SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 30 de setembro de 2010

TEMPO BOM: AINDA HÁ TEMPO? (Crônica)

TEMPO BOM: AINDA HÁ TEMPO?

Rangel Alves da Costa*


Muitas pessoas viveram a infância, a mocidade, a vida adulta, a maturidade e somente quando adentram na velhice, com todo o peso dos anos e todas as consequencias, é que começam a lamentar o tempo perdido e tentam, a todo custo, fazer o que não pensaram ou não puderam praticar durante o passado. Mas ainda haverá tempo?
Não há nenhum erro em querer, a qualquer instante, aproveitar o máximo da vida. Pelo contrário, nunca é muito tarde para construir, para aproveitar o que for possível e até para sonhar. Somente os que já nascem com a síndrome dos derrotados, os medrosos, os pessimistas e preguiçosos não correm atrás de qualquer oportunidade que torne possível vencer, mesmo com o suor da idade e o sangue do sacrifício.
Ora, se após a velhice vem a certeza da morte, muitos pensariam em deixar o barco à deriva, à vida entregue à própria sorte e as coisas simplesmente acontecerem porque nada mais terá jeito mesmo. Por que lutar agora, se os anos que faltam viver não merecem nenhum esforço para conseguir nada; por que trabalhar ainda, adquirir riqueza ainda, ter dinheiro e muitos bens se nada mais poderá comprar a saúde, o vigor físico e a felicidade dos tempos de outrora; por que sorrir se a imagem que vem à mente é de um ser que de repente nada mais será? Indagações e indagações...
Na luta vã pela certeza da vida que se vai, corrompe a mente o conformismo pessimista e certamente encontrará paisagem propícia para viver as desilusões, os arrependimentos e as angústias. Na cadeira de balanço, em frente da casa ou na sombra de qualquer pé de pau, o já velho e derrotado por se sentir assim fica imaginando o passado, sentindo o vento da saudade soprar e lágrimas aproveitadoras se achegando para pontuar a total solidão e o sentimento de abandono.
Nem rádio ouve mais, mas se carregasse ainda um consigo certamente ouviria uma música jovem que é a sua cara, mesmo o nome sendo "Epitáfio" e cantado pelo Titãs:

Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...

Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe alegria
E a dor que traz no coração...

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor...

Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier...

O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...

Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr...

Pensamentos não faltam, saudades chegam aos montes e tristezas também, e muitas vezes não planejam nem o dia seguinte, quiçá caminhar por aí, percorrer os mesmos caminhos de antigamente, rever os amigos, passear, viajar, se alegrar, curtir a vida, como costumam dizer. Muitos ainda colocam na cabeça que quanto menos esforço melhor, senão o corpo envelhecido não suporta, chegam as mazelas próprias da idade e as doenças tomam conta daquele velho corpo que não vale mais nada. Praticamente vivem gritando pela morte que está distante.
Se a situação do idoso já é complicada por natureza, negativar ainda mais esse momento da vida é abdicar da própria existência. Certamente que ninguém pretende que queiram forçar as barras do tempo e de repente chamarem para si os modismos exagerados e descabidos, a vida mundana desregrada, as ações, gestos e atitudes próprias da galera descomprometida com a seriedade e com a decência.
Seria simplesmente ridículo ouvir gírias e outras estrambolices vindas da boca de um idoso, vê-lo com roupas de surfista ou camisas de malha apertadinha pra cima e pra baixo, usando boné com a viseira pra trás ou o dia inteiro com um skate debaixo do braço. Diga aí meu, valeu galera! Tô na maior larica! Simplesmente ridículo.
Mas também não se deve pretender que a chamada terceira idade seja a fronteira para a reclusão e para que cada um fique simplesmente esperando a morte chegar. Diferentemente do que muitos imaginam, é nessa idade que o conhecimento e a experiência adquirida se unem à necessidade de realizar e faz brotar ideias geniais, feitos surpreendentes e surgem grandes artistas, escritores, poetas, empresários, desportistas, enfim, uma série de situações e aptidões que ninguém imaginaria que fossem surgir.
José Antonio da Silva, um dos maiores constitucionalistas e doutrinadores do direito do Brasil, até grande parte da vida adulta foi tropeiro por profissão e só enveredou pelo mundo jurídico e lançou o seu primeiro livro com idade avançada. Exemplo como esse pode ser visto aos montes por todos os lugares.
Nos fundos das casas, nos ateliês e oficinas improvisadas, nas gavetas dos birôs e escrivaninhas muitas vezes se escondem geniais produções artísticas e literárias. O que a mídia de vez em quando mostra é apenas uma pequena parcela do quanto é produzido pelo pensamento e mãos dessas pessoas maravilhosas.
Agora, uma coisa é certa: fica tomando chazinho esperando a morte chegar quem quer; levanta e vai atrás da vida quem quer. A vida não fica mandando que alguém faça isso ou aquilo, apenas diz que ainda há tempo para se fazer tudo, seja em qualquer idade. O problema é procurar saber bem até onde vai a idade física e a idade mental.




Poeta e cronista
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blograngel-sertao.blogspot.com

Para me ouvir (Poesia)

Para me ouvir


Gritei
- ei eu te amo!
gritei mais alto
- ei sempre te amei!
gritei bem alto
- ei sempre te amarei!
gritei bem forte
- ei te amar é o que sei!
e desesperadamente gritei
- ei sem você morrerei!

e ela respondeu
- não diga nada
que o meu coração
quer silêncio para
te ouvir
e depois gritar
que a voz do amor
é ouvida pelo olhar.


Rangel Alves da Costa

A CASA E A VIDA DO MONSTRO - 1 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO - 1

Rangel Alves da Costa*


Morava numa cidade do interior. Num desses lugares de eterna aparência sertaneja, onde os mais velhos cultivam suas tradições e seus modos comportamentais e ao entardecer se avista inúmeras cadeiras pelas calçadas, embaixo dos sombreados das árvores ou em qualquer lugar propício para um bom proseado entre vizinhos e conhecidos.
Por outro lado, as mudanças ocorridas nas cidades grandes começaram a fazer efeitos também por lá. A juventude aparecia com modismos, com coisas e hábitos estranhos que muitas vezes eram o mesmo que pontadas nos corações dos moradores mais antigos, mais conservadores e respeitosos. Para muitos era pura pouca vergonha, para outros era fim de mundo mesmo.
Quem já se viu tanta papagaiada e tanta safadeza como se vê agora nesse povo, meu Deus! Reclamava a velha Totonha para quem quisesse ouvir. Já Prazeres dobrou as forças de devoção e de beatice e tudo porque, segundo ela, tinha que estar dia e noite pedindo aos santos que protegessem daquele mundo revirado sua Mariazinha. Coitada, tão mocinha e tão linda, será que teria futuro naquela Sodoma? Benza Deus, protegei Senhor!
Mesmo um pouco afastado, era nesse contexto que ele morava. Vivia com sua mãe numa casa humilde levantada na capoeira de um pequeno terreno herdado das entranhas familiares. Família mesmo não havia mais não, se é que se pode dizer assim, pois aquele mundo consangüíneo se resumia apenas a ele e sua velha mãe. A família era os dois, tudo que restava de uma linhagem antiga e tradicional eram os dois.
A mãe dele se chamava Osmunda, ou Mundinha como todos a conheciam e chamavam. Já estava nos arredores dos sessenta e cinco anos, mas com aparência de muito mais que isso. Os muitos anos de trabalho pesado, fazendo serviço até de homem na roçagem, capinagem, chiqueiramento de gado dos outros, montando em cavalo pelos matos, fazendo coivara e levando fumaça na cara, deixaram a pobre mulher numa situação difícil. Doíam-lhe as juntas, o solado dos pés, as mãos encarquilhadas, os pensamentos, quase tudo. Doía-lhe a velhice extrema sem ter chegado a tanto.
Essa indisposição física de Dona Mundinha, sempre cheia de dores e constantes gemidos, acrescida de hábitos muitos peculiares, lhe fez nascer algumas das mais estranhas características que já se viu numa mulher, até mesmo porque era praticamente da roça e religiosa demais por nascimento. Era coisa de deixar qualquer um sem acreditar quando ouvisse estranho dizer. Só pode ser doida, maluquinha da silva, certamente diriam.
Verdade é que Dona Mundinha praticamente não fazia nada em casa. Não lavava uma roupa, não fazia uma comida, não saía para fazer ou comprar nada, bebia da água que o seu filho lhe levava e comia da comida que ele fazia e ia entregar em suas mãos. Não colocava na boca porque dizia que ela não estava aleijada. Ademais, vivia reclamando que ela tomasse prumo, que levantasse e fizesse as coisas, arrumasse a casa e passasse a ter uma vida normal, pois nem estava paralítica nem entrevada, podendo muito bem fazer o que quisesse.
Até seria bom para a saúde se ela andasse pelos arredores, fizesse algum esforço físico, varresse ao menos a casa. Mas nada, não tinha jeito, pois Dona Mundinha um dia cismou de colocar uma cadeira de balanço perto de uma janela e bem ao lado de um oratório antigo e não sai de lá de jeito nenhum. Às seis horas da manhã já se dirige para o seu cantinho e pronto, só sai de lá quando precisa ir ao banheiro ou quando vai dormir. Pensou em colocar a cama bem ao lado, mas o filho não deixou de jeito nenhum.
Assim, desde que acorda Dona Mundinha começa a fazer orações, falar com os santos, pedir milhões de proteção ao bom Deus, acender velas e mais velas, pegar um rosário e outro, tendo sempre algum na sua mão, dando uma sequencia infinita a pai-nossos, salve-rainhas, ave-marias, benditos, louvados e muito, muito mais...
Aprendeu a ler na infância, conhecia a Bíblia evangelho por evangelho, capítulos, versículos e até as notas de rodapé. Eram três ao lado do oratório, com uma sempre ao colo, de onde se espalhavam pelo amanhecer e entardecer as vozes dos salmos, dos provérbios, da sabedoria. Os apóstolos, coitados, já estavam cansados de tanto andar pela boca da velha religiosa.
Só mesmo o filho para suportar tanta evangelização. Mas ele já estava acostumado, não se importava não, gostava. Era melhor que sua mãe vivesse apegada às coisas dos santos e do céu do que estar pensando maluquices. Sua dúvida mais dolorosa era se a velha continuava girando bem, com o juízo bom, pois qualquer um juraria que ela já havia passado de ir para o hospício.
Mas ele estava conformado com aquilo tudo, aceitava a vida que levava de bom grado, pois entregue sempre às preocupações em fazer o bem, em ajudar as pessoas, a agir com honestidade e retidão, a ser visto como uma pessoa que nunca havia feito mal a ninguém. Sua mágoa era somente uma, mas essa era demasiada forte e peso quase insuportável em sua vida. E esta mágoa era ser visto, olhado, conhecido e tido por monstro, nas piores concepções do termo.
Monstro. Era assim que viam, chamavam, o indicavam. Não diziam isso a ele não, mas a fama do monstro espalhava-se por todos os lugares e recantos.
O nome dele é Mehiel. Mehiel dos Santos. Nome estranho, mas nome de anjo, escolhido pela mãe. E daqui em diante todos irão conhecer a vida desse moço chamado monstro. Como se as palavras não ferissem e matassem igual a navalha afiada...


continua...




