TRISTES DIAS TRISTES
Rangel Alves da Costa*
A ânsia de vida e a sede de viver nunca se contentam com o seu dia, perfeito naquilo que foi possível ser, e às vezes adormecem esperançosos de acordar sempre para grandes conquistas e felicidades.
Contudo, ainda que sol entre com o mesmo brilho pela janela, o tempo há de ser diferente, um outono forçado poderá surgir e as boas expectativas do dia já passaram adiante, levadas pelo vento, folhas que são dessa triste estação.
João, Maria, Pedro, Josefa, outros e outras, todos que acordaram para o lindo correm até a janela e só têm tempo de ver as esperanças voando ao longe, sopro frágil em tudo que há nessa vida. Se assim foi na janela, o que será da porta adiante, da rua adiante, da vida afora?
Zequinha não encontrou seu passarinho na gaiola naquela manhã. Estava certo que o soltaria nesse dia, convicto que estava de onde era a casa do passarinho, mas não queria que acontecesse assim não, sem um último alpiste, uma metade de goiaba, um gole de água, um banho de água soprada pela boca. E ficou muito triste por isso.
Lucinha chamou a mãe pra mostrar que o velho tênis tinha feito a sua última viagem ontem, pois do jeito que estava era melhor andar descalça. Mas não tinha outro tênis, outro sapato, uma chinela que desse pra calçar, e só uma havaiana que a escola não aceitava de jeito nenhum.
Pode ser pobre, mas só pode entrar aqui pra estudar se for calçada de tênis, um dia avisou a diretora. E a mãe ficou pensando em vender as três galinhas lá do quintal, e a menina, ao invés de estudar, foi correr atrás das penosas para ir vender pelas ruas e comprar o tênis.
Coando o café porque assim era mais gostoso, de vez em quando Erêndia olhava para o mundo lá fora e só enxergava nuvens negras se formando e um tempo abafado, parecendo que a terra queimava por baixo e fazia subir uma quentura danada logo de manhãzinha. E ela ficava pensando que se o tempo fechasse não podia ir visitar sua mãe acamada, não tinha como ir catar lenha, e ia ficar em casa sozinha, enfim dar uma faxina completa no quarto, o que tentava evitar por razões muito próprias.
Varria, limpava tudo, mas sempre deixava aquele baú para ser revirado depois, amanhã, outro dia qualquer, mas nunca tinha coragem de abri-lo para reencontrar velhas cartas, fotografias amareladas, roupas festeiras de um dia, pequenos presentes e grandes significados, um velho diário cheio de folhas secas marcando versos que nunca foram entregues à paixão.
E lá dentro, talvez num cantinho do baú, estava João adormecido, porém sorridente com um copo na mão, e no verso escrito: Erêndia, te amarei para sempre. Até quando é para sempre João? Sempre para sempre esperar, e sempre para sempre sofrer? Isso era o que ela mais temia, nessas manhãs tristes, de dias tristes assim.
Uma mocinha, que já era triste por natureza e fazia do dia seguinte sua grande esperança para encontrar os caminhos e os motivos da felicidade, quase nem levanta da cama com medo desse novo dia ser igual ou pior do que aqueles que já tivera.
Desde a madrugada, após o sonho costumeiro com um semideus de olhos azuis e cabelos que soltavam poeira iluminada, esperou o galo cantar, o sinal de renascimento, porém sem ouvir qualquer som vindo do quintal. E sem galo não haveria manhã, não haveria esperança, nada. Dormiu novamente e sonhou com o galo cantando para que despertasse para uma manhã sombria e triste.
Ouviu no telhado o barulho da chuva, dos pingos grossos lavando tudo, do vento cortante lá fora, das folhagens gemendo de frio e de despedida. E então deu vontade de fazer o inimaginável, o que jamais havia sonhado em fazer. Levantou , tirou a roupa e pulou a janela.
Nua, de braços abertos abraçou a manhã e sua tristeza, que veio chorar no seu corpo e dizer que não permitiria mais que os dias amanhecessem assim tão tristes.
Poeta e cronista
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