SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 30 de junho de 2019

COMIDA E COMIDA



*Rangel Alves da Costa


Imagem a presença de duas fotos. Mirem as fotos. Olhem bem. Na primeira foto, um prato refinado de um restaurante de luxo. A pessoa já paga ao colocar o pé e ao sentar e pedir o menu. Logo se depara com esse requinte de nome estrambólico e pede. Ora, pede por que é rico, é igualmente refinado e coisa e tal. Valor? Certamente mais de 100 reais.
Na segunda foto, um prato tipicamente nordestino, gordo, apetitoso, igual comida de feira. Quanto? Nada mais que uns 20 reais. A diferença maior, contudo, não está no preço, e sim na quantidade, sabor e no poder de realmente saciar a fome.
Duvido que o primeiro prato acabe com a fome de alguém. Não acaba de jeito nenhum, pois um tiquinho de nada enfeitado com outro tiquinho de nada. Ademais, a fina educação da grã-finagem recomenda que nunca se deva comer tudo, sempre tendo de deixar alguma coisa no prato.
Mas como comer o nada e ainda deixar alguma comida no prato? Sou daqueles que não passa nem pela porta da frente de ambientes assim, cheios de frescuras e de cardápios cheios de cifrões. Sou daqueles que não passa sequer pela calçada de um local onde um refrigerante custa os olhos da cara, um prato custa o salário do mês e uma sobremesa tem o valor de uma roupa bonita.
Ora, quando estou com fome eu quero realmente comer. Quando estou com fome eu quero ter à minha frente um prato com comida de verdade. Se eu quisesse enfeite eu ia almoçar pétala em jardim ou beliscar um favo de mel. Que não me venham com tiquinho de nada, apenas enfeitado com raminho por cima, e depois ainda dizer que é comida, que é alimentação, que mata a fome.
Comida boa é aquela que satisfaz, que mata a fome, que de tão boa faz a pessoa comer mais e lamber os beiços. Comida boa é aquela que a pessoa come sem pressa e sem medo, seja na feira, na cozinha ou em pá no quintal com cuia à mão. Comida boa é aquela que aromatiza a cozinha e faz a boca se encher de água só em pensar no prato despejada. Até mesmo um feijão de corda com ovo por cima tem mais sabor e valia que prato de luxo.
No passado, se um restaurante de luxo preparasse um fígado acebolado igual ao de Jarde de João Lameu, certamente o prato não sairia por menos de 200 reais. Mas quanto Jarde cobrava para o cabra sair de bucho cheio? 10, 15 contos. No meu entendimento, comida jamais poderá ser vista como luxo, mas como necessidade.
Não adianta o grã-fino pagar em ouro por um prato com quase nada e depois sair do “restaurant” morrendo de fome, doido pra encontrar um cachorro quente ou um prato de farinha com ovo e salsicha. Por isso que gosto de panelada cheia e prato que mais parece montanha. E comer com a mão, fazendo bolo de feijão e molhando no molho apimentado.


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Lá no meu sertão...



Assim tão belo é o meu sertão...



Doce demais (Poesia)



Doce demais

                                               
Quanto mais amo
mais quero amar
disse o enamorado

e depois açucarou
a boca e o lábio
e foi beijar

e depois colocou mel
na palavra e no abraço
e foi namorar

esqueceu-se porém
do sal existente
apenas no desejo

e sem carinho e afeto
o seu doce acabou
e desamou.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - devaneios de poeta



*Rangel Alves da Costa


A poesia é um devaneio e o poeta um insano de desejada ilusão. Além de ser fingidor, como bem diz outro bardo, o poeta verdadeiramente é um ser de quimeras, de fantasias, de sonhos e alucinações. Será que o amor existe, senhor poeta? Será que amor tão doce, melodioso, como pétala de flor, realmente existe? Os versos de amor são construções ilusórias, senhor poeta. Eu, por exemplo, toda vez que me meto a poeta e escrevo sobre o amor, a paixão, o doce encanto dos apaixonados, sei que estou mentindo. Será, senhor poeta, que vale a pena construir um amor que não se sustenta na vida real? Será, senhor poeta, que vale a pena dizer da beleza do amor quando tudo é negado na relação entre dois? Poesias aflitivas, de dor, de perdas e sofrimentos, de adeuses e despedidas, estas sim, estas podem espelhar verdades. Mas de amor não. Basta fingir o amor, senhor poeta? Mas como dizer sua verdade se o amor não existe mais? O amor morreu, senhor poeta. Mataram o amor, senhor poeta. A poesia não tem o dom de ressuscitá-lo. Tudo é fingimento, é ilusão, é quimera.