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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

TEMPO BOM: O ÚLTIMO CANTO DO CISNE (Crônica)

TEMPO BOM: O ÚLTIMO CANTO DO CISNE

Rangel Alves da Costa*


Por invenção poética ou genial expressão metafórica, o último canto do cisne é linguagem artística e intuição popular que serve como reconhecimento a alguém que parte deixando na vida uma grande obra, principalmente suas realizações quando a morte já se aproximava.
No momento em que antecedeu a sua morte, o cisne começou a cantar uma canção extremamente bela, capaz de fazer chorar quem ouvia. As águas se encantaram, a brisa parou para ouvir, a natureza se extasiava silenciosamente. Momentos depois e o silêncio...
Diz, pois, a lenda que um cisne branco que por toda vida viveu emudecido e triste, diuturna e solitariamente vagando pelos remansos do lago azul, ao sentir a morte se aproximando emitiu um magistral e melodioso canto, algo incomparável com o canto jamais visto em qualquer outro cisne.
Assim, a expressão o último canto do cisne possui o significado de últimas realizações de uma pessoa, a derradeira e mais importante obra de um artista, os últimos grandes momentos de alguém, aparição final inesperada e dramática. Quer dizer, a demonstração de todo o esplendor no último ou nos últimos instantes de vida.
Os cisnes da vida real continuam existindo. Não possuem plumagens, mas nomes e sobrenomes, são humildes e do bom coração, e estão por aí nos lagos que os nossos olhos queiram enxergar. A morte, que chega num instante e tenta apagar tudo, ainda assim jamais será capaz de apagar as grandes realizações, os grandes feitos, as grandes conquistas, a vida que se justificou ser vivida porque aquele que parte não vai como aquele que nada semeou.
Ademais, pessoas existem que são cisnes cantando pela vida inteira. Não haverá um reconhecimento somente porque nos últimos instantes, momentos ou anos de vida ainda tiveram forças para deixar seus frutos, mas sim porque durante todo o percurso da existência cantaram bem alto feito o mais belo cisne, através de ações que, mesmo não sendo imediatamente visíveis, representaram grandes feitos.
Ora, mesmo o cisne sendo empobrecido, com muitos problemas pessoais e familiares para resolver, ainda assim possuía um coração que não abdicava em fazer o bem. Quantos cisnes desse tipo vemos por aí? Sob quantos lagos vivem se esforçando estes cisnes para que o bem seja semeado, pessoas carentes recebam os frutos desse fazer e possam sorrir porque alguém lhes olha como importantes.
Cisnes desse tipo estão navegando nas tormentas dos leitos hospitalares com suas preces e gestos de amizade; nos sanatórios e asilos com suas mãos amigas, dando o mínimo de carinho e atenção que muitas pessoas necessitam; estão nos centros de tratamento e recuperação de drogados dando palestras, relatando suas experiências de angústia e de sofrimento, tentando ajudar na organização de vidas desajustadas.
Estão ainda perambulando pelas ruas, indo de casa em casa pedindo qualquer auxílio para ajudar famílias faveladas, desalojadas, em risco de tudo; estão vagando pelas noites distribuindo uma caneca de café com leite, mingau ou suco com um pedaço de pão, para aqueles que estão dormindo ao relento, sob marquises ou debaixo de qualquer lua. E certamente serão vistos ouvindo pessoas que precisam expressar suas angústias sob pena de que a fragilidade da mente ou instantes de fraqueza maior possa ferir de morte a existência.
Os cantos desses cisnes são como melodias perpétuas, bonitas, que ecoam nas paisagens do mundo onde há solidariedade, humanismo, compreensão, cooperação e respeito e amor ao próximo. E quando estes cisnes se vão não serão lembrados pelas obras imediatamente anteriores à sua morte, mas sim pela falta que fará aqueles cantos docemente ouvidos ao longo dos anos.
Pessoas assim fazem a diferença na vida. São absolutamente diferentes daqueles que precisam dar provas que fizeram alguma coisa boa na vida para serem lembrados, reverenciados, pranteados. Os que agem como que silenciosamente para deixar marcas no seu tempo serão reconhecidos pelas sementes que deixaram cair pela estrada enquanto seguiam para plantar uma grande obra através de pequenos gestos.
Em cisnes assim não há morte que os torne esquecidos. Não precisa que tenha sido um grande músico que deixou como herança para a posteridade uma obra de reconhecido valor, nem um artista que expressou toda a sua genialidade na sua última representação no palco, na televisão ou no cinema, nem o mecenas que ao se ver abatido pela doença resolveu deixar sua imensa biblioteca para que o povo tenha acesso às grandes obras da literatura universal. Os exemplos seriam intermináveis, mas não precisaria de um gesto assim para que o reconhecimento se torne necessário. Pequenas ações pela vida às vezes são mais importantes do que isso tudo.
Contudo, somente quando um cantar de cisne é ouvido é que se pode ter a certeza de que a vida foi realmente vivida. De que adianta ter sonhado e brincado tanto na infância, ter sido um verdadeiro malabarista no circo da juventude, ter sido um profissional realizado na vida adulta e na maturidade, se quando chegou a velhice não haveria qualquer olhar pra trás que dissesse ter valido a pena os anos vividos?
Cisnes só cantam nos lagos das realizações. Ora, como diria o poeta Francisco Otaviano em "Ilusões de Vida": "Quem passou pela vida em branca nuvem/ E em plácido repouso adormeceu/ Quem não sentiu o frio da desgraça/ Quem passou pela vida e não sofreu/ Foi espectro de homem - não foi homem/ Só passou pela vida - não viveu".
E Vinícius e Toquinho, em "Como Dizia o Poeta", acrescentariam:

Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração,
Esse não vai ter perdão.

Assim, a par de poder existir vida após a morte, ou a morte renascida em outra vida, verdade é que o canto do cisne só vale para esse momento, para a vida que se vive sem ser um tormento, pois nela passou e agiu, fez e transformou, disse porque estava existindo, realizou o que a paixão pediu e o coração mandou, e morte alguma poderá sorrir porque simplesmente alguém deixou de existir.




Poeta e cronista
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Paisagem com moça ao fundo (Poesia)

Paisagem com moça ao fundo


Minha saudade é ocre
cor envelhecida de outono
com folhas esvoaçando
sobre o meu olhar de tristeza

Minha tristeza é cinza
de um cinza escurecido
com mais duas gotas de lágrimas
que trazem aos olhos escuridão

Minha esperança não tem cor
talvez seja azul ou verde
mas nem tanto céu nem natureza
que traga tamanha felicidade

Mas sou feliz
e felicidade com todas as cores
pois o pincel na minha mão
inventa uma paisagem linda

Enquanto os olhos sorriem
com a tinta fresca que ainda sorri
vejo você linda na paisagem
bem ao fundo do meu coração

Como eu te amo amor
traz essa moldura com a sua face
faz-me sentir minha grande arte
você na paisagem e em toda parte.


Rangel Alves da Costa

O silêncio (Poesia)

O silêncio


Ainda está silêncio
e não ouço nada
se você faz silêncio

quero ouvir sua voz
sua palavra
o seu sim
o seu não
dizendo a verdade
pedindo perdão
lendo um salmo
entoando canção
falando com a boca
ou com o coração
gritando que eu cale
pois estou sem razão

mas tudo está
muito silencioso
e nem um eco
do que acabou
ecoa mais
ecoa mais
mais
ecoa
eco...
é como
um eco
é como
eco
ecoa mais
ais...

onde está você
meu amor?


Rangel Alves da Costa

terça-feira, 28 de setembro de 2010

TEMPO BOM: E COMO SERÁ A VELHICE? (Crônica)

TEMPO BOM: E COMO SERÁ A VELHICE?

Rangel Alves da Costa*


A vida nunca é tão dura e difícil que as pessoas não desejem ardentemente chegar à velhice. É propósito de cada um caminhar em cima de pedras, enfrentar as tocaias e trincheiras, pular as barreiras, ser mais forte do que o frio e o calor, suportar a fome e a desesperança, somente para chegar mais adiante e viver esse percurso final da existência. Para muitos, apenas passagem para uma nova infância.
A infância olha para a velhice e pergunta se vale a pena um dia ter tão majestosamente vivido, entre doces e brincadeiras, para mais tarde ter que se contentar com a fragilidade e a incerteza e, muitas vezes, com a solidão, o abandono e a tristeza.
A juventude olha para a velhice e pergunta se as lições juntadas naqueles anos todos e tantos ensinamentos aprendidos não servem para aumentar a certeza de que pouco valeu a pena ter lutado tanto, suado tanto, se desgastado tanto, para guardar como relíquia de toda a existência somente um documente dizendo que é maior de 65 anos e que, por isso mesmo, tem alguns direitos e prerrogativas.
O adulto só olha para a velhice porque ela está sempre à sua frente, como que perseguindo e chamando. E, sem saída diante daquele espelho amarelado e envelhecido que parece ter a sua feição, é forçado a perguntar se a experiência adquirida não foi suficientemente aprendizagem para que transforme esses momentos de ilha num carrossel de coisas boas, alegrias e realizações que justifiquem a velhice como um estado bom no corpo, no espírito e na alma.
Aquele que vive na trajetória final da maturidade e sem querer sua mão se estende para abrir a porta da velhice, não resta outra coisa a dizer senão pedir para entrar. O rosto e o corpo já com as marcas do tempo, os olhos sem o brilho de anos passados, os sonhos esquecidos porque não alcançados e desesperança brotando como tudo o que resta, certamente buscarão amparo naquela porta que se abre e uma voz há de dizer "entre". Sorte dos que chegam diante dela, dos que nela podem entrar...
A velhice mora numa casa horrível, num lugar esquisito, num mundo que praticamente não existe. Se existe é o que há de pior, mais aterrorizante, mais angustiante, infinitamente desumano. É por isso que quem olha para a velhice sempre vê uma só coisa na morada e no morador. A estrutura caindo, as paredes sem cor, as portas abertas, sinais de abandono por todos os lados. Quem não conhecesse a velhice e não soubesse que ela morava ali diria que escombros escondem restos de qualquer coisa.
Que mundo esquisito é o mundo que ronda, onde se sustenta e acolhe a velhice. É feio e escurecido, é desolado e repugnante, é de paisagem e habitante mais parecendo com a descrição feita por Dante na sua "Divina Comédia":
"Para descrever com clareza o que vi, direi que chegáramos a um campo deserto sobre o qual planta alguma vegetava. De um lado cercava-o a selava de braços dolorosos; do outro, tal como a própria selva, era cingido pelo rio de sangue. (...) Alcançamos um local estreito, de outra ponte sendo o firme esteio, já dentro da cova seguinte. Ouvíamos lamentos doloridos dos reclusos na cova segunda, os quais, bufando fortemente, com as mãos a si mesmo fustigavam. Eram as ribas encobertas por feia e negra pasta, que aos olhos horroriza e ao olfato nauseia, produto do condensar-se do hálito dos condenados. O abismo é tão fundo que, para vê-lo, não basta fixá-lo sem subir ao ponto onde o arco mais se alteia".
Infelizmente, não é esta a visão que se tem da velhice, como uma coisa horrenda, infernal e, por que não dizer, gestação nos que não são humanos? Assim, é a visão da moradia que se tem da velhice: restos de um casebre, ladeado pelas maiores misérias do mundo e com um morador que não foge a tais características. Inútil humano, inútil ser, imprestável até na visão dos que precisam enxergar paisagens que justifiquem a infelicidade.
Como ensina a vida no seu rosário de lições, mesmo sem querer o homem vai se cansando pela estrada que acostumou a andar e procura uma vereda onde tem uma árvore imensa e sombreada para descansar. E os passos que seguiram por tal vereda noutro lugar não vão dar senão nas circunvizinhanças do reino da velhice, nos arredores do império dos idosos. E não há volta. Ou se luta para ser rei de si próprio ou se escraviza para um fim mais doloroso ainda.
Ao colocar a mão na cancela da morada da velhice e os olhos cansados se certificarem de que ali é o único paraíso existente, o homem vai caminhar mansamente até a frente da casa, se admirar com aquela nova e estranha construção, no entanto saberá que a partir de então ali será sua moradia.
E vai entrar, vai procurar matar a sede e descansar, e depois vai dizer a si mesmo que era melhor ter ido por outro caminho. Até se acostumar com o peso dos anos e suas consequencias, muita vontade terá de voltar para seguir por outro caminho. Enfim, será tarde demais...
Assim, nessa paisagem triste é onde mora o velho e a velhice. Contudo, quem olha de fora e se assusta com a visão, nem imagina que o habitante daquela casa nem sempre é pessoa que se entrega às dores do tempo, se fecha em tristezas e contrariedades e vai semeando coisas ruins para depois estar reclamando da vida que tem. Não; pelo contrário.
Morador existe que, mesmo a fachada da casa continuando com aspecto feio e desolado, lá dentro é feita uma reforma geral, uma limpeza total, e o que era somente bagunça e abandono de repente se transforma em algo bonito, confortável e convidativo. Nisso a prova de que a velhice é também reconstrução, inovação, alegria, prazer em viver e bem-viver.
De repente, passando no lugar nas andanças para caçar passarinho, o menino se vê diante da casa da velhice e se assusta, e logo quer correr para longe dali. Afinal, quem é que não tem medo da velhice, pensa ele. Mas para e fica diante da casa imaginando e nem sabe o que está acontecendo lá dentro. Ai se soubesse!...
Venha sonata e valsa que ela quer dançar; nem venha tristeza que ela não está; dança ao som do vento e estonteia o tempo que foge espantado; solta a voz em duas notas e chama os passarinhos para a orquestra que não quer parar; e o vento vem, a brisa chega, as flores do jardim invadem e toda a natureza quer chegar mais perto para brindar aquela estação...
Onde está minha roupa bonita, novinha e perfumada, quero passear? Minha bola, meu boné, minha raquete, minha pochete, meus óculos de praia onde estão que quero passear? O poema que escrevi onde está, onde estará o meu amor, minha alegria, tudo que quero agora onde está? Vou encontrar o sol, vou encontrar a praia, vou encontrar meu amor, vou encontrar a noite, falar com a lua, brincar com as estrelas, jogar pedrinhas no espaço, dá língua para as horas, chamar o tempo de bobão. Vou viver...
A velhice, pois, é estação da vida onde tudo que brota é de plenitude. Maior conhecer a vida, maior sede de vivê-la e maior ânsia de fazer aquilo que o passado não deixou e que agora a experiência e a sabedoria permitem. Por isso é que a felicidade é tão autêntica que não pede para se manifestar além do que seja necessariamente permitido viver. Daí o violino e canto, e passo e aço, nessa vida que se espalha no seu compasso...
Ainda que chegue a saudade, que a alegria não seja infinita, que o dia amanheça e a noite venha, e em tudo o tempo e o tempo, ainda assim a velhice que está por trás daquela fachada é mais feliz do que os mais jovens possam imaginar. Isto porque, ao invés de envelhecer, a velhice decidiu que viver é muito melhor. E não nega sua idade, não nega seu jeito de ser, não nega nada, e ainda cantarola "Esses Moços" para todos que chegam pedindo conselhos sobre amor:

Esses moços pobres moços
Ah! Se soubessem o que eu sei
Não amavam..
Não passavam aquilo que eu já passei
Por meus olhos
Por meus sonhos
Por meu sangue tudo enfim
É que eu peço a esses moços
Que acreditem em mim
Se eles julgam
Que a um lindo futuro
Só o amor nesta vida conduz
Saibam que deixam o céu por ser escuro
E vão ao inferno
A procura de luz
Eu também tive nos meus belos dias
Essa mania que muito me custou
E só as mágoas eu trago hoje em dia
E essas rugas o amor me deixou!

Por que os jovens gostam tanto de ti, velho Lupicínio? Não morreste, ou coisas existem que não tem idade?




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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Areia (Poesia)

Areia


O grão se faz
o vento traz
a praia semeia
tudo se junta
tudo se torna
areia...

na tarde
na brisa
meu olhar passeia
na areia
e o grão solidão
se solta da teia
e cai no olhar
feito areia
que chora
que sofre
que é mar
que mareia
sem poder avistar
seu amor
sereia...


Rangel Alves da Costa

Voz do vento (Poesia)

Voz do vento


Tarde entardecida
de vermelho paixão
vento apressado
espalhava minhas cartas
me via feliz
e seguia adiante

um dia
numa tarde
de tarde entristecida
vento veio e passou
nenhum poema esvoaçou
não me viu feliz
e não seguiu adiante

pó, poeira
redemoinho e esvoaçar
o vento uiva e grita
balança a tristeza
sacode a vida
e depois vai embora
buscando a felicidade

era a voz do vento
me ensinando a soprar
o vendaval do momento
espalhando pra bem longe
a solidão e a dor
criando asas no tempo
e indo atrás do amor.


Rangel Alves da Costa

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

TEMPO BOM: OS SONHOS (Crônica)

TEMPO BOM: OS SONHOS

Rangel Alves da Costa*


Na inocência os sonhos sumiam pelas névoas e nuvens, voejando pela limpidez dos tempos e pairando encantados diante dos doces olhos do sonhador. Na infância os sonhos se escondiam alegres, adormecendo junto com o sonhador, para acordar festivamente entre bolas, petecas, bonecas, carrinhos, campos e descampados. Sonhos de anjos, sonhos alados...
Na mocidade os sonhos cismaram em aparecer de verdade, porém num misto de ludismo e preocupação, pois dali em diante eles seriam constantes nas noites e nos dias daqueles que se segurariam nas suas asas para continuar sobrevivendo. É, pois, a partir da mocidade que os sonhos surgem como necessidade, tanto para deflagrar os desejos escondidos como para cimentar os objetivos de vida. No pesadelo da vida, sonhar é preciso...
Logo após, na juventude propriamente dita, os sonhos se misturam aos pesadelos, numa luta maniqueísta, onde o medo e a coragem se digladiam para ver quem consegue se instalar melhor na mente de cada um. Nessa fase os sonhos surgem diariamente para lembrar à mente do sonhador que a vida é cheia de perspectivas e de saídas inesperadas. Outras vezes somente no sonho é possível viver o impossível da realidade.
Já na fase adulta os indivíduos se dividem entre a realidade e a obrigatoriedade em sonhar, vez que ninguém suportaria ter a mente fechada para os acontecimentos cotidianos sem deixar uma porta aberta por onde possa entrar aquilo que de melhor imagina e deseja. Ora, fez de tudo, dá um duro danado, trabalha muito mais do que seria suficiente para garantir uma sobrevivência digna e mesmo assim nada é conseguido, então chama o sonho para ele dizer que o amanhã será bem melhor.
Não vou entrar no mérito da diferença entre o sonho próprio do adormecer e o sonho que se sonha de olhos abertos. Já cuidei disso em outro texto (Sonhos que vivem e que morrem), com as seguintes impressões:
"Por outro lado, enquanto ato de sonhar de olhos abertos, o sonho é comumente visto como a utopia, imaginação sem fundamento; ideia ou ideal defendidos com paixão; visão do irrealizável; desejo que acompanha a pessoa precisamente naquilo que tem dificuldade de alcançar; ficção comparável a um sonho e a que muitas pessoas se entregam mesmo acordadas; coisa vã, fútil, transitória, sem consistência, sem alcance, sem duração; coisa vaporosa e inconsistente; visão de desejos reprimidos; recordação de coisa efêmera e que pouca impressão deixou na alma; ideia com a qual nos orgulhamos; idéia que alimentamos; pensamento dominante que seguimos com interesse ou paixão.
Os sonhos sonhados após o adormecer são sonhos eternos, pois se realizam dentro daqueles objetivos do momento, do enredo mentalizado e do seu alcance, mesmo que distorcidos e incompreendidos ou recortados pelo acordar repentino. Estes sonhos não morrem, pois podem voltar sempre com novas nuances, novas roupagens. Diferentemente dos sonhos sonhados acordados, que são desacreditados todas as vezes que as pessoas veem cada vez mais distante aquilo que queria ao seu lado. Estes são os sonhos que morrem, e são velados pela descrença, pelo desencorajamento, pela sensação de impotência e pela perda de vontade de lutar".
Certo é que nas fases iniciais da vida, os pais das crianças é que tecem os sonhos no lugar destas. Espalham perante os familiares, amigos e até estranhos que meu filho vai ser doutor da medicina ou doutor advogado; minha filha vai ser pediatra, que é uma profissão médica bonita para mulher; a minha já vai ser juíza, diz outra; ela novinha já tem um jeitinho de modelo, acho que ela vai fazer muito sucesso nas passarelas e sair em muitas capas diz revistas, sonha outra.
As opiniões e os desejos são muitos e os mais imprevisíveis. Desde novinha que minha filha parece uma atriz, joga uma. Deixo que o meu filho mesmo decida, diz outra. Não adianta querer impor que ele escolha essa ou aquela profissão, completa. E diz ainda: Como não podemos criar o que eles têm que sonhar, não devemos interferir nas suas escolhas.
Toda profissão exercida com dedicação torna-se bonita, seja aquela desconhecida e que ninguém dê nenhum valor até aquela tida como mais poderosa pela sociedade. Segundo o que penso, afirma outra, muitas vezes deixamos de reconhecer e dar o merecido valor ao professor, enfermeiro, carteiro, porteiro, jardineiro e até mesmo à profissão do marido. O que ele faz então?, indaga a amiga. Ele é juiz de futebol, mas nasceu para ser juiz de direito. Por um acaso da vida...
Lembra daquela senhora que ajudava às pessoas a escreverem cartas para os seus parentes no filme Central do Brasil, pois bem, existe uma profissão mais doce e mais humana do que aquela? Tão simples, muitas vezes sem nenhum intuito de lucratividade, mas exercida como se fosse um ofício humanitário e de valorização extrema dos indivíduos que não alcançaram as graças da alfabetização. Uma falou e todas concordaram.
Pessoalmente, já ouvi muito os mais velhos dizerem que antigamente o sonho maior das famílias era que os seus filhos se dedicassem a três ofícios principais: religioso, profissional liberal do direito ou da medicina e o comércio. Por muito tempo as famílias eram invejadas quando nos seus seios existiam padres, freiras, médicos, advogados ou grandes comerciantes. Ter um filho padre ou freira era o supra sumo da valorização familiar. E muitas famílias tiveram três ou mais filhos que escolheram como destino a vida sacerdotal.
Nos tempos mais antigos, quando os cafezais enfeitavam os terreiros das grandes fazendas e iam ganhando terreno a perder de vista, os senhores bigodudos e as senhoras balofas viviam a juntar somas e mais somas de dinheiro para enviar para os seus filhos que estudavam na capital para se formar doutor, principalmente em ciências jurídicas. Dando aos filhos uma posição de destaque na sociedade através do diploma e do anel grosso importado, procuravam se redimir da ignorância e da vida voltada unicamente para a usurpação, o escravismo e a esbórnia.
A febre do direito correspondeu à febre do latifúndio. A riqueza acumulada através da exploração, era destinada em parte para que os doutorzinhos - na maioria ludibriadores dos sonhos dos velhos - se esbaldassem em tabernas, nos cafés requintados, em cabarés, com o luxo das bebidas e charutos importados e prostitutas de nomes afrancesados. Contudo, pelo poder do dinheiro, mais cedo ou mais tarde recebiam o anel e o canudo de doutor das letras jurídicas. Não advogavam porque não sabiam, mas tinham lugares garantidos nos grandes salões e alcovas das madames das melhores famílias.
À guisa de exemplificação, tais aspectos servem para demonstrar que cada sociedade sonha segundo o seu tempo. Como observado, sempre existirá um pai querendo o melhor para o filho, se esforçando ou não para tal, mas sempre almejando que ele alcance uma boa formação profissional ou seja alocado com dignidade no mercado de trabalho. No futuro, a continuidade do sonho passa a ser de inteira responsabilidade daquele que quer sonhar mais alto.
Existe a história daquele que se contentava apenas com o nada que tinha porque se negava a sonhar. Conheci uma pessoa que era assim. Quando alguém dizia que o sonho maior que tinha era comprar uma casa, ele dizia que trabalhasse para adquirir porque o sonho não ajudaria em nada. Se outro dizia que o sonho era ver sua mãe com saúde, dizia que sonhar não curava ninguém, a não ser um bom médico.
Um dia perguntado o que mais queria que acontecesse na sua vida, baixou a cabeça e disse que era poder sonhar como as outras pessoas, pois os seus dias e noites não passavam de pesadelos em tanto trabalhar e não ter perspectiva nenhuma na vida. E o amigo disse a ele que não precisava se preocupar não, bastava acreditar que as coisas boas aconteciam que os sonhos voltariam e muitos deles seriam realizados. E por que não todos?, perguntou ele. Ora, é pra você continuar sonhando, respondeu o amigo.
Verdade é que ninguém vive sem planejar, sem pensar no melhor, sem sonhar. É próprio do ser humano estar descontente com o que possui ou não sentir-se realizado com o que tem, e daí procurar sempre adquirir mais e mais. Muitas vezes, um dia sonhou em ganhar a primeira bicicleta. Ganhou a bicicleta, depois adquiriu uma moto e o sonho seguinte foi adquirir um carro. O sonho agora é um carro novinho, todo equipado, e assim por diante.
Esse tipo de sonho é muito diferente da imaginação que se contenta com o mínimo. Conheço sertanejos cujo sonho maior é ter o pão do dia seguinte, é que chova depois que apila o grão com o pé, é que o sol sertanejo não cisme em se transformar em fogo, é que a cobra não morda a única vaquinha que tem, é que o filho arrume uma roupinha para frequentar a escola. Conheço sertanejos que também sonham grande demais: querem paz e saúde para os seus e para os demais.
Vi a menina em flor tristonha sonhando na janela; vi a flor em menina alegre sonhando na janela; vi a menina linda esquecendo de estudar porque estava sonhando coisas; vi a menina sonhando que era princesa e disseram que o príncipe chegou no sonho; vi a menina chorando porque o tempo passava e os sonhos não eram realizados, o príncipe sumiu e a idade mandava tirar as tranças do cabelo. Mas não chore menina, pois continuas Fascinação, em canto e verso:

