*Rangel Alves da Costa
Achava a maior chateação do mundo quando
estudantes passavam diante do seu portão e tocavam a campainha. Xingava,
esculhambava, dizia que ia prestar queixa à polícia, que ia diretamente perante
a diretoria da escola reclamar, mas não tinha jeito. No outro dia toques e mais
toques, e a mesma meninada.
Algum tempo depois começou a acordar
assustada ao ouvir tocarem na campainha em plena madrugada. Muitas vezes duas,
três horas e aquele som terrível tomava conta da sala, corria pela casa e
entrava no quarto onde dormia. Levantava apavorada, sempre pensando em coisa
ruim, seguia até a cortina, olhava de soslaio e não avistava ninguém.
Os estudantes continuavam importunando, porém
muito mais aqueles toques na madrugada ou quando o dia já começava a clarear.
Conhecia os meninos, sabia a hora que costumavam passar, contudo jamais havia
visto um só rosto daqueles que escolhiam a madrugada para importunar sua vida.
Depois de uma noite mal dormida, repleta de
chateação e sustos, vez que tocaram a campânula por quatro ou cinco vezes,
assim que o dia clareou procurou a escada e veio com ela em direção à sala,
local onde estava fixado o dispositivo que não suportava mais. Lá em cima, de
alicate à mão, cortou um dos fios e se deu por satisfeita. Por mais que
tocassem não conseguiriam aborrecê-la mais. Pensou.
Ao entardecer, deu um leve sorriso só de
lembrar que a partir daquele dia os meninos é que seriam enganados ao achar que
a campainha soaria lá dentro. Que tocassem sempre, que tocassem mais, pois
estaria livre de aborrecimentos. Contudo, para extremo espanto seu, num momento
em que os estudantes costumavam traquinar, pareceu ouvir um som sendo emitido
da sala onde estava o mecanismo desligado.
Não pode ser. Pensou assustada. Isso não pode
ter acontecido porque cortei um dos fios que permitia o funcionamento. Insistiu
no pensamento. Contudo, para se certificar que não havia nada errado lá em
cima, pegou novamente a escada, abriu a caixa do dispositivo, dessa vez cortou
os dois fios e até deixou o local sem o pequeno aparelho.
Com a nova providência, colocou na cabeça que
dali em diante estaria livre de vez daqueles barulhos inoportunos, chatos
demais e até assustadores. Deitou tranqüila e pronta para um sono mais
tranqüilo ainda, vez que daquela vez não haveria o barulho surgindo madrugada
adentro. Mas às duas da madrugada ouviu um, depois outro toque. Não pôde
acreditar no que ouviu, mas depois se acalmou por achar que o costume havia
produzido aquele som na sua mente.
Adormeceu novamente, mas não por muito tempo.
Uma hora depois ouviu novamente a campainha disparar diversas vezes. Pulou da
cama, foi até a sala, olhou bem para o local onde ficava a campânula e teve a
certeza que o lugar estava mais limpo. Mas ora, se não havia mais campainha
porque ouvia nitidamente o som dela tocando?
Procurou se acalmar e colocar na consciência
que aqueles sons não existiam de verdade, que eram apenas ecos que sua mente
ainda os mantinha depositados depois de tantos aborrecimentos passados. Pensou
tanto nisso que todas as vezes que parecia ouvir o som nem se incomodava mais. Pareceu
enfim totalmente curada.
Semanas após foi convidada para um
aniversário na casa de uma prima. Estava com uma taça de vinho na mão, já levando
em direção à boca, quando teve a certeza que a campainha estava tocando. Como
ninguém se manifestou, pensou que era ainda coisa de sua cabeça e tentou
esquecer. Mas cinco minutos após e começa a ouvir novos sons, novos toques, bem
altos. E ouviu também vozes dizendo que a campainha estava tocando.
De repente, colocou as mãos na cabeça, rente
aos ouvidos, começou a gritar e em seguida procurou copos, bandejas e garrafas
e começou a jogar em todo mundo. E gritando cada vez mais alto, dizia que todos
ali estavam com perseguições, querendo matá-la, deixá-la completamente louca. E
saiu da festa amarrada, levada de ambulância para um centro psiquiátrico.
Fez tratamento durante dois meses e o médico
resolveu a situação afirmando que ela havia sido acometida de um grande trauma,
mas com o trabalho mental realizado podia aceitar sons de qualquer campainha e
a qualquer hora do dia. Por isso mesmo já podia se considerar completamente
curada. Mas assim que ia estendendo a mão para se despedir da mulher, eis que o
seu bip dispara.
A maluca, doida, transtornada da campainha,
avançou em cima dele de tal modo que o deixou todo moído de tantos sopapos. E
dessa vez não teve mais jeito. De tão furiosa que estava foi conduzida para uma
solitária. Daí em diante remédio não adiantava mais, muito menos consultas e
tratamentos com choques.
Ela só sentia bem, ficava mansa e calminha,
quando tocavam a campainha que foi instalada no seu quartinho de hospício.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário