SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 31 de julho de 2011

“NESTA RUA, NESTA RUA TEM UM BOSQUE QUE SE CHAMA SOLIDÃO...” (Crônica)

“NESTA RUA, NESTA RUA TEM UM BOSQUE QUE SE CHAMA SOLIDÃO...”

                                     Rangel Alves da Costa*


“Nesta rua, nesta rua tem um bosque/ Que se chama, que se chama solidão/ Dentro dele, dentro dele mora um anjo/ Que roubou, que roubou meu coração/ Se eu roubei, se eu roubei teu coração/ Tu roubaste, tu roubaste o meu também/ Se eu roubei, se eu roubei teu coração/ É porque, é porque te quero bem/ Se esta rua, se esta rua fosse minha/ Eu mandava, eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes/ Para o meu, para o meu amor passar...”.
Creio que a maioria das pessoas lembra dessa cantiga infantil, dessa música embalando as brincadeiras de roda em noites de lua cheia, nas ruas prateadas pelas estrelas e na paz e no sossego de um dia. Própria das meninas de trança nos cabelos e saias rodadas, floridas, era cantada em movimento, com a roda rodando e as mãos se dando numa harmonia angelical.
Fui menino sertanejo e ainda lembro muito bem daquelas meninas versejando a lindeza da vida em noites rodadas nas brincadeiras sem fim. Eu corria de cavalo de pau, passando por elas em busca do boi veloz, mas a todo instante eu descia do meu alazão de ilusões e ficava espiando tanta coisa bonita, tanta menina bonita a cantar cantigas de alegrar coração.
Ouço ainda tudo como se fosse agora, vendo aquelas mãos dadas a dar o primeiro passo e depois rodar sem parar e os lábios de batom de fruta do mato avermelhada se abrindo para ecoar a poesia infantil, o doce momento de uma idade, a festa do coração puro e inocente, talvez sem saber que eu era apaixonado por todas elas. Menos a Joaninha, que já era minha namorada.
O repertório musical daquelas meninas era escolhido a dedo. Não posso esquecer elas entoando debaixo da noite iluminada “Alecrim, alecrim dourado, que nasceu no campo sem ser semeado...”, “Como pode um peixe vivo viver fora de água fria...”, “Fui no Tororó beber água não achei, só achei bela morena que no Tororó deixei...”, “Meu limão, meu limoeiro, meu pé de jacarandá, uma vez, tindolelê, outra vez, tindolalá...”, e a inesquecível “Nesta rua, nesta rua tem um bosque/ Que se chama, que se chama solidão...”.
Tenho essa última canção infantil como inesquecível porque mesmo sem ter mais rodas para ouvi-la da boca das meninas, sua letra e sua melodia ainda me marcam de tal modo que de repente me surpreendo cantando, lá no cantinho da mente saudosa, essa simbologia maravilhosa. Contudo, tenho também de confessar que todas as vezes que ouço minha mente cantando fico entristecido, saudosista demais e angustiado.
Esse bosque do qual fala a canção é uma coisa infinitamente bela e instigante nos meus sentimentos. Bela e triste ao mesmo tempo, vez que imagino uma série de situações que poderiam estar acontecendo por dentro daquele emaranhado de folhagens e sonhos. E o pior é que dentro dele também mora a solidão.
Ora, meu Deus, não pode ser outro o bosque que encontramos pelos caminhos todas as vezes que abandonamos essa estrada de asfalto, cimento e ferro. Certamente que é o bosque onde ainda podemos encontrar as fantasias que nos fogem com o tempo, as ilusões que esmorecem pela nossa seriedade, as expectativas de se encontrar ainda a felicidade, o encantamento, um mundo de sonhos nessa difícil realidade.
Nesse bosque mora um anjo e um beija-flor, um colibri e uma flor, um espanto e um espantalho, um medo e um assombro, um fantasma de nós mesmos e um silencioso grito. Nele se esconde o retrato da namorada, a carta de amor que mandei e ela não recebeu, um lenço branco ainda molhado de tanto adeus. Lá também está o retrato de minha família e do meu passado. Eu era feliz e não sabia...
Por isso que em minha vida tem um bosque, que se chama, que se chama saudade. E quanta saudade nesse bosque, e quanta solidão lá dentro e aqui onde vivo a cirandar pela vida, sem outra mão a rodar, sem outra voz a cantar o canto da lua e da vida. Nem lua tenho mais, só uma lembrança dizendo que a felicidade é muito, mas muito distante.



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Água de moringa (Poesia)

Água de moringa



Minha casa fica no mato
no meio do tempo
embaixo do sol e da lua
e um céu lá por dentro
depois da porta da frente
esperando uma visita
pra felicidade daqueles dois
que são os anjos de lá
meu pai e minha mãe
com auréola de talo seco
dando destino à familia
e quando chego com fome
pego uma bolacha de ontem
e uma caneca de alumínio
e vou direto à janela
matar a sede de tudo
beber de vez a saudade
engolir o tempo distante
depois derramar tudo
e beber apenas a felicidade
porque somente água da noite
dormida na moringa à janela
esfriando no ventre de barro
inunda a boca desse prazer
que não há mais como dizer
até, até um dia a gente se vê...

Rangel Alves da Costa

TEMPESTADE - 83 (Conto)

