanto da doce canção, da bela melodia, da verdadeira musicalidade. Gonzaguinha, Alceu Valença, João Nogueira, a turma das Minas Gerais, Legião Urbana, Geraldo Azevedo, Belchior, Fagner, Elba e Zé Ramalho, Ednardo, dentre tantos outros. Que doce ouvir João Nogueira se refletindo no espelho: “e o meu medo maior é o espelho se quebrar...”. Ouvir Geraldo Azevedo passar com sua caravana: “repare essas velas no cais, que a vida é cigana...”. Ouvir Gonzaguinha e sua canção de amor suavemente moreno: “espere por mim morena, espere que chego já...”. Ouvir o vozeirão de Fagner cantar Florbela Espanca: “longe de ti são ermos os caminhos, longe de ti não há luar nem rosas, longe de ti há noites silenciosas, há dias sem calor, beirais sem ninhos...”, E deixar-se encantar, voar, planar pelas alturas dos sentimentos: “um girassol nos teus cabelos, batom vermelho girassol, morena flor do desejo, ah! teu cheiro em meu lençol...”. E não chorar, mesmo que a velha fotografia sorria na parede do pensamento. E não sofrer, mesmo que a saudade seja demais para esquecer.


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