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sábado, 29 de junho de 2019

SERMÃO DA GOIABEIRA



*Rangel Alves da Costa


Criança não mente, assim o ditado. Por isso mesmo aquela criança, aos dez anos, talvez tenha visto mesmo Jesus subindo no pé da goiabeira, e ela dizendo, lá do alto da árvore frutífera, que o filho de Deus não subisse, pois, além de poder escolher uma fruta bichada poderia despencar lá de cima. Ou mesmo que seria mais proveitoso procurar outro quintal onde não houvesse criança trepada, e sim adultos cometendo iniquidades contra os frutos da vida.
Criança não mente. Isso tudo pode ter sido verdade. Como Nossa Senhora apareceu às crianças de Fátima, talvez Jesus tenha mesmo aparecido àquela menina que já estava no alto do pé da goiabeira. Estranhamente, contudo, ele não apareceu flutuando entre os espaços, e sim como pessoa qualquer que se esforçaria para chegar lá no alto. Mas se a menina o viu subindo no pé da goiabeira então é verdade. O que a criança não disse foi que ele subiu, mesmo com os conselhos dela para não subir, e lá do alto pronunciou “O Sermão da Goiabeira”.
Bem poderia ter sido assim, e por que não? Se Jesus pronunciou no alto do monte o Sermão da Montanha, bem que poderia ter pronunciado também o Sermão do Pé da Goiabeira. Coisa mais inusitada, contudo. Naqueles dias tão diferentes dos dias de apóstolos e evangelistas, dos desertos escaldantes e de pecadores assim se reconhecendo, ao invés do alto da goiabeira aquela visão surgida bem poderia um megafone, um púlpito ou um microfone com potente caixa de som. Mas parecia lhe servir somente a goiabeira.
A menina, contudo, achou melhor não dizer nada sobre o tal sermão. Por que teria sido tal esquecimento? Ora, fato tão importante jamais deveria ter sido esquecido. Mas ela esqueceu. Será que foi proposital? Não, pois se acredita que criança não mente. Será que o orador esperava que surgissem outros ouvintes, talvez uma multidão acorrendo até ali para ouvir suas palavras, ou se contentaria em ecoar lições sagradas somente àquela escolhida? Por que escolheu logo essa menina que apenas falou da visão e de nada sobre o que foi dito?
Mas quem será essa menina que aos dez anos já gostava de subir ao pé da goiabeira e lá do alto ficar observando o mundo ao redor, e principalmente quem desejava também subir? O que ela estava fazendo lá em cima? Será que a menina estava esperando que a goiabeira crescesse cada vez e, subindo e subindo, ela ultrapasse as nuvens e achegasse ao céu? Que menina mais levada. Será que foi por isso que ao descer jamais foi a mesma e até hoje é tida como a insanidade em pessoa? Que maluquice dessa menina. Por que Jesus iria subir logo na goiabeira já ocupada por ela?
Mas Jesus foi subindo, ela disse. Mesmo contra sua vontade ele foi subindo. Que perigo de queda. Ora não é toda goiabeira que suporta o peso de duas pessoas lá em cima. Mas ele, talvez com a leveza de pluma, foi subindo. Então que se imagine, lá no alto, em pé e com os galhos e folhagens se abrindo ante suas palavras, o Jesus da goiabeira ecoando ao mundo o seu sermão:
“Aqui do alto da goiabeira e então chegado não para falar a multidões, e sim apenas a esta menina que mais tarde, acaso seu tino mental não seja mudado, será a voz expressando todas as asneiras do mundo, e que ainda assim, desconcertada e desnorteada de tudo, será acreditada pelos governantes.
Aqui do alto da goiabeira, mesmo que eu tivesse milhões de palavras e lições às multidões, aqui estou com objetivo maior de pouco dizer, ainda que eu tenha a certeza que jamais serei entendido por um pouco juízo que logo ali está e mais tarde testemunhará para dizer asneiras sobre a minha presença. Ora, quem já viu dizer que um escolhido para a salvação do mundo corresse perigo ao subir numa goiabeira?
Bem-aventurados os que desprezam as sandices saídas de bocas igualmente insanas. E mais aventurados ainda aqueles que não se deixam levar por invenciones de goiabeiras, de mamoeiros, de mangueiras, de qualquer árvore que passe a simbolizar deslavadas mentiras. Aventurados aqueles que sabem distinguir o joio do trigo, o que, aliás, esta menina não sabe fazer agora e nem jamais saberá.
Bem-aventurados aqueles que não deem ouvidos às maluquices que mais adiante serão ditas por esta menina. Mais tarde certamente ela será capaz de dizer que o mundo vive uma ditadura gay, que existem motéis para homens fornicarem com animais e que a escola passará como lição de casa o dever de beijar meninos. Uma pessoa que diz asneiras assim jamais poderá ser acreditada neste ou noutro mundo.
Bem-aventurados os que desprezarem declarações do tipo menino veste azul e menina veste rosa, ou menino será príncipe e menina será princesa. Mais aventurados ainda aqueles que, ao invés desta menina, não misturarem ciência com religião e nem se utilizar de cargo público para expressar apenas suas loucuras”.
Após dizer isso, num gesto raivoso, a menina empurrou Jesus do pé da goiabeira. Ele só não caiu porque foi amparado por uma nuvem de goiabas ia passando.


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Lá no meu sertão...


Igrejas de Poço Redondo, sertão sergipano



Eterno (Poesia)



Eterno

                                               
Menina minha
sempre serei
o menino teu

de ontem
enamorado
e agora apaixonado

de amanhã
na certeza
do amor na inteireza

e na velhice
duas crianças
e suas doces esperanças.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - um lobo



*Rangel Alves da Costa


Sinto-me lobo. Eu não sabia que a distância e a saudade tivessem o dom de nos transformar em animais vorazes, uivantes, ferozes, predadores de si mesmos. Mas eu aqui e ela lá no outro lado do monte, onde eu nem alcanço nem posso beijá-la. E que angústia danada a ausência de um amor. E que terrível sofrimento o fato de não ter asas para, num voo, chegar ao umbral de sua janela. Apenas lembrar, apenas sofrer, apenas chorar de saudade. Sim, ela está aqui na parede da memória, em moldura bela, com sorriso perfeito. Sim, ela está pertinho de mim com seus sussurros amorosos de dias passados. E como eu gostaria de abraça-la, de beijá-la, de chamá-la de meu amor. Como eu gostaria que ela estivesse ao meu lado, dentro de mim, no meu eu inteiro. Mas não. Eu estou aqui e ela na distância. E nesta aflição de vida, o lobo me toma inteiro. Lobo faminto, sedento, ferido, aflito, angustiado. E da janela, imaginando os caminhos até ela, os meus uivos tomam o entardecer e tornam a escuridão mais triste.


