SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 12 de julho de 2011

TEMPESTADE - 64 (Conto)

TEMPESTADE – 64

                          Rangel Alves da Costa*


Quando Teté saiu porta afora levando pelo braço Antonieta completamente nua, numa cena indescritivelmente estranha e diferente, as mulheres começaram a se olhar um tanto quanto temerosas com aquela situação e suas possíveis consequencias.
“Confio muito em Teté, mas maluquinho como ele é não haveria nenhum perigo de atacar essa coitada nua não? A verdade é que homem é homem, e seja são ou doido, quando vê mulher nua fica tudo amalucado mesmo.”.
Foram as considerações feitas por Rosinha, ao que Custódia acrescentou em tom de brincadeira: “Se ela tivesse com o juízo bom quem ia sofrer era ele, tendo que fazer a pulso o que talvez o maluquinho nunca tenha feito. O coitado ia ver com quantos paus se faz uma canoa. E bote navio nisso, com a safada da Antonieta. Mas que Deus me perdoe, diante do adoecimento dela...”.
“Medo dá, é verdade, mas tem de ser assim mesmo. A gente nunca sabe o que acontece na cabeça de um doido já adoidado de nascença e de uma doida adoidada recentemente. Mas acho que o bichinho nem pensa nessas coisas, muito pior quando se trata de um tribufú daquele. Mulheres, vocês viram como Antonieta tá derrubada, com o corpo acabado que só percebe quem vê ela nua. Vestida ainda é apertadinha, mas sem roupa é peito mole, pelanca na barriga, estria que não acaba mais. E a bunda murcha, vocês viram a bunda de saco vazio dela?...”. E Filó foi interrompida por uma Minervina chateada com essas conversas:
“É melhor vocês deixarem de falar besteira. Voltem lá pra perto do doentinho que é melhor. Daqui a pouco os dois entram de novo por essa porta sem ter acontecido nada do que vocês imaginam. Ademais, o corpo é dela e vocês não têm nada a ver com isso ou aquilo. E atire a primeira pedra, atire a primeira pedra...”.
Lá fora, mantendo uma distância de visibilidade, Teté soltou a doidinha e deixou-a livre para ir onde quisesse. E Antonieta pulava, cantava, gritava, erguia as mãos para o alto e rodopiava no meio da rua, com as águas acima dos joelhos, com o corpo nu de vez em quando iluminado pelos clarões próprios da tempestade. Parecia criança brincando escondida dos pais, meninada voando em arrelia.
No seu canto, como se nem estivesse sentindo cair nenhuma gota de chuva sobre si, o maluquinho olhava cada vez mais admirado para a mulher nua. E quanto mais olhava mais ficava imaginando que coisa mais bonita era uma mulher nua e como seria bom abraçar uma mulher assim, totalmente molhada e pelada. Já tinha visto mulher nua tomando banho no riachinho, mas nenhuma igual aquela. E quanta admiração por Antonieta na sua nudez, na sua festa insana.
De tão absorvido em pensamentos que estava, nem se deu conta quando a banhista se aproximou de mansinho e de repente já estava falando bem à sua frente: “Você me dá um beijo, menino bonito?”. Teté fez que não ouviu, mas ela insistiu: “Menino bonito, musculoso, tão jovem e cheio de gás, tire essa roupa e vamos nadar nessa piscina deliciosa. Venha...”.
O coitado do maluquinho ficou ainda mais atordoado, sem saber o que fazer, numa dúvida danada. Já estava prestes a aceitar o convite quando percebeu dois vultos adiante, andando lentamente, num esforço para vencer a violência das águas e as armadilhas espalhadas por todos os lugares. Tinha certeza que eram duas pessoas procurando fugir dali, mas nem percebeu que se tratava do casal Fabiana e Antonio.
Os dois sumiram numa esquina e Teté deus graças a Deus por eles terem aparecido e impedido que fizesse alguma besteira com a maluquinha. Mandou que ela voltasse para onde estava e ficasse lá por mais uns três minutos. Depois disso, já que não estava vendo efeito algum, retornariam à igreja.
Eis que um facho de luz, como uma lâmina fina e muito iluminada irrompeu das alturas, da moradia dos trovões e relâmpagos e atingiu a maluquinha precisamente no momento que ela levantava de um mergulho. Não poderia ter sido um raio, pois certamente a mulher morreria no mesmo instante. Mas então o que teria sido aquele feixe, veloz e certeiro, que a atingiu de cheio e a fez cair novamente na água e em seguida levantar se debatendo, como se estivesse se salvando de afogamento?
Ela levantou rapidamente e saiu correndo em direção à igreja, numa correria tão grande pela vergonha da nudez, que passou pelo maluquinho e nem percebeu. Ele correu atrás e segurou-a pelo braço e logo percebeu algo diferente, sentiu que ela já não estava como antes. E isso foi confirmado pelo espanto que teve, pela pressa com que procurou esconder o sexo e os seios, pela imensa vergonha demonstrada, pelo desespero, pela vontade de gritar sem conseguir.
Somente quando entraram na igreja e ela, de cabeça baixa e envergonhada, correu desesperadamente para se vestir, verdadeiramente perceberam que ela havia voltado a si. Havia retomado a consciência, a sanidade, porém estava completamente muda. O feixe de luz surgido parece ter consertado uma parte e desequilibrado outra. Como nada nessa vida acontece em vão, certamente que motivações desconhecidas acharam melhor emudecer a mulher.
Sem aparentemente apresentar mais qualquer perigo, permitiram que ela ficasse na sacristia junto com as demais. Assim que entrou no pequeno e escurecido quarto, se aproximou de Tristão, olhou-o profundamente, e no mesmo instante se pôs de joelhos e começou a chorar convulsivamente. E do jeito que estava, sem muitos movimentos, ele apenas estendeu mais um pouco o braço e colocou a mão sobre sua cabeça, passando a alisar os cabelos como se a estivesse confortando.
“Vejam meninas!”, Filó chamou a atenção de todas para o gesto do seminarista. Mas foi Teté que falou em seguida: “Ele já tá quase bom, mas vai acabar de melhorar agora. Vamos dar o remédio a ele”.

                                                        continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com    

Nenhum comentário: