SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 18 de julho de 2011

TEMPESTADE - 70 (Conto)

TEMPESTADE – 70

                          Rangel Alves da Costa*


Aquele espectro tão confusamente surgido sorridente diante do filho desapareceu em segundos, sumiu no meio da escuridão. Nervoso, amedrontado, sempre imaginando que aquela aparição seria a confirmação de que o pior havia acontecido, Tiquinho teve que guardar seus temores porque sabia que naquela situação não havia nada a fazer.
Seu desejo, sua vontade, sua ânsia maior era de sair dali correndo, cortando o vento e vencendo tudo, talvez num impossível voo, para entrar em casa sem bater na porta. Apenas chegar e sentir. Queria ver a família, seu pai e sua mãe, tirar logo aquela angústia do peito, ter logo a certeza do que havia acontecido.
Mesmo sem poder suportar aquela situação, resolveu não comentar nada com nenhum dos amigos. O clima já era o pior possível, e se fosse espalhar mais preocupação não sabia como haveria de ser. Acabou achando que o que tinha a fazer era se acalmar, pensar positivamente, colocar no coração e na mente que nada de ruim havia acontecido e esperar aquele tempo ruim passar logo. Sabia que já era noite alta, porém nada impediria, assim que a chuva desse uma trégua, de sair dali desembestado, com mais de mil, fazendo voar calcanhar.
Mas pensou também outra coisa que seria uma solução intermediária, um jeito de ficar sabendo notícias sobre os seus se a tempestade continuasse feroz como estava. Imaginou então que Teté seria sua salvação. Como ele mais cedo ou mais tarde iria retornar ali trazendo o remédio de sua amiga professorinha, então pediria que ele fizesse o favor de passar lá em sua casa e verificar como todos estavam.
Já estando totalmente livre a entrada pelo portão, os meninos se revezam numa parte mais segura do pátio para ficar observando se o maluquinho já estava chegando. Era a vez de Murilo e Totinha quando os dois começaram a gritar avisando aos outros que estavam enxergando um movimento lá fora, ainda longe, parecendo que era de gente correndo naquela direção.
E era realmente Teté, todo festivo debaixo da acabação, ora correndo, ora parando para dançar e cantar, e tudo isso porque já estava perto da escola e não demoraria muito para fazer com que a amiga bebesse o remédio que seria o fim de sua doença, a sua salvação. Estava aos berros quando se aproximou do portão, gritando para os meninos que já havia chegado.
Com olhos que pareciam os únicos a enxergar tudo na escuridão, logo avistou os meninos e avançou para perguntar como estava a professorinha Suniá.
“Do jeito que a bichinha tá, parecendo até que já morreu, e só não se confirma isso porque tá mais quente do que brasa, acho melhor você mesmo ir até lá para sentir o estado dela. E se trouxe algum remédio acho bom nem conversar muito, mas virar logo de goela adentro que é pra ver se chega uma luz debaixo dessa treva toda. Mas nem me pergunte mais e se avexe homem de Deus, ande, ande logo que não há tempo a perder”. Foi o que disse o sempre preocupado Murilo.
E com passos largos o maluquinho se encaminhou para a sala, acompanhado por quase todos que já estavam por ali alegres com a chegada dele e cheios de esperança que qualquer coisa que ele trouxesse haveria de ser verdadeiramente o elixir da salvação. Não sabiam qual era o remédio que ele havia trazido, nem perguntaram nada sobre isso, apenas desejavam ver logo ele medicando a doente.
Assim que se aproximou do cantinho na sala onde ela estava estirada, tendo sempre por perto gente alisando seus cabelos, verificando com as mãos a temperatura do corpo, enxugando o suor que escorria feito chuvarada, pediu que aproximassem a chama fraquinha que ainda restava por ali. Em seguida se ajoelhou ao lado e de olhos lacrimejados deu-lhe um beijo na testa queimando de febre.
“Minha amiga, estou aqui para lhe salvar. Sei que também tenho culpa nessa história toda de sua doença, pois ainda sou o dono da tempestade e de tudo que há lá fora, por baixo e por cima do tempo, mas vim pra pedir perdão e curar você. Venham aqui meninas, levante ela um pouquinho, mas com bem cuidado, de modo que ela possa beber o remédio sem engulhar, sem rejeitar, sem botar pra fora”.
Parecia um estranho ritual, com a professorinha estirada no chão, o maluquinho destampando o frasco do remédio, duas meninas levantando a cabeça da doente e os demais alunos em pé ao redor, observando atentos, com os corações aflitos, cada um fazendo uma íntima oração, esperando em Deus que aquela estranha garrafada fosse realmente a salvação.
Mas Tiquinho não estava ali em meio aos demais. Afastou-se o quanto pôde para chorar baixinho. Não estava mais suportando aquela situação de dúvida, de medo, de pressentimento negativo. Por isso é que se afastou um pouco para silenciosamente tentar aliviar sua dor, até perceber que Teté já estava livre para que chamasse e fizesse o pedido, implorasse para que fosse até sua casa.
Já levando a colher no bolso, fez com que a professorinha bebesse as três colheradas prescritas por sua mãe. Em seguida disse que não duraria muito para que ela começasse a se mexer e procurar abrir os olhos e até conversar. Seriam os primeiros sinais de recuperação. Disse ainda que dali a uma hora deveriam dar mais três colheradas. Levantou e pediu que se alguém soubesse de alguma oração que orasse, seria bom naquele momento. Depois olhou adiante e disse a Tiquinho que precisava falar com ele.
Aproximou-se do angustiado menino e perguntou o que ele tinha para estar assim tão triste, com um jeito tão diferente e afastado dos outros amigos. E Tiquinho, surpreendido, ficou mais aperreado ainda, mais nervoso, mais aflito. Mas Teté colocou o braço no seu ombro e disse que estava ali para lhe servir, no que precisasse.
E mais adiante Marilda dizia um Salmo que sua mãe havia ensinado desde pequeninha:
“O Senhor é meu pastor, nada me faltará.  
Em verdes prados ele me faz repousar. Conduz-me junto às águas refrescantes,  
restaura as forças de minha alma. Pelos caminhos retos ele me leva, por amor do seu nome.  
Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estais comigo. Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo.  
Preparais para mim a mesa à vista de meus inimigos. Derramais o perfume sobre minha cabeça, e transborda minha taça.  
A vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias de minha vida. E habitarei na casa do Senhor por longos dias. Amém”.

                                                     continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com  

  

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