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sexta-feira, 28 de junho de 2019

A CASA DE ADÍLIA, A EX-CANGACEIRA



*Rangel Alves da Costa


Ali no Alto de João Paulo, logo após a passagem molhada que separa a cidade de Poço Redondo, no sertão sergipano, da importante e histórica comunidade, distando apenas cerca de dois quilômetros desde o centro urbano, avista-se a casa onde morou Maria Adília de Jesus, a cangaceira Adília, companheira de Canário nas lides cangaceiras, e irmã do também cangaceiro Delicado (João Mulatinho).
A ex-cangaceira era mulher alta, esguia, de amorenado forte, cabelos escorridos, de poucas palavras, mas sempre cordial e amigueira. Diferentemente da ex-cangaceira Sila (espalhafatosa, conversadeira, cheia dos luxos e dos requintes), Adília, até mesmo por ser humilde e viver na humildade, era pessoa de absoluta simplicidade. Não falava de seu tempo de cangaço nem se arvorava do que havia sido. Quem a visse era como se nada sobre aquela mulher guardasse tantos segredos e tantas histórias.
Adília entrou para o cangaço com menos de dezesseis, influenciada pelo grande amor de sua vida, o conterrâneo e também cangaceiro Canário (Bernardino). Como a sua família não aceitava o namoro, a menina prometeu ao namorado que iria com ele até o inferno se fosse preciso. E foi. Em 36 seguiu com ele para as agonias entre os açoites das balas e os espinhos sangrentos do mandacaru.
Também dessa comunidade do Alto é a origem de outros quatro irmãos cangaceiros: Sila (Ilda Ribeiro de Souza), Novo Tempo (Du), Mergulhão (Gumercindo) e Marinheiro (Antônio), filhos de Paulo Braz São Mateus, pai do famoso vaqueiro e homenageado João Paulo, por isso mesmo a denominação atual de Alto de João Paulo. Por todos aqueles arredores há um histórico de participação cangaceira, tivesse sido como cabra de Lampião, coiteiro ou participante ativo naquele mundo sertanejo carregado de sangue, valentia e sofrimento.
A família de Adília, do tronco dos Mulatinho, possuía parentesco com a família Braz São Mateus, de Sila e demais, e ainda hoje a comunidade é formada pelas raízes vingadas daqueles primitivos habitantes. Parentes de Adília e Delicado, bem como de Sila, Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro ainda estão por lá. Outros arribaram para o centro urbano mais adiante, mas todos ainda compartilham, um tanto orgulhosos e sem medo, do sangue famoso que carregam nas veias.
Pois bem, esta a casa de Adília, de cor esverdeada e porta e janela à frente, levantada no tijolo e cimento, é hoje habitada por familiares. Contudo, a ex-cangaceira nem nasceu nesta residência nem nela habitou logo após sua saída do cangaço. A originária casa dos Mulatinho era no barro e cipó, na simplicidade sertaneja de então. E ao retornar a seu berço de origem, após as durezas dos embates cangaceiros, foi também numa casinha de barro e cipó que a valente mulher fixou moradia, do outro lado de onde hoje está a moradia que fez de lar até falecer em março de 2002, aos 82 anos.
Desse modo, todo aquele que por interesse histórico ou mesmo para uma visita e conhecimento da comunidade do Alto, basta atravessar a ponte do riachinho e seguir adiante, e a casa logo estará visível ao olhar. Atualmente desconhecida ou vista apenas como mais uma casa ali do Alto, mas guardando dentro de si um relicário de históricas recordações e saudades muitas.


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Lá no meu sertão...


Bonsucesso, Poço Redondo, sertão sergipano



Dentro de mim (Poesia)



Dentro de mim

                                               
Às vezes
eu tô neu
outras vezes
eu saio deu

às vezes
fico todim
outras vezes
sou passarim

não importa
a palavra
a grafia
a boniteza

importa
todo tantim
que tá neu
ou tá nimim.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - veneno, aos poucos...



*Rangel Alves da Costa


O cálice sobre a mesa. Uma dor danada de saudade. Uma garrafa de uísque já esvaziada. Uma de vinho também. Um lenço encharcado de lágrimas. Olhos ainda vermelhos de tristeza e solidão. A janela aberta, mas não queria se jogar do quarto andar. Talvez não fosse altura suficiente para esparramar lá no chão. Não tinha outra arma senão veneno. Veneno mata, sabia. Mas não queria beber na voracidade da morte. Queria beber aos poucos, ir morrendo aos poucos e, a cada instante de despedida, ir rememorando suas dores, angústias e sofrimentos. Queria morrer aos poucos. Então encheu o cálice de veneno e foi sorvendo tiquinho a tiquinho, pausadamente. Não sentia o efeito esperado. Estava demorando demais a sentir o fraquejamento da morte. Nem pensava mais em se voltar aos pensamentos agonizantes em sua vida, mas tão somente na falta de eficácia daquela bebida mortal. Enraiveceu-se. Jogou o cálice na parede e foi dormir. Deixaria para morrer outro dia.


