*Rangel Alves da Costa
Prazer e orgulho meu. Ser sertanejo, ter
nascido no sertão, talvez seja a dádiva maior de uma identidade. Nascer no
rente da terra, do barro, do chão. Caminhar entre mandacarus e xiquexiques.
Crescer na magia da história e da traição. Meu sertão.
Sou de um sertão de raiz, o mais sertão
existente. Não existe outro sertão igual ao que sinto em mim presente. Desde a
terra à semente, desde o bicho à sua gente. Um sertão sem ter igual no que se
tem e no que se sente.
No sertão da minha terra há vereda de pé de
serra, de bicho de pasto que berra, luta que não se encerra. Um caminha na
poeira, um sol queimando em lareira, pouca comida de feira, uma pobreza
avistada como bagaceira.
No sertão da minha terra há menino e pé no
chão, há barriga sem o pão, há prato vazio no chão. Por todo o sertão é sim, o
tudo vira tiquim, o muito vira poquim, o que pouco tem já tá no fim. Um povo
que vive assim.
No sertão da minha terra, um dia um tempo de
dor, na tocaia e na emboscada, na violência o clamor, o sangue jorrando ao
chão, quem já viveu já chorou. Carnicento destripando a vida que a bala levou.
No sertão da minha terra, lá longe e bem
distante, um casebre morro adiante, casinha desfeita em levante. A guerra na minha
terra, a cruz que debaixo enterra os restos de um passado feito bicho que
berra.
No sertão da minha terra, um chão assim tão
espinhento, um viver que é de lamento no seu passo em sofrimento. Na vida feita
de labuta, que somente a fé e a luta desenterram das desentranhas os restos da
terra bruta.
No sertão da minha terra e noutros sertões
mais além, um viver de querer bem, um se entregar ao que tem. E nada tem além
do pão, na fé a vela e o sermão, na parede a imagem do Padim Ciço e Frei
Damião.
No sertão da minha terra há uma igrejinha e
uma prece, há um pedido de benção a todo aquele que padece, religiosidade tão
forte que a esperança não perece. Há um povo em procissão, na crença e
abnegação, rezando pra cair chuva e para salvar o sertão.
No sertão da minha terra há fogão de lenha em
quintal, há roupa estendida em varal, há na nuvem um bom sinal, que amanhã será
melhor, pois nada será pior que o sofrimento ao redor. Uma galinha que cisca,
um gato que vem e belisca.
No sertão da minha terra há bolo de milho e
jabá, há jumento na estrada levando o caçuá, uma carroça passando cheinha de
croatá. Um cavalo esquipador, na vaqueirama um voador, alegria do sertanejo que
um dia já vaqueirou.
No sertão da minha terra tem pirulito de mel,
tem panelada e sarapatel, tem bolinho de chuva e de céu, tem linha no carretel.
De cumbuca é o cantil e de couro cru é o chapéu. E assim vivendo se vai na vida
de déu em déu...
No sertão da minha terra tem chuva grossa e
pinguinho, tem chuvarada e sereninho, tem tempestade e tiquinho do chuvisco já
caído, mas um sol tão atrevido que chega como enxerido e vai se arvorando
escondido e deixa tudo esmaecido.
No sertão da minha terra tem rolinha
fogo-pagô, tem seriema sim sinhô, e de todo bicho que restou. Mas muito existe
não, nem sabiá nem cancão e nem ave de arribação. Pouco é a cantoria onde o
canto existia, no sertão mais a tristeza onde havia alegria.
No sertão da minha terra há cuscuz no
amanhecer e qualquer coisa ao anoitecer. Não se escolhe o que comer nem o prato
que vai ter. Primeiro come a criança, depois vem toda a restança da família em
esperança.
Assim no sertão de minha. Assim em todo o
sertão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário