SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A DESAVERGONHADA VIDA ÍNTIMA DA POLÍTICA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Flertes, traições, trocas de carinhos e carícias, sussurros de alcovas, encontros adulterinos, bilhetinhos suspeitos, janelas entreabertas para depois serem puladas, bigamias, lascívias, sentimentos dilacerados e corrompidos, corações apaixonados. E tanta paixão, tanta devoção, para depois experimentar o amargor do esquecimento.
Tudo muito parecido com as descrições obscenas de Henry Miller; os relatos feitos por Flaubert sobre a devassidão da burguesia palaciana francesa; as aberrações prazerosas relatadas por Sade e Masoch; as imposições sexuais dos coronéis amadianos. Minha doce Messalina, fichinha és diante do fato novo.
Falo do que está pensando mesmo, mas não revelo, ao menos por enquanto, os nomes dos envolvidos e nem as situações em que as promiscuidades se revelam. Poderia ser num bordel, num fundo de quintal, numa alcova, em quartinhos escondidos. Mas os traídos e traidores, os amantes e abandonados todos conhecem, pois acostumados em bater sua porta.
Parece enredo de filme, mas não. Nélson Rodrigues esboçaria uma trilogia cômico-erótica daquilo que chamaria o devasso mundo das inclinações sexuais da política, contando a história de uma decente jovem que, envolvida por promessas, acabou sendo deflorada na sua inocência. Hoje mundana, sem honra nem caráter, vive sendo manipulada pelos cafetões do poder.
Ora, é sabido por todos que a política surgiu no meio social acobertada das maiores virtudes e como voz em defesa da população. Do seu seio vislumbrava-se a participação popular, as lutas pelos direitos, a prevalência do justo perante as tantas injustiças. Contudo, bonita demais no seu jeito de ser, logo foi sendo disputada por partidarismos e transformada no que se tem hoje por política partidária. Uma promíscua, infelizmente.
E foi o começo de sua derrocada, de sua desonra, de sua devassidão, da perda das grandes virtudes que muitos ainda confiavam existentes. Por mais que fingisse continuar merecedora de respeito e acatamento, tudo era desfeito assim que corria boca a boca o que os pleiteantes faziam em seu nome. Assim, pelas mãos de políticos astutos, interesseiros e ardilosos é que se viu jogada na lama.
Ao transformar-se em política partidária, forçosamente viu-se denegrida na sua imagem, desacreditada por grande parte da população. E, o que foi pior, usada e abusada como objeto de volúpia pelos que dela dependem para dar azo às suas inclinações impuras, corruptivas, promíscuas. Sem perceber já estava objeto de qualquer um, passada de mãos em mãos, na meretrização partidária.
E como no jogo de interesses não respeitam nem a si mesmos, transferiram o de mais abjeto e promíscuo para o seu nome. Por isso mesmo que muitos - pessoas decentes ainda existentes - torcem o nariz, sentem náuseas, avermelham de enraivecimento quando ouvem sua menção: política partidária. Inegavelmente alcançando sinônimo de vulgaridade, de objeto de deleite de qualquer um e de ninguém, pois nada querem senão o gozo das benesses eletivas.
Sua feição de hoje ainda é de uma jovem muito atraente, cheia de qualidades convidativas e apaixonantes. Contudo, desrespeitada nos seus princípios, sempre usada para a prática de interesses escusos, tida como meio para mais facilmente se chegar às portas da corrupção, da improbidade, das roubalheiras e enriquecimentos ilícitos. Coitada, inofensiva enquanto vítima do próprio poder, nada pode fazer para expulsar do seu leito tantos vermes com suas voracidades.
Igualmente quem faz do comércio do próprio corpo algo com normalidade na vida, sem mais se importar com críticas, olhares e palavras preconceituosas e de discriminação, a política parece ter chegado ao ápice da petrificação da desonra. Nada mais lhe atinge, afeta, incomoda ou faça repensar seu modo de ser e agir. Calada, submetida, apenas deixa ser possuída por aqueles que dela precisam para satisfazer seus desvios.
Impossível não ter como portador de grave desvio moral, ético e comportamental, todo aquele que depois de transformar a inocência da política na maior das devassidões, ainda continue amorosamente deitado no seu leito e dividindo os seus prazeres com tantos outros promíscuos.
Dizem que vive num bordel luxuoso. Mas poucos sabem quanto lhe custa a escravização nas mãos daqueles que usam o seu leito para esconder volumosas quantias debaixo do seu colchão.


Poeta e cronista
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Tanto amar (Poesia)



Tanto amar


Vou amar
um oceano
um mar

amar também
uma viagem
um trem

amor profundo
infinitamente
um mundo

amor demais
um porto
um cais

tanto amar
o que é
o que será

amar tanto
uma cantiga
um acalanto

e mais amor
mais amar
maior valor

de amor viver
amando sempre
amar você.

  
Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 180


Rangel Alves da Costa*


“O poeta em mim adormeceu...”.
“Sumiu, viajou...”.
“Descrente de tudo...”.
“Amargurado com a vida...”.
“Rasgou o seu verso...”.
“Queimou sua estrofe...”.
“E desapareceu...”.
“Olho no espelho e não vejo o poeta...”.
“Bebo o mesmo trago...”.
“Fumo o mesmo cigarro...”.
“Abro a mesma janela da noite...”.
“Acendo a mesma chama da lamparina...”.
“Sento na mesma cadeira...”.
“No mesmo lugar, na mesma mesa...”.
“Lembro-me bem como ele fazia...”.
“Espalhava papéis sobre a mesa...”.
“Enchia o copo...”.
“Acendia o cigarro...”.
“E depois se encaminhava para a janela...”.
“Já noite, o vento soprando...”.
“De lua ou de chuva...”.
“Não importava como estivesse...”.
“Esticava a cabeça de canto a outro...”.
“Olhava de lado e ao redor...”.
“Parecia sempre esperando alguém...”.
“Desejando avistar alguém...”.
“Depois apertava os olhos e baixava a cabeça...”.
“E assim ficava...”.
“Banhado de lua, molhado de chuva...”.
“Parecia adormecer...”.
“Mas não, pois chorava...”.
“Chorava por dentro...”.
“E depois, muito tempo depois...”.
“Voltava para a sua poesia...”.
“E derramar no papel...”.
“Um rio, um mar, um oceano...”.
“Uma lua molhada...”.
“Uma fotografia antiga...”.
“Uma dor, uma agonia...”.
“Um pranto, um sofrimento...”.
“Com a mão trêmula de comoção...”.
“Olhos anuviados da tempestade...”.
“Jogava na folha seus sentimentos...”.
“Um nome sem nome...”.
“Um destino sem sina...”.
“Um caminho só de curvas...”.
“Uma fronteira sem ultrapassar...”.
“Mas tudo inacabado...”.
“Apenas versos dispersos...”.
“Como dispersas eram lembranças...”.
“As tantas recordações...”.
“De um ontem como passado...”.
“E mais um trago, um cigarro...”.
“E a o verso que sempre riscava depois...”.
“Eu só queria te amar...”.
“Eu só queria te amar...”.
“Eu só queria te amar...”.
“E a mesa se enchia de papéis rasgados, retorcidos...”.
“Na janela, o vento, a noite...”.
“Uma porta aberta...”.
“Passos caminhando...”.
“E o poeta saindo por aí...”.
“Eu em busca de mim...”.


Poeta e cronista
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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A ESTAÇÃO (E O TREM DA MEMÓRIA) (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Já não sei se trem de partida ou de chegada. A estação já estava vazia, triste, silenciosa.
Os bancos estão desocupados, folhagens dançam no chão de terra. A ventania chega trazendo poeira, um cachorro late uma saudade distante.
Um cheiro diferente no ar. Não sei se de fumaça do trem ou da aparência antiga e maltratada do lugar. Mais de cem anos de adeuses, abraços, despedidas.
De um lado, ao longe, apenas a curva da montanha entreaberta para sua passagem; do outro, onde o olhar vai se perdendo na finura dos trilhos, apenas uma cor sombria de desalento.
Os trilhos não deixam marcas, não indicam da proximidade ou da já distante partida. Nos encaixes, madeira velha divisando o percurso, nenhum sinal de calor do instante.
Queria ouvir uma voz, encontrar alguém que soprasse notícia, dissesse sobre a hora do trem, falasse sobre quem chegou ou partiu, quando o próximo apito será ouvido.
Uma velha mala num canto, um chapéu alanhado esquecido num banco, um envelope retorcido já sendo levado pela ventania. Um lenço branco espalhado no meio dos trilhos, e até parecendo ainda molhado.
A portinhola dos bilhetes de viagem dança ao sabor da aragem. Passo o olhar pelo interior e vejo apenas papéis rasgados numa caixa de chão. Um velho birô, uma cadeira mais velha ainda. Um calendário amarelado de tempo na parede.
Avisto ainda uma antiga fotografia daquela estação. Tudo igual, a mesma solidão, a mesma feição, apenas um trem que desponta imponente soltando fumaça. No local de desembarque e espera apenas um cachorro magro com a língua de fora.
Imagino que as pessoas deixaram de existir na fotografia. Estavam ali com seus lenços à mão, seus buquês perfumados, seus braços prontos aos abraços. Ou talvez apenas para dizer adeus, para a despedida, envoltas em lágrimas e aflições.
Sei que não existe estação de trem tão sozinha, tão desalentada, parecendo esquecida de tudo. Ela é sempre vivia, cheia de vida, tomada de passos e de olhares, ainda que fantasmas de um tempo que se foi no último vagão.
Olho a montanha adiante, lá onde o trem faz a curva, e me pergunto quantas saudades, quantas alegrias, quantas feições entristecidas já avistou pela janela.
Dentro do trem, as pessoas nem percebem que estão sendo observadas pela natureza, pelas montanhas e pedreiras, por tudo ao redor. Mas vão passando e deixando suas impressões no que fica.
Por isso mesmo aquela montanha ser tão conhecida como os olhos entristecidos da natureza. Se as pessoas avistadas estivessem sempre felizes, sorridentes, cheias de contentamento, seu nome certamente seria outro.
O mesmo acontece com as distâncias que vão sumindo do outro lado. Um descampado largo que dá passagem aos trilhos, para mais adiante ir estreitando até sumir no olhar. Se o trem vai naquela direção, certamente que os lenços acompanhavam o apito e a fumaça até tudo sumir de vez.
Mas nem avistava mais. Os olhos molhados se encarregam de nublar o horizonte, de turvar a saudade que já não olha pra trás. Melhor assim, menos dolorido assim, pois não há nada mais triste que viver tendo à mente o trem seguindo, partindo, sumindo, desaparecendo.
Não sei quantas horas são; não sei se restará outro trem para este dia. Preciso viajar pra qualquer lugar, mas também desejo ardentemente que alguém chegue à estação, ao longe me aviste e molhe o lábio para o reencontro.
Mas não sei, verdadeiramente não sei se partirei ou continuarei por aqui, esperando o trem, o apito, a fumaça do trem. O relógio parou, o horizonte está nublado, não sei da hora do dia.
Agora ouço um apito, mais um, mais outro. E como meu coração bate assim, feito apito de trem, quando está com saudade.
  

Poeta e cronista
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Tempo de querer bem (Poesia)



Tempo de querer bem


Por infinitas estradas e curvas
debaixo de sóis e tantas luas
vagando no tempo ao acaso
sem saber o que encontrar
sem motivos para continuar

ensinaram-me apenas o norte
um lugar da possível felicidade
distante do silêncio e da solidão
onde talvez existisse a esperança
de encontrar alguém com sorriso
também carente de amor e afeto

cansei e envelheci no caminho
nada do ensinado pude encontrar
mas sinto o coração ainda pulsante
o espírito encorajado para semear
e colher ainda um grande amor
pois ainda é tempo de querer bem.

  
Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 179


Rangel Alves da Costa*


“Madrugada escurecida”.
“O galo ainda cochilava...”.
“A mataria dormia...”.
“Tudo silêncio ao redor...”.
“Apenas os grilos trinando...”.
“O vento soprando...”.
“A paz ladeando o momento...”.
“Acordou, levantou...”.
“Devagarzinho caminhou...”.
“Orou ajoelhado...”.
“Afagou o céu do oratório...”.
“Apagou o candeeiro...”.
“Abriu a porta do fundo...”.
“Despertou o galo...”.
“O seu canto oficializava o acordar...”.
“Olhou pra cima...”.
“Mirou o horizonte de barra a barra...”.
“Tudo normal, nenhum sinal diferente...”.
“Nenhuma nuvem escura...”.
“Nenhuma nuvem prenhe de chuva...”.
“Mais um dia de sol...”.
“Mais um dia de seca...”.
“Mais um dia de fome e de sede...”.
“Mais um dia de sofrimento...”.
“Lavou o rosto...”.
“Escovou os dentes...”.
“Banho só na água salobra do riachinho...”.
“Tudo ainda muito silencioso...”.
“Hortelã, mastruz, boldo, tudo ainda adormecido...”.
“Triscou na folha do mamoeiro...”.
“Tentou avistar ovos de capoeira...”.
“Firmou o tronco da cerca...”.
“Pediu a Deus pra tudo melhorar...”.
“Pegou a cuia, catou tico de água...”.
“Colocou na chaleira...”.
“Acendeu o fogo de chão...”.
“Misturou o pó de café...”.
“Passou no coador...”.
“Despejou na caneca...”.
“E se pôs a experimentar...”.
“Não tinha pão...”.
“Não tinha cuscuz...”.
“Nem perna de preá com farinha seca...”.
“Derramou o café no bucho e se deu por contente...”.
“Entrou novamente na casa...”.
“Caminhou sem barulhar...”.
“Abriu a porta da frente...”.
“Sentiu no rosto o beijo da manhã...”.
“Estava entristecido, mas esboçou sorriso...”.
“Avistou a vaquinha deitada...”.
“Avistou a mataria farfalhando...”.
“Cantiga bonita de passarinho...”.
“Caminhou ao redor...”.
“Mexeu nisso e naquilo...”.
“Ouviu barulho lá dentro...”.
“Era a mulher, era a esposa...”.
“Mais tarde um filho, depois o outro...”.
“Fazer o que nesse dia?”.
“Plantar não pode, colher não pode...”.
“Fazer o que dessa vida?”.
“Esperança, sempre a esperança...”.
“E a mulher chegou dizendo...”.
“Que tinha sonhado com trovoada...”.
“Então acenda uma vela...”.
“Já acendi...”.
“Bendito seja o sonho...”.
“Pra quem vive em pesadelo...”.
“Bendito seja...”.
“E que Deus seja louvado!”.


Poeta e cronista
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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ACADEMIA “EU SOZINHO” DE LETRAS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


As academias literárias interioranas estão se difundindo e mostrando a força dos escritores destas plagas. Alguns literatos ainda desconhecidos na capital, mas outros já de renome e assento na cultura sergipana e mais além.
Bons ventos trazendo tais iniciativas. A Academia Gloriense de Letras, no município de Nossa Senhora da Glória, na boca da mata do alto sertão sergipano, foi instalada no dia 12 de dezembro de 2012, orgulhando-se de ser a primeira do interior do estado. É composta de 40 cadeiras e oito membros fundadores. Seu lema é “ad gloriam per litteras” (Alcançar a glória através das letras).
Nasceu sob a incansável batuta do poeta Jorge Henrique Vieira Santos. Naquela oportunidade, oito membros fundadores se imortalizaram nas letras glorienses, tendo como Patrono da Cadeira nº 1 o escritor e pesquisador poço-redondense Alcino Alves Costa, falecido em 01 de novembro de 2012, e pai deste missivista.
A segunda entidade literária surgida no interior foi a Academia Itabaianense de Letras. Instalada em 1º de fevereiro de 2013 na cidade de Itabaiana, na oportunidade tomaram posse quinze imortais. Surgiu por iniciativa do escritor e desembargador federal Vladimir Souza Carvalho, figura de nomeada no mundo das letras.
Segundo informa o Jornal Cinform (ed. 1556, p. 4, municípios), “Os 15 integrantes da formação inicial da Academia Itabaianense de Letras foram escolhidos pela produção intelectual e pela disponibilidade de se dedicarem aos ideais defendidos pelo grupo. A meta é que novos escritores e intelectuais façam parte da agremiação, que tem como objetivo chegar a 30 cadeiras efetivas”.
Observando tais iniciativas, logo passo a concluir que dificilmente um dia farei parte – acaso merecimento tivesse – de uma academia literária fundada no meu berço de nascimento, nas terras distantes de Poço Redondo. Conheço poucos poço-redondenses que se atrevem nos mundo das letras, que se voltam para qualquer tipo de produção literária.
O grande escritor de Poço Redondo, Alcino Alves Costa, faleceu sem jamais ter sido membro de qualquer academia no seu estado natal. O reconhecimento veio de outras entidades espalhadas pelo Nordeste, principalmente aquelas que estudam e divulgam as produções literárias voltadas para o cangaço e os fenômenos culturais, sociais e messiânicos nordestinos.
Por força do estatuto da academia gloriense, que não permite pessoas vivas como patronos, Alcino se tornou patrono da cadeira nº 1. Contudo, não sei se vivo estivesse fosse lembrado para ocupar qualquer cadeira. E isto porque, ainda que o mesmo estatuto diga que a AGL possui abrangência em todo o alto sertão sergipano, se verifica que os membros empossados são todos vinculados ao município de Nossa Senhora da Glória.
Posso estar enganado, mas não tenho conhecimento de integrantes que sejam de Monte Alegre, de Porto da Folha, Gararu, Poço Redondo ou Canindé do São Francisco. Talvez seja porque estes municípios não possuem escritores do quilate dos glorienses. Mas também pode ser que, diferentemente do que prega o estatuto, a academia gloriense, como o próprio nome indica, é somente para os locais. Doutro modo pressupõe-se que seria Academia Sertaneja de Letras.
Igualmente ao meu pai, que na sua matutice sertaneja jamais aspirou qualquer fardão acadêmico, digo – reconhecidamente – que minha obra literária não seria suficiente para qualquer aspiração acadêmica. Escrevo e escrevo muito, sem um dia sem uma linha, mas meus livros publicados talvez não sejam conhecidos por ninguém. A não ser pelo próprio escritor, e que sou eu.
Sob os auspícios de Luiz Antonio Barreto, através da Pesquise, publiquei em 1996 o meu primeiro livro de poesias, intitulado “Todo Inverso”. Daí pra cá, através da Editora Agbook, publiquei mais de 15 livros. E tenho mais quatro livros prontos para publicação, inclusive uma biografia de Alcino Alves Costa.
 De minha autoria, já foram publicados os romances “Tempestade”, “Ilha das Flores”, “Evangelho Segundo a Solidão”, “Desconhecidos” e “Silêncio e Solidão”; poesias em “Todo Inverso”, “Já Outono”, “Poesia Artesã”, “Andante” e “Sertão- Poesia e Prosa”; crônicas em “O Livro das Palavras Tristes”, “Crônicas Sertanejas”, “Crônicas de Sol Chovendo”, “Memória Cativa” e “Estórias dos Quatro Ventos”; contos em “Três Contos de Avoar” e “A Solidão e a Árvore e outros contos”. E ainda “Poço Redondo – Relatos Sobre o Refúgio do Sol”, “Da Arte da Sobrevivência no Sertão” (ensaios), e “Estudos Para Cordel” (prosa rimada sobre a vida do cordel).
Fico triste apenas porque os meus conterrâneos de Poço Redondo não procuram ter maior interesse pela escrita de versos, histórias, romances. Se escrevem, então precisam desempoeirar os escritos. O sertão é fértil demais em situações e personagens, em causos que podem frutificar em literatura da boa. E quase sozinho dificilmente farei parte de uma Academia Poço-Redondense de Letras.
Mas não tem nada não. A partir de agora passo a fundar a Academia “Eu Sozinho” de Letras, em cujo lema se lê “Immortalis Memento Mori” (Imortal, lembra-te que morrerás). Sou fundador, patrono e membro, ocupando a cadeira que eu quiser. Mais tarde, quem sabe, convidarei os amigos escritores Jozailto Lima e Fernando Sá. E no discurso de posse na imortalidade certamente direi:
“Ora, por que escreveis, se outros bardos cantam as musas, outros menestréis se arvoraram da linha que tece a escrita? Mas restam os pássaros, a brisa, o vento, a luz da lua, a noite. Todos eles se debruçam no meu ponto final. E por isso sou imortal como toda palavra”.
  

Poeta e cronista
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Todo e tudo (Poesia)




Todo e tudo


O todo
entre dois
onde tudo
é um só
é mais
muito mais
que ter
boca na boca
lábio no lábio
mão na mão
face na face
corpo no corpo
cada um
dentro do outro

afaste
e olhe
aviste o rio
singre o mar
do olhar
divise tudo
a beleza
o sorriso
o semblante
faça viagem
por tudo
que é tão teu
sem precisar
sair de si
para se dar
e inteiramente
tanto amar.

  
Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 178


Rangel Alves da Costa*


“A dúvida me atormenta...”.
“Sei e não sei...”.
“O que penso que sei...”.
“Talvez já não saiba mais...”.
“Duvida ou certeza aristotélica...”.
“Só sei que nada sei...”.
“Também só sei assim...”.
“Que nada sei...”.
“Mas como gostaria que fosse diferente...”.
“Como gostaria de saber além do que sei...”.
“Se alguma coisa sei...”.
“Para afastar tanta dúvida...”.
“Desviar-me dessa escuridão...”.
“Sair do labirinto do desconhecimento...”.
“Mas nada sei...”.
“Ou pouco sei, não sei...”.
“Ter a luz e o discernimento...”.
“Conhecer para acreditar...”.
“O não espanto diante da realidade...”.
“O encorajamento para o que souber...”.
“Mas não sei do meu limite...”.
“Não sei se suportarei conhecer...”.
“Às vezes é melhor desconhecer...”.
“É melhor a inocência, a brandura...”.
“Dizem que o conhecer é doloroso...”.
“Quanto mais profundamente conhece...”.
“Mais dolorosamente sente...”.
“O sábio sofre pela ignorância do mundo...”.
“O filósofo sofre por não poder explicar...”.
“Mas o doutor não conhece nada...”.
“Nada além do que precisa para sobreviver...”.
“O homem comum conhece muito mais...”.
“Pois com sabedoria própria...”.
“Pequenas lições que envolvem o mundo...”.
“Muitos se arvoram da sabedoria...”.
“E nisto já comprovam a insuficiência do saber...”.
“Quem sabe quer saber mais...”.
“Vai buscar conhecimento...”.
“Outros se contentam com o pouco que sabem...”.
“Sem conhecer a importância do saber...”.
“Desencorajados para descortinar horizontes...”.
“São poucos que têm consciência da ignorância...”.
“Do quase nada que conhecem do mundo...”.
“Pois ignorância não significa não saber nada...”.
“Mas o conhecimento mínimo daquilo que precisaria conhecer mais...”.
“Existe ainda aqueles que refutam o saber imposto...”.
“E buscam na experiência o conhecimento...”.
“Estes erram para conhecer...”.
“Estes arriscam para absorver...”.
“Mas eu não sou assim...”.
“Nem de outro jeito...”.
“Nem sei como sou...”.
“Nada sei...”.
“Ou talvez saiba alguma coisa...”.
“O saber que nada sei...”.
“E um pouco mais...”.
“Pois sei o quanto me dói não saber...”.
“Mostrar ao homem, ensinar ao homem...”.
“O que seja a vida, o que seja o viver...”.
“E com tal saber, tal conhecer...”.
“Reconhecer-se capaz de transformar o mundo...”.
“A partir do bem que talvez conheça...”.
“Isto sei...”.
“E ninguém imagina que sei...”.


Poeta e cronista
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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

SINHÁ FILÓ DIANTE DO ESPELHO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Depois de muitos, mas muitos anos mesmo, Sinhá Filó lembrou que mantinha um espelho pendurado numa parede tomada por tralhas e velhos cortinados. Não se sabe ao certo porque somente agora se lembrou de sua existência.
Não se recordava quando nem com quantos anos, mas a última vez que havia se olhado no espelho ainda era jovem, possuía a pele firme e delicada, numa formosura que até a própria dona dos suaves traços sorria orgulhosa e cheia de encantamento.
Era bonita mesmo, linda de se dizer, como se dizia por lá. Entre o moreno e o esbranquiçado, sua pele era de matiz queimada de sol, jambeada, trigueira. Pele de índia, cabelo de índia, moça interiorana ou flor desabrochando na aridez do lugar. A prova maior de sua lindeza estava no ciúme causado perante todas as outras mocinhas do lugar.
Por essa época, mirar-se no espelho era desejo e satisfação, era prazer de refletir a beleza de sua idade. Certa feita, algum tempo depois, cuidadosamente se olhou e dessa vez o semblante satisfativo não apareceu. Pelo contrário, ficou entristecida ao perceber marcas da idade delicadamente surgindo.
Depois disso não ansiava mais mirar o espelho, já não sorria nas vezes que ficava diante dele. Passou a procurá-lo muito mais para afastar seus tantos temores de rápido envelhecimento do que qualquer outra coisa. Assim, o que era prazer passou a ser ofício de reconhecimento das marcas surgidas na sua feição.
Um dia, depois de passar a mão pelo rosto e tentar avistar alguma marca indesejada, resolveu nunca mais retornar ali, nunca mais se olhar para ver como estava sua feição. Decisão impensada, pois não precisava agir assim. Continuava jovem bela, de corpo firme e atraente, a pele viçosa de pétala. Só que não mais na textura de outros dias, tempos atrás.
Quando um jardineiro teve a sorte de casar com a bela flor, Filó mudou de casa levando consigo aquele espelho. Colocou véu e grinalda para o esponsal, foi pintada e enfeitada, mas sem jamais abrir os olhos diante dele. Mas não se esqueceu de mandar embrulhá-lo cuidadosamente para a mudança.
Mas o que pretendia Filó com o espelho se tencionava nunca mais abrir os olhos diante do seu refletir tão verdadeiro? Se alguém perguntasse diria que apenas uma lembrança dos bons tempos da meninice, mas a verdade era outra, e bem diferente desta. Achava que a sua mocidade, sua beleza, seu lindo rosto e seu doce sorriso permaneceriam ali escondidos, guardados até quando quisesse. E um dia qualquer poderia pedir ao espelho para refletir seu passado.
E quando isto acontecesse não seria refletida perante o momento, mostrando rugas, cabelos brancos, outra face com suas marcas do tempo, mas apenas aquilo que queria ver, que era a beleza de antes, como a mais bela das fotografias. Nunca disse a ninguém, mas era exatamente assim que pretendia fazer um dia. Quando já estivesse velha, consciente das tantas mudanças sofridas, retiraria os panos de cima e pediria ao espelho para rever seu passado.
Tempos após, depois da partida do seu fiel jardineiro e restando apenas a companhia de seus três gatinhos e do ratinho de estimação, estava sentada na sua cadeira de balanço diante da janela da tarde quando se lembrou do espelho. Pensamento que veio acompanhado de estremecimento, de medo de reencontrar-se, de avistar-se novamente tão jovem e tão bela. Apenas rever como era; jamais sentir como estava agora.
Como já estava escurecendo, apenas trouxe o espelho enrolado em panos e colocou-o na parede. Espelho grande, antigo, moldurado, deu um trabalho danado a Sinhá Filó. Somente na manhã seguinte, quando a casa já estivesse iluminada de sol, retiraria os panos e de olhos fechados pediria que mostrasse sua feição e seu jeito de ser de outros tempos, um tempo muito distante daquele de então.
Acordou cedinho, fez as orações, conversou um tiquinho com o galo velho, jogou água nas plantas medicinais do quintal, depois foi cuidar do café, do cuscuz, do ovo de capoeira. Mais tarde, depois do banho e do asseio, do leite de colônia derramado, abriria a porta e a janela, avistaria o mundo do outro lado, estaria pronta para um novo dia. E também para tirar os panos de cima do espelho.
Quando a sala ficou iluminada se encaminhou perante o velho amigo. Fechou os olhos e puxou os panos, em seguida fez o pedido, verdadeiramente implorando para que mostrasse sua feição de outros tempos, da meninice, da beleza radiante, da meiguice em pessoa. E depois abriu os olhos.
Tomou-se de espanto, não se reconheceu, tampouco sabia quem era aquela velha ali espelhada, quando deveria estar enxergando sua feição na mocidade. Perplexa, assustada com aquela estranha cheia de rugas, de cabelos brancos e olhar sem brilho, percebeu que uma lágrima escorria naquela velha do espelho. E sentiu que chorava também.
Passou a mão para enxugar os olhos; a velha do espelho também. E depois saiu em direção à sua cadeira ao lado da janela, cabisbaixa, pensativa. Enfim disse a si mesma que tudo faria para que a velha do espelho não derramasse mais uma só lágrima de saudade. Pois só poderia ser saudade o que ela estava sentindo.

  
Poeta e cronista
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Para amar (Poesia)



Para amar


Quer amar?
sim
um belo amor
jardim
suave aroma
jasmim
brilho de joia
marfim
sopro de anjo
querubim
amor imenso
enfim
eterno amor
sem fim
tudo na vida
assim
maior prazer
em mim
no coração
festim
sabor de beijo
e gim
e ao teu lado
afim
a felicidade
por fim.

  
Rangel Alves da Costa

PALAVRAS SILENCIOSAS – 177


Rangel Alves da Costa*


“Havia uma rua...”.
“Na rua uma casa...”.
“Uma casa muito antiga...”.
“Sem imponência, sem cor...”.
“Sem herança, sem nome...”.
“Apenas uma casa velha...”.
“E seu flamboyant na calçada...”.
“Pareciam distantes, desconhecidos...”.
“Um tão florido e o outro tão carcomido...”.
“Flores vermelhas e amarelas...”.
“Folhagens mortas sobre o telhado...”.
“Paredes nuas, paredes mortas...”.
“Sem rastro, sem voz...”.
“Sem quem entrasse ou saísse...”.
“Sem panela batendo...”.
“Sem menino brincando...”.
“Sem alguém gritando...”.
“Há quanto tempo estaria abandonada?”.
“Qual família morava ali?”.
“O nome dele, o nome dela?”.
“Os sonhos e aflições...”.
“Por que deixaram tudo ao relento?”.
“Tudo abandonado, tudo entristecido...”.
“Tudo quase caindo...”.
“A porta ainda em pé...”.
“A janela entreaberta...”.
“No vai e vem dos tempos...”.
“Ora abrindo, ora fechando...”.
“Vivendo ao sabor do vento...”.
“Triste uma janela assim...”.
“Tão triste é ver uma janela assim...”.
“O umbral com uma história...”.
“Alguém que chegava para avistar a vida...”.
“Viajar pelas paisagens e horizontes...”.
“Sentir a poesia do entardecer...”.
“Sentir o clarão da lua descer...”.
“Como seria a pessoa?”.
“Qual sua feição, seu olhar?”.
“Seria alegre ou triste?”.
“Inegavelmente triste...”.
“As janelas foram feitas para as pessoas tristes...”.
“Quem é alegre sai para viver lá fora...”.
“Andar, caminhar, passear...”.
“Mas quem se debruça na janela...”.
“Nunca chega de coração contente...”.
“Com semblante alegre, sorriso no lábio...”.
“Porque janela é retrato, fotografia...”.
“Dela se avista o passado...”.
“A memória corre em desalinho...”.
“Tanta saudade, tanta lembrança...”.
“Diante do olhar na janela...”.
“Que vai e vem em passo lento...”.
“Sentindo o vento entrar...”.
“Escondendo tanta coisa...”.
“A vida de quem ali viveu...”.
“E um dia partiu sem notícia...”.
“Talvez lá dentro, no quarto abandonado...”.
“Esteja um bilhete escrito na parede...”.
“Uma frase trêmula dizendo do desamor...”.
“Da tristeza infinita...”.
“E da janela sem retrato novo...”.
“Por isso a partida...”.
“O adeus...”.
“E toda aquela solidão...”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

domingo, 24 de fevereiro de 2013

QUEM MATOU A JACA? (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


No dia anterior ao funesto acontecimento, muita coisa sucedeu debaixo e ao redor da frondosa jaqueira. Na estação propícia, já prestes a derramar os frutos vingados, o que se via era jaca grande e bonita se pendurando pelo tronco e galhagens encurvadas de tanto peso.
Jaqueira é árvore de tronco grosso, largo, com braços que vão se erguendo para formar uma copa espessa e vistosa. No tronco que se ergue em pedestal e nos galhos vigorosos é nascem os frutos que se deitam garbosamente. É de se admirar como suportam imensos frutos sem despencar tudo de vez.
Árvore diferenciada de tantas outras frutíferas, suas flores são os próprios frutos, as jacas. E estas de formato ovalado e casca com pequenas saliências pontiagudas e verdes quando ainda imaturas. Cada jaca pode alcançar cerca de quinze quilos, mantendo uma aparência muito diferente, pois asperosa, da riqueza que guarda por dentro.
Quase todas essas características a jaqueira possuía antes do calamitoso ocorrido. E quase todas porque nessa estação, como sempre acontecia nas outras, as jacas que não eram recolhidas no ponto começavam a cair por cima de tudo, se espatifando ruidosa e espalhafatosamente sobre quem ou o que estivesse embaixo.
Certa feita, passando ali de viagem longa e já cansado de tudo, um cabra avistou a imensa jaqueira, com sombreamento que parecia um suave leito para o adormecimento, e nem pensou duas vezes em repousar um pouquinho ali debaixo. Colocou cantil e embornal de lado e em menos de dois minutos já estava de sono solto. No terceiro minuto teve um pesadelo terrível.
E no sonho ruim de repente sentiu uma montanha caindo na sua cabeça. Era uma jaca madura que despencou e caiu bem em cima do chapéu sobre o rosto do coitado. Com o impacto, quis levantar de vez e não conseguiu. Sentiu o cheiro forte da fruta e gomos espalhados por todo lugar e nem pensou duas vezes. No mesmo instante foi devorando bagos  mais bagos até o peso diminuir.
Com a barriga cheia demais, eis que o sono bateu de vez. Ainda que estivesse todo sujo e empapuçado, ali mesmo virou de lado para o sono profundo. Até sonhar novamente, só que dessa vez com uma história que tempos atrás havia acontecido ali mesmo debaixo daquela jaqueira, e bem em cima de onde agora sonhava.
O sonho veio como um filme relatando tudo. Viu a jaqueira cheia de jaca, e sem que nenhuma houvesse sido recolhida ou caída de madura; ouviu passos de gente e bicho, piados de passarinhos, sons espalhados ao redor. E viu também quando, de repente, uma jaca soltou um grito medonho e despencou lá de cima. E por último a cena terrível: a jaca morta no chão, quase toda espatifada pelo baque.
Mas não viu quem havia feito aquilo, quem teria sido o responsável por aquela imensa tragédia, quem havia tirado a vida da jaca. Nem as outras jacas puderam ver nada. Imensas, de corpos gordos e sonolentos, estavam todas cochilando quando ouviram o grito da companheira. Quando despertaram assustadas avistaram apenas a outra já estatelada ao chão, logo abaixo. Cena terrível. Mas quem teria matado a jaca?
Como inicialmente afirmado, no dia anterior ao fato muita coisa sucedeu debaixo e ao redor da frondosa jaqueira. Pessoas passaram por ali e ficaram admirando a jaqueira tão vistosa e carregada; bichos do mato também rondaram de boca aberta; passarinhos, periquitos e outros voadores fizeram vários pousos nas galhagens.
Logicamente que todos queriam lançar mão numa jaca daquelas, estar por ali quando alguma despencasse lá de cima. Talvez tenham esperado e nada de um fruto cair, e também talvez por isso mesmo um deles resolveu arrancar a jaca pela raiz, brutalmente forçando sua caída já sem vida. Talvez, talvez e talvez... Mas se bicho ou gente tivesse matado a jaca, certamente as outras o teriam visto ali embaixo ou em fuga. Contudo, o que restou foi uma jaca morta e sem nenhum suspeito ao redor ou fugindo.
Continuava o maior rebuliço para saber do culpado, quando uma das jacas gritou que já sabia de tudo. Foi a ventania, gritou. E repetiu: foi a ventania! Ouvi ontem da boca da própria finada que no primeiro vento forte que passasse ela ia despencar para ser levada e poder conhecer outro mundo. E de olhos abertos ela esperou a ventania.
Gorda demais, muito mais pesada que qualquer ventania, temporal ou tempestade, caiu achando que era magra, esbelta. E foi o seu erro. O vento passou e não levou. E ela ficou estatelada no chão. Morreu tão nova, tão cheia de sonhos e vaidades. Pensou que era pluma, quis voar, quis ser levada. Somente a alma conseguiu seguir.
  

Poeta e cronista
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