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quarta-feira, 13 de julho de 2011

Tempestade - 65 (Conto)

TEMPESTADE – 65

                          Rangel Alves da Costa*


Com as duas garrafadas, uma garrafinha em cada bolso da calça encharcada, na hora precisa de fazer com que o doente tomasse as três colheradas prescritas por sua mãe, a cabeça tonta de Teté quase fez com que retornasse para perguntar qual era a de Tristão e qual a de Suniá.
Levantou as duas garrafinhas perante a luz da vela e ficou pensando por um instante. Tudo igual, não havia diferença alguma, nem no tamanho nem no conteúdo, ainda assim só decidiu quando lembrou que a primeira garrafinha estava no bolso direito. E não se sabe por que, resolveu abrir a primeira e medicar o seminarista.
Ajeitaram o enfermo cuidadosamente e ele mesmo despejou as colheradas na boca. Depois, com a certeza do efeito positivo que faria o remédio caseiro, disse que mais tarde voltaria ali para falar um assunto muito importante com Tristão. Não esperaria ele ficar logo bom e levantar porque tinha que sair correndo até a escolinha.
E saiu correndo da sacristia, passou pela porta feito um furacão, mas teve que parar logo em seguida ao ouvir os gritos de alguém pedindo socorro. Como fazia sempre antes de decidir qualquer coisa, parou um instante e ficou pensando se iria ver ou não do que se tratava. Imaginou que poderia ser algo muito grave, alguém que realmente estivesse precisando de ajuda.
Foi até lá e encontrou Antonio totalmente desesperado, tentando a todo custo carregar Fabiana nos braços. Depois daquele esforço todo, numa descomunal tentativa de salvar a vida do marido, já no caminho de volta sentiu-se mal e desmaiou. O esposo, coitado, ele mesmo quase sem se agüentar, se viu numa situação que nem imaginava o que poderia fazer para reanimá-la.
Colocou-a nos braços e saiu cambaleando, temendo o pior e com a certeza de que não agüentaria nem procurar um lugar mais seguro para colocá-la em segurança. Olhava de um lado para o outro e só enxergava o negrume, a noite mais negra na tempestade mais faminta. Sem saída, sabendo que não iria nem mais cinco metros adiante, começou a gritar por socorro o quanto podia.
Foi por causa desses gritos que Teté se fez presente quase no mesmo instante. Ao chegar próximo aos dois nem perguntou quem era nem o que estava acontecendo. Vendo que o marido iria despencar carregando a mulher, avançou rapidamente e tomou-a nos seus braços fortes. Somente depois é que perguntou quem era e o que fazia ali àquela hora e no meio daquele tempo desandado.
Antonio não sabia nem explicar os motivos de estarem ali naquela situação. Verdadeiramente, até um maluquinho iria achar muita maluquice dele se meter em fazer o que jamais deveria naquelas condições. Não tendo como justificar aquela atitude, ele disse apenas que tinha sido uma besteira que achou de fazer, mesmo sem a aceitação de Fabiana.
Então, no seu jeito próprio de entender as coisas, Teté começou a falar, já carregando a mulher nos braços:
“Não sei nem quero saber o que você tava fazendo por aqui essa hora, Tonho. Mas só sei que agiu muito errado em ter saído de casa vendo como tava o tempo aqui fora. Você mesmo disse que sua mulher pediu pra não sair, insistiu pra não fazer essa besteira, mas ainda assim se achou importante demais e quis mostrar isso quase morrendo. Essa coisa de homem querer sempre ser o sabichão, o poderoso, o que manda. Não sei não, viu? Não sei se eu não tivesse escutado você gritando ia conseguir salvar ela. E a coitada da Fabiana, pessoa que é minha amiga, tão boazinha a bichinha, numa situação dessas por sua culpa. E se ela morresse homem, e se ela fosse dessa pra melhor, o que ia ser de você? Mas o que tá feito tá feito, agora é procurar salvar de vez vocês dois e esperar pra ver se toma juízo nessa cabecinha. Parece que endoidou...”.
Não demorou muito e chegaram à casa do casal. Teté mandou que ele abrisse a porta que iria colocar Fabiana lá dentro, com cuidado, para não piorar o estado dela. Completamente encharcada, mas febril demais, com o corpo tremendo. E disse ainda que tinha uma coisa muito boa pra ela, um remédio que talvez a fizesse ficar boa em dois tempos. E depois de deitá-la no sofá pediu que arrumasse urgentemente uma garrafinha, um frasquinho de remédio vazio ou coisa parecida.
Do jeito que estava, envergonhado demais, arrependido, sem poder contestar nada do que o maluquinho dizia, não via outro jeito senão fazer o que ele mandava. Assim, providenciou rapidamente o vidro e esperou pra ver o que ele ia fazer em seguida.
Não seria muito de se esperar isso não, pois o remédio tinha destino mais que certo, mas Teté tirou do bolso a garrafada que seria destinada à professorinha, destampou-a cuidadosamente e colocou uma boa porção dentro do outro frasco. Depois pediu a Antonio uma colher e disse:
“Agora, seu Tonho, você vai botar três colheradas desse remédio na boca dela. Só três. Ela vai logo melhorar, vai voltar a si e quando for mais tarde, uma hora depois que ela já puder se sentar, você dá outra colherada. Só uma. E de hora em hora vai dando outra colherada, até acabar o remédio...”.
E disse ainda, em tom de brincadeira: “Ela vai ficar boa, mas quando Fabiana já tiver sadia você diga que tem de ir ali e saia por essa porta, viu? E se eu lhe encontrar lá fora vou mandar que um raio caia bem em cima de sua cabeça. Quer fazer um teste saia daqui...”.
Sem saber nem como agradecer ao maluquinho, levou-o até a porta e quis dar um abraço. Teté recusou e pediu que desse o abraço na esposa, e que pedisse perdão pela besteira que fez. Depois disso sumiu correndo mundo afora, numa velocidade estonteante, em direção à escolinha.
Dentro de casa, ao ver a esposa naquele estado, sem ter certeza que o remédio de Teté daria resultado, Antonio se ajoelhou perto dela e começou a chorar baixinho.

                                                   continua...






Poeta e cronista
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