QUANDO TUDO DESANDOU, QUEM MORREU SE AVIVOU...
Rangel Alves da Costa*
Não sei se é mais maluco quem contou ou aquele que acreditou, mas a verdade é que se trata de uma história sem pé nem cabeça, dita acontecida de verdade, segundo os mentirosos e de pouca confiança confirmam.
E tudo começou quando alguém levantou e foi abrir a janela que já estava aberta, olhou para o lado que o sol nasce, porém nada encontrou por lá, já que nesse dia o brilhoso nasceu noutro lugar, precisamente no oeste, lado contrário de onde deveria surgir na manhã.
Desconfiado, o cabra ligou o rádio e o locutor logo lhe deu boa noite. E disse que já eram tantas horas do crepúsculo. Olhou o relógio e viu que o radialista estava certo. Mas se ele tinha razão, então o mundo todo estava errado, pois mesmo saindo num lugar trocado o sol brilhava lá fora.
Só pra confirmar, foi até a janela novamente e viu a maior claridade da vida, só que lá por cima só tinha nuvem negra e logo uma verdadeira tempestade começou a cair. Quanto mais brilhava o sol mais a chuva caía forte. Olhou mais adiante e viu pessoas caminhando pelas ruas debaixo da chuva, sem guarda-chuva nem nada, mas sem se molhar de jeito nenhum.
Como tinha que ir trabalhar, resolveu sair assim mesmo. Nem se deu conta do fato, mas a verdade é que vestiu a calça com a frente pra trás, a camisa pelo avesso e os sapatos em pés trocados. Assim que abriu o portão foi saudado por uma vizinha: “Vai como, bem tudo? Bom um que tenha dia...”.
Mas que modo diferente de falar com os outros, pensou ele. Seguiu em direção à padaria, mas no local onde ela deveria estar avistou uma farmácia. Teve que voltar para a farmácia para comer o pão com café. Do mesmo modo, avistou a banca de jornal onde havia um banco de jardim.
O padeiro, velho conhecido, era o mesmo, só que outro, pois parecia que nunca o tinha visto. Tratou-o com desdém e perguntou: “Leite torrado com pão café?”. Pediu que repetisse e ele falou: “Quiser não leite torrado com pão café, bolo manteiga, suco copo pão laranja...”. Achou melhor começar o regime naquele instante.
Lá fora, não acreditou no que viu. Um cortejo carregando um caixão vindo do cemitério e pessoas com traje espalhafatoso, parecendo fantasia de carnaval, conversando e sorrindo na maior alegria. Quando passaram em sua frente percebeu o que ia ser enterrado fumando um charuto.
Seguiu adiante e viu quando uma velhinha perto dos cem anos corria atrás de uma bola e depois a chutava com força numa vidraça, que se espatifou. Em seguida saiu da casa uma criancinha com um cabo de vassoura nas mãos e se danou a correr atrás da velhinha dizendo que ia dizer à sua mãe o que ela andava fazendo ao invés de estar estudando.
Não estava maluco, só acreditava porque estava vendo, mas ainda assim ficava abobalhada com tanta coisa sem pé nem cabeça, parecendo que o mundo havia desandado de vez. Pensando nessas e quase nem percebe quando um carro de luxo freou bem a seu lado e dele desceu um homem todo elegante, vestido de terno importado e brilhoso de riquezas dos pés à cabeça, perguntando se queria engraxar os sapatos. Fazia mais barato porque estava com fome, disse o homem choroso.
Só faltava essa, pensou. Mais adiante um jornaleiro gritava: “Gigia marcou gol contra e o Brasil sagrou-se campeão ao vencer o Uruguai por 2 X 1 ontem no Maracanã”. “E leia também: Elvis não morreu, Bin Laden também não!”. “Extra, extra: Disco Voador foi visto em Brasília abduzindo políticos corruptos. O Congresso nacional ficou completamente vazio!”.
Interessou-se pelas notícias e resolveu chamar o ceguinho que lia as manchetes para comprar o jornal. E realmente não pôde acreditar no que passou a ler, jurando a si mesmo que nada daquilo podia ser verdade, pois o diário dizia, por exemplo, que um dos primeiros sintomas da loucura é não querer acreditar que tudo nesse mundo pode acontecer.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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