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quarta-feira, 26 de junho de 2019

A HISTÓRIA NÃO TEM CULPA (AS PESSOAS SIM)



*Rangel Alves da Costa


Embasado em fontes históricas, leituras e demais pesquisas, hoje eu postei um texto onde eu falava de duas eleições municipais ocorridas num mesmo mês, num recém-emancipado município sertanejo, e todo num entremeado de política, artimanha eleitoreira, poder e violência.
Não narrarei aqui os acontecimentos pela escolha da síntese. Apenas dizer que o texto tratava de eleições municipais e onde os candidatos pleiteantes tiveram tratamento diferenciado da justiça eleitoral de então. Resultado: um dos candidatos, sentindo-se aviltado pelo tratamento que lhe fora concedido, simplesmente não deixou que o primeiro pleito acontecesse, pois roubou as urnas.
Após a postagem feita nas redes sociais, então uma chuva de críticas e até de ameaças começaram a recair sobre o texto e minha pessoa. E tudo, num esbaforimento danado, vindo de familiares de um dos personagens da história relatada. Uma dizendo que eu precisaria pesquisar melhor antes de escrever, outra dizendo que eu procurasse o que fazer, e ainda outra dizendo que queria ter uma conversinha pessoalmente.
Ainda aguardo a visita da parenta do personagem relatado. E aguardo para dizer que na história não há escolha pessoal do narrador, elegendo um como bom moço e ou outro como simples algoz. Na história não há como modificar os fatos para transformá-los em outra realidade. Ou relata ou acontecido - e como aconteceu - ou se estará incorrendo em julgamento pessoal.
Fato é que a história não tem culpa de nada. A história é a realidade, mesmo passada, na sua mais ampla inteireza. Mesmo que haja recortes de situações por falta de informações mais precisas, os dados obtidos devem refletir uma realidade sem disfarces. Não é possível à seriedade histórica que o pesquisador se atenha, por exemplo, apenas a determinados fatos que possam desvirtuar a fidelidade dos acontecidos.
Forjar a história para agradar alguns é não ser fiel ao fato histórico. Ao enveredar por paixões pessoais, certamente que o historiador estará produzindo uma deslavada mentira. Ao elaborar um estudo, por exemplo, para dizer que Lampião foi apenas um bandido ou foi somente um herói, logicamente que o pesquisador já tenciona pela inverdade, eis que com pretensão de apenas opinar ante um contexto histórico.
Como dito, a história não tem culpa se os seus personagens são, muitas vezes, desconcertantes, brutais ou violentos. A história não tem culpa se Hitler dizimou milhões, se Genghis Khan passou o fio do punhal em milhares de cabeça, que Stalin tenha mandado para a morte milhões de desafortunados. A história não tem culpa porque fizeram isso. Culpados são tais personagens históricos, mesmo assim a julgamento do leitor.
Tome-se por exemplo a vida dos santos. Muito biógrafo se volta apenas para o lado santificado de tais personagens e sem a menor análise de suas vidas pessoais, tantas vezes mundanas ou desregradas. É como se o santo já fosse santificado de nascença, sem jamais ter passado pelo cruel e rude mundo dos homens. Estaria cometendo uma falácia aquele que se voltar apenas para o lado bonzinho e humanista de cada um. Ou se relata a verdade ou será melhor nada relatar.
Eis, neste sentido, o teor do inconformismo de alguns pelo que escrevi. Ora, eu não inventei, eu não distorci a realidade, eu não criei situações inexistentes. Os testemunhos ainda são muitos dos acontecidos. E por que, então, dizer que faltei com a verdade? Será que a minha verdade viria somente se eu moldasse a história segundo o desejo de alguns?
Como diz o ditado, as ações e atitudes das pessoas servirão como espelho para toda a vida. Ninguém vai ser apenas bonzinho mais tarde só porque seus familiares assim desejam. Basta saber que são humanos, e como tal propensos aos erros e aos acertos.


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Lá no meu sertão...


Visitando o esquecido e abandonado!



Quando tua mão veio à minha (Poesia)



Quando tua mão veio à minha

                                               
Tristes aqueles dias idos
onde a estrada era longa demais
e caminhando sozinho na solidão
de buscar a felicidade fui incapaz

com fome e com sede de tudo
desesperado eu estendia a mão
com insano desejo de um encontro
com alguém ou qualquer ilusão

mas quando tua mão veio à minha
e sem acreditar eu até recuei
não sabia que na mão estendida
estava a mulher que eu sempre amei.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta - preparativos para adormecer



*Rangel Alves da Costa


Adormecer e depois dormir, não é algo que aconteça ao acaso não. Exige, sim, preparativos, ao menos que esteja muito cansado a ponto de desabar de vez. Desse modo, para que o sono chegue e o adormecimento se torne profundo, alguns procedimentos se fazem necessários. Ao menos para mim. Pois bem. Acaso eu esteja numa cama (algo que faço de tudo para nunca estar), o primeiro passo é fixar o olhar no telhado. E do telhado fazer um porto de partida, depois um mar e neste um barco singrando e singrando. E assim vou viajando, visitando ilhas e desconhecidos, até que o cais de chegada já seja no adormecimento profundo. Mas numa rede, como costumeiramente deito para dormir, então a viagem é apenas em pensamento. Sem os caminhos do mar, o pensamento faz as viagens mais inusitadas possíveis. Então sigo a lugares distantes, desertos, desconhecidos. Então me vejo no noturno de uma aldeia distante, ao lado de monges budistas, observando velhos monges copistas nas velhas bibliotecas de mosteiros. Então me vejo numa igrejinha no alto de uma montanha, numa casinha abandonada de beiral de estrada. Então adormeço levemente e, ainda saído de mim, durmo como a pedra eterna ao centro do lago dos cisnes.


