COMO MORDER A PEDRA
Rangel Alves da Costa*
Certamente que não possui a tessitura, a resistência e a dureza de um diamante ou topázio, mas a pedra é considerada um agregado sólido duro por excelência. Ainda assim, nesses vãos e desvãos da vida, o ser humano, metalúrgico que é para sobreviver, vive mordendo pedra sem saber. Outras vezes porque quer mesmo.
Se alguém souber que outro come pedra vai dizer que só pode ser doido; se alguém disser a um amigo que come e gosta de comer pedra correrá o risco de perder a amizade; se alguém disser a outro que sabe que ele está comendo pedra vai arranjar uma briga na certa. Verdade é que ninguém quer ficar conhecido como o boca trituradora, como o britadeira, ainda que até gostem do sabor e de vez em quando repitam.
Não significa que a pessoa pegue um banquinho e vá para a rua, mato ou pedreira, porque está faminto por um paralelepípedo ou um pedregulho. Não precisa sair de casa, do local de trabalho nem de onde estiver para comer a pedra. Esta, mais dura do que nunca, pontiaguda, feroz, assustadora, cortante, estará sempre ao alcance de todos. Ademais, sempre existe uma pedra no meio do caminho.
É certo que uma boca aberta, por maior que seja, não vai engolir de vez uma estátua de pedra; mil bocas famintas não conseguirão abarcar de uma vez só a Pedra do Arpoador; o mais faminto do mundo, que tenciona engolir tudo pela frente, vai pensar duas vezes assim que olhar para os Profetas de Aleijadinho, até porque esculpidos na pedra sabão, que desliza mais, porém não permite fazer digestão.
Uma pessoa cismou que conseguiria comer a Pedra da Paciência, no município sergipano de Itabi. Passou três dias em jejum, somente se alimentando de pó e poeira. No dia marcado seguiu para a localidade, cuja denominação Itabi significa duas pedras (ita, pedra, e bi, duas, duas pedras). Assim, sem conhecer história nem geografia, muito menos étimos indígenas, o rapaz seguiu morrendo de fome em direção ao local.
Chegando lá a maior surpresa, o indescritível espanto e, finalmente, o medo tamanho que a fome passou. Acabou desistindo envergonhado. Sua barriga só estava preparada para comer uma pedra e não duas como estavam ali, uma segurando a outra pacientemente, por uma pontinha de nada, de modo que se uma pender a outra cairá em seguida. Daí o nome Pedra da Paciência, pois são duas pedras enormes e cada uma fazendo a outra de suporte.
Mas um doido que vivia por ali de olho na estranha formação, procurando um jeito de pegar as duas pedras para jogar no povo, disse que, ao invés de engolir, ele bem poderia ir comendo aos poucos, mordendo e saboreando, ora de um lado ora do outro, de modo que nenhuma pedra caísse e as duas fossem comidas quase ao mesmo tempo. O problema é saber dar a primeira mordida, depois disso é fácil, acabou dizendo.
O rapaz gostou muito da ideia do maluco, afinal de contas tratava-se de um especialista em pedras, tanto para jogar nos outros, para sentar em cima debaixo do sol, tropeçar de arrancar unha, lamber e até morder. Por isso mesmo tão conhecido como doido de pedra. Resolveu então pedir outras lições ao mesmo.
E o doido ensinou tão rápido que mais parecia uma pessoa em plena sanidade, se é que existia alguma. E disse o maluco: Faça como eu fiz, primeiro comecei a comer vento, em seguinte comi pó e depois poeira, mas quando chegou no barro já tive que morder. Daí em diante fui mordendo pedrinha de jardim e hoje já mordo a pedra maior que encontrar em minha frente. Não só mordo como mastigo e engulo ela todinha.
Mas o rapaz achou melhor desistir e voltar pra cidade, procurar um emprego e trabalhar. Sabia que era muito mais duro, indigestivo e difícil, e principalmente não seria chamado nem internado como louco. Então o doido varrido desejou-lhe boa sorte, mas disse que era melhor continuar mordendo a pedra, devagarzinho, do que ser engolido pela selva de pedra.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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