*Rangel Alves da Costa
Não, hoje não quero nenhum livro de
filosofia. Chega de ir buscar as coisas últimas das últimas coisas, chega de
querer saber se a essência é mais que a forma, se o pensamento prescinde a ação
ou se a ação possui vida própria e, portanto, independe do ser. Nada disso. Mas
também não quero nenhum livro de poesia. Chega de amores adocicados, de versos
rimados entre amor e dor, de estrofes tortas e incompreensíveis, de lirismos ou
de cheiro putrefato nas palavras. Que me desculpe Florbela Espanca, mas hoje
minh’alma de sonhar-te não anda perdia. Eu mesmo queria escrever qualquer
coisa, até mesmo filosofia, até mesmo poesia. Mas uma filosofia tão
compreensível que deixaria o filósofo desempregado do nada fazer. E também uma
poesia que deixasse todo poeta abismado pela facilidade em dizer tudo sem ter
de recorrer a floreios ou a romantismos de jardim primaveril. Uma filosofia que
se resumisse no seguinte enunciado: se o homem compreendesse a solidão saberia
que ele mesmo desde muito se abandonou. E uma poesia que dissesse apenas assim:
o homem olhou dentro de si e não se encontrou mais. Estava desumanizado de si
mesmo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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