TEMPESTADE – 83

                          Rangel Alves da Costa*


Diferentemente do que ocorrera com o seminarista e a professorinha, o remédio dado por Teté a Fabiana parece não ter surtido efeito, ao menos na rapidez que agiu sobre os demais adoentados. Por culpa do marido e sua teimosia, a coitada da mulher continuava mole, estirada no sofá, com o corpo mais parecendo uma fornalha e uma vermelhidão pelo rosto de assustar.
O marido Antonio, desde muito conhecedor do seu erro e por isso mesmo agora em tempo de morrer por tanta culpa, continuava num desespero que chegava a dar dó. Era realmente triste ver o homem assim, de joelhos perante a esposa, fazendo uma prece atrás da outra, chorando de não acabar mais. E num instante que o soluçar permitiu confessou:
“Fabiana, minha Fabiana, que Deus lance sobre você suas bençãos pra que a cura venha logo, venha como um raio de luz, como uma coisa boa que acontece sem ninguém esperar, pois confesso que prefiro partir junto ao seu corpo se a morte lhe roubar a vida. Até eu poderia morrer em seu lugar, já que fui o grande culpado por tudo isso estar ocorrendo. Que me leve, então, e não a você, que sempre foi a esposa perfeita, a mulher boa, a dona de casa que todo homem sempre desejou ter. Já errei muito, também confesso, já fiz coisas que certamente não foi do agrado ao coração de Deus, e nem ao seu, se soubesse das besteiras que já fiz. Tento me redimir me aproximando cada vez mais das lições da bíblia, dos mandamentos sagrados, das coisas boas de Deus. Mas não sei até que ponto merecemos ter os nossos erros reparados, já que neste momento parece que toda minha fé está em desvalia, parece que o amparo divino me abandonou e me vejo à beira de um precipício quando olho e lhe vejo assim. Mas nesse momento, como prova de que preciso das forças divinas em meu auxílio, mais uma vez quero prometer, com a verdade que jamais me expressei na vida, que se sua doença for embora e a saúde tomar conta novamente do seu corpo passarei um mês inteirinho andando descalço, dois anos sem colocar qualquer tipo de carne vermelha na boca, rezarei todos os dias cem ave-marias, vestirei de branco do amanhecer ao anoitecer durante um ano, e também durante um ano todos os dias sairei de porta em porta anunciando a palavra do Senhor. Se isto for pouco digo mais...”.
E de repente, do nada, do meio da escuridão e do vazio da sala, ouviu uma voz acima do seu ombro dizendo: “Não diga mais nada, não prometa mais nada, tenha apenas fé. A fé irá curar sua esposa!”.
Levantou assustado, procurou enxergar alguém por ali, olhou para todos os lados procurando avistar algum sinal, mas tudo continuou como antes. E num instante compreendeu o que poderia ser aquela voz e aquela presença e se ajoelhou novamente, orando mais forte do que nunca, agradecendo a presença de Deus. E ainda de joelhos, de olhos fechados e as mãos em oração, continuou ouvindo, dessa vez com sons meigos, suaves, macios, vindos de todos os lugares da sala:
“A Bíblia diz em no Evangelho de Mateus 4:23: E percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino, e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo”.
“A Bíblia diz em João 20:29-31: Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram. Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda muitos outros sinais que não estão escritos neste livro; estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”.
“A Bíblia diz em Êxodo 15:26: Se ouvires atentamente a voz do Senhor teu Deus, e fizeres o que é reto diante de seus olhos, e inclinares os ouvidos aos seus mandamentos, e guardares todos os seus estatutos, sobre ti não enviarei nenhuma das enfermidades que enviei sobre os egípcios; porque eu sou o Senhor que te sara”.
“A Bíblia diz em Salmos 107:20: Enviou a sua palavra, e os sarou, e os livrou da destruição”.
“A Bíblia diz em Tiago 5:14-15: Está doente algum de vós? Orem sobre ele, ungido-o com óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados”.
E por fim, disse, para surpresa maior de Antonio: “A fé de um bom esposo salvou a vida de uma boa esposa. Que o erro cometido e perdoado não seja motivo para impedir a cura e preparar o espírito para a salvação”.
Quando a voz silenciou, Antonio ouviu outra voz chamando baixinho pelo seu nome. Era Fabiana, voltando do sono profundo e tormentoso dos enfermos e perguntando onde ela estava. E o esposo levantou, ergueu as mãos para o alto, deu graças ao Senhor e em seguida foi de encontro à esposa, trazendo-a a realidade.
Distante dali, no vão encharcado onde ainda continuavam abrigados depois de terem sido levados pela correnteza, expulsos da casinha pelo teto que quase ruiu por cima dos dois, os pais da mocinha Inácia, sentiam-se felizes por haverem sido duplamente salvos, do teto que caiu e das águas vorazes que os arrastou até ali, até surgir uma mão sem rosto para lhes puxar da correnteza e salvar.
Ele, bem juntinho dela, agarradinhos, ouviu espantado quando a esposa falou: “Acho que tô malucando, mas vi um passarinho passar voando. No meio desse tempo feio e tempestuoso, noite de breu e de desgraceira, é impossível que um passarinho passe voando lá fora. A não ser que...”.
“O que, mulher?”, apressou-se o homem a perguntar. E ela respondeu solenemente: “A não ser o passarinho que veio anunciar que as chuvas não vão demorar pra passar. Não foi assim com a arca de Noé?”.
Então ele prosseguiu mais encorajado:
“É mesmo mulher, tem uma passagem na bíblia, no livro do Gênesis, que diz bem assim: Noé esperou mais sete dias, e soltou de novo a pomba fora da arca. E eis que pela tarde ela voltou, trazendo no bico uma folha verde de oliveira. Assim Noé compreendeu que as águas tinham baixado sobre a terra. Esperou ainda sete dias, e soltou a pomba que desta vez não mais voltou. No ano seiscentos e um, no primeiro mês, no primeiro dia do mês, as águas se tinham secado sobre a terra. Noé descobriu o teto da arca, olhou e viu que a superfície do solo estava seca. Aqui mais tarde vai ser assim também. 

                                                        continua...






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sábado, 30 de julho de 2011

COM QUANTOS SILÊNCIOS SE FAZ UM GRITO (Crônica)

COM QUANTOS SILÊNCIOS SE FAZ UM GRITO

                         Rangel Alves da Costa*


O silêncio jamais será o antônimo do grito; um não precisa deixar de existir para que o outro se faça presente; aquele não precisa ser calado para este ser ouvido. E isto porque o silêncio principia a palavra, e os silêncios principiam o grito.
Verdade é que o silêncio é uma das virtudes do ser humano, pois nele está expresso o comedimento, a calma, a paciência, a sabedoria, o pensamento em ação, a racionalidade. Através do silêncio se busca a palavra certa, a resposta verdadeira, a atitude mais correta. Nele está a vida em toda sua potência, vez que certeza que tudo funciona magistralmente sem estardalhaço e sem festim.
O silêncio significa paz, melodia da natureza, valsa dos pássaros em revoada, música primaz no enredo de toda a criação divina. Está na prece e no bailar da chama da vela, na imensidão das catedrais e seus anjos com suas harpas silenciosamente cantantes. O entardecer na montanha, a folha outonal que lentamente cai no jardim, a pipa da criança que sobe aos céus, a pessoa sentada no banco da praça. Tudo é silêncio. Contudo, um silêncio que não deixa de ter os seus sons.
O silêncio também está na janela, na boca da donzela que quer chorar e chamar o nome dele; está no quarto escuro, por baixo e por cima do travesseiro, no corpo e no pensamento que falam, conversam, dizem tudo a ele que está distante; está na paisagem e em todo lugar que lembre as palavras de amor pronunciadas um dia; está na música que se ouve sem ser tocada. Em tudo isso há silêncio, mas já não apenas o silêncio, pois já entrecortado por outros sons. E sons de saudades, de lembranças, recordações...
Mas sem que ninguém perceba ou queira que ocorra assim, o silêncio lentamente vai se tornando ruído. Não há ainda voz alguma, barulho que se ouve pelos cantos, sons saindo de lugares e objetos. Não, pois tudo continua silencioso, calado, num verdadeiro mutismo só que por dentro a pessoa já não consegue deixar de ouvir incômodos barulhos.
Se internamente a pessoa já não suporta mais ouvir aquilo que lhe causa tanta dor, angústia, aflição e toda uma série de sentimentos negativos, então é porque não demorará muito para que externamente o silêncio também seja quebrado. Então, lá fora, adiante e por todo lugar o silêncio será transformado em voz que se ouve e se sente. E o passo seguinte é tudo isso se transformar em verdadeiros gritos.
O silêncio é transformado em grito quando o espírito agoniza por qualquer motivo, pela falta de alguém, pela vontade de tê-la de volta, pela impossibilidade de jamais estar ao seu lado; quando o olhar não mais se contenta com a lágrima e quer voar, sair por aí em busca do que se deseja, pois vê a imagem adiante, imagina estar diante da imagem, e chama silenciosamente, e grita o grito mais ensurdecedor.
O silêncio se transforma em grito quando a pessoa, não suportando mais silenciosamente esperar, quer correr, quer alcançar desesperadamente qualquer destino que seja o destino onde o outro está; quando as mãos em desespero se erguem aos céus, batem no umbral da janela, espatifa o que estiver adiante, e tudo pelo sentimento de perda que se instala; quando a boca silenciosa começa a tremer, depois a murmurar, e depois a falar baixinho e ainda depois a gritar. Eis que surge o verdadeiro grito, surgido de tantos silêncios.
Assim, o grito surgido de tantos silêncios é o mais forte e ensurdecedor que se ouve, o mais terrível, doloroso e verdadeiro. Quem ouve um grito assim pode ter a certeza que a boca, coração, olhar e mente que provocaram tal atitude desesperada partiu de alguém que realmente está sofrendo. E o pior, sofrendo calada, pois tal grito não se expressa em timbres, sons agudos nem nada, mas tão somente na aflição silenciosa de quem se sente como lobo uivando nas montanhas da solidão.
Dizem que quando passam na minha aldeia ouvem esse grito terrível saindo de minha palhoça. Não sei dizer de quem partiu essa dor, pois estou sempre em silêncio, lembrando de alguém, esperando que ela retorne por aquela porta.



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No meio do mato (Poesia)

No meio do mato



Tem fruta que só dá
no mato fechado
araçá se esconde
quando me vê
e eu nem sei mais
que sabor macio
tem o araçá de mel
não se esconda araçá
que fui caçar uma flor
que não tem em jardim
não tem em caqueiro
vaso ou quintal
e também se esconde
no meio desse lugar
mas é tão difícil achar
que tenho de chamar
pelo nome e gritar
Maria, Maria
Maria minha flor
apareça que eu te quero
Maria, Maria
Maria vê que te chamo
venha porque te amo.

Rangel Alves da Costa

TEMPESTADE - 82 (Conto)

TEMPESTADE – 82

                          Rangel Alves da Costa*


Diante da pergunta de Teté, o seminarista se aproximou ainda mais do grupo e chamou-o para bem perto e, mesmo sem dar a resposta tão esperada, indagou do rapaz:
“Mas você não sabe quem pode ter causado ou ajudado a causar mais violentamente essa tempestade? Lá na montanha onde você esteve há instante atrás não lhe falaram sobre isso não, sobre quem poderia causar uma catástrofe dessas?”.
E Teté balançava a cabeça, batia o pé, apertava as mãos, tentando lembrar-se das palavras ouvidas lá na montanha. Enfim, falou:
“Não sei quem me disse, pois só ouvi a voz, mas lembro muito bem que ouvi dizendo que somente Deus possui o poder sobre o mundo, sobre a vida, sobre a natureza e os ventos, as chuvas e até as tempestades. Só ele pode mandar chover e fazer a chuva parar. Mas também disse que isso tudo somente pode ocorrer normalmente se as coisas da terra continuassem como Deus criou, com tudo ocorrendo normalmente, pois quando o homem transforma a natureza então ele passa a ser culpado pelas tragédias que acontecem. Então o culpado é o homem...”.
E Tristão interrompeu para dizer: “Excelente recordação, e certamente que é o homem o responsável por isso tudo de ruim que acontece ao transformar a natureza, destruindo e devastando numa avidez desenfreada. Quando isso ocorre as estações perdem as suas características e os ciclos de chuvas se desnorteiam, e o que é pior, uma chuva mais forte pode se transformar numa tempestade igual a essa. Sim, meus amigos, certamente que é o homem, mas agora pergunto se um homem normal, de boa índole e consciente provoca tanta destruição. E eu mesmo respondo que certamente não. Só poderia fazer isso aquela raça de homens com instinto de feras bestiais. Repito, só os homens irracionais podem agir para destruir o próprio homem. Daí que quando a notícia do jornal dizia que “o mais impressionante é que tudo isso não foi causado por nenhuma mudança climática nem por força de intervenção divina, mas pelo próprio homem. Não propriamente por homens, mas por...”, nesse mais por entenda-se por homens feras, homens bestiais, homens irracionais, homens que agem com a intenção de destruir, de provocar catástrofes como esta que estamos sofrendo agora...”.
“Então quer dizer que o culpado disso tudo acontecer, destruindo e matando gente, é do próprio homem, mas não um homem normal como a gente, mas outro tipo de homem que nem deveria existir, não é isso mesmo?”, perguntou Teté, agora muito mais aliviado. E o seminarista continuou:
“Isso mesmo Teté. E na montanha você também ouviu estas palavras: “Porque toda a natureza, tanto de bestas feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se amansa e foi domada pela natureza humana”. O que isto significa? Simplesmente que a natureza foi domada pelo homem, que a degradou e destruiu, e cujas consequencias podem ser vistas quando cai uma tempestade dessas e arrasta tudo que encontra pela frente. Ora, meu filho, as chuvas são obras divinas, mas tudo com seu comedimento, mas quando o homem desmata e torna tudo demasiadamente aquecido, o que deveria vir como chuva se torna rapidamente numa tempestade destruidora, que infelizmente faz vítimas inocentes...”. E a voz que lhe falou isso o fez exatamente para mostrar que existe um tipo de homem ruim que amansa e doma a natureza para depois destruí-la. E com a destruição e a devastação nós é que sofremos as consequencias, como está ocorrendo agora.
As mulheres ouviam isso tudo num estado quase letárgico, paradas, vagando nas palavras ouvidas, de tão bonitas e inteligentes que nem abriam a boca para interferir, para atrapalhar em nada. Mas Teté logo arrumou outra preocupação, um problema a resolver que agora lhe povoava o juízo que possuía. Então achou melhor esclarecer logo as coisas de uma vez por todas e perguntou:
“O seminarista explicou direitinho, mas tem uma coisa que fiquei pensando aqui. Como é que você, estando aqui, sabe de tudo que se passou lá na montanha, sabe até dizer palavra por palavra, letra por letra, sobre o que a voz disse lá?”.
E o seminarista baixou a cabeça pensativo, refletindo se revelaria o motivo pelo qual havia tomado conhecimento de tudo, e de tal forma que tudo ficou gravado na sua memória. Que acreditassem ou não, achou por bem dizer a verdade:
“Vocês acreditam em anjos? Se acreditarem tenham certeza que anjos estão por aqui, que estão entre nós e pairando sobre nossas cabeças, voando por todos os lugares, estão os anjos do nosso dia a dia, os nossos guardiões, os nossos mensageiros. E possam acreditam também que um anjo me apareceu enquanto eu estava desacordado e fez com que eu tomasse conhecimento de tudo aquilo que se passou na montanha. Certamente que ele veio em missão, como mensageiro, obedecendo um desígnio de Deus para me revelar tudo o que se passou e de modo que eu não esquecesse nenhuma palavra. E por que isto ocorreu comigo? Ora, a sabedoria divina não demora em alimentar o homem daquilo que ele precisará para viver com a verdade. E tão útil foi aquela revelação que aqui, neste momento, tudo está sendo esclarecido...”.
Mas nesse instante Antonieta deu um passo à frente e disse que o seminarista desculpasse, porém nem tudo estava ainda esclarecido. Tristão perguntou-lhe o que faltava esclarecer e ela disse com precisão: “O que estava escrito no caderninho que quando botei os olhos nas primeiras letras passei mal, me aconteceu algo tão misterioso que caí desmaiada?”.
Então Teté tomou a palavra para deixar todos boquiabertos: “Isso aí não cabe ao seminarista não. Cabe a mim descobrir onde está o caderninho e o que nele está escrito. Assim que eu conseguir desvendar esse mistério, achar o tal caderno e fazer com que leiam os escritos, então a tempestade passará e o sol voltará a brilhar”.

                                                      continua...






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sexta-feira, 29 de julho de 2011

PERGUNTAS E RESPOSTAS (Crônica)

PERGUNTAS E RESPOSTAS

                    Rangel Alves da Costa*


Ainda que por sentimentalismos ou tentativa de negar realidades algumas respostas doam em determinadas pessoas, não há como deixar de dá-las, vez que expressando toda a realidade dos fenômenos da vida. Assim, teríamos:
O que é o amor? Nada mais do que uma ilusão que se instala nas pessoas, por conveniência, em determinadas ocasiões e para determinados fins. Tanto é assim que não há amor absoluto, mas apenas amor demais, tão frágil quanto qualquer desamor.
O que é a vida? Um ponto entre duas distâncias, entre o nascer e o morrer. A pessoa que vive está sempre posicionada na parte extrema da morte, e daí, dependendo do que pretenda para si, vai puxando o seu corpo mais lenta ou apressadamente. Os que não querem chegar a esse ponto rapidamente procuram viver em paz, com harmonia e em busca da felicidade.
O que é a morte? A concretização do que já somos desde que nascemos. Ao nascer, o indivíduo começa logo a perder parte de sua estrutura física e biológica, que aos poucos vai se deteriorando ainda mais, até que chega num estágio de imprestabilidade. Quando isso acontece o corpo já estava praticamente morto, restando apenas a ideia de se estar vivendo.
O que é a paz? Apenas os instantes distantes da dor, da tristeza, do medo, da aflição, da angústia. Como conceitualmente não há como se definir a paz, vez que esse estado de espírito depende de circunstâncias aleatórias, deve-se sempre imaginar a paz como instantes de sossego e distanciamento de momentos difíceis.
O que é a dor? A aceitação do sofrimento, e nada mais do que isso. Um espinho pode furar o pé e a pessoa só sente a dor se quiser; uma relação conjugal desfeita só vai causar dor naquela pessoa que queira sofrer; uma tristeza só causa dor se a pessoa for buscar no baú das recordações motivos que ressurjam como situações dolorosas. Assim a dor só é sentida na pessoa que deseja sofrer, pois de sorriso no rosto se caminha por cima de brasas ou adormece tranquilamente numa cama de espinhos.
O que é a solidão? A pessoa vivendo em seu verdadeiro mundo, para o que nasceu e como deveria ser. Diferentemente de se imaginar que a solidão pressupõe um distanciamento da realidade circundante, esta deve ser entendida como a pessoa vivendo dentro do seu verdadeiro mundo e universo. Verdade é que ninguém nasceu para estar dividindo espaço com ninguém, se batendo nos outros, tendo preocupações pelo que os outros fazem. Tudo isso é anormal na vida, vez que o indivíduo nasceu com a capacidade de viver bem sem precisar dividir sua vida e trazer desse convívio ódios e preocupações.
O que é a lágrima? A substância líquida e corrosiva das pessoas que se acham de ferro. De tão pura, singela e verdadeira que é, a lágrima vai surgindo na face sem espantar nem amedrontar, até que o coração sinta o verdadeiro motivo do seu surgimento e se retorça todo, igual a ferro velho tomado de acidez.
O que é você? Tudo consigo mesmo, nada ou quase nada para os outros. Ou a pessoa entende que é tudo pra si mesma, que só tem uma vida, que é quem deve preservá-la e mantê-la pelo melhor caminho, ou não será realmente nada, pois não adianta esperar que os outros se dividam neles e em você ou que deixem de ser elas completamente para completarem a parte que você não é capaz de si dar.
O que é o outro? O que queremos ser ou não ser. Como um espelho que está sempre à frente, o outro é olhado como desejo de imitação ou com o mais frio desprezo. Não se cansa de mirar aquele que encontra qualidades no outro, não se cansa de evitar olhar aquele que não reconhece a presença nem deseja mais avistá-lo.
O que é Deus? O único desconhecido a quem entregamos nossas vidas, suplicamos por sua ajuda, confiamos na sua presença em todos os momentos e imaginamos a sua bondosa face como sendo algo assim como o sol, a lua, o universo, a montanha, o horizonte, a aldeia, as águas que correm, a revoada, o dia, o outro dia, e sempre e tudo...



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Uma família (Poesia)

Uma família



A porta está fechada
o vento entra pela janela
balança uma cadeira
a cadeira de balanço balança
e a valsa do tempo soa
começa a ensaiar sua dança
a música que vem e voa
onde está a família
onde está a lembrança
onde está a vida
ainda resta a esperança?
o silêncio não responde
a palavra se esconde
ninguém quer ouvir os sinais
o que diz a fotografia
o que revela a cortina
o que lentamente descortina
nos varais da solidão
nos fantasmas do porão
na meninada correndo
na menina crescendo
nas faces de cicatrizes
nas tristezas e seus matizes
na mesa de café e pão
nas cadeiras vazias
pois todos foram partindo
deixando a saudade espalhada
na família que tem nome
e não tem mais nada.

Rangel Alves da Costa

TEMPESTADE - 81 (Conto)

