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segunda-feira, 11 de julho de 2011

TEMPESTADE - 63 (Conto)

TEMPESTADE – 63

                          Rangel Alves da Costa*


Antonieta estava realmente afetada por algum problema mental. Após a leitura do misterioso escrito e do desmaio em seguida, ao despertar os sinais do transtorno começaram a aparecer. Tudo muito rápido, como se o problema surgido tivesse uma relação direta com o espanto da leitura.
Chegar ao ponto de ficar completamente nua e engatinhando já dizia tudo. Mesmo com o seu jeito desaforado de ser e as desavenças que havia criado ali mesmo, enquanto estavam na igreja, agora o instante era de piedade, de cuidados, de relevar possíveis ofensas e procurar imediatamente a raiz do problema para amenizá-lo. Mas ninguém ao menos imaginava a causa daquilo tudo.
Depois de vestida, passou a ter um comportamento ainda mais estranho. Agora estava calma, mansa, silenciosa demais, fazendo tudo que lhe mandassem fazer. Com o dedo polegar sempre na boca, ficava de cabeça baixa sempre olhando pelos cantos, com os olhos apressadamente correndo de um lado para o outro, e de vez em quando murmurando, com uma voz fininha, quase inaudível: “meu caderninho, eu quero meu caderninho, venha bichinho, ei bichinho, venha pra mim...”.
Diante do novo problema, e não querendo levá-la para o mesmo ambiente onde estava o seminarista, as mulheres resolveram que se revezariam nos cuidados com a mais nova maluquinha. Não podia ser vista de outro jeito. O maluco mais antigo, Teté, este já de nascimento e carteirinha, logo falou que não tinha muito tempo pra dizer o que ela tinha não e o que deveria ser feito, mas antes de se dirigir à sacristia deu sua opinião:
“Vou mandar mãe fazer um remédio diferente pra ela, mas pelo jeito não vai dar certo não. Essas doenças que chegam assim de repente só são curadas também de repente. É como um soluço que se a pessoa tomar um susto ele passa, ou como uma safadeza, uma teimosia ou uma encrenca, que basta uma boa surra, uma palmada na bunda, pra tudo acabar. No caso dela, acho que se for jogada lá fora por uns cinco minutos, se não morrer vai ficar boazinha no mesmo instante. Não quero dizer que seja pra fazer maldade com a maluquinha, a coitadinha, mas é que do jeito que o tempo tá lá fora qualquer um ou fica são no mesmo instante para se salvar ou não vai ter jeito mesmo. E tem outra, pois dizem que essas coisas de raio, trovão, ventania, chuva forte demais, é tudo bom pra atingir bem na mente das pessoas, fazendo com elas recebam uma descarga que é pá e casca, ficando curadas no mesmo instante. Então digo que bote ela lá fora, deixe que os pingos caiam por todo o corpo, os relâmpagos iluminem bem os olhos e os trovões barulhem bem forte nos seus ouvidos. Vai ser o melhor remédio, é pá e casca, vocês vão ver”.
As mulheres ficaram se olhando sem nenhuma querer falar sobre o que tinham ouvido. Até que poderia dar certo, mas era um procedimento um tanto perverso, pensaram no primeiro instante. Acabou Minervina dizendo:
“Vamos esperar um pouco Teté, se mais tarde ela não der sinais que vai melhorar aí vamos pensar na sua receita. Mas já que trouxe o remédio do seminarista então vamos até lá, que é pra ver se o bichinho renasce de novo de uma vez por todas. Como ele já tá reassumindo um jeito de gente, na face e no brilho dos olhos, então acho que o remédio vai ser a cura completa”.
Contudo, a opinião de Minervina foi imediatamente contestada por Socorro e Filó, que viram na ideia de Teté uma grande possibilidade de os efeitos climáticos ajudarem na pronta recuperação da mulher. Ademais, segundo disseram, não seria demais tentar aquela solução por uns cinco minutos. Depois disso chamariam ela de volta, se mais tarde surtisse algum efeito tudo bem, do contrário teriam que esperam mais pra frente, através de outros mecanismos de recuperação de maluquice repentina.
A maioria acabou vencendo, mas trazendo na decisão outro problema para Teté resolver. Não seria outra pessoa senão ele a mais indicada para levar a nova maluquinha lá pra fora, para a escuridão da tempestade, e esperar por perto, vigiando-a para não cometer asneiras, o tempo que achasse necessário. Afinal, como lembraram, ele era o único ser vivente que transitava debaixo daquele tempo monstruoso como se estivesse andando debaixo de uma garoa.
“Verdade que eu sou o dono da tempestade, dessa noite de trovões, relâmpagos, raios e ventania, dono de tudo que está acontecendo lá fora. É tanto que basta uma ordem minha e tudo volta a ficar mansinho, mas o problema é que não posso fazer isso de jeito nenhum. O que tenho de fazer agora e com urgência é ir lá dentro remediar o pobrezinho e depois sair correndo para escola. A professorinha também precisa sobreviver minha gente. Gostaria muito de ajudar essa daí, amalucadinha do jeito que tá, mas juro que não posso não. Já estou atrasado. Abram a porta com cuidado, empurrem ela pra fora e pronto. Se ela não quiser ir de jeito nenhum digam que o tal caderninho que ela tanto procura tá lá fora. É pá e casca. São essas coisas que podem e devem fazer. Se mais tarde ela bater na porta pedindo pra entrar é porque já ficou boazinha da silva...”.
Mas não teve jeito. Filó afirmou que Tristão já estava melhorando e poderia muito bem esperar um tempinho mais para tomar o remédio. Socorro, Minervina, Custódia e as outras inventaram o que puderam para mudar a ideia do doidinho. E acabaram conseguindo.
Ele mandou que tirassem novamente a roupa da mulher e depois abriu a porta para sumir no negrume feroz da tempestade, puxando a outra pela mão.

                                                    continua...





Poeta e cronista
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