SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 24 de julho de 2011

PEQUENAS VERDADES (Crônica)

PEQUENAS VERDADES

                         Rangel Alves da Costa*


Quanto mais caminha mais o homem sabe que um dia chegará a uma margem, a um limite, a uma fronteira; o problema é saber se colocará o pé no outro lado com consciência ou terá que ser forçado a ultrapassar a linha da vida.
A manhã sempre surge com cara de renascimento; o entardecer com feição de retorno ao passado através das recordações; e a noite com semblante de querer que venha logo a manhã seguinte. É este o ciclo da esperança e do desespero.
Há sempre orvalho na folha para o olhar que enxerga o jardim com ar de tristeza; se a lágrima cai sobre a folha é porque o jardim também precisa chorar. Em tudo há um modo próprio de se expressar o entristecimento.
Não é verdade que se a poesia de amor tivesse boca beijaria, tivesse mãos acariciaria, tivesse palavra diria eu te amo, tivesse sexo amaria; mas é verdade que se a poesia de amor tivesse tudo isso já estaria na solidão, pois dificilmente ainda amam com sublimação.
Para impressionar, um brilhante nem se compara a um buquê de flores do campo; o brilho tem um poder tão grande que as pessoas esquecem-se dos gestos simples e sinceros, como também esquecem que o amor não existe se não for construído através de gestos simples e sinceros, assim como um buquê de flores do campo.
Todo relógio é neutro, quieto, passivo, sem causar efeito algum. As pessoas é que marcam os acontecimentos, correm, se apressam, se adiantam, se atrasam, batem o ponto, fazem da vida um mecanismo com mostrador, ponteiros, minutos, horas e segundos. A culpa nunca é do relógio, mas dos olhos que o teme cada segundo.
Qualquer um pode passar pelo jardim e quebrar um galho com uma flor e jogar pelo chão; do mesmo modo qualquer um pisará no galho com a flor sem nenhum problema; contudo, se na tarde chuvosa estiver na janela sem jardim adiante e uma flor vier sendo trazida pela água, então logo enxergará a cena mais triste da vida.
Duvide de tudo. Duvide da ciência, da religião, da seita, da igreja, do governo, do parlamento, do vizinho, do dócil animal, do amigo, do jornal, da pesquisa, do muro novo que você vai passar ao lado, do avião que está lá em cima, de tudo que conhece e que não conhece. E duvide até de você se duvidar da existência e da presença de Deus.
Só converse coisas boas com o barbeiro, o açougueiro, o amolador de facas. É perigoso demais deixar nervoso ou raivoso quem vive com lâmina afiada na mão. Por conseqüência, faça o mesmo com a vizinha fofoqueira, pois nunca se sabe a sede ferina que possui sua língua.
Todo jardineiro é poeta sem saber; todos os dias ele escreve os mais belos versos sem saber; todas as manhãs ele vai juntando palavras na terra, depois espalha estrofes em canteiros, procura encontrar a métrica em cada raiz, rima cuidadosamente cores e espécies, traz um inigualável brilho em cada flor que se abre. Depois publica tudo num ramalhete e entrega à leitura dos olhos da amada.
Debaixo de um mesmo sol está o deserto, a praia, o sertão, a rua; debaixo da mesma lua está a metrópole, o campo, a praça, o mato, a escuridão desconhecida e a cidade iluminada; a mesma ventania sopra no varal, nos cabelos, na montanha, no mar, nas campinas; tudo que existe na está abaixo do céu, do firmamento, das nuvens, dos astros. O mesmo Deus é o Deus de todos, ainda que com outras designações. Por que a natureza humana é tão diferente?
Não há voz mais audível do que a do silêncio. Sempre que alguém se pergunta por que tanto silêncio está ouvindo a sua própria voz perguntando; sempre que não estiver sendo ouvida qualquer palavra, barulho ou sussurro é porque a pessoa também não está lá; sempre que a pessoa quiser silêncio absoluto deverá gritar para silenciar todas as outras coisas.
Todas as vezes que um espelho se quebra, as pessoas jogam foram seus pedaços sem recolher o álbum de fotografias que está no seu verso, no outro lado onde foram revelados e ficaram guardados os instantâneos da vida, cada momento que sem perceber a pessoa foi ali se olhar.
O adeus é sempre mais doloroso quando a pessoa que parte vai a Deus.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com      

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