TEMPESTADE – 81

                          Rangel Alves da Costa*


Depois do que ouviu e da incumbência que passou a ter, Teté desceu a montanha como se estivesse descendo tranquilamente uma escada, ainda que correndo sempre, como costumava fazer em quase tudo. Mas na sua cabeça não saíam duas perguntas. A primeira era saber com quem realmente havia falado, e a segunda era sobre o caderninho que estava na igreja e teria que encontrar.
Mas que caderno é esse? E quanto mais matutava mais ficava impelido a resolver logo esse mistério. Também sabia que quando o encontrasse e mandasse alguém ler seus escritos em voz alta, ali mesmo na igreja, teria a chance de reparar o erro cometido por achar que era o dono da tempestade, podia dispor sobre ela e mandar que cessasse suas turbulências no instante que quisesse.
Agora sua luta era outra, mais compreensível e humana, mais aceitável e verdadeiramente necessária, pois faria com que o sol voltasse a brilhar. Isso provava como tudo muda de repente, como as coisas que são já passam a não ser num instante, pois o dono da tempestade agora queria o sol brilhando de volta a todo custo. E por isso mesmo tinha pressa, tinha de correr, avançar mais e mais.
O tronco ainda estava no mesmo lugar, nas margens tomadas do riachinho, porém teve que subir nele e seguir mais adiante, segundo as forças da correnteza, mas não demorou muito e já estava se jogando a mais de mil para o centro da cidade, para a praça da igreja. Ao chegar bateu mais forte ainda na porta, apressado, alvoroçado demais.
Filó apareceu para abrir e quase é arremessada ao chão pelo modo como ele entrou igreja adentro. Assustada, ela perguntou o que estava acontecendo e ele começou a gritar chamando todo mundo. Parecia realmente outro, apreensivo, nervoso, esquecendo até mesmo de perguntar pelo seminarista. Quando apareceram Minervina, Socorro e Custódia, amedrontadas e indagando o que motivava aqueles gritos, ele apenas perguntou se sabiam alguma coisa sobre um caderninho que estava ali na igreja.
As mulheres se entreolharam e, mesmo sabendo do que se tratava, acharam melhor pedir que se acalmasse que depois poderiam conversar sobre o que ele queria saber. Contudo, antes que começassem qualquer conversa com ele, eis que da porta da sacristia irrompe Antonieta, aflita, desesperada.
Já partiu de lá gritando, dizendo que tinha visto o tal caderninho, a agenda ou coisa parecida, e que até tinha lido alguma coisa que estava dentro dela, mas que não havia conseguido ler o resto porque assim que botou os olhos no escrito sentiu uma coisa diferente pelo corpo, sentiu-se tomada por uma força muito poderosa e estranha e desmaiou em seguida.
Ao ouvir tal relato, os olhos de Teté começaram a brilhar alegremente, foi se acalmando, tomando outro prumo e deixando de lado aquela apreensão agonizante. Chamou Antonieta mais pra perto e perguntou:
“Como você encontrou o tal caderninho, onde ele está agora, o que você leu, o que estava escrito que você começou a ler e desmaiou?”. Mesmo diante de tantas indagações, Antonieta se pôs a respondê-las pelo que conseguia lembrar, pelo que lhe vinha à mente naquele momento. Mas respondeu com sinceridade:
“Nunca imaginei que algum dia eu tivesse que prestar esclarecimentos a você Teté, mas deixe pra lá. O que é a vida, hein? Pois bem, então vamos lá, vamos ver do que me lembro. O caderninho foi achado debaixo da cama da sacristia e peguei ele já de Minervina, num momento de distração dela, mas foi só por curiosidade. Mas como fui expulsa em seguida de lá da sacristia, acabei saindo nas carreiras com ele na mão, sem que ninguém percebesse. Como o caderninho estava na blusa de Antonieta, por entre os peitos, quando peguei e saí talvez ela nem tenha percebido no momento, somente depois é que certamente deu por falta do objeto, que já estava comigo aqui fora, bem ali perto do altar, na claridade da vela. Com aquilo em mãos me despertou uma curiosidade medonha e então resolvi abrir para ler o que estava escrito. Lembro bem que fui passando página por página e na primeira encontrei uma folha seca e na segunda uma pequena cruz desenhada, mas quando fui passando as páginas alguma coisa caiu no chão e quando apanhei vi que era um recorte de jornal bem antigo. Contudo, a coisa começou a ficar estranha e misteriosa nesse ponto, porque o jornal era antigo e a notícia também, porém a data era a de hoje...”.
Nesse passo todos já estavam nervosos, boquiabertos, querendo saber o que dizia a notícia. E Antonieta continuou, agora pensativa, como se estivesse tentando lembrar alguma coisa: “O título da notícia era, era, era...”. E eis que de repente o seminarista Tristão aparece na porta da sacristia e vem ao encontro de todos, dizendo:
“O título da notícia era “A Vingança da Tempestade”, não era mesmo Antonieta?”. E esta confirmou assustada. Os demais presentes estavam completamente pasmos, surpreendidos com aquela aparição repentina, sem saber o que fazer nem dizer, apenas observando o que diria agora o seminarista, já demonstrando sinais de plena recuperação. E este procurou se aproximar ainda mais e prosseguiu:
“Será que a notícia era esta Antonieta?”. E sem ter qualquer escrito nas mãos disse letra por letra:
“Tudo parecia mais um dia normal, com sol e muito calor até por volta da uma hora da tarde. Daí em diante o mundo começou a se transformar e a vida dos moradores num verdadeiro dilema, em dores e muitas aflições. E tudo porque, do nada, em pleno céu azul e nuvens brancas, de repente se formou uma tempestade veloz, infernal e furiosa, acompanhada de ventos que derrubavam tudo que encontrava pela frente, trazendo ainda consigo raios e tempestades e outras forças misteriosas da natureza. Faltou água, energia e telefone, os serviços essenciais da cidade fora todos paralisados e nem os hospitais e postos de saúde puderam mais funcionar. Em menos de uma hora tudo ficou escurecido, ficou a noite mais escura e tenebrosa, as ruas ficaram completamente alagadas, praças foram destruídas, árvores foram dobradas pela força do vento e troncos logo foram levados nas águas furiosas. Rios, riachos e barragens transbordaram e até mesmo casas de alicerces reforçados foram destruídas. As casas mais pobres ficaram praticamente arrasadas, com muitas delas vindo abaixo ou ficando completamente destelhadas. Foi grande o número de desabrigados, desalojados e desaparecidos, havendo relatos de mortes. Contudo, o mais impressionante é que tudo isso não foi causado por nenhuma mudança climática nem por força de intervenção divina, mas pelo próprio homem. Não propriamente por homens, mas por...”.
“Por quem?”, gritou Teté.

                                                        continua...





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quinta-feira, 28 de julho de 2011

OLHANDO A VIDA DOS OUTROS (Crônica)