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terça-feira, 25 de junho de 2019

VAQUEIROS E SERTÕES



*Rangel Alves da Costa


Quem avista no dia a dia a vaqueirama de Poço Redondo, talvez jamais tenha imaginado a sua importância na continuidade da cultura local e sertaneja. Quem convive com o mundo vaqueiro, com o bicho do mato, com o cavalo ligeiro e a pega de boi valente, certamente não imagina a dimensão deste ofício cheirando a couro e a suor. Quem sai das fazendas pelos arredores da cidade e cavalga em lindo cortejo pelas ruas da cidade, em si mesmo não sabe a beleza e a importância deste simples ato de cavalgar em procissão ecoada pelo aboio e pela toada.
Quem cuida de seu cavalo em amizade profunda e nos dias de festa de gado o adorna com cuidado e carinho, e depois de recobrir-se de couros segue em direção ao Parque Santa Fé, ao Juazeiro, ao Padre Cícero ou outros campos de vaquejada e pega-de-boi, sequer imagina o quanto está reescrevendo as valorosas histórias dos antigos e destemidos vaqueiros. Quem avista um menino, um rapazote ou um jovem, desfilando garbosamente com seu alazão, nem imagina quantas portas da história, da cultura e da tradição, está sendo aberta em cada trotar pelas ruas em direção aos campos.
Quem acha que vaqueiro é um qualquer não sabe de nada. Quem acha que o jovem vaqueiro tem mais o que fazer a se preocupar com vida de cavalo e boi, igualmente não sabe de absolutamente nada. Quem acha que vaquejada é esporte pra quem não tem o que fazer, inegavelmente não sabe o que diz. Quem acha que cavalgada é apenas um monte de gente que passa sobre animais, também não sabe o que diz. Quem acha que o aboio e a toada são cantigas apenas de mato, haverá de pensar diferente. Quem acha que o grande Parque União Santa Fé é apenas um local de aboios, toadas, bebidas e corridas de gado, também não sabe o que diz.
Muita gente realmente sequer sabe da importância do vaqueiro, da vaquejada, da pega-de-boi, do aboio, da toada. Mas é preciso saber, é preciso conhecer. Toda vez que passa um vaqueiro, uma reverência há de ser dada. Não se trata apenas do animal, do homem montado, do terno de couro, de tudo o mais que o adorna no seu ofício, e sim do retrato cultural, histórico e tradicional, do próprio sertão. Sertão é vaqueiro, é vaquejada, é aboio, é toada. O oficio do vaqueiro é tão fundamental na vida sertaneja que não haveria sequer sertão sem o trotar do cavalo e o destemor do homem sobre o animal.
E como hoje os livros reconhecem, a vaquejada é esporte e arte. Enquanto tal faz bem ao espírito, à alma, ao desenvolvimento pessoal. Além disso, retrata o que de mais belo há no mundo sertanejo: o vaqueiro no seu exercício de vida. Sim, o vaqueiro no seu exercício de viver, pois há um amor tão grande do sertanejo por seu ofício de gado que faz suporta os lanhos na pele, as pontas de espinhos, o couro vencido pela catingueira afoita. Mesmo que caia, que sangre, que fique todo alquebrado, não demora muito e ele já novamente montando no seu alazão.
Um amor aliado à valentia, ao destemor, ao sentido sertanejo da abnegação. E que continuem assim, bravos vaqueiros de Poço Redondo. Do mais jovem ao mais velho, que todos saibam que o sertão precisa que continuem correndo gado, vencendo os espinhos, aboiando, entoando versos vaqueiros, sendo imensos naquilo que tão bem sabem fazer. E em homenagem aos vaqueiros, um dia eu escrevi uns versos que dizem assim:


Vaqueiros da Santa Fé

Terno de festa é de couro
roupa de vaqueiro é gibão
o carro bonito é o cavalo
seu orgulho é o alazão

a mocinha enfeitada
de bota e chapéu de couro
vai aplaudir seu vaqueiro
levando brinco de ouro

a vaqueirama em festa
do bicho não larga o pé
vai selando seu ligeiro
pra correr na Santa Fé

solta o aboio seu moço
a mata se abre em flor
o boi valente tá solto
no vaqueiro o destemor

no Parque da Santa Fé
o chão treme assustado
no passo da vaqueirama
na derrubada do gado

Poço Redondo festeja
a cultura e a tradição
dos vaqueiros de sua terra
na pega-de-boi devoção

celebrando um passado
de vaqueiros renomados
homens de cavalo e gibão
para as estrelas levados

mas deixaram entre os seus
a herança da vaqueirama
um amor que se renova
no esporte que mais ama

sobe ao cavalo inteiro
e volta todo lanhado
no corpo sinais da luta
mas de orgulho dobrado

parabéns ao nosso herói
que não teme o que vier
orgulho desse sertão
Vaqueiros da Santa Fé.


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Lá no meu sertão...


Em Bonsucesso, povoação ribeirinha de Poço Redondo/SE, a fé de um povo!