Os sonhos mais lindos sonhei
De quimeras mil um castelo ergui
E no teu olhar
Tonto de emoção
Com sofreguidão
Mil venturas previ
O teu corpo é luz, sedução
Poema divino cheio de esplendor
Teu sorriso prende, inebria, entontece
És fascinação, amor.

Não sei se vivo acordado ou durmo, mas quando sonho ouço a voz de Shakespeare: "Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado".



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Juntando palavras (Poesia)

Juntando palavras


A palavra mais bonita
que encontrei foi amor
e escrevi no papel
depois procurei
outra palavra bonita
e coloquei seu nome no papel
mais tarde imaginei
outra palavra linda
e escrevi eternidade no papel
pensei em outra
ainda mais bonita
e escrevi desejo no papel
e ainda mais tarde
me veio à mente outra inspiração
e escrevi prazer no papel

como eu queria ser poeta
para não pensar que juntando
palavra com palavra bonita se faz poesia...

era para você o poema
mas não vou entregar não
vou mandar para outra moça
que nem sabe o que é poesia

"O amor
em teu nome
é eternidade
e desejo
que só me dá
prazer".


Rangel Alves da Costa

Tanto tempo (Poesia)

Tanto tempo


Um dia
depois de vinte setembros
e cinco dias
lembraste do endereço
e enviaste tudo
num papel de carta

"A mão trêmula que escreve
estremece as palavras
que estão encharcadas
de lágrimas
e se eu pudesse falar
era para gritar teu nome
pois nesse instante
um soluço me impede até
de dizer adeus
até um dia meu amor
grande amor"

escrita num dia de sábado
a carta estava datada
de vinte setembros atrás

agora
me chega agora
e não sei
o que dizer do tempo
senhora...


Rangel Alves da Costa

domingo, 26 de setembro de 2010

TEMPO BOM: A PORTA ABERTA (Crônica)

TEMPO BOM: A PORTA ABERTA

Rangel Alves da Costa*


Parodiando João Nogueira, "Eh, vida boa, quanto tempo faz! Eh, vida voa, vai no tempo, vai. Ai, mas que saudade. Que felicidade! Mas o meu medo maior é o espelho se quebrar. O meu medo maior é o espelho se quebrar...". Contudo, a vida seguiu no ritmo no tempo, o tempo no ritmo da sobrevivência, a sobrevivência no ritmo do atropelo, o atropelo no ritmo das horas, dos minutos, dos segundos.
Agora era é a vez de ter de mostrar à sociedade uma série de coisas que não interessa a ninguém, mas tem que dar satisfação porque acabou a desculpa para viver a vida própria como se quisesse. Quando se torna adulto praticamente o indivíduo se torna adúltero de si mesmo, se traindo para satisfazer o outro, o vizinho, o patrão, o carteiro, o padeiro...
Mas fazer o que, a criança de ontem estava descansando na memória, o jovem de ontem adormecia triste e na janela da existência surgia a feição amedrontada do adulto. Sair da janela é preciso, é preciso tomar forças para enfrentar novas e complicadas situações, é preciso colocar nas costas o saco de viagem – e muitas vezes o embornal e a cartucheira – para seguir em direção à porta. Já é um adulto, e a porta está aberta. Vá...
Nesse ritmo é que começa a principal fase da vida para para muitos. No meu caso, não trocaria minha infância e juventude nem por um milhão de maturidade. É a tão falada fase da vida adulta, da maturidade. Amadurecer o que, meu Deus, as certezas de que a liberdade anteriormente conquistada agora passará por regramentos, de que tudo será mais difícil, mais concorrido e mais competitivo, principalmente porque os pais e os outros lhe outorgaram uma série de responsabilidades?
Contudo, o que mais amadurece na pessoa que chega à vida adulta é a certeza de que já está andando no meio do caminho e quanto mais queira caminhar mais estará perto do fim. Mesmo que abdique de viver o que de melhor a vida possa oferecer, brincando com responsabilidade, viajando, se presenteando e a quem gosta, tendo os prazeres mundanos nas suas limitações e, ao invés disso, acumule milhões ou bilhões em moedas, uma infinitude de infelicidade e de distanciamento das coisas cotidianas mais elementares, ainda assim estará caminhando para o fim da estrada, para o fim da vida.
A morte possui um marco de alcance mais visível precisamente a partir da fase adulta, da maturidade. E certamente irão dizer: era tão experiente e agora de olhos fechados terá de aprender tudo novamente se lhe for possível retornar... Retornaria somente para viver a inocência e a infância. Partiria com o dever cumprido da felicidade. O depois, deixo o depois e sua estrada para os que têm contas a acertar com o destino. Chega de caminhar duas vezes sobre as mesmas pedras...
E não precisa filosofar muito para se chegar à conclusão de que todas as pessoas são demasiadamente amarguradas pelo que a vida impõe: não pediu pra nascer, porém adorou estar no mundo até lamber o último mel do doce da juventude, para depois, numa sequência de dissabores, viver lamentando o futuro e torcendo para que a morte não esteja tão próxima. E de repente não tem nem tempo de pensar muito e... O espelho se quebrou!
Mas o que é essa danada de vida adulta, que nos rouba a juventude e indica a porta aberta? Dizem que se alcança a vida adulta quando o indivíduo passa a ser mais o que a lei quer do que a si próprio. Mesmo na juventude, casando já alcança o status de adulto. Começam a surgir à sua frente uma série de folhas que assina como parte interessada ou como testemunha. Presta o serviço militar, pode dirigir e tirar a carteira de motorista, tem que votar e ser votado, em certos casos. Passa a ter inteira responsabilidade civil e criminal e, se não apresentar nenhuma capacidade, sofrer todas as consequencias pelos atos ilícitos que cometer. Enfim, uma série de coisas que somente os adultos podem fazer, usufruir, ou são obrigados a fazer.
Segundo ainda afirmam, o início da idade varia de pessoa para pessoa e a passagem bem sucedida para esta fase depende da resolução satisfatória das crises da infância e adolescência. A idade adulta é o momento em que a pessoa vai alcançando a maturidade e se municiando do potencial para a satisfação plena de suas necessidades pessoais.
Isto não ocorre de modo uniforme com todas as pessoas, pois os estudos apontam a existência de três fases dentro da idade adulta: idade adulta inicial ou idade adulta jovem, que vai até próximo aos vinte e cinco anos; idade adulta média, que vai até os cinquenta anos ou mais; e idade adulta tardia ou velhice. Seja como for, a cada embate para sobreviver é o corpo quem vai dizendo sobre a exata idade que está vivendo.
Por outro lado, adultos existem que nunca deixam de ser jovens e até crianças. A propensão psíquica não consegue cimentar o senso de seriedade, de formalismo exacerbado nas ações e o jeito mais duro e frio de ser, e as pessoas simplesmente não estão nem aí para as ordens da tal maturidade.
Continuam sendo rebeldes, curtindo a vida adoidado, brincando, agindo como se a vida fosse uma verdadeira colônia de férias. Logicamente que tais aspectos sendo feitos dentro dos limites das responsabilidades profissionais, só tendem a fortalecr cada vez mais o espírito dessas pessoas, condicionando-lhes a ter uma vida mais saudável e duradoura.
Lembram daquela música "Filho único", de Erasmo Carlos, que diz assim " Ei, mãe, não sou mais menino/ Não é justo que também queira parir meu destino/ Você já fez a sua parte me pondo no mundo/ Que agora é meu dono, mãe e nos seus planos não estão você/ Proteção desprotege e carinho demais faz arrepender/ Ei, mãe, á sei de antemão, que você fez tudo por mim e jamais quer que eu sofra/ Pois sou seu único filho/ Mas contudo não posso fazer nada/ A barra tá pesada, mãe/ E quem tá na chuva tem que se molhar/ No início vai ser difícil/ Mas depois você vai se acostumar"? Lembra?
Pois é, muitas vezes são os pais que querem, a todo custo, fechar a porta para que o filho não saia para viver sua vida adulta. O quarto do bebê tem que estar assim, bem arrumadinho e bonitinho; o filhinho de dezoito anos não pode esquecer a hora de tomar o remédio; o lindinho da mamãe não pode sair para não andar em más companhias; namorar de jeito nenhum, pois essas meninas só pensam em tirar a virgindade do lindinho para querer se aproveitar de sua herança. De jeito nenhum, filhinho tem que envelhecer no colo da mamãe. Existem ou não situações assim?
Noutras vezes é o próprio lindinho que não quer tomar rumo de homem nunca. Não sabe se virar sozinho em nada e nem fica um pouco mais distante que é para não sair das proximidades dos pais. Se pudessem trabalhavam em casa, namoravam, casavam e viviam em casa eternamente. E se de repente lhe faltar os pais, o que será da vida lindinho? Daí que a vida adulta implica necessariamente numa ruptura entre o berço materno e o grande leito de sacrifícios que se estende pela vida.
Sempre fui daqueles que jamais se curva diante da idade, nem pretendo quando o tempo for realmente de curvatura propriamente dita. E penso assim porque fiz e faço exatamente o contrário do que outras pessoas no anseio de se proclamarem adultas. Sempre trouxe comigo e onde esteja o espírito da jovialidade e da alegria; brinco como brincava quando criança em muitas situações; perto dos mais jovens quero sempre ser ainda mais novo do que eles, buscando compreender o seu mundo e vivenciá-lo; canto, pulo, jogo, só não danço porque nunca aprendi a dançar nem valsa; gosto de colocar nomes estrambólicos nos outros – o que já me causou muitos problemas -; sou psicólogo da vida e de todos – mesmo sem tal formação -, ouvindo, opinando, dizendo com convicção o que está certo ou errado, e sou respeitado nas minhas observações; gosto de distribuir balas, brinquedos, alegria para os que estão ao meu redor.
E faço mais, pois faço o possível para dar o que me pedem, faço o impossível para jamais deixar alguém triste; minto as boas mentiras somente para criar surpresa e espanto e no mesmo instante desfaço a situação para todos caírem na gargalhada; faço caricaturas e digo "esse é você mais bonita"; de vez em quando escrevo poemas para os apaixonados; e por conta própria nem sei mais quantas luas, sóis, noites, manhãs, revoadas, brisas e horizontes já dei só para sentir o prazer nos outros, a satisfação nos outros, o sentir-se valorizado nos outros.
Sou assim e creio que muitas pessoas têm as mesmas maluquices que eu. Gosto quando me chamem de doido, pois percebo na palavra a maior lucidez naquilo que quero ouvir. Que tal um maluco beleza, desses do tipo que só quer paz e amor? Muitas vezes me sinto até fora do meu mundo quando estou perante a seriedade e os formalismos dos fóruns e tribunais. Dá vontade de perguntar se a excelentíssima magistrada já foi gente alguém vez ou se o douto juiz já foi criança, teve juventude e amigos. Sorrio e brinco sempre com os meus colegas de profissão, pouco importando que isso lhes rasgue o putrefato coração vaidoso e egoísta.
Chego em casa feliz e vou viver minha vida adulta ouvindo Flávio Venturini e a sua Clube da Esquina 2:

Porque se chamava moço
Também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem lembra se olhou pra trás
Ao primeiro passo, aço, aço....

