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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 26 de setembro de 2010

TEMPO BOM: A PORTA ABERTA (Crônica)

TEMPO BOM: A PORTA ABERTA

Rangel Alves da Costa*


Parodiando João Nogueira, "Eh, vida boa, quanto tempo faz! Eh, vida voa, vai no tempo, vai. Ai, mas que saudade. Que felicidade! Mas o meu medo maior é o espelho se quebrar. O meu medo maior é o espelho se quebrar...". Contudo, a vida seguiu no ritmo no tempo, o tempo no ritmo da sobrevivência, a sobrevivência no ritmo do atropelo, o atropelo no ritmo das horas, dos minutos, dos segundos.
Agora era é a vez de ter de mostrar à sociedade uma série de coisas que não interessa a ninguém, mas tem que dar satisfação porque acabou a desculpa para viver a vida própria como se quisesse. Quando se torna adulto praticamente o indivíduo se torna adúltero de si mesmo, se traindo para satisfazer o outro, o vizinho, o patrão, o carteiro, o padeiro...
Mas fazer o que, a criança de ontem estava descansando na memória, o jovem de ontem adormecia triste e na janela da existência surgia a feição amedrontada do adulto. Sair da janela é preciso, é preciso tomar forças para enfrentar novas e complicadas situações, é preciso colocar nas costas o saco de viagem – e muitas vezes o embornal e a cartucheira – para seguir em direção à porta. Já é um adulto, e a porta está aberta. Vá...
Nesse ritmo é que começa a principal fase da vida para para muitos. No meu caso, não trocaria minha infância e juventude nem por um milhão de maturidade. É a tão falada fase da vida adulta, da maturidade. Amadurecer o que, meu Deus, as certezas de que a liberdade anteriormente conquistada agora passará por regramentos, de que tudo será mais difícil, mais concorrido e mais competitivo, principalmente porque os pais e os outros lhe outorgaram uma série de responsabilidades?
Contudo, o que mais amadurece na pessoa que chega à vida adulta é a certeza de que já está andando no meio do caminho e quanto mais queira caminhar mais estará perto do fim. Mesmo que abdique de viver o que de melhor a vida possa oferecer, brincando com responsabilidade, viajando, se presenteando e a quem gosta, tendo os prazeres mundanos nas suas limitações e, ao invés disso, acumule milhões ou bilhões em moedas, uma infinitude de infelicidade e de distanciamento das coisas cotidianas mais elementares, ainda assim estará caminhando para o fim da estrada, para o fim da vida.
A morte possui um marco de alcance mais visível precisamente a partir da fase adulta, da maturidade. E certamente irão dizer: era tão experiente e agora de olhos fechados terá de aprender tudo novamente se lhe for possível retornar... Retornaria somente para viver a inocência e a infância. Partiria com o dever cumprido da felicidade. O depois, deixo o depois e sua estrada para os que têm contas a acertar com o destino. Chega de caminhar duas vezes sobre as mesmas pedras...
E não precisa filosofar muito para se chegar à conclusão de que todas as pessoas são demasiadamente amarguradas pelo que a vida impõe: não pediu pra nascer, porém adorou estar no mundo até lamber o último mel do doce da juventude, para depois, numa sequência de dissabores, viver lamentando o futuro e torcendo para que a morte não esteja tão próxima. E de repente não tem nem tempo de pensar muito e... O espelho se quebrou!
Mas o que é essa danada de vida adulta, que nos rouba a juventude e indica a porta aberta? Dizem que se alcança a vida adulta quando o indivíduo passa a ser mais o que a lei quer do que a si próprio. Mesmo na juventude, casando já alcança o status de adulto. Começam a surgir à sua frente uma série de folhas que assina como parte interessada ou como testemunha. Presta o serviço militar, pode dirigir e tirar a carteira de motorista, tem que votar e ser votado, em certos casos. Passa a ter inteira responsabilidade civil e criminal e, se não apresentar nenhuma capacidade, sofrer todas as consequencias pelos atos ilícitos que cometer. Enfim, uma série de coisas que somente os adultos podem fazer, usufruir, ou são obrigados a fazer.
Segundo ainda afirmam, o início da idade varia de pessoa para pessoa e a passagem bem sucedida para esta fase depende da resolução satisfatória das crises da infância e adolescência. A idade adulta é o momento em que a pessoa vai alcançando a maturidade e se municiando do potencial para a satisfação plena de suas necessidades pessoais.
Isto não ocorre de modo uniforme com todas as pessoas, pois os estudos apontam a existência de três fases dentro da idade adulta: idade adulta inicial ou idade adulta jovem, que vai até próximo aos vinte e cinco anos; idade adulta média, que vai até os cinquenta anos ou mais; e idade adulta tardia ou velhice. Seja como for, a cada embate para sobreviver é o corpo quem vai dizendo sobre a exata idade que está vivendo.
Por outro lado, adultos existem que nunca deixam de ser jovens e até crianças. A propensão psíquica não consegue cimentar o senso de seriedade, de formalismo exacerbado nas ações e o jeito mais duro e frio de ser, e as pessoas simplesmente não estão nem aí para as ordens da tal maturidade.
