*Rangel Alves da Costa
A jaca me fascina. O araçá muito mais. A jaca
ainda encontro, mas o araçá só por milagre dos céus. Mas quando é época de
jaca, então logo cedo saio à caçada na feira interiorana. Muitas vezes, deixo o
almoço e a janta de lado para me fartar somente de jaca.
Mesmo com as mãos lambuzadas e cheias de
visgo, ainda assim meto a mão com avidez e vontade de demais, como se fosse um
faminto perante o melhor prato do mundo. Uma visão que encanta os olhos e enche
a boca de prazer. É o amor pela fruta da terra.
Ainda com o sumo escorrendo pelos cantos da
boca e descendo e sujando a camisa, mesmo assim mordo com mais avidez, chupo
com mais voracidade, sugo como se não pudesse deixar nem caroço nem casca. É o
amor pela fruta da terra.
Mesmo que os outros olhem com olhar assustado
e digam de minha gulodice. Mesmo que os outros estranhem meu apetite voraz e
minha sanha em querer mais. Pego mais, quero mais, mordo mais, nunca sinto que
já me basta. É o amor pela fruta da terra.
Fruta grande ou pequena. Fruta graúda ou pequenininha.
Fruta de casca lisa ou de casca mais grossa. Fruta de casca rugosa ou de seda.
Fruta amarela ou avermelhada. Fruta esverdeada ou de qualquer cor. Mais doce ou
de leve acidez, nada importa se é fruta da terra.
Encanto-me e desencanto-me em gulodice toda
vez que acordo e logo sigo para a feira interiorana. E bem pertinho de casa
quando estou aqui – como agora – no meu berço de nascimento. Enquanto eu
caminho, meus olhos passeiam e minha boca logo se enche d’água perante as
frutas da terra.
Bananas, laranjas, goiabas, melancias,
pinhas, jacas, mangas, mamões, jabuticabas, melões de mato, graviolas e muito
mais. Aquele perfume que vai subindo, aquele cheiro saboroso que vai se
espalhando, aquela vontade louca de sair experimentando uma a uma.
Cestos, balaios, caixas, sacos, tudo cheio de
frutas. As bancas tomadas de cores vivas e sabores apetitosos. Corredores
inteiros com aquelas frutas arrumadinhas e talvez dizendo me pegue, me
experimente, me leve, me chupe. E levo mesmo.
Em instantes assim, logo recordo o grande
Jorge Amado e suas descrições das frutas chegando aos portos baianos. Como diz,
frutas gordas, olorosas, todas chegadas em profusão dos litorais. É como se as
embarcações de repente surgissem como pomares deliciosos sobre as águas.
Mas tenho um esclarecimento a fazer. A fruta
de minha predileção quase não existe mais: o araçá. Lembro-me bem que noutros
tempos, principalmente nos idos de minha infância, a vendedora de araçás
despontava pela rua com a lata na cabeça e gritando seu nome: olhe o araçá,
quem vai querer araçá!
Então eu pedia de cuia. Uma cuia, duas cuias.
E depois despejava uma porção na mão aberta e começava a me fartar. Como o
araçá é uma fruta miudinha, só mesmo muita para produzir satisfação. E quanto
mais comia mais eu queria outra porção daquele verdadeiro favo de mel na minha
boca.
Mas meu araçá, como dito, quase não existe
mais. Tornou-se uma raridade pelos sertões. Outro dia, alguém me trouxe uma
pequena porção. Saudoso, dei-me ao prazer apenas com um tiquinho. O restante eu
deixei guardado na geladeira para não morrer de saudade.
Mas hoje me lambuzei na jaca. Tanto faz a
jaca ser dura ou mole, eu gosto de todo jeito. Tanto faz que as mãos fiquem
apenas sujas ou cheias de visgo, tanto faz. Quando a jaca é graúda e os bagos
grandes, então até se esquece até da sujeira que faz. O que se quer é comer
mais.
A jaca é fruta da estação. Some e depois
aparece. E o gosto parece redobrado. Contudo, mesmo sendo também de estação, o
araçá simplesmente sumiu das matas. E não há como esperar encontrar um
araçaizeiro tomado de pequenos pingos de mel se já não há mais sequer a
vegetação apropriada para brotar e florescer.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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