Porque se chamava homem
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases
lacrimogênios
Ficam calmos, calmos, calmos...

E lá se vai mais um dia...

E basta contar compasso
e basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
De tudo se faz canção
E o coração
Na curva de um rio, rio...

E lá se vai mais um dia...

E o rio de asfalto e gente
Entorna pelas ladeiras
Entope o meio fio
Esquina mais de um milhão
Quero ver então a gente,
gente, gente, gente...

E assim vou vivendo essa vida adulta e adúltera. Não sei quando, mas sei que um dia ela vai me trair...

continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

CRÔNICA DE TRÊS POESIAS (Crônica)

CRÔNICA DE TRÊS POESIAS

Rangel Alves da Costa*


Em 1994, contrariando todas as expectativas de um estado que jamais deu a mínima valorização a qualquer tipo de produção cultural – muito menos literatura -, consegui publicar, através da Sociedade Editorial de Sergipe/Pesquise, o livro de poesias "Todo Inverso". Criei uma capa bonita, com uma folha branca sendo rasgada, deixando ao fundo o espaço preto. Era o inverso na capa e na poesia.
Conseguir apoio para publicação, lembro bem, foi uma verdade via-crucis. Ora, eu já publicava muitos artigos e crônicas nos jornais impressos, tinha uma posição atuante no meio acadêmico, fazendo parte do Centro Acadêmico Sílvio Romero do Curso de Direito da UFS, participando como candidato a vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes da instituição.
Conhecia inúmeros jornalistas, intelectuais e artistas sergipanos. Contudo, estas pessoas conheciam meu trabalho e faziam boas críticas, mas não podiam ajudar diante da mesma falta de apoio que sentiam para os seus próprios trabalhos. O que fazer, então? Na cara de pau, deixei de pedir água e fui diretamente à fonte.
De tanto insistir, um dia pude entregar os originais do livro a dois conceituados e importantes intelectuais sergipanos e atualmente membros da Academia Sergipana de Letras, Luiz Antonio Barreto e Luiz Eduardo Costa. Aquele atualmente o mais festejado historiador sergipano e este dono da Rádio Xingó FM e ouvidor-geral do Estado. Daí em diante ficou tudo mais fácil e não demorou muito para o lançamento.
Na dedicatória deixei um enigma que muito me ajudaria na vida romântica: "Quem sempre amei tem o nome que não ouso mencioná-lo mais que o coração. Este livro é para ela". O problema era saber quem eu sempre amei. Ora, eu sempre dizia que era a menina que estava comigo no momento. E ficou assim, até hoje.
Dediquei ainda o livro a um irmão e um amigo recentemente falecidos, Marcial e Marcinho, bem como aos professores do curso de Direito Silvério Fontes e Eduardo Matos, ao hoje ministro do STF Carlos Ayres de Britto, e ao atual candidato a uma vaga de ministro no STJ Carlos Aberto Menezes.
Das setenta poesias que constam do livro, transcrevo aleatoriamente três. Apenas transcrevo, pois sou incapaz de julgar qual a minha prole mais ou menos bonita.

Chuva no mar
eu vi
olhos no mar
chorar
noite chegar
não ter
lenço aberto
na mão
que enxugue
o mar
e o coração.

Esta outra que diz:

Quando penso na morte
redescubro e persigo
uma fronteira precisa
quando penso na vida
cansa-me a incerteza
da certeza dividida
se penso em mim
não sei qual lado
dessa fronteira é preferida.

Ou ainda esta:

Singrei a distância azul
do mar imenso nos teus olhos
eu que possessivo me encontrei
avancei longe demais
e horizontes que não tinha naveguei
perdi-me em querer ser dono
do mundo teu que encontrei
mas ontem fez-se a tempestade
e tu choraste
e no teu rosto lentamente naufraguei.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Ao meu lado (Poesia)

Ao meu lado...


E aí a lua nova
veio caindo caindo
e caiu ao meu lado...

e aí o sol do entardecer
veio esfriando esfriando
e se pôs ao meu lado...

e aí uma nuvem
veio fugindo fugindo
e caiu ao meu lado...

e aí uma revoada
veio voando voando
e pousou ao meu lado...

e aí uma brisa
veio sorrindo sorrindo
e ficou ao meu lado...

e aí uma imensa alegria
veio surgindo surgindo
e sorrio ao meu lado...

e olho do lado
tanta coisa bonita
em você ao meu lado...

surgindo surgindo
tanto amor tanto amor
em você ao meu lado...


Rangel Alves da Costa

sábado, 25 de setembro de 2010

TEMPO BOM: JUVENTUDE (Crônica)

TEMPO BOM: JUVENTUDE

Rangel Alves da Costa*


Lá pras bandas de onde vim, num sertão de distância sem fim, menino que atravessava a cancela da mocidade e entrava na juventude já estava rapazinho feito. Igual a coisa adquirida, para funcionar como se espera o jovem tem que ser montado peça por peça, juntando cada pedaço segundo o manual da vida, para somente assim caminhar pela estrada. Se enguiçar no primeiro atropelo, dá pra coisa ruim, com certeza.
Não se pense, seu moço, que a juventude que trato aqui é a mesma mocidade que tratei ali, não é não. Do mesmo modo que disse que a inocência antecede e invade a infância, o mesmo posso dizer com relação a esta e à mocidade, e ainda esta perante a juventude. A infância vai abrindo as portas da mocidade, que é a fase onde a criança começa a querer ser adulto, agir como adulto e pensar como tal, para arrefecer nos seus ideais somente quando chega ao patamar da juventude.
Nesta fase, aí sim, há uma tomada de posição mais realista perante a vida e diante dos objetivos e compromissos que se assume e se tem. E é por isso que surgem as muitas e muitas dúvidas, os inconformismos, as percepções revolucionárias sobre a realidade e a vontade de querer mudar o mundo num toque de dedo.
Eis a juventude, como o real posicionamento do indivíduo no mundo, pois já responsabilizado moral e eticamente por suas ações. Mais tarde estará também apto para todos os atos da vida civil e ser objeto de deveres na seara jurídica. Sobre si recai os olhos da sociedade e do dever-ser.
Quais seriam, então, os sinais da juventude. Hoje em dia é difícil de apontar sinais característicos e de delimitar as ações dos jovens, vez que muitos deles enveredados por caminhos tão nebulosos que nem se enxerga o que fazem, o que pensam, o que dizem. Sendo assim, certamente essa névoa triste deixará visível alguns aspectos negativamente relevantes.
Haverá, pois, o descontrole da sexualidade, com o total desrespeito pelo corpo e pela honra própria e familiar; o uso de drogas, que desde mais cedo já começou a se fazer presente nessas frágeis vidas através do álcool, da maconha, da heroína, mas principalmente da força avassaladora e destruidora do crack. A ilicitude torna-se uma constante como se o sabor do erro fosse o único apetite da vida.
O menino que queria ser médico ou doutor de qualquer coisa agora não está nem aí para os estudos. Mente para os pais e para todos, e ao invés de ir estudar vai se encontrar com a turminha ou gangue para usar drogas, praticar assaltos, fazer badernas por onde passar, levar uma vida com todos os desregramentos possíveis. Infelizmente, isto também se pode dizer com relação à mulher, que pretendendo acompanhar os modismos, logo se revolta com a situação financeira da família e então começa a trilhar pelos caminhos da prostituição, das drogas e do crime.
Felizmente ainda há uma grande parcela da juventude que pode ser caracterizada como sadia, como imune às tentações das más companhias e dos problemas que elas trazem. Consegue vencer os desafios porque tem olhos para as boas ações, para a tomada de atitudes corretas, para os sonhos que busca concretizar. Vive o seu tempo progredindo porque respeita os seus limites e com obediência às regras mais elementares da boa conduta.
Não é difícil de se ver um bom livro perto desses jovens, um bom pensamento povoando suas mentes, uma preocupação maior com os estudos, com a formação e com a vida futura. Não é uma juventude pautada pelas baladas, pelas noitadas, pelas fumaças e fumacês, pelos nós e pós. Não há nenhum santinho, mas também não se verifica tamanha promiscuidade.
Digo isso dos tempos modernos, que são os tempos vividos e que não podem deixar de servir como exemplo, até mesmo para servir como noção comparativa com os tempos passados, com os anos idos, com uma vida muito diferente da de agora. Contudo, o que há se deixar bem claro é que a juventude de hoje não é o vinagre que foi vinho ontem. Pelo contrário, a faixa etária continua a mesma, o que se pode apontar como diferenciais são os comportamentos, a forma de vivê-la e o compromisso de construção da identidade que se dá a essa fase.
Duvido que a juventude de ontem não tivesse abominado certos modismos que se verifica hoje. Dançava-se coladinho rosto no rosto sob a meia luz dos grandes salões cheirando a perfumes. Para os mais despojados um som autêntico de discoteca, com direito a cabelo cumprido e calça de boca de sino.
Não, seu moço, não se vivia ouvindo nem atrás de baianadas, "rebolations" e sem-vergonhices. Talvez houvesse uma diferença entre Cely Campelo e o seu Estúpido Cupido e tanta estupidez que se ouve hoje. Era uma rapaziada admiradora de Roberto Carlos, Paulo Sérgio, The Fevers e outros. "Se você pensa que meu coração é de papel...".
Muitos não gostavam, é verdade, mas também não tinham o péssimo e vergonhoso gosto musical que demonstram ter hoje. Certamente poucos jovens se esfacelariam pelo dito sertanejo universitário – que de sertanejo não tem nada -, pelas baboseiras inaudíveis que são forçosamente ouvidas nas malas dos carros. Um aboio era verdadeira poesia musical diante dos "du-da-dá" que se tem de ouvir por aí.
Lembro muito bem que era um tempo de romantismo, onde se valorizava o encantamento produzido pela lua cheia e bonita; o cativante aconchego da pracinha e seu coreto; às sete horas naquele banquinho do meio, marcava um apaixonado; vou deixar um bilhete embaixo de uma pedrinha lá naquele banco da esquina, dizia outro. Hoje não, hoje a gente não pode se encontrar não porque mamãe vai trazer Paulinho pra brincar com o velocípede na praça, segredava a bonequinha sertaneja, linda como a flor mais flor.
Tudo era motivo bom. Uma ânsia danada para os encontros depois da aula; os bailes organizados pelas turminhas; as briguinhas de Maria e Joana por causa do bonitão, todo de calça lee americana e mais uma especial, com uma nesga em xadrez, que era para os dias de festa. Paulo e João também andaram às desavenças por causa de Luísa. Mas diziam que ela gostava mesmo era do tímido Jonas, só porque ela pegava uma folha e ia bolando rimas apaixonadas com o nome dela.
Talvez Tavito tenha razão. No sertão de onde vim também tinha uma Rua Ramalhete, tão encantadora quanto a música:

Sem querer fui me lembrar
De uma rua e seus ramalhetes,
O amor anotado em bilhetes,
Daquelas tardes.

No muro do Sacré-Coeur,
De uniforme e olhar de rapina,
Nossos bailes no clube da esquina,
Quanta saudade!

Muito prazer, vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você
tremer dentro do vestido,
Vamos deixar tudo rolar;
E o som dos Beatles na vitrola.

Será que algum dia eles vêm aí
Cantar as canções que a gente quer ouvir?

E digo mais: será que erramos tanto, por viver tanto e tão plenamente nossa época, que os nossos exemplos servem como contramão para o que fazem hoje? Mas deixe isso pra lá, pois a culpa foi só nossa, que um dia teimou e insistiu em fazer tudo aquilo que docemente cabia a uma juventude sadia fazer. Estrategistas ao extremo, até na religião buscávamos nossa base de ação mundana.
Verdade é que nunca se viu uma juventude tão católica, tão devota e chegada às coisas da igreja como naquela época. É certo que a maioria dos jovens nem chegava a entrar na igreja, mas também é verdade é que não saiam dos arredores enquanto as mocinhas passavam acompanhadas de seus pais ou quando retornavam.
Não queriam saber nem do sermão nem da família em devoção, mas sim do olhar trocado naqueles preciosos instantes. Bastava um olhar e pronto. E já marcavam o encontro, o local e a hora. Os mais atrevidos chegavam mesmo a assistir a missa e ficar bem no banco de trás onde sua pretendente estava sentada. Daí era fácil entregar cuidadosamente o bilhetinho na mão esquecida que se estendia para trás. Não era pecado não, era amor mesmo. E que amor mais bonito, mais sincero, mais verdadeiro e jovem.
Linda juventude, ou como diz a poesia cantada de Flávio Venturini, "Nossa linda juventude, página de um livro bom. Canta que te quero cais e calor, claro como o sol raiou. Claro como o sol raiou. Maravilha, juventude, pobre de mim, pobre de nós. Via-láctea brilha por nós, vidas pequenas da esquina".
Linda juventude para os que realmente foram agraciados por Deus ao viver uma juventude digna de ser reconhecida e lembrada com mil saudades. Porque o tempo passa e tudo se perde numa via-láctea, e muitos dos jovens de hoje em dia não passam de vidas pequenas da esquina. Sem nenhuma via-láctea, sem um brilho sequer...



Poeta e cronista
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blograngel-sertao.blogspot.com

Confissão (Poesia)

Confissão


Só cheguei antes
do mundo acabar
para te confessar um segredo

só te alcancei por aqui
antes do mundo acabar
porque preciso dizer uma coisa

o azul era verde
a chuva era sol
a alegria era tristeza
a valentia era medo
a riqueza não era
o dia era noite
a saudade era esquecimento
a viagem era ficar
o silêncio era grito

agora ouça:
o amor era amor
o amor é amor
e a certeza é a eternidade...


Rangel Alves da Costa

Testamento (Poesia)

Testamento


Sim, ainda há o teu nome
a ser incluído no meu testamento
e não tenho mais nada para te dar

envolvi o sol numa nuvem
e te dei um dia
roubei a lua da noite
só para te dar um dia
trouxe o inverno com as chuvas
só para te agradar um dia
desviei a curva do vento
e fiz soprar como brisa um dia
tomei do dia a manhã e juntei a tarde
para te dar um dia e todo dia
lapidei as joias mais brilhantes
e enchi seus dias de diamantes
por fim e na minha pobreza
inventei de ser o Rei Salomão
e te dei o meu precioso coração

e depois de tudo
quando da vida só me restou a vida
tu manda-me lembrar
o teu nome no testamento

deixo-te então a minha vida
que era vivida por empréstimo teu.


Rangel Alves da Costa

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

TEMPO BOM: MOCIDADE (Crônica)

TEMPO BOM: MOCIDADE

Rangel Alves da Costa*


Qual o tempo de ser moço, seu moço? Para quem não foi esvoaçado pelo tempo, arremessado pelos familiares num mundo que ainda não era o tempo de se viver, vai lembrar que esse era o tempo da juventude, dos mocinhos e mocinhas que já iam juntando a idade para viver a mocidade.
Moço na idade, mocidade. Ninguém era mais inocente, não podia mais tomar banho nu na biqueira em frente ou nos lados de casa nem era mais costumeiro brincar de boneca de pano nem de cavalo de pau. Soltar pipa somente no pensamento. A mocidade havia chegado, seu moço. O corpo surpreendia a cada instante, o imaginário do mundo se tornava real, dali por diante teria que se viver outra vida. Afinal de contas, já eram mocinhos e mocinhas, seu moço!
Os livros, que não têm nenhum sentimento e nenhuma saudade, dizem apenas que mocidade é o estado ou idade de moço; é o período que antecede a maturidade sexual; é um período de transição do estado de dependência para o de autonomia. Mais acertado aqueles que afirmam ser a mocidade a fase da existência por excelência, aonde tudo chega como aprendizagem e como vontade de experimentação. O frescor, o viço próprio das pessoas moças, eis a mocidade.
Eles, homens feitos para tudo, pois assim pensavam e queriam a tudo custo ser; e elas verdadeiras princesas de vestidos de chita, matizes pelo rosto e aromas derramando-se pelo corpo e quase sempre a presilhinha barata para o vento não danar demais os cabelos. E os sonhos, e os sonhos, seu moço? Depois conto essa história de sonhar na mocidade...
Para as meninas, não existe mocidade sem janela. Ao entardecer nas janelas é que se pode sonhar, olhar para o horizonte e imaginar coisas bonitas que vão acontecer nas suas vidas, olhar para os lados da rua e ver se avista o príncipe encantado chegar. E não raro cantam baixinho, num sussurro de voz levado pelo vento:

Se essa rua
Se essa rua fosse minha
Eu mandava
Eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas
Com pedrinhas de brilhante
Só pra ver
Só pra ver meu bem passar

Nessa rua
Nessa rua tem um bosque
Que se chama
Que se chama solidão
Dentro dele
Dentro dele mora um anjo
Que roubou
Que roubou meu coração

Se eu roubei
Se eu roubei teu coração
Tu roubaste
Tu roubaste o meu também
Se eu roubei
Se eu roubei teu coração
Foi porque
Só porque te quero bem.

Há cantiga popular mais apropriada para ser cantada pelas mocinhas vivendo em plena fase da mocidade? A casinha de madeira, a boneca de pano e os brinquedos de ontem já foram embalados, guardados e esquecidos em qualquer canto da casa. Mãe eu quero um vestido bem bonito, um batom e um perfume bem cheiroso, e não esqueça de comprar uma agenda que eu quero escrever umas coisinhas que fico imaginando.
Começam a pedir para construir um mundo, uma imagem, para começar a falar que existem a partir da beleza física e a gritar por meio do silêncio das palavras escritas na agenda ou no caderninho. Não podem ver um espelho e lá estão se mirando, se embelezando, se penteando. Essa pontinha de cabelo eu não quero aqui, mas aqui. Essa franja está horrível hoje. Mãe será que a senhora podia aparar essas pontinhas?
E na agenda as primeiras poesias. Primeiro a lua é bonita, o sol é luz da vida, a vida é cheia de encantos, o mundo poderia ser melhor se... Depois os planos, os sonhos, os objetivos: um dia, quando a minha vida estiver completa, ajudarei todos aqueles que o destino e a sorte na vida deixaram incompletos! Mais tarde as coisas do coração, os sentimentos brotando e a voz dos desejos expressando tanto quereres.
E chegam os poemas de amor, os versos que falam sobre os olhos lindos do príncipe que vai chegar, a felicidade eterna ao lado do menino mais lindo do mundo, a exuberância do sonhar e desejar. Escreva mais minha menina, pois este é o momento para sonhar. Depois a vida fará releitura de todos os seus sonhos, pode acreditar...
Nessa fase da vida os assuntos sobre sexo eram tão instigantes quanto escondidos e apenas imaginados. Conversando com amigas da mesma idade ou mesmo com pessoas mais velhas, as coisas proibidas causavam vergonha, muitas vezes espanto e sempre um queimor e uma vermelhidão na pele. De tão estranho que eram, começavam a povoar aquelas mentes sonhadoras. Aquilo só quando casar; e filho também, só quando casar. Nem sempre foi assim...
Sempre gostariam de saber muito mais, contudo se contentavam com aquelas informações e certamente ficariam tirando suas conclusões nas muitas tardes e noites em que se trancavam no quarto exclusivamente para dar conta de si mesmas sobre tais assuntos. Sexo, só vou querer conhecer melhor sobre as coisas do sexo quando já estiver maior, moça, próximo a me casar... E ainda vai demorar tanto tempo, meu Deus, até que o menino dos meus sonhos chegue e já se vai um tempão...
Na cidadezinha sertaneja onde vivi minha mocidade as meninas eram assim, agiam assim, sonhavam assim. E graças a Deus eram verdadeiras matutas para o que se vê nos dias de hoje. Já crescidinhas e em idade de namorar, mesmo assim para qualquer rapazinho se aproximar era igual o guerreiro grego querendo invadir Tróia pela porta da frente.
Menina que ainda não tinha tirado fedor de mijo não era para namorar de jeito nenhum. O mundo se acabava se ao menos os pais sonhassem que elas estavam de namorico às escondidas. Quando fosse para namorar tinha de ser à vista de todos, de modo que as más línguas e as fofoqueiras de plantão não começassem a dizer que a filha de Joaquim ou de João quer beijar sem tirar a mamadeira da boca.
Os pais não queriam dar esse prazer maldoso de jeito nenhum. Então as garotinhas enlouqueciam com isso, querendo experimentar as delícias dos encontros, dos beijos e dos abraços, dos bilhetinhos e dos poemas entregues às escondidas, mas não tinha jeito que desse jeito. Eram muito novinhas pra pensar em coisa de namoro. Primeiro estudar e ir aprendendo as responsabilidades de mulher, só muito depois é que podiam sonhar em olhar se o príncipe encantado vinha despontando pela rua.
Mas não tinha jeito. As mocinhas sonhavam e os molecotes faziam os sonhos acontecerem. Na escola, e lá iam eles todos desconfiados, com cabelos lisos de brilhantina e perfumados como Toque de Amor ou Charisma, da Avon, com o que tivessem conseguido para presentear suas pretendentes: um pirulito, um pedaço de bolo de ovos, uma fruta roubada num quintal, um papelzinho com palavras bonitas rabiscadas, uma lua desenhada, um sol esquentando a mão, uma esperança em qualquer coisa.
Conheci uma professora que era gente fina. Solteirona, lacrimosa e arrepiada quanto via homem novo passar, mas gente fina. Servia como mensageira para os recadinhos, dizia se o menino tinha esperança ou não de conquistar ao menos o olhar da colega. Não sabia nada sobre beijos e abraços a coitada, mas sempre dizia que era preciso muito cuidado para as coisas não irem longe demais.
Segundo ela, cada um de nós carrega um vulcão por dentro e este está prestes a explodir a qualquer momento, bastando que o querer fosse transformado em desejo. A coitada ainda não arrumou namorado pelo que ouvi dizer, mas continua exímia professora das coisas do amor. E uma vez ela me disse que aquele momento que vivíamos era tão importante na vida que as pessoas mesmo ficando mais velhas tinham que guardar dentro de si um pouco da mocidade. Perguntei o motivo e ela disse que era porque a mocidade é a única idade da vida verdadeira numa pessoa, e tanto era assim que tudo mundo se lembraria com saudade desse tempo bom.
Lembrar da professorinha gente fina é lembrar de um montão de coisas no enredo dessa fase da vida. Era bom estudar porque somente na escola e a partir da escola, nos recreios e nas saídas, muitas outras coisas podiam acontecer, e efetivamente aconteciam. Mas não há como esquecer do caderninho, do lápis e da caneta, da borracha e da tabuada, da cola e das bolas de papel jogados nos colegas e até na professorinha. E logicamente que vem a lembrança da música "Meus Tempos de Criança" de Ataulfo Alves:

Eu daria tudo que eu tivesse
Pra voltar aos tempos de criança
Eu não sei pra que que a gente cresce
Se não sai da gente essa lembrança

Aos domingos, missa na matriz
Da cidadezinha onde eu nasci
Ai, meu Deus, eu era tão feliz
No meu pequenino Miraí

Que saudade da professorinha
Que me ensinou o bê-a-bá
Onde andará Mariazinha
Meu primeiro amor, onde andará?

Eu igual a toda meninada
Quanta travessura que eu fazia
Jogo de botões sobre a calçada
Eu era feliz e não sabia.

Que saudade da professorinha e de um montão de coisas que fiz e deixei de fazer. O que a gente não fez também deixa saudades, principalmente quando o lastro do tempo vai criando em cada um uma dolorida marca de arrependimento. Eu deveria ter vivido mais, amado mais, sonhado mais, ter sido mais moço na minha mocidade. Mas não, um dia pulei a janela da vida e sem querer me esbarrei diante de muitas pedras que haviam num longo caminho pela frente.
Mas já que pulei a janela tinha que tentar caminhar...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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A história do povo (Poesia)

A história do povo


Era uma vez um povo
que se chamava gente
que um dia descontente
se odiou e se matou
e nessa guerra só restou
uma cinza embranquecida
de longe pelo vento trazida
e na terra logo espalhada
como semente sem ser semeada
mas que cresceu e brotou
se fez raiz e logo desabrochou
e a planta foi crescendo
na natureza temendo
que aquela estranha plantação
fosse o começo de sua destruição
e não demorou muitos dias
começaram as agonias
na terra sendo invadida
pela feroz e brutal desconhecida
temiam os passarinhos
pelas suas vidas e seus ninhos
os ventos próprios da estação
queriam voltar em vão
e foram transformados em tufão
para aumentar a devastação
e no rastro da maldita
nada pela frente era bem vista
era esmagada e destruída
na vida que ia sendo diluída
até que no cansaço da tarde
foi descansar a maldade
e dormiu pesadamente
e logo lhe veio à mente
o passo seguinte a dar
que era a si própria matar
para morrer novamente
e renascer como gente
para destruir tudo de novo
porque seu nome era povo.


Rangel Alves da Costa

Acredite (Poesia)

Acredite


Tudo existe
acredite

o coração
a paixão
o amor
a dor
a paixão
a ilusão
a morte
a ressurreição
a noite
o açoite
a lua
a rua
o só
o sol
a solidão
e o bicho-papão
por que não?

mas se ouvir
que o adeus existe
não acredite
isso nosso amor
não permite
acredite...


Rangel Alves da Costa

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

TEMPO BOM: INFÂNCIA (Crônica)

TEMPO BOM: INFÂNCIA

Rangel Alves da Costa*


Afirmei numa página anterior que o doce descompromisso que temos na inocência da meninice é o único compromisso que temos de guardar para a vida inteira, como prova de que um dia tivemos plena liberdade de ação. Depois disso, depois da inocência dos primeiros anos de formação e crescimento, tudo na vida se transforma em fases, períodos, estágios. O que mais dói é que tudo se resume em idades, em anos que, paradoxalmente, são idades novas que nos tornam mais velhos e vão conduzindo para o fim da existência.
O que seria, então, a vida, se em meios às dores e aflições que os anos trazem, não restasse o doce sabor das lembranças da inocência, da infância, de um passado que de tão bom e bonito nos faz entristecidos? Como diria Drummond, chore não que a infância está perdida, a mocidade está perdida, mas a vida não se perdeu...
Contudo, como tudo na vida é percurso, é caminho, não tomamos mais banho junto com os nossos pais porque já estamos grandinhos, já sabemos que não é bom crianças ficarem tomando banho junto com adultos desnudos. Temos consciência disso porque não somos mais inocentes e a nossa idade já permite muito bem distinguir o que está certo e errado. Assim diziam porque nossa fase agora era de infância.
Me pergunto, meu Deus, se a infância é uma fase na vida ou uma bolha de sabão que é formada com um sopro e vai subindo linda sem norte nem sul em direção a qualquer azul? Vejo a infância refletida numa bolha de sabão, com seus tons incandescentes, luminosos, refletindo todas as cores que a cercam. E porque a infância é linda, é imensa, é solta pelo ar e pela vida e de repente: splash!...
Quem dera se a infância não se transformasse num conceito: o período da criança que se estende até a adolescência, em que vão se desenvolvendo as percepções de mundo, as transformações físicas, as responsabilidades e os medos. O problema, contudo, não é o mundo novo que vai se mostrando voraz a partir da infância – o que não ocorria na fase da inocência -, mas sim a obrigação que as crianças passaram a ter de se tornarem adultos antes do tempo e a todo custo.
Impor características de adulto a uma criança é o mesmo que tratar com senilidade um adolescente. Ou os adultos esquecem que foram crianças, não sentem saudades das suas traquinagens e brincadeiras? Por isso que trago comigo meu menino que ainda sou, a criança que ainda sou, o danado que ainda sou. E quem me dera o sertão pertinho de mim, bem aqui ao meu lado, para tudo ficar mais festivamente real.
Tempo bom... Infância é a realidade que nunca deveria ser descoberta. Digo isso porque eu vi, vivi a infância, fui a infância e dela não irá me afastar nenhuma distância. Meninos, eu vi!...
Conheci o rei do gado, grandes criadores, banqueiros e milionários. Acreditem. Todos eram crianças como eu e já eram isso tudo. Cada ponta de vaca ou de boi representava também o próprio animal, e eram espalhadas nos quintais – tidos como pastos ou fazendas – formando grandes rebanhos. Assim, surgiam grandes fazendeiros, possuidores de muitos animais, e existia também o rei do gado, que era aquele que conseguia juntar mais pontas em sua propriedade.
Qualquer um podia ter dinheiro; muitos eram ricos e alguns eram milionários. Naquela época, pelo meio das ruas, nas proximidades dos bares, em qualquer lugar, sempre havia meninos procurando dinheiro. Era isso mesmo, dinheiro de papel de carteira usada de cigarro continental, astória, hollywood, gaivota, vila rica etc. Encontrada a carteira vazia, o papel era cuidadosamente dobrado no cumprimento de uma nota e virava dinheiro.
Dependendo da marca do cigarro, cada nota possuía um valor diferente; se o papel fosse de um cigarro caro e difícil de encontrar o seu valor era muito maior. Havia as trocas, os trocos, enfim, toda a movimentação de um dinheiro normal. Era também muito usado para comprar bois, vacas e outros produtos fabricados pela gurizada. Conheci muitos meninos que tinham sempre poucas notas e outros que tinham o maior prazer em mostrar maços e mais maços. Desde aqueles tempos a vida é assim.
Conheci também grandes vaqueiros, destemidos, e bois valentes, ferozes. Nas noites sertanejas de lua cheia, a meninada se juntava e escolhia quais seriam daquela vez os bois que iriam se esconder nas matarias da vizinhança, em locais delimitados, que não fosse de acesso muito difícil. Muitos bois ficaram famosos pela destreza e velocidade, e os moleques que faziam tais papéis muitas vezes tiveram que suportar serem chamados pelo nome do boi por um bom período: valente, fogoso, raio de luar!...
E assim, dois ou três garotos corriam e iam procurar moitas onde ficavam silenciosamente escondidos. Alguns minutos após e saíam os vaqueiros em correria, cada um montado no seu cabo de vassoura ou pedaço de pau, como a galopar num bom alazão sertanejo. O pega-de-boi da noite sempre terminava com os espinhos torturando os pés da criançada.
Quando não eram nos quintais e nas ruas de Poço Redondo, as brincadeiras eram transferidas para os arredores, para as proximidades atrativas. Em época de chuva, quando chovia muito lá pelas bandas da cabeceira do riacho Jacaré, esse riozinho que ladeia a cidade virava uma festa para a meninada, mesmo sabendo da sujeira das águas novas e do perigo dos turbilhões traiçoeiros de alguns pontos onde grandes pedras formavam verdadeiras panelas.
Muitos saíam logo cedinho de casa e só voltavam quando os pais estavam na beira do riacho chamando e xingando de nome feio. Voltavam vermelhos do sol e ficam ainda mais ardidos pelas chicotadas que muitos tomavam no percurso até em casa. Eram colocados de castigo, mas quando os pais iam procurá-los não os encontrava mais em nenhum canto da casa. Tinham saído escondido para brincar novamente. Até os adultos tinham medo.
Essa também era a melhor época para armar arapucas, caçar passarinhos, pois tempo de chuva, de rolinhas, coleirinhos e azulões alegres de galho em galho. Diferentemente de hoje, naqueles idos o que não faltava era passarinho. Não podia ser diferente, pois as árvores eram muitas e estavam em todos lugares, nos quintais, cercados, nas pequenas e grandes propriedades.
Em cada canto tinha um umbuzeiro, goiabeiras e pés de caju eram fáceis de encontrar. No quintal da minha avó tinha um pé de goiaba, existente também no quintal vizinho de Delino. No quintal de João de Terto a grande atração era um pé de umbu-cajá. Toda meninada ia roubar cajus ao lado da casa de Luis Doce, nos fundos do campo de futebol. Dezenas, centenas, eram as árvores frutíferas espalhadas nos arredores da cidadezinha sertaneja.
Num contexto como tal, onde a natureza servia também como brinquedo para a gurizada, catar frutas ou pegá-las às escondidas era mais que normal. Muitas vezes, quando o menino ia colher frutas ia também verificar se algum passarinho havia caído nas arapucas armadas nas árvores próximas aos tanques e barragens.
Aproveita-se a ocasião e a peteca ou baleadeira era logo colocada em ação. Eram constantes as disputas para saber quem tinha melhor pontaria. Esticava-se bem a borracha por entre a pequena forquilha de madeira e mirava-se no tronco da árvore, na fruta pendurada e, muitas vezes, na pobre rolinha: stlibum! E era uma vez uma fogo-apagou.
Brinquedo fabricado, comprado na capital, era artigo de luxo que cabia a poucas crianças. Quem possuía gostava de fazer inveja aos outros, o que muitas vezes teve por conseqüência o destroçamento imediato do caminhão de plástico ou da boneca que fala. Também a maioria da molecada não trocava o carro-de-boi puxado por ponta de vaca, o carro-pipa feito com lata de óleo, o carrinho de madeira nem o cavalo de pau por nada nesse mundo.
Por mais que brinquedos novos fossem surgindo, comprados na capital ou vendidos no mercado em dias de feira, incrível era o desprezo da maioria por estes e o prazer cada vez mais constante de construí-los artesanalmente, pelos cantos ou nos quintais da casas, sozinhos ou ajudados por amigos da mesma idade. Lascas, restos de madeira, latas, frascos, borrachas, plásticos, tudo servia como material essencial para as construções inventivas dos pequeninos artesãos.
Tal qual colonizadores, muitos pais quiseram introduzir em suas casas bois de barro pintados, carros de madeira envernizada e outros instrumentos lúdicos fabricados em série. Até que tinham aceitação, pois a meninada brincava com tudo, mas era diferente, não conseguiam transmitir o mesmo prazer do que divertir-se com aquilo que era construído manualmente, juntando pedaço a pedaço, cuidadosamente, prazerosamente.
Dentre as muitas outras brincadeiras próprias para meninos - o que não implicava que as meninas também pudessem participar - me vêm à lembrança os passatempos divertidos com bolas de gude, ou bolas de “marraio” como muitos chamavam, e os jogos de futebol de botão com jogadores feitos de tampas de garrafas ou de plástico derretido.
Muitos garotos conseguiam juntar dezenas e até centenas de bolas de gude brincando e apostando ao mesmo tempo. De uma certa distância, com a mão próxima ou apoiada no chão, a bola de gude colocada na parte lateral do dedo indicador e impulsionada pelo dedo polegar, se o arremesso fosse certeiro, com a bola caindo diretamente no buraco, a rodada estava ganha; se não fosse possível, na próxima jogada procurava acertar a bola que já havia sido arremessada pelo colega. Existiam verdadeiros craques nesse esporte infantil, bastava ver os sacos de bolas que conseguiam ganhar.
Também fui jogador. De bola de pano e de tudo que viesse à minha frente. Fui vencedor e fui perdedor, mas jamais deixei de ser campeão na vivência daqueles momentos. Infância, infância... Teu troféu guardo nos meus olhos tristes e na minha saudade. E que saudade boa meu Deus!...

continua...