Continuam sendo rebeldes, curtindo a vida adoidado, brincando, agindo como se a vida fosse uma verdadeira colônia de férias. Logicamente que tais aspectos sendo feitos dentro dos limites das responsabilidades profissionais, só tendem a fortalecr cada vez mais o espírito dessas pessoas, condicionando-lhes a ter uma vida mais saudável e duradoura.
Lembram daquela música "Filho único", de Erasmo Carlos, que diz assim " Ei, mãe, não sou mais menino/ Não é justo que também queira parir meu destino/ Você já fez a sua parte me pondo no mundo/ Que agora é meu dono, mãe e nos seus planos não estão você/ Proteção desprotege e carinho demais faz arrepender/ Ei, mãe, á sei de antemão, que você fez tudo por mim e jamais quer que eu sofra/ Pois sou seu único filho/ Mas contudo não posso fazer nada/ A barra tá pesada, mãe/ E quem tá na chuva tem que se molhar/ No início vai ser difícil/ Mas depois você vai se acostumar"? Lembra?
Pois é, muitas vezes são os pais que querem, a todo custo, fechar a porta para que o filho não saia para viver sua vida adulta. O quarto do bebê tem que estar assim, bem arrumadinho e bonitinho; o filhinho de dezoito anos não pode esquecer a hora de tomar o remédio; o lindinho da mamãe não pode sair para não andar em más companhias; namorar de jeito nenhum, pois essas meninas só pensam em tirar a virgindade do lindinho para querer se aproveitar de sua herança. De jeito nenhum, filhinho tem que envelhecer no colo da mamãe. Existem ou não situações assim?
Noutras vezes é o próprio lindinho que não quer tomar rumo de homem nunca. Não sabe se virar sozinho em nada e nem fica um pouco mais distante que é para não sair das proximidades dos pais. Se pudessem trabalhavam em casa, namoravam, casavam e viviam em casa eternamente. E se de repente lhe faltar os pais, o que será da vida lindinho? Daí que a vida adulta implica necessariamente numa ruptura entre o berço materno e o grande leito de sacrifícios que se estende pela vida.
Sempre fui daqueles que jamais se curva diante da idade, nem pretendo quando o tempo for realmente de curvatura propriamente dita. E penso assim porque fiz e faço exatamente o contrário do que outras pessoas no anseio de se proclamarem adultas. Sempre trouxe comigo e onde esteja o espírito da jovialidade e da alegria; brinco como brincava quando criança em muitas situações; perto dos mais jovens quero sempre ser ainda mais novo do que eles, buscando compreender o seu mundo e vivenciá-lo; canto, pulo, jogo, só não danço porque nunca aprendi a dançar nem valsa; gosto de colocar nomes estrambólicos nos outros – o que já me causou muitos problemas -; sou psicólogo da vida e de todos – mesmo sem tal formação -, ouvindo, opinando, dizendo com convicção o que está certo ou errado, e sou respeitado nas minhas observações; gosto de distribuir balas, brinquedos, alegria para os que estão ao meu redor.
E faço mais, pois faço o possível para dar o que me pedem, faço o impossível para jamais deixar alguém triste; minto as boas mentiras somente para criar surpresa e espanto e no mesmo instante desfaço a situação para todos caírem na gargalhada; faço caricaturas e digo "esse é você mais bonita"; de vez em quando escrevo poemas para os apaixonados; e por conta própria nem sei mais quantas luas, sóis, noites, manhãs, revoadas, brisas e horizontes já dei só para sentir o prazer nos outros, a satisfação nos outros, o sentir-se valorizado nos outros.
Sou assim e creio que muitas pessoas têm as mesmas maluquices que eu. Gosto quando me chamem de doido, pois percebo na palavra a maior lucidez naquilo que quero ouvir. Que tal um maluco beleza, desses do tipo que só quer paz e amor? Muitas vezes me sinto até fora do meu mundo quando estou perante a seriedade e os formalismos dos fóruns e tribunais. Dá vontade de perguntar se a excelentíssima magistrada já foi gente alguém vez ou se o douto juiz já foi criança, teve juventude e amigos. Sorrio e brinco sempre com os meus colegas de profissão, pouco importando que isso lhes rasgue o putrefato coração vaidoso e egoísta.
Chego em casa feliz e vou viver minha vida adulta ouvindo Flávio Venturini e a sua Clube da Esquina 2:

Porque se chamava moço
Também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem lembra se olhou pra trás
Ao primeiro passo, aço, aço....

Porque se chamava homem
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases
lacrimogênios
Ficam calmos, calmos, calmos...

E lá se vai mais um dia...

E basta contar compasso
e basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
De tudo se faz canção
E o coração
Na curva de um rio, rio...

E lá se vai mais um dia...

E o rio de asfalto e gente
Entorna pelas ladeiras
Entope o meio fio
Esquina mais de um milhão
Quero ver então a gente,
gente, gente, gente...

E assim vou vivendo essa vida adulta e adúltera. Não sei quando, mas sei que um dia ela vai me trair...

continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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