TEMPESTADE – 80
Rangel Alves da Costa*
Assustado, Teté olhou para todos os lados para ver se avistava a presença de alguém. Contudo, apenas o negrume entrecortado pelo luzir frenético dos relâmpagos e a voz se fazendo ouvir como se não saísse apenas da pedra, mas de tudo que havia ao redor, das plantas, dos galhos, da chuva, da noite:
“Meu bom rapaz de coração puro, inocente como a manhã e amigo feito o passarinho, admiro em ti o reconhecimento pelo erro cometido e o pedido de perdão feito. Adianto, menino homem, que contra teu pensamento, teus atos e ações, bem como tuas ilusões de ser dono do impossível, não merecerá propriamente uma sentença, como se já fosse o momento do juízo final. Não, contra ti não caberá nenhuma pena, nenhum castigo, nenhuma reprimenda, nenhum constrangimento. O reconhecimento do erro cometido já bastou para o teu perdão. Ademais, onde buscar a culpa numa mente que não distingue perfeitamente, para agir intencionalmente, um erro grave de uma mera intenção? Como culpabilizá-lo de um ato que jamais seria capaz de cometer, de praticar, de levar adiante intencionalmente? Não existe em ti a índole dos ruins, dos perversos, dos maledicentes. Como diz a justiça dos homens, não pode ser culpado aquele comete um crime impossível. Essa história de que mandaste que essa tempestade se fizesse, que ela caísse assim tão voraz para punir determinadas pessoas, nada disso há de ser considerado. Ora, meu bom rapaz, assim como não pode dispor da tempestade, por ser um ato de vontade divina, do mesmo modo não poderia ser culpado pelas suas consequencias. Na verdade, digo meu bom menino, houve apenas uma coincidência entre o seu pedido ingênuo e inocente para cair a tempestade e o que deveria realmente acontecer por vontade divina. Assim, não deve ficar entristecido nem se sentindo culpado por nada, pois tudo que ocorreu e ainda está acontecendo faz parte da natureza, faz parte dos desígnios do céu sobre a terra...”.
“Mas então eu não sou dono de nada, dessa chuva, dessa ventania, desses raios, desses trovões?”, indagou Teté desconsolado. E a voz continuou:
“Meu rapaz, ainda que certas pessoas sejam dotadas de um espírito tão puro, humano e fraterno, ainda assim não poderiam dispor dos atributos divinos para ter poder sobre as coisas da criação. E Deus criou todas as coisas pelo seu poder e por amor: “No princípio criou os céus e a terra, e a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e a luz se fez. E viu Deus que era boa a luz; e fez a separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz dia, e às trevas chamou noite”. Tudo isso que vê ao redor faz parte da natureza. As chuvas, as mudanças no tempo, tudo isso é uma extensão da natureza e esta, ainda que muitos não compreendam e se revoltem, está sob o controle divino. A Bíblia diz em Salmos 19:1 que “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”. Isto significa que tudo que está no firmamento, como o tempo e suas mudanças, está sob a ordem divina. Cabe a Deus dispor sobre as chuvas e as secas, a brisa e a ventania, o frio e o calor, mas agindo sempre em consonância com as ações humanas sobre a natureza. Tenha certeza, meu bom rapaz, que tudo que ocorre na natureza tem as mãos e o poder de Deus. A Bíblia diz em Marcos 4:39-41 “E ele, levantando-se, repreendeu o vento, e disse ao mar: Cala-te, aquieta-te. E cessou o vento, e fez-se grande bonança. Então lhes perguntou: Por que sois assim tímidos? Ainda não tendes fé? Encheram-se de grande temor, e diziam uns aos outros: Quem, porventura, é este, que até o vento e o mar lhe obedecem?”. Como viste, rapaz, tudo é de Deus e a ele cabe decidir sobre tudo. Sobre essa tempestade e sobre o sol que virá após ela, se assim for decidido que o sol volte a brilhar sobre a terra...”.
“Mas então eu não mando em nada, não posso nem pedir para essa tempestade ir embora, já que ela só trouxe destruição, mortes, angústias e sofrimentos?”, perguntou Teté, já ajoelhado. E a voz continuou:
“Antes que te responda vou dizer uma coisa, que também servirá como alerta e poderá transmitir aos outros homens. Deus criou tudo e esperou que o homem, sua principal criatura, agisse sobre sua criação. O que homem fez senão destruir? A Carta a Tiago 3:7 fala sobre o domínio do homem sobre a natureza: “Porque toda a natureza, tanto de bestas feras como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, se amansa e foi domada pela natureza humana”. O que isto significa? Simplesmente que a natureza foi domada pelo homem, que a degradou e destruiu, e cujas consequencias podem ser vistas quando cai uma tempestade dessas e arrasta tudo que encontra pela frente. Ora, meu filho, as chuvas são obras divinas, mas tudo com seu comedimento, mas quando o homem desmata e torna tudo demasiadamente aquecido, o que deveria vir como chuva se torna rapidamente numa tempestade destruidora, que infelizmente faz vítimas inocentes...”.
E Teté insistiu: “Mas eu quero fazer alguma coisa pra parar essa tempestade!”. E a voz continuou:
“Só cabe a Deus decidir sobre essas coisas, mas terá, como bom filho e bom homem, essa oportunidade. Se queres aplacar a fúria da tempestade e os seus acompanhamentos, então terá a chance de realizar seu desejo. Basta que vá até a igreja, encontre um caderninho que contém uns escritos, peça para alguém ler, em voz alta o que consta nele para as outras pessoas que se encontram ali, e em seguida rasgue-o completamente e jogue os seus restos na maior enxurrada que puder encontrar. E depois terá o seu desejo realizado, terá uma manhã, terá o sol, terá o retorno da vida, ainda que no seu doloroso estado normal...”.
Então Teté se levantou animado, agradecido, dizendo que desceria a montanha naquele mesmo instante para seguir até a igreja e encontrar o tal caderninho. Já ia saindo em disparada quando parou pra perguntar: “Quem é você dono dessa voz?”.
“Eu sou aquele que te dará o sol!”
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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