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sábado, 30 de julho de 2011

COM QUANTOS SILÊNCIOS SE FAZ UM GRITO (Crônica)

COM QUANTOS SILÊNCIOS SE FAZ UM GRITO

                         Rangel Alves da Costa*


O silêncio jamais será o antônimo do grito; um não precisa deixar de existir para que o outro se faça presente; aquele não precisa ser calado para este ser ouvido. E isto porque o silêncio principia a palavra, e os silêncios principiam o grito.
Verdade é que o silêncio é uma das virtudes do ser humano, pois nele está expresso o comedimento, a calma, a paciência, a sabedoria, o pensamento em ação, a racionalidade. Através do silêncio se busca a palavra certa, a resposta verdadeira, a atitude mais correta. Nele está a vida em toda sua potência, vez que certeza que tudo funciona magistralmente sem estardalhaço e sem festim.
O silêncio significa paz, melodia da natureza, valsa dos pássaros em revoada, música primaz no enredo de toda a criação divina. Está na prece e no bailar da chama da vela, na imensidão das catedrais e seus anjos com suas harpas silenciosamente cantantes. O entardecer na montanha, a folha outonal que lentamente cai no jardim, a pipa da criança que sobe aos céus, a pessoa sentada no banco da praça. Tudo é silêncio. Contudo, um silêncio que não deixa de ter os seus sons.
O silêncio também está na janela, na boca da donzela que quer chorar e chamar o nome dele; está no quarto escuro, por baixo e por cima do travesseiro, no corpo e no pensamento que falam, conversam, dizem tudo a ele que está distante; está na paisagem e em todo lugar que lembre as palavras de amor pronunciadas um dia; está na música que se ouve sem ser tocada. Em tudo isso há silêncio, mas já não apenas o silêncio, pois já entrecortado por outros sons. E sons de saudades, de lembranças, recordações...
Mas sem que ninguém perceba ou queira que ocorra assim, o silêncio lentamente vai se tornando ruído. Não há ainda voz alguma, barulho que se ouve pelos cantos, sons saindo de lugares e objetos. Não, pois tudo continua silencioso, calado, num verdadeiro mutismo só que por dentro a pessoa já não consegue deixar de ouvir incômodos barulhos.
Se internamente a pessoa já não suporta mais ouvir aquilo que lhe causa tanta dor, angústia, aflição e toda uma série de sentimentos negativos, então é porque não demorará muito para que externamente o silêncio também seja quebrado. Então, lá fora, adiante e por todo lugar o silêncio será transformado em voz que se ouve e se sente. E o passo seguinte é tudo isso se transformar em verdadeiros gritos.
O silêncio é transformado em grito quando o espírito agoniza por qualquer motivo, pela falta de alguém, pela vontade de tê-la de volta, pela impossibilidade de jamais estar ao seu lado; quando o olhar não mais se contenta com a lágrima e quer voar, sair por aí em busca do que se deseja, pois vê a imagem adiante, imagina estar diante da imagem, e chama silenciosamente, e grita o grito mais ensurdecedor.
O silêncio se transforma em grito quando a pessoa, não suportando mais silenciosamente esperar, quer correr, quer alcançar desesperadamente qualquer destino que seja o destino onde o outro está; quando as mãos em desespero se erguem aos céus, batem no umbral da janela, espatifa o que estiver adiante, e tudo pelo sentimento de perda que se instala; quando a boca silenciosa começa a tremer, depois a murmurar, e depois a falar baixinho e ainda depois a gritar. Eis que surge o verdadeiro grito, surgido de tantos silêncios.
Assim, o grito surgido de tantos silêncios é o mais forte e ensurdecedor que se ouve, o mais terrível, doloroso e verdadeiro. Quem ouve um grito assim pode ter a certeza que a boca, coração, olhar e mente que provocaram tal atitude desesperada partiu de alguém que realmente está sofrendo. E o pior, sofrendo calada, pois tal grito não se expressa em timbres, sons agudos nem nada, mas tão somente na aflição silenciosa de quem se sente como lobo uivando nas montanhas da solidão.
Dizem que quando passam na minha aldeia ouvem esse grito terrível saindo de minha palhoça. Não sei dizer de quem partiu essa dor, pois estou sempre em silêncio, lembrando de alguém, esperando que ela retorne por aquela porta.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com 

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