SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 11 de julho de 2011

MARIA, JOANA E ZEFINHA (Crônica)

MARIA, JOANA E ZEFINHA

                            Rangel Alves da Costa*


Três mocinhas, três vidas, três sertanejas, três sinas. Vidas diferentes e tão iguais, as de Maria, Joana e Zefinha. Trouxe de lá um rosário pendurado no peito e carrego como contas de amor e saudades a imagem dessas três meninas, tão mulheres, tão belas.
Rapazinho igual a elas, na idade e no viver, achava bonito quando trocava os nomes de uma e de outra, tudo parecida demais, tudo pétala e flor, cheiroso aroma agrestino, numa simplicidade singela que parecia flor de algodão desabrochando em tardes de ventania.
Maria nasceu para parecer com a noite, pois eu via nela uma lua, um montão de estrelas, um rosto macio de luz que se derrama nos campos, uma vontade danada de conhecer tantos mistérios bonitos numa só mulher estrelada. E quantos sonhos, quantas viagens e devaneios, tudo nessa noite mulher, menina que adormecia no meu pensamento para nascer manhã, nascer esperança.
Joana nasceu para ser estação, qualquer uma delas, mas sempre na fase mais bela de cada uma. O semblante e os olhos tristes do outono, levando no vento os cabelos que balançavam feito folhas dançantes; o rosto sem pintura nenhuma como paisagem de verão; a vida cheia de esperanças feito um inverno que traz as chuvas para dias melhores. E a primavera nem se fala, pois estava toda nela.
Zefinha nasceu para ser o exemplo mais típico de mulher sertaneja, num misto de valentia e fragilidade, rudeza nos traços mais belos e sublimes do mundo, olhar de sempre além, de esperança, de entristecimento, de boca cordelista querendo recitar versos do coração. Não cantava o verso, mas era paisagem e motivo para outros cantos nascidos nos cantos do coração, palavras bonitas a serem ditas à mulher poesia, mas cujo encantamento era tanto que bastava vê-la para ser o poeta mais apaixonado do Parnaso sertanejo.
As três eram assim, três flores num jardim na aridez e nos desvãos sertanejos. E haveria de se pensar como três flores belas e frágeis sobreviviam naquele lugar e ainda conseguiam exalar um misto de aroma feminino demais e uma aparência de fruta saborosa que deixavam os lábios carentes feitos sabiás rondando goiabeiras.
Um dia e durante muito tempo, até um tempo que não posso revelar ainda, diante dessas três meninas quis ser jardineiro e sabiá. Com mãos calejadas desde muito cedo, no batente da palma e capim, na relva e cortando selva, ainda assim afastava os espinhos quando achava que ia me aproximar das flores e pedir apenas que me deixasse tocá-las.
E me tomava, me fartava de felicidades com o aroma, com o pólen que subia no vento e me levava em viagem. Colher uma flor, beijar numa pétala, era o que mais queria, apenas uma, uma flor, mas sempre voltava com a esperança de retornar no outro dia, na outra manhã entardecer, numa outra estação. E por isso regava os canteiros com palavras e promessas, versos e poesias, tantas vezes me fazendo de beija-flor, outras vezes apenas buscando amor, como se minha vida dependesse daquele jardim florido.
E dependia. Minha vida dependia tanto daquele jardim florido, procurando amar, querendo amor, que um dia cismei de não ser mais jardineiro, não ser mais sabiá, não ser mais o sol da manhã, não ser mais abelha voando ao redor, não ser mais beija-flor, não ser mais nada. E cismei que não seria mais nada até que uma flor daquelas, Maria, Joana ou Zefinha, aceitasse ser colhida para morar no jarro que guardo em casa e levo comigo pelo caminho que for.
Cismei, e uma cisma tão grande, de coração tão revoltado, que viajei pra bem longe, pra um lugar chamado onde estou agora, tão longe e tão perto, deserto. O destino não me deixou voltar no passo que esperava e continuo de passagem na mão para o trem que virá algum dia. Mas quando eu descer na estação sei que aquele jardim já não mais existirá.
Tem nada não. Meu amor é para vida inteira e não desiste com nada. Por isso mesmo levo comigo três sementes de plantas: roseira vermelha, branca e rosa. Três flores: Maria, Joana e Zefinha.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
   

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