Amigos (Poesia)



Amigos

                                               
Os meus amigos
às vezes são amigos
outras vezes
eu sou só amigo

os meus amigos
às vezes estão aqui
outras vezes
sou eu que não saí

os meus amigos
às vezes desaparecem
outras vezes
eu vivo a procurar

os meus amigos
continuam amigos
mas às vezes
encontro inimigos.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – Poço Redondo, sentimento de filho



*Rangel Alves da Costa


Poço Redondo é nome de município e cidade no sertão sergipano. Foi aí que nasci, meninote me fiz e onde até hoje caminho pelos seus caminhos, assim que posso ao berço de nascimento retornar. Aqui descrevo um sentimento de filho, de apaixonado por sua terra e pelo seu chão. Não, não diremos do inexistente sobre ti. Não há praças grandiosas, não há coretos nem jardins floridos. Não há moradia de luxo por todo lugar nem o fausto nem o luxo das grandes cidades. Não há olhar que efetivamente possa dizer que muito do majestoso se alonga pelas ruas e avenidas. Não, não diremos inverdades. Diremos sim, sobre tua beleza na simplicidade, sobre tua formosura no jeito pacato de ser, sobre sua singeleza no que possa oferecer aos olhares e passos. Ora, ninguém ama sua casa apenas pelo luxo que ela tem. O amor à moradia está no que ela representa, seja na riqueza ou na pobreza. E Poço Redondo é uma casa, simples, pacata, mas alegre, bonita e prazerosa. Então, cada vez mais devemos amar Poço Redondo. E desta veneração surgida, o orgulho bom por ter esta moradia para amar, cuidar, preservar e defender. E assim por que não temos outro Poço Redondo, temos apenas este Poço Redondo. E que é tão nosso que é a nossa própria vida e todo o nosso viver.


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domingo, 23 de junho de 2019

TERRA MINHA



*Rangel Alves da Costa


Prazer e orgulho meu. Ser sertanejo, ter nascido no sertão, talvez seja a dádiva maior de uma identidade. Nascer no rente da terra, do barro, do chão. Caminhar entre mandacarus e xiquexiques. Crescer na magia da história e da traição. Meu sertão.
Sou de um sertão de raiz, o mais sertão existente. Não existe outro sertão igual ao que sinto em mim presente. Desde a terra à semente, desde o bicho à sua gente. Um sertão sem ter igual no que se tem e no que se sente.
No sertão da minha terra há vereda de pé de serra, de bicho de pasto que berra, luta que não se encerra. Um caminha na poeira, um sol queimando em lareira, pouca comida de feira, uma pobreza avistada como bagaceira.
No sertão da minha terra há menino e pé no chão, há barriga sem o pão, há prato vazio no chão. Por todo o sertão é sim, o tudo vira tiquim, o muito vira poquim, o que pouco tem já tá no fim. Um povo que vive assim.
No sertão da minha terra, um dia um tempo de dor, na tocaia e na emboscada, na violência o clamor, o sangue jorrando ao chão, quem já viveu já chorou. Carnicento destripando a vida que a bala levou.
No sertão da minha terra, lá longe e bem distante, um casebre morro adiante, casinha desfeita em levante. A guerra na minha terra, a cruz que debaixo enterra os restos de um passado feito bicho que berra.
No sertão da minha terra, um chão assim tão espinhento, um viver que é de lamento no seu passo em sofrimento. Na vida feita de labuta, que somente a fé e a luta desenterram das desentranhas os restos da terra bruta.
No sertão da minha terra e noutros sertões mais além, um viver de querer bem, um se entregar ao que tem. E nada tem além do pão, na fé a vela e o sermão, na parede a imagem do Padim Ciço e Frei Damião.
No sertão da minha terra há uma igrejinha e uma prece, há um pedido de benção a todo aquele que padece, religiosidade tão forte que a esperança não perece. Há um povo em procissão, na crença e abnegação, rezando pra cair chuva e para salvar o sertão.
No sertão da minha terra há fogão de lenha em quintal, há roupa estendida em varal, há na nuvem um bom sinal, que amanhã será melhor, pois nada será pior que o sofrimento ao redor. Uma galinha que cisca, um gato que vem e belisca.
No sertão da minha terra há bolo de milho e jabá, há jumento na estrada levando o caçuá, uma carroça passando cheinha de croatá. Um cavalo esquipador, na vaqueirama um voador, alegria do sertanejo que um dia já vaqueirou.
No sertão da minha terra tem pirulito de mel, tem panelada e sarapatel, tem bolinho de chuva e de céu, tem linha no carretel. De cumbuca é o cantil e de couro cru é o chapéu. E assim vivendo se vai na vida de déu em déu...
No sertão da minha terra tem chuva grossa e pinguinho, tem chuvarada e sereninho, tem tempestade e tiquinho do chuvisco já caído, mas um sol tão atrevido que chega como enxerido e vai se arvorando escondido e deixa tudo esmaecido.
No sertão da minha terra tem rolinha fogo-pagô, tem seriema sim sinhô, e de todo bicho que restou. Mas muito existe não, nem sabiá nem cancão e nem ave de arribação. Pouco é a cantoria onde o canto existia, no sertão mais a tristeza onde havia alegria.
No sertão da minha terra há cuscuz no amanhecer e qualquer coisa ao anoitecer. Não se escolhe o que comer nem o prato que vai ter. Primeiro come a criança, depois vem toda a restança da família em esperança.
Assim no sertão de minha. Assim em todo o sertão.


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Lá no meu sertão...


Em Poço Redondo, ao lado do amigo historiador Raimundo Eliete



Brincando de amar (Poesia)



Brincando de amar


Até que pensei
que o amor
fosse bola de gude
cavalo de pau
peteca atiradeira
um brinquedo
apenas

e até brinquei
feito criança
ao deus-dará
do tanto faz
da vida
e do mundo

arrependi
pois o brinquedo
foi jogado
e não voltou
e quando eu quis
nada mais tinha
do amor.

Rangel Alves da Costa


Palavra Solta – no quarto escuro



*Rangel Alves da Costa


O quarto está escuro. Não adianta acender a luz no quarto escuro. A escuridão está além do quarto escuro. O negrume está por todo lugar. Ora, às vezes evita-se a luz e se contenta com a escuridão. Lá fora o sol aberto. Ou a lua grande brilhando no alto. A lâmpada acesa, ou mesmo em tudo a maior claridade. Não adianta. Mesmo com a porta e a janela abertas, mesmo com mil sóis e mil luas, o que se deseja mesmo é a escuridão. E no negrume deixar que outras luzes se acendam. A luz da lembrança, da recordação, dos reencontros, do pensamento. Talvez surja uma lágrima, talvez surja um soluço, talvez tudo seja doloroso demais. Contudo, ao dissipar das névoas e dos ombreados, então a luz surgirá mansamente. E daí então talvez um sorriso e a alegria.


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sexta-feira, 21 de junho de 2019

FRUTAS, DELÍCIAS E GULODICES



*Rangel Alves da Costa


A jaca me fascina. O araçá muito mais. A jaca ainda encontro, mas o araçá só por milagre dos céus. Mas quando é época de jaca, então logo cedo saio à caçada na feira interiorana. Muitas vezes, deixo o almoço e a janta de lado para me fartar somente de jaca.
Mesmo com as mãos lambuzadas e cheias de visgo, ainda assim meto a mão com avidez e vontade de demais, como se fosse um faminto perante o melhor prato do mundo. Uma visão que encanta os olhos e enche a boca de prazer. É o amor pela fruta da terra.
Ainda com o sumo escorrendo pelos cantos da boca e descendo e sujando a camisa, mesmo assim mordo com mais avidez, chupo com mais voracidade, sugo como se não pudesse deixar nem caroço nem casca. É o amor pela fruta da terra.
Mesmo que os outros olhem com olhar assustado e digam de minha gulodice. Mesmo que os outros estranhem meu apetite voraz e minha sanha em querer mais. Pego mais, quero mais, mordo mais, nunca sinto que já me basta. É o amor pela fruta da terra.
Fruta grande ou pequena. Fruta graúda ou pequenininha. Fruta de casca lisa ou de casca mais grossa. Fruta de casca rugosa ou de seda. Fruta amarela ou avermelhada. Fruta esverdeada ou de qualquer cor. Mais doce ou de leve acidez, nada importa se é fruta da terra.
Encanto-me e desencanto-me em gulodice toda vez que acordo e logo sigo para a feira interiorana. E bem pertinho de casa quando estou aqui – como agora – no meu berço de nascimento. Enquanto eu caminho, meus olhos passeiam e minha boca logo se enche d’água perante as frutas da terra.
Bananas, laranjas, goiabas, melancias, pinhas, jacas, mangas, mamões, jabuticabas, melões de mato, graviolas e muito mais. Aquele perfume que vai subindo, aquele cheiro saboroso que vai se espalhando, aquela vontade louca de sair experimentando uma a uma.
Cestos, balaios, caixas, sacos, tudo cheio de frutas. As bancas tomadas de cores vivas e sabores apetitosos. Corredores inteiros com aquelas frutas arrumadinhas e talvez dizendo me pegue, me experimente, me leve, me chupe. E levo mesmo.
Em instantes assim, logo recordo o grande Jorge Amado e suas descrições das frutas chegando aos portos baianos. Como diz, frutas gordas, olorosas, todas chegadas em profusão dos litorais. É como se as embarcações de repente surgissem como pomares deliciosos sobre as águas.
Mas tenho um esclarecimento a fazer. A fruta de minha predileção quase não existe mais: o araçá. Lembro-me bem que noutros tempos, principalmente nos idos de minha infância, a vendedora de araçás despontava pela rua com a lata na cabeça e gritando seu nome: olhe o araçá, quem vai querer araçá!
Então eu pedia de cuia. Uma cuia, duas cuias. E depois despejava uma porção na mão aberta e começava a me fartar. Como o araçá é uma fruta miudinha, só mesmo muita para produzir satisfação. E quanto mais comia mais eu queria outra porção daquele verdadeiro favo de mel na minha boca.
Mas meu araçá, como dito, quase não existe mais. Tornou-se uma raridade pelos sertões. Outro dia, alguém me trouxe uma pequena porção. Saudoso, dei-me ao prazer apenas com um tiquinho. O restante eu deixei guardado na geladeira para não morrer de saudade.
Mas hoje me lambuzei na jaca. Tanto faz a jaca ser dura ou mole, eu gosto de todo jeito. Tanto faz que as mãos fiquem apenas sujas ou cheias de visgo, tanto faz. Quando a jaca é graúda e os bagos grandes, então até se esquece até da sujeira que faz. O que se quer é comer mais.
A jaca é fruta da estação. Some e depois aparece. E o gosto parece redobrado. Contudo, mesmo sendo também de estação, o araçá simplesmente sumiu das matas. E não há como esperar encontrar um araçaizeiro tomado de pequenos pingos de mel se já não há mais sequer a vegetação apropriada para brotar e florescer.


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Lá no meu sertão...


Em Poço Redondo, feijão de corda de feira



O jantar (Poesia)



O jantar


Uma vela chamejante
um envelhecido castiçal
um incenso de jasmim
um noturno e uma sonata
janela aberta ao luar
fiz um jantar ao meu amor

olho mil vezes o relógio
andejo de canto a outro
penso no vinho gelando
e nas pétalas avermelhadas
que o meu amor receberá
assim que chegar ao jantar

tudo se repete na solidão
ontem assim e hoje também
um amor que espero chegar
um amor que nunca vem
flores mortas e entristecidas
jasmins em cinzas pelos ares
e eu pensando no jantar de amanhã.

Rangel Alves da Costa

Palavra Solta – preconceito em tudo e por todo lugar



*Rangel Alves da Costa


O preconceito possui existência mais forte do que imagina nossa vã filosofia, como diria o poeta. E é mais forte e mais presente do que qualquer um tenha coragem de expressar. Diz-se muito do preconceito de raça e de credo. O evangélico tem aversão ao católico, o católico sente repulsa ao umbandista, o ateu execra todas as religiões, apenas para servir de exemplo. O negro é evitado pelo branco, o branco é negado pelo negro. Alongando a exemplificação, não raro que rico não goste de pobre, moradores de áreas nobres não gostem de favelados, vaidosos e egoístas não gostem da humildade e da simplicidade. E mais um rol infinito de situações onde o preconceito é percebido, ainda que não totalmente visível. Contudo, o que dizer do preconceito no olhar, na palavra dissimulada, no forçado convívio social? O que dizer da ação supostamente despretensiosa, mas que carrega em si forte dose de desfazimento do outro? O que dizer das relações que se dão entre forças superiores e inferiores, onde os níveis ou classes sociais pontuam as formas de tratamento? O que dizer das amizades baseadas na pretensão de um sobre outro, onde o menos favorecido economicamente é visto como servil? E não há lei que iniba tal realidade. O preconceito é algo cultural. Existe por existir. E pronto.


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quinta-feira, 20 de junho de 2019

O “TÔ NEM AÍ” DA JUVENTUDE DE POÇO REDONDO



*Rangel Alves da Costa


Diferentemente da juventude e da população em geral da povoação ribeirinha de Bonsucesso, por exemplo, a grande maioria do jovem da cidade de Poço Redondo, no sertão sergipano, não está nem aí para a sua história, a sua cultura, o seu glorioso passado e nem para a preservação da memória do que quer que seja.
Importante parcela dessas jovens mentes se mostra totalmente distanciada e omissa com relação a tudo que signifique conhecimento através do passado. Como se vivesse segurando um calendário onde cada dia que passa tem sua folha simplesmente rasgada, então procura vivenciar apenas o seu momento e parece dizer a si mesmo que isso é tudo, que basta e que se dá por satisfeita.
Lamentável que assim aconteça, mas é esta a realidade. Possível observar que quando há um engajamento ou envolvimento maior com a cultura e as tradições, isto se dá de forma pontual, através de ações específicas. Jovens do xaxado, do teatro, da capoeira, da música, da quadrilha junina, da sanfona, e atuando apenas em tais limites. E não jovens que transitem ou interajam com uma diversidade cultural maior.
Tantas vezes, ao jovem do xaxado ou da quadrilha interessa apenas saber dançar e personificar o xaxado ou a quadrilha, mas sem a preocupação de conhecer ao menos o histórico local sobre tais tradições. Para muitos estudantes, a história e a cultura são preocupações surgidas apenas quando professores repassam tarefas que digam respeito ao conhecimento das origens e do percurso histórico. Feito o trabalho escolar, ou se esquece ou tudo se torna um tanto faz novamente.
Não há, na verdade, um relacionamento prazeroso e produtivo, de conhecimento e de divulgação, entre a juventude e o seu berço de nascimento. Muito jovem não conhece nada ou pouco sabe do potencial histórico, cultural e turístico de Poço Redondo. Muito jovem passa pela estrada de Curralinho sem saber o motivo de aquela via se chamar Estrada Histórica Antônio Conselheiro.
Não será absurdo acaso algum jovem afirmar que a Gruta de Angico está localizada em Piranhas ou Canindé, ou que o Poço de Cima é apenas um local que dizem que existe, mas não sabe bem onde fica nem o porquê desse nome. Muito jovem há que não sabe sequer o porquê do nome “Poço Redondo”. Zé de Julião continua desconhecido à maioria da juventude. Por que isso pode acontecer?
Ora, simplesmente pelo fato de que se tornou “cultural” o desconhecimento local sobre suas origens e sobre si mesmo. Conforme anteriormente afirmado, parcela considerável da juventude só está se importando mesmo com o dia e com a hora e com o que tenha a fazer nesse dia e nessa hora. Olhar o passado parece ser cansativo e desinteressante demais. Conhecer as riquezas históricas e culturais do município parece ser enfadonho e desnecessário demais.
“Não sou velho, sou jovem”, tendem a dizer. “Tenho apenas de curtir, de farrear e tirar onda”, igualmente podem dizer. Tudo bem, cada um faz aquilo que bem entender como mais útil. Mas uma coisa é certa: do passado, das origens e das raízes, ninguém foge. Desde o sobrenome de cada um à sua linhagem familiar, tudo é passado.
Dar importância e procurar conhecer as origens de seu berço de nascimento é como se estivesse conhecendo e valorizando seus pais e os pais de seus pais, desde as mais distantes raízes. Conhecer a cultura e a s tradições locais é como conhecer a si mesmo, ainda que os modismos tudo façam para transformar o autêntico no imprestável. Por fim, para resumir tudo o quanto acima foi exposto, apenas uma pergunta:
Quantos jovens de Poço Redondo conhecem o acervo do Memorial Alcino Alves Costa?


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