TEMPESTADE – 59
Rangel Alves da Costa*
Após ouvir o relato e como sempre suspirar quanto o assunto envolvia homem, a solteirona De Lourdes falou baixinho a Manu: “Desesperada como tô, encruada, sem entrada nem saída, até um padre tirava o meu pé da lama...”. “Ixi Maria, minha amiga, o pior é que até dá medo daqui a alguns dias eu ficar com essa carência toda e sem ter meu safado perto de mim...”.
Conversariam mais se não fossem interrompidas por Teté que chegou correndo, avexado demais. “Mãe, pelo amor de Deus vamos lá pra cozinha que a senhora vai ter que fazer outra garrafada daquela que fez pra professorinha. Só que dessa vez é pra o pobrezinho do seminarista que parece que tá com a mesma doença dela. Os dois tão num morre num morre e a senhora vai ter que fazer outra igualzinha que é pra levar e curar ele que está variando com a doença lá na igreja. Vamo mãe, se avexe...”.
E Sinhá Culó, ainda assustada com a entrada do filho daquela maneira, e achando que havia alguma coisa errada nessa história toda, perguntou:
“Teté, mai vosmicê já levou o remédio da professorinha, num foi meu fio? E se já levou, pruque num pensou em tirar um pouco da garrafada pa dividir com o doentinho, o da igreja? Se a mocinha bebeu já deve de tá mió e o mermo já tinha acontecido com o outro adoentado”.
Teté pensou duas, três, quatro vezes se contava a verdade ou não. Na verdade, tinha vergonha de dizer da besteira que fez, deixando tanto de levar o remédio pra Suniá como de tirar um pouquinho para Tristão. Enfim, como o juízo não ajudava muito, acabou dizendo:
“É, mãe, eu me esqueci, mas já já vou levar o remédio. Quando a senhora fizer a porção dele já levo tudo de uma vez. Vai ser até bom, pois os dois vão logo ficar sadio e poder namorar. A senhora sabia que os dois são apaixonados escondido, sem que ninguém nunca soubesse? É esse negócio de amor que eles sentem e que nem um nem outro nunca disse a ninguém. Será que é bom esse negócio de amor, mãe?”.
Sinhá Culó nem respondeu, se contentando em chamar o filho até a cozinha pra providenciar o que ele queria. Ela não respondeu, mas assim que os dois saíram o assunto se tornou um prato cheio na boca das duas amigas.
De Lourdes, sempre ela e seus transtornos amorosos, sempre que ouvia falar em namoro, amor, paixão, relacionamento, qualquer coisa desse tipo, ficava em tempo de explodir. Contudo, não era pessoa maldosa, ciumenta, que desejasse o pior pra ninguém, muito menos para quem estava se enamorando. Chegava a ficar feliz com o amor dos outros, com o romance, a relação, e muitas vezes orava para que a felicidade acompanhasse a todos na permissão divina para amar.
Por isso mesmo que falou a Manu: “Que coisa bonita minha amiga, dois jovens lindos apaixonados. Ela uma florzinha mais linda do mundo, uma menina meiga, a coisa mais doce do mundo, e ele aquele piteuzinho, menino bonito demais, com seu jeito humilde de ser e de conviver, o que o torna mais bonito ainda. Quem dera Deus se os dois, ele e a professorinha, se recuperem logo dessa doença danada que caiu sobre eles ao mesmo tempo e possam mais tarde caminhar pela vida de mãos dadas e muito amor no coração...”.
“Mas pelo que sei, e se é verdade que os dois se gostam, está meio difícil de que o futuro seja proveitoso pra os dois. Digo isso porque pelo que sei quem está prometido a Deus e daqui a pouco já vai ser padre, celebrar missa e tudo, não pode nem beijar e muito menos namorar. Mas falo de padre mesmo, de sacerdote que respeita a batina, e não esses que se aproveitam da igreja pra comer as beatas na sacristia...”. E Manu foi interrompida pela mais que curiosa solteirona:
“Me conte mais sobre essa história. Você disse que tem padre safado que se aproveita das beatas e leva elas pra fornicar na sacristia, é isso mesmo?”. E a outra continuou:
“Todo mundo sabe disso e isso ocorre muito aqui também. Sei de casos e casos de mulher de nome, de família, casada e bem casada, que vai pra igreja coberta de veu, cheia de rosário e bíblia, com a cara mais santa do mundo, e quando chega lá não vê a hora de levantar a saia para o padre. Já houve até morte por causa disso, ouvi dizer. Certa vez um marido chifrudo pegou a mulher fazendo não se sabe o que debaixo da batina de um padre novo e deu foi em morte. O padre matou o marido e fugiu com a safada...”.
“Meu Deus do céu, mas se isso for verdade é muita safadeza. Mas também tem cada padre bonitão não é Manu? Se o seminarista Tristão mais tarde fosse mesmo ser padre, juro que não me importava de ser beata safada não. Mas velha como sou, feia, abandonada...”. E De Lourdes começou a chorar num lamento de parecer que alguém havia morrido. Então a amiga procurou consolar:
“Fique assim não De Lourdes, fique assim não que sem você esperar acontece uma coisa muito boa na sua vida. Vai aparecer alguém que você vai falar com o coração e dizer que enfim chegou o homem de sua vida”. “Mas será que vai durar muito?”, perguntou a solteirona ainda tristonha. “Aí é onde está o lado bom dessas coisas, pois amor que surge inesperadamente é aquela que dura para sempre”.
Enquanto isso, na cozinha, Sinhá Culó chamava Teté num canto, mostrava uma garrafada e dizia: “Tá veno isso aqui, foi o tanto a mai que fiz e guardei. Vou colocar uma parte numa garrafinha e tampar bem tampadim que é pra vosmicê levar pro rapazinho doente, viu? E tem outra, pelo amor de Deus vá depressa e não esqueça de primeiro dar o remédio de um na igreja e o da outra lá na escola. Tanto faz que dê de um frasco ou do outro, mas tem que dar, e logo. Agora vá”.
Quando ia passando na sala a irmã perguntou: “Tem algum homem na rua, Teté?”. “Quem é doido sair na rua do jeito que tá? Hoje não tem ninguém não, mas quando a chuva passar pode ficar na janela. E se quiser pode ir embora com ele, você vai ver...”.
E a coitada De Lourdes começou a chorar novamente. Agora cheia de esperanças.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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