SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 13 de setembro de 2010

GAIOLA DE PASSARINHO (Crônica)

GAIOLA DE PASSARINHO

Rangel Alves da Costa*


Pensando bem, não tinha nenhuma razão de ser. Até que era bonito, dava uma ilusão de proximidade da natureza, de contato direto com o que lhe é próprio, mas não tinha mais nenhuma razão de ser manter aquele passarinho preso na gaiola, tão próximo e tão longe de seu habitat, de sua vida, de seu mundo.
Se o que o homem mais teme no mundo é perder sua liberdade, é algum dia ser encarcerado, ficar preso em qualquer cubículo ou recinto da vida, não haveria motivo algum para esse mesmo homem continuar mantendo na prisão aquele cuja culpa foi somente de ter ido até ali, como fazia todas as manhãs, cantar nos arredores da casa e catar restos do pão intencionalmente jogados.
Verdade é que não jogaram mais migalhas de pão, porém deixaram comida dentro de um alçapão próprio para aprisionar passarinhos. Chamavam de arapuca essa pequena gaiola própria para iludir e aprisionar. Inocentemente, o canário bateu suas asas douradas de alegria e assim que pisou na armadilha ela se fechou e foi embora a sua liberdade. Dali para a gaiola foi um instante. Feito um troféu, ela foi pendurada com o canário bem na sala de visitas.
Fez que não entendia os motivos, mas a verdade é que o passarinho cantador em liberdade simplesmente emudeceu. Não piava, não cantava, nada, era como se nunca houvesse dado um trinado. Os visitantes também jamais comentaram sobre o canário, diziam que era bonito, perguntavam se era cantador, nada. Quando olhavam pra gaiola mostravam um olhar mais triste, mais pesaroso.
Coube a Zequinha, o filho de um vizinho, perguntar por que o rapaz mantinha o passarinho ali engaiolado na tristeza e solidão, se logo depois da porta estava o mundo que ele gostava e vivia. Era lá que ele se sentia bem voando de galho em galho, pousando onde achava melhor e até gostando de estar nos arredores da casa. Era um canário alegre, de amarelo bonito, quase dourado, de canto mavioso e doce feito música. Zequinha não disse tudo isso, mas foi como dissesse em outras palavras.
Mas o que o menino disse por último foi o que deixou intrigado o rapaz: "Se ele ficar mais tempo aí vai esquecer que é passarinho e até deixar de ser passarinho. Um homem que é esquecido durante muito tempo numa prisão vai enlouquecer e pensar que é bicho, é animal, menos pessoa. Bem assim é com o passarinho. Se ele continuar aí desse jeito que está, sem cantar, sem trocar as penas, sem voar de um lado para o outro, sem ter vontade nem de comer e sem se alegrar com nada, vai deixar de pensar que é passarinho, e olhe o que eu estou dizendo. Se não morrer, quando você abrir a porta da gaiola ele não vai sair porque perdeu o costume de voar e não vai saber aonde ir. Se você tirar ele com a mão e jogar pra cima ele vai cair no chão no mesmo instante, pois não terá força para bater as asas e seguir adiante. E se você deixar ele no chão o gato ou cachorro vão comer ele vivo. E depois disso tudo é que você vai se arrepender, vai sonhar com o canário cantando e até ver o passarinho se batendo ao voar pelo seu quarto. Por isso mesmo acho melhor você soltar ele agora".
O rapaz prometeu que soltaria, porém acabou esquecendo. Se colocasse alpiste e água todos os dias, se levasse a gaiola para onde sol batesse pela manhã, talvez lembrasse que continuava com um passarinho preso na gaiola. Mas nada disso fazia, por isso até esquecia que tinha uma gaiola com um passarinho preso lá dentro.
O menino Zequinha apareceu e perguntou se já tinha soltado o passarinho. Ele mentiu e disse que sim. Então o menino falou: "Ainda bem que foi a tempo, pois hoje cedinho eu vi o canarinho cantando alegre e feliz bem no pé daquela jaqueira". Mas não podia ser, pois ele não havia soltado, o rapaz falou pra si mesmo todo espantado. Zequinha também mentiu, mas foi para ajudar.
Quando o menino saiu, ele correu para onde estava a gaiola. Ela estava do mesmo jeito e com o passarinho triste lá dentro. Pediu desculpas, disse que estava arrependido daquilo tudo e prometeu jamais prender passarinho. Não abriu a porta, arrancou de vez um dos lados da gaiola e deixou assim, de modo que o passarinho percebesse que estava livre e fosse embora dali.
O passarinho, coitado, desaprendido da vida, ficou ali até morrer. A gaiola é que saía voando todas as noites nos pesadelos do rapaz.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: