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sexta-feira, 15 de julho de 2011

DEVANEIOS DE UM SUICIDA (Crônica)

DEVANEIOS DE UM SUICIDA

                          Rangel Alves da Costa*


Ainda no seio familiar, cresceu ouvindo histórias dizendo que a morte é o futuro do ser humano, que a morte é a única certeza da vida, que os bons e justos vão para o reino do céu ao morrer.
Conversas desse tipo e outras mais foram incutindo na cabeça do jovem uma ideia de morte como coisa boa, de salvação, de resolução para todos os problemas terrenos. Bastava o indivíduo morrer e pronto, não haveria mais dor, angústia ou sofrimento.
E logo firmou no pensamento que se a morte era um remédio tão eficaz para fugir dos problemas da vida, de todos os dissabores que encontrasse pela frente, então poderia utilizá-la como arma e escudo contra a própria vida. Ora, se a vida se mostrasse tão ruim, difícil de se viver, nada demais apelar para a morte.
Mas como fazer isso, se ouvia também dizer que o homem tem o tempo certo para morrer? E se quando quisesse morrer ainda não fosse o seu tempo, o seu tempo certo? E logo resolveu esse problema dizendo a si mesmo que quando quisesse morreria de qualquer jeito e ninguém tinha nada a ver.
Nasceu assim um ideário suicida latente no rapaz. Vivia tranqüilo, vivia bem, trabalhava, se relacionava com as pessoas, mas jamais esquecendo que poderia usar sua preciosa ferramenta assim que achasse que nada valia mais a pena. Seria muito fácil dar cabo a tudo na hora que quisesse.
De repente começou a achar que a vida e tudo nela existente era uma mesmice insuportável, com as mesmas pessoas, as mesmas falsidades, as mesmas dificuldades pra fazer isso ou aquilo. Contudo, ainda não era motivo suficiente para utilizar do seu elemento de fuga.
Arranjou uma namorada bonita, sedosa, atraente demais e se apaixonou. E se apaixonou de tal forma que dizia a todo instante que não conseguiria viver sem aquela mulher. Como não gostava daqueles exageros românticos, a mocinha tratou logo de abrir uma filial no coração e lá instalou um qualquer.
Quando soube que estava sendo traído, o jovem ficou a ponto de endoidar. Dentro de si o mundo revirava e chegou à conclusão que ou retomava com exclusividade a mulher ou seria um fracassado. E pessoas fracassadas não merecem viver, logo concluiu. O suicídio não seria má ideia, pensou. Morrendo, deixaria de sofrer e ela continuaria sofrendo e cheia de remorsos. Era assim que se expressava o pensamento já transtornado.
Resolveu que esperaria mais um pouco, de modo que mostrasse sua força de reconquista. Mas ao virar uma esquina, encontrou-a aos beijos com o dito cujo. Decidido, silenciosamente caminhou até seu apartamento e pulou do segundo andar. Machucou uma perna e ficou uma semana dando trabalho à mãe.
A mulher não deu à mínima para a desventura do rapaz e isso foi sentido por ele como uma facada no coração. Já que havia sido abandono mesmo pela ingrata, então colocou na cabeça que enquanto vivesse tudo faria para morrer. Quer dizer, sua única motivação na vida passou a ser a busca de uma maneira eficiente para cometer suicídio.
Com tal firmeza de objetivo, primeiro amarrou uma corda na cumeeira do telhado da casa de uma tia e despencou de lá. Mas caiu trazendo a madeira e o telhado junto, ficando apenas com machucões. E deu novamente um trabalho danado aos familiares.
Uma noite, desesperado, encontrou um frasco cheio de comprimidos e tomou todos de uma vez. Não sabia que havia tomado laxante, e além de não morrer ficou dois dias quase morando dentro do banheiro, com uma violenta diarreia. Cismou que se jogaria da ponte mais alta do lugar e se encaminhou feliz para o local. No ponto mais alto, virou as costas para o solo e se jogou para trás. Caiu bem em cima de um caminhão carregado de colchonetes. E tentou e tentou, fez de tudo, mas nada de consumar o suicídio.
Até que um dia, caminhando entristecido pelos campos, sempre imaginando num modo eficiente e rápido de acabar com a vida de uma vez por todas, começou a ouvir uns zumbidos se aproximando e quando viu estava cercado por abelhas ferozes. Correu, gritou, pediu socorro, esperneou, mas não teve jeito.
Nesse dia fez de tudo pra não morrer, mas não teve jeito.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com  

           

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