REFLEXÃO E PALAVRA: SABER FALAR SEM FERIR
Rangel Alves da Costa*
O pensador espanhol Bento Galdós é autor de uma frase muito interessante e que exige alguma reflexão: “Palavra e pedra solta não têm volta”. A princípio, inteligível demais, sem exigir maiores explicações, mas não significando que todos entendam o que verdadeiramente está por trás da metáfora.
A partir dos meus erros, das minhas reincidências, todos os dias eu me vejo refletindo e perguntando o que faz as pessoas se transformarem tanto através da palavra, ou melhor, por meio da palavra dita, expressada. Se todo mundo soubesse as consequencias da boca que se abre num determinado momento para dizer o que simplesmente vem à mente, pensaria muitas vezes antes de dizer qualquer coisa.
Entendo que muitos que fazem da boca veneno, bala ou punhal, mais tarde se defenda dizendo apenas ter respondido à altura, não poderia dizer outra coisa naquele momento, que estava com tanta raiva que falou aquilo que primeiro lhe surgiu como ideia. Como ocorre na legítima defesa criminal, a reação humana nunca deve ir além do necessário para evitar maior dano. E não para acabar com o outro.
É sempre comum que por qualquer raiva ou desavença, até mesmo por motivos criados pelo próprio agressor, este, sem se importar com as consequencias, o lugar nem quem esteja presente, abra a boca e num instante desqualifique a pessoa completamente, injurie e difame, deixe a pessoa como sendo o mais vil ser humano existente na terra.
Essa pessoa que verbalmente agride tão mortalmente o outro, não raro é muito conhecida, era amiga de longa data e até um minuto atrás, é do seio familiar, muitas vezes um irmão, um cônjuge, um filho ou pai ou mãe. Assim, abre a boca e atira no outro, fere, irremediavelmente machuca, depois vira as costas e vai embora, imaginando sempre que mais tarde tudo já estará esquecido.
Ocorre que nem sempre o outro está disposto a mais tarde fazer de conta que já esqueceu que foi desqualificado sem merecer, que foi aviltado desproporcionadamente. Evitando as mesmas abomináveis armas, irá esquecer sim, mas daquele que não merece mais sua confiança nem sua amizade, bem como estar ao lado ou com o mesmo se envolver em qualquer situação.
Ora, se quem ofende se faz de esquecido, já que finge não pensar no que fez, poderá muito bem repetir o erro. Por isso é preciso alijá-lo do convívio. É com o distanciamento que certamente o agressor irá refletir sobre sua ação e mensurar se vale a pena sair por aí esculhambando com qualquer um, dizendo o que quer, e simplesmente porque achava que estava se defendendo.
Quantos meios de defesa existem para confrontar um momento de raiva, de ira? Muitos, mas o principal é a imediata reflexão para não ir além dos limites, para não fazer com o outro aquilo que não gostaria que lhe fizessem. Talvez um tapa seja mais tarde desculpável, um empurrão mais ainda, mas a palavra dita, gritada e certeira, essa jamais deixará de ecoar naquele que se respeita e preserva sua honra.
Daí o acerto na frase de Galdós: “Palavra e pedra solta não têm volta”. A pedra arremessada na vidraça certamente fará um estrago. Mesmo que o dono da casa troque a vidraça, esta já será outra, pois não há mais como unir como antes um vidro quebrado. E a palavra atirada, feroz, certeira, dita sem ser pensada, alcançando intentos muito mais graves do que o esperado, terá como voltar à boca para ser melhor expressada?
Logicamente que não. E igualmente o vidro que foi destroçado pela pedra que não pôde retornar, a honra da pessoa atingida pela palavra não mais será a mesma enquanto estiver ecoando o que foi dito e ouvido. Ainda que o outro tente esquecer, aquele que foi afetado lembrará sempre do momento e de cada palavra que ouviu. Lembrará e continuará se perguntando: Meu próprio irmão, meu amigo, logo ela que tanto amo, por que fez aquilo comigo?
Mas não haverá jeito. Daí a certeza de que a falta de reflexão poderá ferir o outro bem no coração.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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