OLHANDO A VIDA DOS OUTROS

                             Rangel Alves da Costa*


Olhar o outro naquilo que ele tem de melhor, mirar-se nos seus exemplos, ter o próximo como espelho para a prática de determinados atos e tomar certas atitudes, tudo isso é dignificante para o ser humano. Imperfeito que é, será sempre útil apreciar as realizações profícuas para também construir.
Contudo, não é bem assim que acontece com muitas pessoas. E muito mais do qualquer um possa imaginar. Tem gente que leva a vida, desde o amanhecer ao abrir a porta (se já não o fez por cima do muro) até o anoitecer, se preocupando única e exclusivamente com a vida dos outros.
Para estas, o dia não será bom se ao sair na calçada os seus olhos não encontrarem nada nem ninguém passando para a festa da inveja, do preconceito, do escárnio, da desonra silenciosa, do sorriso maldoso. Descortinar a vida do outro desde cedinho é o maior prazer que se tem, ainda que abjeto e abominável.
E sai no afã de enxergar adiante uma saia mais curta, uma roupa rasgada, um cabelo tingido, namorados que passam de mãos dadas, a moça que beija o rapaz, o vizinho que comprou um móvel novo e a loja veio fazer a entrega, o óculos novo de alguém, a motocicleta que foi adquirida, as mulheres que conversam nas proximidades, tudo enfim.
E a cada visão, com o corpo tomado de inveja, a mente sempre pensando o pior e o corpo todo enegrecido pelo mau-caratismo, é como se a vida só tivesse sentido pelo que os outros são, fazem, compram, gostam. A pessoa em si nem olha para o seu íntimo, nem se preocupa em saber se ainda possui alguma virtude, se é sempre melhor ter a sua vida inteira em função da vida dos outros.
E para tomar ciência do que os outros fazem e, consequentemente, mais tarde procurar uma de igual índole para ouvir suas mentiras, fofocas e aleivosias, esquece da própria casa e de tudo que tinha a fazer. Muitas vezes para de varrer a calçada para lançar o olhar maldoso sobre alguém, esquece a panela no fogo, o ferro de passar sobre a roupa, deixa de atender o esposo, sai correndo descalça só pra olhar o que está acontecendo mais adiante.
Triste sina a dessas pessoas, mas tão costumeira que esse indigno hábito pode ser constatado em cada esquina, em cada trecho, em cada porta ou janela que de repente se abra. E quando os olhos não têm o prazer de observar de per si, logo saem de suas casas em busca de construir o alimento para seus espíritos nojentos e vulgares.
Conheço pessoas que vivem mais nas portas do que mesmo dentro de casa. Quando o sol está feroz, recostam-se na janela e parece quem não têm mais nada a fazer na vida. Ao entardecer colocam cadeiras nas calçadas e sentam com a avidez dos famintos. E os olhos chegam a brilhar, girando de um lado a outro, procurando alguma coisa que motive curiosidade, que seja digna de preocupação. Ora, isto porque a preocupação com a vida dos outros é o que alimenta essa corja.
Para pessoas com tal caráter, entremeado de maledicência e falsidade, não há coisa pior do que a vida passar normal diante dos seus olhos. Chegam a ficar doentes, nervosas, aperreadas, se um vizinho não faz nada que cause inveja, que seja motivo de fofoca, que passe e esqueça de falar. Qualquer coisa que aconteça e o espírito se enche de motivação para, silenciosamente, desejar o pior para o próximo, esperar que ele se dê mal naquilo que conquistou.
Mas como o silêncio é sempre inimigo de gente desse vil caráter, a boca chega a queimar e a língua a coçar para aumentar em muito aquilo que viu, inventar o que não pode ver, construir qualquer mentira. E sai correndo em busca de outra fofoqueira para fazerem a festa.
E no encontro a primeira coisa que se observa é a cara de sonsice, o jeito de quem não sabe de nada e o início da conversa sempre por outro assunto diferente. Em seguida, uma diz que nem gosta de falar nada da vida dos outros, mas o que viu não pode deixar de opinar. E a outra diz a mesma coisa, que odeia fofoca e conversinha, mas tem coisas que não podem passar em branco. Então começa a maior safadeza do mundo, o desfazimento, o enlameamento, o mais completo rebaixamento de pessoas que nem sonham que estão delirando com o seu nome.
Daí ser verdadeira a máxima dizendo que quando a orelha começa a queimar é porque estão falando mal da pessoa. Se a orelha queima tanto nas pessoas de bem, não seria injusto que em certas pessoas a língua caísse e os olhos cegassem para determinadas situações.



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Hoje, um dia... (Poesia)

Hoje, um dia...



Vou ser breve
é a última folha que tenho
o candeeiro está apagando
a chuva já vai embora
e lembrei que hoje
é dia de chorar na janela
ao menos um pranto
mas preciso chorar na janela
você me ensinou assim
pois um dia me disse
que mesmo se chegar o fim
ainda existirá no jardim
ainda estará no jardim
feito uma flor de saudade
que sobreviverá da lágrima
e da esperança que o amor
renasça em qualquer manhã
pelo que tanto semeamos
no sofrimento e na dor
e sem jamais dizer adeus.

Rangel Alves da Costa

TEMPESTADE - 80 (Conto)

TEMPESTADE – 80

                          Rangel Alves da Costa*


Assustado, Teté olhou para todos os lados para ver se avistava a presença de alguém. Contudo, apenas o negrume entrecortado pelo luzir frenético dos relâmpagos e a voz se fazendo ouvir como se não saísse apenas da pedra, mas de tudo que havia ao redor, das plantas, dos galhos, da chuva, da noite:
“Meu bom rapaz de coração puro, inocente como a manhã e amigo feito o passarinho, admiro em ti o reconhecimento pelo erro cometido e o pedido de perdão feito. Adianto, menino homem, que contra teu pensamento, teus atos e ações, bem como tuas ilusões de ser dono do impossível, não merecerá propriamente uma sentença, como se já fosse o momento do juízo final. Não, contra ti não caberá nenhuma pena, nenhum castigo, nenhuma reprimenda, nenhum constrangimento. O reconhecimento do erro cometido já bastou para o teu perdão. Ademais, onde buscar a culpa numa mente que não distingue perfeitamente, para agir intencionalmente, um erro grave de uma mera intenção? Como culpabilizá-lo de um ato que jamais seria capaz de cometer, de praticar, de levar adiante intencionalmente? Não existe em ti a índole dos ruins, dos perversos, dos maledicentes. Como diz a justiça dos homens, não pode ser culpado aquele comete um crime impossível. Essa história de que mandaste que essa tempestade se fizesse, que ela caísse assim tão voraz para punir determinadas pessoas, nada disso há de ser considerado. Ora, meu bom rapaz, assim como não pode dispor da tempestade, por ser um ato de vontade divina, do mesmo modo não poderia ser culpado pelas suas consequencias. Na verdade, digo meu bom menino, houve apenas uma coincidência entre o seu pedido ingênuo e inocente para cair a tempestade e o que deveria realmente acontecer por vontade divina. Assim, não deve ficar entristecido nem se sentindo culpado por nada, pois tudo que ocorreu e ainda está acontecendo faz parte da natureza, faz parte dos desígnios do céu sobre a terra...”.
“Mas então eu não sou dono de nada, dessa chuva, dessa ventania, desses raios, desses trovões?”, indagou Teté desconsolado. E a voz continuou:
“Meu rapaz, ainda que certas pessoas sejam dotadas de um espírito tão puro, humano e fraterno, ainda assim não poderiam dispor dos atributos divinos para ter poder sobre as coisas da criação. E Deus criou todas as coisas pelo seu poder e por amor: “No princípio criou os céus e a terra, e a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e a luz se fez. E viu Deus que era boa a luz; e fez a separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz dia, e às trevas chamou noite”. Tudo isso que vê ao redor faz parte da natureza. As chuvas, as mudanças no tempo, tudo isso é uma extensão da natureza e esta, ainda que muitos não compreendam e se revoltem, está sob o controle divino. A Bíblia diz em Salmos 19:1 que “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”. Isto significa que tudo que está no firmamento, como o tempo e suas mudanças, está sob a ordem divina. Cabe a Deus dispor sobre as chuvas e as secas, a brisa e a ventania, o frio e o calor, mas agindo sempre em consonância com as ações humanas sobre a natureza. Tenha certeza, meu bom rapaz, que tudo que ocorre na natureza tem as mãos e o poder de Deus. A Bíblia diz em Marcos 4:39-41 “E ele, levantando-se, repreendeu o vento, e disse ao mar: Cala-te, aquieta-te. E cessou o vento, e fez-se grande bonança. Então lhes perguntou: Por que sois assim tímidos? Ainda não tendes fé? Encheram-se de grande temor, e diziam uns aos outros: Quem, porventura, é este, que até o vento e o mar lhe obedecem?”. Como viste, rapaz, tudo é de Deus e a ele cabe decidir sobre tudo. Sobre essa tempestade e sobre o sol que virá após ela, se assim for decidido que o sol volte a brilhar sobre a terra...”.
“Mas então eu não mando em nada, não posso nem pedir para essa tempestade ir embora, já que ela só trouxe destruição, mortes, angústias e sofrimentos?”, perguntou Teté, já ajoelhado. E a voz continuou:
“Antes que te responda vou dizer uma coisa, que também servirá como alerta e poderá transmitir aos outros homens. Deus criou tudo e esperou que o homem, sua principal criatura, agisse sobre sua criação. O que homem fez senão destruir? A Carta a Tiago 3:7 fala sobre o domínio do homem sobre a natureza: “Porque toda a natureza, tanto de bestas feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se amansa e foi domada pela natureza humana”. O que isto significa? Simplesmente que a natureza foi domada pelo homem, que a degradou e destruiu, e cujas consequencias podem ser vistas quando cai uma tempestade dessas e arrasta tudo que encontra pela frente. Ora, meu filho, as chuvas são obras divinas, mas tudo com seu comedimento, mas quando o homem desmata e torna tudo demasiadamente aquecido, o que deveria vir como chuva se torna rapidamente numa tempestade destruidora, que infelizmente faz vítimas inocentes...”.
E Teté insistiu: “Mas eu quero fazer alguma coisa pra parar essa tempestade!”. E a voz continuou:
“Só cabe a Deus decidir sobre essas coisas, mas terá, como bom filho e bom homem, essa oportunidade. Se queres aplacar a fúria da tempestade e os seus acompanhamentos, então terá a chance de realizar seu desejo. Basta que vá até a igreja, encontre um caderninho que contém uns escritos, peça para alguém ler, em voz alta o que consta nele para as outras pessoas que se encontram ali, e em seguida rasgue-o completamente e jogue os seus restos na maior enxurrada que puder encontrar. E depois terá o seu desejo realizado, terá uma manhã, terá o sol, terá o retorno da vida, ainda que no seu doloroso estado normal...”.
Então Teté se levantou animado, agradecido, dizendo que desceria a montanha naquele mesmo instante para seguir até a igreja e encontrar o tal caderninho. Já ia saindo em disparada quando parou pra perguntar: “Quem é você dono dessa voz?”.
“Eu sou aquele que te dará o sol!”

                                                     continua...






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quarta-feira, 27 de julho de 2011

EU E MEU ANJO (Crônica)

EU E MEU ANJO

                                 Rangel Alves da Costa*


O anjo recebeu um urgente chamado, entrou num raio de luz e sumiu. Na pressa, sem ter tempo nem para se despedir, acabou esquecendo suas asas aqui. E ainda estão ali, na cadeira da sala de estar, no mesmo local onde ele me guardava antes de sumir.
Meu anjo é o guardião mais bonito que existe, numa sublime fosforescência, de voz macia e firme, com asas de plumagem que chegam a soprar uma leve e dançante poeira de minúsculas estrelas, mensageiro obediente, tanto do que peço em preces e orações, como às ordens que chegam de lá de cima.
É meu amigo, meu confidente, é tudo, mas às vezes discordamos um pouco e entramos em pé de guerra. Insiste em querer me acompanhar por todos os lugares aonde vou, até mesmo naqueles que não cabe a estranhos saber. Mas diz que não é estranho e voeja ao meu lado, ora ao lado direito do meu ombro, ora à minha esquerda.
Outras vezes, em momentos que somente ele pressente ser necessário, vai à minha frente, abrindo caminhos, me protegendo, me alertando para as pedras no caminho e os olhos nos labirintos, me soprando ao ouvido que vá, que tenha cuidado, que faça isso ou aquilo. Não raro sinto como se estivesse no meu próprio corpo, dentro de mim, me tomando todo. E depois eu entendo por que.
Quando estou com raiva digo que volte pra onde não deveria ter saído, que vá cuidar de sua vida, vá ser anjo de outro e em outro lugar, e que me deixe em paz. Já sou maior, sei o que quero, sei o que faço. Mas ele parece que nem ouve, não está nem aí pra o que digo, e se aproxima lentamente de mim e me chama de criança, de aprendiz da vida, de sonhador que não sabe o que quer. Acaba me convencendo que sou isso mesmo.
E se faço que não ouço ele dá o troco na hora. Diz que tudo que já fiz na vida foi acertado, que nunca errei a estrada por onde deveria seguir, que posso viver eternamente despreocupado porque não existem pessoas ruins no meu caminho. E é por isso que sou feliz demais, tenho plena satisfação no amor, que até hoje nunca sofri com falsidades, mentiras, invejas. Depois me pergunta se é verdade ou não é.
Faz isso porque sabe que nada disso é verdade e por isso mesmo preciso tanto de sua proteção. Não deixa de ser uma chantagem, e mesmo vindo, partindo de um anjo, é nitidamente um meio de me colocar na parede, uma forma de me deixar sem argumento para contradizê-lo e valorizar a sua presença. E tem sempre razão o desafeto que mais admiro.
Procuro mostrar que não preciso dele, porém não tem jeito. Horas e horas ele fica invisível, não dá um só sinal de presença e até penso realmente que ele foi atender algum chamado lá em cima. Então começo a escrever poemas de amor, ouvir músicas apaixonadas, reler as cartas guardadas, colocar novamente a fotografia dela em cima da estante, tomar um copo de vinho e ficar na janela pensando na ingrata.
E quando estou bem triste, em tempo de chorar mesmo, ouço uma voz bem ao meu lado perguntando se quer ajuda para tê-la de volta. Digo não, e ele diz sim, repito não, e ele repete sim. Mas quando enfim digo sim, ele diz que ainda não é o tempo certo, ainda não é o momento de reencontrá-la, e simplesmente porque apenas sinto saudades e tenho recordações, mas não sei se ainda a amo de verdade. E ele completa dizendo que o amor é tão importante num ser humano que qualquer dúvida sobre sua existência já não é tanto amar.
Mas neste momento sei que ele não está aqui. Recebeu um chamado urgente e teve que ir conversar com Deus, e com tanta pressa partiu num raio de luz que até esqueceu suas asas. Eu bem poderia escondê-las para sentir a sua reação quando retornasse, mas prefiro deixá-las no mesmo lugar e sair por aí como há muito tempo eu queria, livre e sozinho, sem ter guardião algum ao meu lado.
Mas é impossível andar sozinho sem ter um mundo ao redor acompanhando cada passo, olhando tudo que faz, vigiando sua vida. Se ao menos o meu anjo estivesse ao meu lado, a me dizer pequenas coisas, a me orientar. Mas hoje ele não está, porque se estivesse aqui sopraria que não fosse por aquele lado. Mas é minha intuição própria não ir mesmo por ali. Será?



