OLHANDO A VIDA DOS OUTROS
Rangel Alves da Costa*
Olhar o outro naquilo que ele tem de melhor, mirar-se nos seus exemplos, ter o próximo como espelho para a prática de determinados atos e tomar certas atitudes, tudo isso é dignificante para o ser humano. Imperfeito que é, será sempre útil apreciar as realizações profícuas para também construir.
Contudo, não é bem assim que acontece com muitas pessoas. E muito mais do qualquer um possa imaginar. Tem gente que leva a vida, desde o amanhecer ao abrir a porta (se já não o fez por cima do muro) até o anoitecer, se preocupando única e exclusivamente com a vida dos outros.
Para estas, o dia não será bom se ao sair na calçada os seus olhos não encontrarem nada nem ninguém passando para a festa da inveja, do preconceito, do escárnio, da desonra silenciosa, do sorriso maldoso. Descortinar a vida do outro desde cedinho é o maior prazer que se tem, ainda que abjeto e abominável.
E sai no afã de enxergar adiante uma saia mais curta, uma roupa rasgada, um cabelo tingido, namorados que passam de mãos dadas, a moça que beija o rapaz, o vizinho que comprou um móvel novo e a loja veio fazer a entrega, o óculos novo de alguém, a motocicleta que foi adquirida, as mulheres que conversam nas proximidades, tudo enfim.
E a cada visão, com o corpo tomado de inveja, a mente sempre pensando o pior e o corpo todo enegrecido pelo mau-caratismo, é como se a vida só tivesse sentido pelo que os outros são, fazem, compram, gostam. A pessoa em si nem olha para o seu íntimo, nem se preocupa em saber se ainda possui alguma virtude, se é sempre melhor ter a sua vida inteira em função da vida dos outros.
E para tomar ciência do que os outros fazem e, consequentemente, mais tarde procurar uma de igual índole para ouvir suas mentiras, fofocas e aleivosias, esquece da própria casa e de tudo que tinha a fazer. Muitas vezes para de varrer a calçada para lançar o olhar maldoso sobre alguém, esquece a panela no fogo, o ferro de passar sobre a roupa, deixa de atender o esposo, sai correndo descalça só pra olhar o que está acontecendo mais adiante.
Triste sina a dessas pessoas, mas tão costumeira que esse indigno hábito pode ser constatado em cada esquina, em cada trecho, em cada porta ou janela que de repente se abra. E quando os olhos não têm o prazer de observar de per si, logo saem de suas casas em busca de construir o alimento para seus espíritos nojentos e vulgares.
Conheço pessoas que vivem mais nas portas do que mesmo dentro de casa. Quando o sol está feroz, recostam-se na janela e parece quem não têm mais nada a fazer na vida. Ao entardecer colocam cadeiras nas calçadas e sentam com a avidez dos famintos. E os olhos chegam a brilhar, girando de um lado a outro, procurando alguma coisa que motive curiosidade, que seja digna de preocupação. Ora, isto porque a preocupação com a vida dos outros é o que alimenta essa corja.
Para pessoas com tal caráter, entremeado de maledicência e falsidade, não há coisa pior do que a vida passar normal diante dos seus olhos. Chegam a ficar doentes, nervosas, aperreadas, se um vizinho não faz nada que cause inveja, que seja motivo de fofoca, que passe e esqueça de falar. Qualquer coisa que aconteça e o espírito se enche de motivação para, silenciosamente, desejar o pior para o próximo, esperar que ele se dê mal naquilo que conquistou.
Mas como o silêncio é sempre inimigo de gente desse vil caráter, a boca chega a queimar e a língua a coçar para aumentar em muito aquilo que viu, inventar o que não pode ver, construir qualquer mentira. E sai correndo em busca de outra fofoqueira para fazerem a festa.
E no encontro a primeira coisa que se observa é a cara de sonsice, o jeito de quem não sabe de nada e o início da conversa sempre por outro assunto diferente. Em seguida, uma diz que nem gosta de falar nada da vida dos outros, mas o que viu não pode deixar de opinar. E a outra diz a mesma coisa, que odeia fofoca e conversinha, mas tem coisas que não podem passar em branco. Então começa a maior safadeza do mundo, o desfazimento, o enlameamento, o mais completo rebaixamento de pessoas que nem sonham que estão delirando com o seu nome.
Daí ser verdadeira a máxima dizendo que quando a orelha começa a queimar é porque estão falando mal da pessoa. Se a orelha queima tanto nas pessoas de bem, não seria injusto que em certas pessoas a língua caísse e os olhos cegassem para determinadas situações.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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