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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A RELIGIOSIDADE NA POLÍTICA SERTANEJA (Artigo)


Rangel Alves da Costa*


A religiosidade não significa apenas a obediência aos ensinamentos bíblicos, a adoração ao que se reputa divino ou ser adepto de um ou outro credo religioso. É também instrumento de ideologização através da fé, um modo de guiar pessoas por determinados caminhos, segundo os preceitos dos membros de cada igreja e os seus objetivos ocultos.
Enquanto ideologia, a religiosidade utiliza-se dos preceitos da igreja – principalmente da concepção de pecado e de obediência – com outros objetivos menos cristãos. Passa a utilizar a religião, ou o vínculo a ela, para manipular, para tornar os devotos em seguidores de ideários próprios. O que se busca, por fim, é que os seguidores se tornem fanáticos, intolerantes, sujeitos alienados que passam a obedecer cegamente aos ditames do líder religioso.
É neste passo que a religiosidade ganha contornos políticos. Utilizando a igreja, o púlpito, a palavra de Deus, logo o pregador começa a entremear o sermão com sua ideologia política, partidária. E como aqueles mais religiosamente fervorosos geralmente reputam como verdadeiro  tudo que ouvem, então se tornam partidários políticos do pregador, vez que não conseguem reconhecer os reais objetivos do seu líder.
Foi assim que Padre Cícero se impôs como sacerdote e político, abraçando a um só tempo a igreja e os meandros da política, e nesta como líder poderoso e temido. António Conselheiro não se afastou do misticismo ideologizante para pregar suas concepções políticas. O líder missionário misturava preceitos de religiosidade e de obediência à sua visão política, em confronto ao regime vigente.
Desse modo, tem-se que a religiosidade sempre esteve mais próxima da política do que imagina nossa vã beatice. Muitas vezes caminham de mãos dadas e até fazem do mesmo púlpito de pregação da palavra divina um palanque de discursos políticos e alicerçamento de candidaturas. E comumente é o próprio líder religioso o candidato.
Contudo, o que hoje se apresenta diferente na igreja como instrumento de ideologização política é o verdadeiro sincretismo religioso-partidário observado segundo as conveniências. Se há alguns anos dificilmente acontecia de a igreja católica estar unida às igrejas evangélicas ou protestantes com objetivos de eleger candidatos, hoje a situação é bem diferente.
E mudou de tal forma, e os seus líderes candidatos agem de tal modo, que mais parecem ardilosamente mancomunados para não demonstrar que são de igrejas diferentes, pregam de modo diferente e possuem objetivos de evangelização também diferentes. Na verdade, quando se trata de fanatizar, de incutir na mente dos fiéis e beatos as qualidades de alguém vinculado à igreja, tanto faz que tal candidato seja evangélico ou católico.
E é exatamente assim que vem acontecendo na política sertaneja. Levando o sincretismo ao pé da letra. Considerando-se que sincretismo também pode ser visto como a fusão de crenças e credos, ainda que contraditórios, mas objetivando um fim comum, logicamente se depreende que a religiosidade em si passou a ser um tanto faz. O que importa é o que dela possa politicamente frutificar.
Tem-se, então, uma religiosidade dissimulada, uma fé distorcidamente pregada, porque é a tomada ou a manutenção do poder político que mais interessa aos líderes religiosos. Ora, quem vai acreditar se os bispos evangélicos vivem lançando farpas às autoridades católicas, agindo diversamente de preceitos do catolicismo, se politicamente, nos meandros partidários, se mostram em plena comunhão?
Desse modo, noutros tempos não seria fácil imaginar que, pertencendo à igreja católica, o Frei Enoque mais tarde viesse a andar de braços dados com o Pastor Heleno, um evangélico. Contudo, comprovado está que as igrejas em si não significam nada diante dos objetivos políticos de seus líderes. Também comprovado está que grande parte da população sertaneja ainda não sabe enxergar os interesses partidários embutidos nas pregações.
Nas eleições passadas e principalmente nesta última, ainda que em municípios diferentes, os dois se abraçaram mais uma vez em nome do poder. Enoque, ao tempo que pedia voto para o seu candidato, não se esquecia de lembrar as qualidades positivas do outro, acaso o eleitor votasse no município vizinho, Canindé do São Francisco. E do mesmo modo fez Pastor Heleno com o candidato de Enoque em Poço Redondo.
Não só pediam votos para o amigo candidato como faziam campanhas praticamente conjuntas. Os devotos políticos de Frei Enoque participavam dos comícios e passeatas do Pastor Heleno, e de Canindé chegavam multidões para os encontros de Roberto Araújo, candidato do frei. Assim, a sede desenfreada de poder fez quebrar barreiras, fez o católico subir no púlpito evangélico e este beijar a cruz enoquista. E saíram vencedores.
Como observado, é uma democracia religiosa tão unida, tão abraçada nos seus objetivos, que se os fins não fossem somente a tomada do poder temporal, logo se diria que o sertão é terra de uma só igreja, um mesmo credo, uma só devoção. Mas não. São diversos pastores rebanhando seus fiéis eleitores.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

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