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Ainda que meus olhos... (Poesia)

Ainda que meus olhos...



Ainda que meus olhos
não chorassem mais
tantas lágrimas de saudade
e o meu coração aflito
tivesse de tanta dor piedade
não haveria como ficar aqui
ao sopro feroz desta cidade
se tenho um berço e um chão
e uma família de verdade

ainda que meus olhos
não chorassem mais
porque o lenço foi guardado
e a mala esteja arrumada
e só querem enxergar a distância
o destino certo na estrada
quero que olhe aquela fumaça
aquele andaime e aquela escada
para nem sentir saudades
quando a casinha for avistada

ainda que meus olhos
estejam esturricados
águas perdidas na dor
quero sentir tempestade
água caindo no chão
depois da cancela
dentro do meu sertão
encharcando a família
alegria demais no coração.

Rangel Alves da Costa

TEMPESTADE - 79 (Conto)

TEMPESTADE – 79

                          Rangel Alves da Costa*


A montanha era a melhor amiga que Teté possuía, disso ele não duvidava. Ao menos nunca iria ficar com raiva nem falar mal, disso também ele tinha certeza. Nos instantes de solidão, quando queria apreciar a natureza, conversar consigo mesmo e com a pedra que ficava lá em cima, corria e num instante chegava ao local. Ali se sentia noutro mundo, em paz, pertinho de Deus.
Se a montanha era sua melhor amiga, não havia quem conhecesse sua vida mais que a pedra onde ele sempre ficava quando chegava ali. Embaixo de um pé de pau, num ponto estratégico, a pedra era como se fosse um trono onde cada um que sentasse nela e apreciasse a vista ao redor se sentia verdadeiro rei. Mas soberano humildemente ajoelhado diante das grandezas da criação.
Desse modo, quando sentiu que sua cabeça estava a ponto de explodir cheia de culpa pela tempestade que tinha certeza ter mandado cair sobre a cidade e região, bem como se viu impulsionado a buscar uma rápida solução para o problema causado, o maluquinho sentiu que precisava prestar contas a si mesmo. Somente na montanha ele poderia se encontrar, se indagar, perguntar a pedra o que deveria fazer, encontrar enfim uma solução.
Mas com a tempestade que não dava trégua era quase impossível chegar à montanha. Ela ficava próxima à cidade, porém depois do riachinho, entrando em vereda, fazendo curva. Contudo, nem pensou duas vezes, pois na carreira que estava foi vencendo tudo como se tivesse o dom de correr sobre as águas e foi diretamente para uma parte mais alta de onde o riachinho descia com mais força.
Chegando ao local, derrubou um tronco e o arrastou até a correnteza das águas e depois se deitou sobre ele e foi dando braçadas até o ponto que queria. Mais adiante fez a madeira encostar-se à margem, no local exato que daria acesso à vereda que o levaria à base da montanha. Então começou outra correria, a maior pressa do mundo, pois a cabeça ainda estava completamente tomada por sentimentos de culpa e ansioso para dar logo um basta nessa situação.
Nenhuma outra pessoa conseguiria subir na montanha do jeito que ela estava com a tempestade, a não ser logicamente o maluquinho. Perecia enxergar tudo em meio ao negrume, saber por onde deveria seguir, ter um norte exato em tudo que fazia. É até difícil acreditar, mais ele preferiu subir pelo meio do mato, segurando em árvores e paus, fazendo de caminho qualquer lugar onde pudesse colocar o pé. E não demorou muito chegou ao cume, ao ponto mais alto da montanha, onde havia uma imensa árvore e a pedra amiga debaixo dela.
Ao chegar ao local nem parecia ter feito tanto esforço. Não demonstrava qualquer tipo de cansaço, de arranhões ou machucões pelo corpo, apenas o aspecto tristonho que não queria lhe abandonar. Continuava realmente triste, angustiado, se culpando demais, em tempo de enlouquecer mais ainda. Por isso mesmo olhou para a amiga pedra e ficou em silêncio. Era a primeira vez que deixava de cumprimentar a pedra quando chegava ali.
Contudo, sentou por cima dela e entristeceu mais ainda pela visão que passou a ter de tudo ao redor. As luzes surgiam repentinamente e a dor aumentava ainda mais. Na escuridão, com a chuva cortante, a ventania ainda mais forte naquele local e os relâmpagos parecendo que riscavam ao lado, não havia como não lamentar que um lugar tão belo agora parecesse um mirante de observação para o mundo que se acabava lá embaixo. Baixou a cabeça e começou a chorar.
Ainda em meio ao choro começou a falar com a pedra:
“Desculpe se não falei com você. Você me viu chegar e também não falou comigo, como sempre faz com a sua eterna mudez. Se não fosse pedra eu ia forçar você a falar direitinho. Mas deixe isso pra lá, pois sei que depois que ouvir o que tenho a dizer ou me diz alguma coisa, me ajuda, ou nunca mais venho aqui, subo nessa montanha e venho sentar pertinho de você...”.
Levantou, pegou umas pedrinhas pequenas e jogou bem longe, caminhava de um lado a outro e continuou:
“Você lembra que eu vim aqui outro dia rezar pra Deus me ajudar ser dono, ao menos por um dia, da maior tempestade que houvesse? E pedi a tempestade e pra ser dono dela por que queria fazer medo àqueles que gostam de zombar de mim, de me chamar de doido e fazer comigo um monte de crueldades que não mereço, como você bem sabe? Rezei tanto, fiz tanta prece que acabei sendo atendido. A chuva veio e ainda tai em enxurrada, com toda força e ferocidade. É água caindo de não acabar, mas também trovão, relâmpago, ventania e muito mais. É um monte de coisa junto e destruindo tudo. O pior é que está destruindo tudo, A tempestade que pedi, a que veio pra eu ser o dono, veio e perdi o controle e agora ela tá destruindo tudo. Por isso mesmo é que voltei aqui pra falar novamente com Deus. Preciso que ele me escute, me perdoe se fiz um pedido ruim e faça com que essa tempestade vá logo embora, acaba de uma vez por todas, pois não suporto mais ver tanto padecimento, tanta gente sofrer por minha culpa. Tem havido morte, desabamento, triste e aflição, e eu não quero mais ser o responsável por isso não. O que você me diz minha pedra, se eu pedir ele me atende novamente, só que dessa vez pra desfazer o malfeito?”.
E começou a chorar novamente, tendo até dificuldades para continuar expondo sua dor para a pedra. Mas continuou com a voz entrecortada:
“O que você me diz, será que ele vai me ouvir novamente? E pensando bem, minha pedra amiga, eu não sou dono de nada, principalmente das coisas de Deus. Quem sou eu pra querer ter o poder divino de fazer chover ou começar a estiagem? Quem sou eu pra...”. E se assustou porque começou a ouvir uma voz, e tinha certeza que vinha da pedra. Eis que Deus encontrou na impossível boca daquela solidez um meio de se expressar.

                                                   continua...





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