Poeta e cronista
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Ainda há tempo (Poesia)

Ainda há tempo


Nunca mais beijei o mar
nunca mais amei a noite
nunca mais abracei a chuva
nunca mais acariciei o vento
nunca mais toquei o tempo

não tenho mais tempo
nem para o beijo
nem para o abraço
nem para a carícia
nem para o toque

quando penso em você
me dói pensar no tempo
de tanto tempo perdido
sem ter descoberto o mar
o beijo, o abraço
a carícia e o toque

o tempo que me resta
é o tempo da certeza
que ainda há tempo...


Rangel Alves da Costa

Tudo e mais... (Poesia)

Tudo e mais...


O meu amor
é amor
só isso
não é mais
porque é todo amor
no amor
que ama
e basta
mas um dia
será amor
muito mais que amor
e tudo
porque descobri
que o amor
no amor
que é nosso
é imenso
é infinito
e mais
muito mais...


Rangel Alves da Costa

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

TEMPO BOM: INOCÊNCIA (Crônica)

TEMPO BOM: INOCÊNCIA

Rangel Alves da Costa*


Mesmo que hoje muitos afirmem que a sociedade e os impulsos da vida moderna tomaram os espaços próprios da infância, da inocência, das brincadeiras verdadeiramente infantis e da pureza de pequeninos seres ainda em formação, verdade é que tais aspectos não desapareceram nas crianças, apenas foram escondidos, tomados deles, como se tivessem que viver suas idades segundo os desejos dos adultos.
Desse esbulho à infância é que surgem os absurdos, com criança perdendo sua feição infantil e passando a ter atitudes como se adolescente ou adulto fosse. Nesse caso, a infância deixa de ser uma fase essencial de encontro e construção da existência para se tornar numa mecanização cotidiana do ter de fazer isso ou aquilo, isso está certo ou errado, não é permitido isso ou aquilo. Ora, se a liberdade de fazer não fosse um dos privilégios da inocência de nada valeria essa fase da vida. Da adolescência à morte bastaria...
Tenho que a inocência não significa apenas o estado daquele que ainda não pecou, desconhecimento de certas coisas da vida ou mera ausência de culpa ou de malícia. Não. A inocência é um estado de espírito pelo espírito ter a pureza virginal das crianças, a absoluta convicção da beleza da vida na prática daqueles doces e simples atos que dão significado à existência.
Na inocência, nos gestos e atitudes da criança, tudo é tão normal, bonito e espontâneo. Conversa com a boneca de pano, tem raiva da boneca porque ela não diz se está com fome, de vez em quando está com a mão cheia de barro para colocar na boca, diz que a caixinha é o carro e qualquer coisa é uma bola. Brinca chutando meia cheia de pano, se esconde em qualquer lugar e grita para alguém lhe procurar, tem medo de gato e gosta de cachorro, acha que gelo queima os dedos, chora quando ouve algum trovão. Mas tudo é belo, lindo e maravilhoso porque tudo é infância.
A liberdade vem com muito mais liberdade, pois quer sair por aí, brincar, correr, pular, pegar estrelas com a mão, desenhar mundos na areia e ser cavaleiro da grande ordem medieval dos sonhos. Há o príncipe encantado e a princesa linda, há o dragão soltando fumaça pelas ventas e a bruxinha mais ou menos má fazendo estripulias com sua vassoura pelos céus do reino de encantamento. Quem derrubou meu castelo de areia mãe? Se foi o vento vou dar um nó nele e se foi a onda vou secar ela todinha...
Nessa perspectiva, porém já tratando de crianças um pouco mais conscientes, com idade mais avançada, Casimiro de Abreu, nosso poeta romântico, escreveu um doce poema chamado "Meus oito anos" que reflete bem a mágica e a magia presentes nessa fase da vida. Eis parte dos versos do poeta:

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
................
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus
— Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
................................
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

Também tive infância e inocência de sertanejo. Juro por Deus que foi mais bonito que qualquer outra coisa da vida. Parece que foi ontem na minha memória, mas diante das mãos afiadas do tempo que arrastam para os desafios, para a dor, para outra realidade, tristemente constato que já dura uma eternidade. E então fico me perguntando que infância estará tendo as crianças do meu lugar, do meu sertão, que talvez nem de longe sejam ao menos vistas e respeitadas como crianças.
Mas houve um tempo, e que tempo bom... Era um tempo de crianças sertanejas e as suas brincadeiras, suas invencionices e criatividades, suas desobediências sadias e suas aprendizagens nas lições próprias do sertão. Refiro-me a um tempo atrás de mim, que gostaria de alcançá-lo através da palavra e perguntá-lo por que a meninada de hoje não sabe mais viver o seu tempo.
Tempo de criança é também brincadeira, é essencialmente um momento de aproveitar essa fase onde o espírito alegra-se com a bola, a boneca, o carrinho, a correria, o esconde-esconde. A felicidade flui na arrumação da casa dos brinquedos, no ajeitar a roupa da boneca de pano, no encher um meião com retalhos de pano e dizer que é uma bola, no correr descalço atrás dessa bola. Não precisava abrir a caixa com a novidade de plástico ou de metal, que corre, apita ou chora sozinha, bastava juntar restos e pedaços e criava-se um brinquedo de verdade. No sertão era assim...
Não precisa imaginar tanto; a recordação é fértil para reencontrar coisas boas. Fui criança e criança sertaneja, conheço muito bem o que é passar a infância na região. Também traquinei, corri pelos descampados, catei frutas pelos matos e tomei muito banho no riacho. Fiz, bem sei, ao menos uma parte do que a criança sertaneja tinha direito a fazer: tudo.

continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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Declaração (Poesia)

Declaração


Enquanto você existir
jamais serei solidão
enquanto você viver
jamais serei abandono
enquanto você vier
jamais serei desesperança

e por que meu Deus
por que tanta certeza?

porque enquanto
eu viver
sonho é você
enquanto eu viver
objetivo é você
enquanto eu viver
conquista é você
enquanto eu viver
amor é você.


Rangel Alves da Costa

Triste amor (Poesia)

Triste amor


Triste é o silêncio do amor
que quer gritar
e ninguém quer ouvir

triste é a solidão do amor
que espera alguém
e ninguém quer chegar

triste é a feição do amor
que chora silenciosa
e nenhum lenço na dor

triste é o abandono do amor
que foi esquecido um dia
e ninguém jamais retornou

tristes são os dias do amor
que chegam no sol e na lua
iluminando solidão minha e sua

triste é a tristeza do amor
porque estamos tristes
no amor que acabou.


Rangel Alves da Costa

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Alforje de caçador (Crônica)

ALFORJE DE CAÇADOR

Rangel Alves da Costa*


Para os que ainda não sabem ou conhecem, alforje é um saco de couro, fechado nas extremidades e aberto no meio, formando como que dois bornais, que se enchem equilibradamente, sendo a carga transportada no lombo dos animais ou sobre os ombros de uma pessoa. Por sua vez, bornal ou embornal é uma bolsa de couro onde o sertanejo carrega, por exemplo, seu canivete, sua pinga, seu fumo, sua farinha com carne e rapadura.
Lampião e seus cabras, quando cruzavam os sertões nas suas empreitadas sem fim, ao lado de outros apetrechos de paz e de guerra carregavam seus embornais cheios de anéis de ouro, balas prateadas e pequenas recordações de uma vida de sangue. Sem o alforje, sem o embornal, ninguém era ninguém, a vida era nada. O baú da memória cangaceira estava ali pendendo pelo corpo, descendo pelos ombros, no couro cru, envernizando de suor, cheirando a sertão.
Como dito, o alforje de couro cru, de tão envelhecido chega a cheirar a sertão. E qual o cheiro de sertão, alguém poderia perguntar. O sertão cheira a suor, a bafo quente de terra molhada, a coivara e queimada, a sol esturricando gente e bicho, a mormaço e insolação, a carniça de gado morto na pastagem nua, a café torrado e pisado no pilão, a cuscuz de milho ralado em casa, a beiju, a tapioca, a buchada, a flor no jardim da esperança, a perfume de alfazema nas mocinhas bonitas que alegram o entardecer. Sertão cheira a tudo isso, e mais a cheiro de água. Água cheira a nada, e esse também é o cheiro do sertão.
Para se caminhar por esse sertão que cheira a tudo e a nada, o homem precisa ser destemido e valente. Ora, meu Deus, se tudo que se abeira, se adentra, se coloca e existe no sertão é grandioso, perigoso e verdadeiro demais aos olhos, não haveria de ser um fraco que quisesse andar pelos seus caminhos de pedras, suas veredas de tocaias, seus labirintos de assombrações, seus habitantes medonhos e ameaçadores. Tem cobra seu moço, tem urtiga e cansanção, tem espinho de quipá por todo lugar, tem bicho homem por trás da moita.
Nem todo sertanejo, criado comendo barro da tapera, caminhando pelo massapê, subindo nas catingueiras e tomando banho dia e noite de sol, sabe e conhece os caminhos do sertão. Hoje até que está muito fácil, vez que mata fechada se acabou, as onças sumiram e os perigos são outros. Mas quando a mataria era espessa, sem caminho certo pra se andar, com trilhas de cortar solado e as venenosas escondidas em cada moita e embaixo de cada pedra, tinha que ter o que fazer pra se entrar nesse mundo.
Mas varar pelas veredas sertanejas sempre foi preciso. A vida se faz caminhando, seu moço. Quem quiser matar a fome dos meninos tem que ir atrás do mocó e do preá, da nambu e da rolinha, do punhado de milho e de feijão, da abóbora leiteira e da melancia bonita que ficaram escondidas embaixo das ramagens pra ninguém roubar. Mas ninguém vai sem nada pelo corpo não, que ninguém é besta. Não há que se dar um passo sem o alforje de caçador sendo carregado, como se fosse braço, como se fosse pé.
Um dia encontraram um alforje esquecido pendurado num pé de catingueira, longe, bem longe. Depois de tantas noites de sereno e dias de sol, o couro parecia encardido, com uma cor diferente, querendo enrugar. Como um caçador poderia esquecer seu alforje, meu Deus, se perguntou um menino que havia ido caçar passarinho por aquelas distâncias. Certificando-se que há mais de mês o alforje tinha sido esquecido ali, o pequeno sertanejo desceu o alforje e abriu com cuidado.
Revirou todinho, balançou, sacudiu de cabeça pra baixo e só caiu um bilhete: Quem encontrar esse alforje entregue a Maria de Ernestino. Ela tá grávida e como vou ter ver vergonha de não poder tirar mais nada desse sertão pra dar ao meu filho, que ao menos ela fique com essa lembrança, que vou sair entristecido pelo meio do mundo.



Poeta e cronista
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