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domingo, 3 de julho de 2011

SONHADORES E ROMANCISTAS (Crônica)

SONHADORES E ROMANCISTAS

                    Rangel Alves da Costa*


Até que poderia ser igual, se acaso a pessoa escrevesse ao menos um opúsculo, mas falo aqui de outro tipo de romancista, que é aquele que vive em devaneios inventando amores, imaginando relacionamentos inexistentes, paixões impossíveis e, o que é pior, depois fica sofrendo com o que vive sonhando de olhos acordados.
Pensando bem, esse romancista que se põe a vagar em ilusões não é muito diferente daquele outro que escreve sobre os sonhos e as ilusões dos outros. Talvez a diferença esteja apenas no fato de que este transforma em histórias, livros e de vez em quando publica, enquanto aquele pagina todo sua obra apenas no pensamento.
Muitas vezes os romancistas escritores tomam emprestadas as ilusões românticas do outro e as transforma em tramas geniais. Desse modo, fazem nascer um amor quase impossível, que na luta, dor e sofrimento, vai se transformando em realidade, para mostrar que as dificuldades encontradas por aqueles que amam tendem a ser recompensadas com a conquista do verdadeiro amor.
Entretanto, por mais engenhosidade e criatividade tenha o romancista escritor, jamais alcançará a originalidade da escrita ilusória tão magistralmente elaborada pela pessoa romancista. Shakespeare com a sua glória genial e poder para tecer tramas e enredos, de tantas inglórias e vitórias amorosas, ainda assim não teve a capacidade criar mais do que a pessoa comum que é romântica contumaz.
O poder de criação, de trama, de colocar tudo num labirinto e depois fazer sair num jardim florido, é tamanho no romancista da ilusão que ele mesmo não sabe os limites do seu voo, de sua loucura, de sua imaginação apaixonada. Ora, se não há nenhum compromisso que as coisas aconteçam dentro da realidade, mas apenas em devaneios, impossibilidades e ilusões, então tudo que ele possa imaginar ainda estará incompleto.
Se o outro vai construindo uma história com início, meio e fim, este pode começar do fim, no meio ou nem precisar começar nada, pois tudo já existente, já tão visível em sua mente que só resta alcançar os frutos de tanta imaginação. E sempre acaba sem nada, sem conseguir nada com os sonhos e invencionices, pois sua característica maior é imaginar ter o que a realidade dificilmente permite alcançar.
O romancista da ilusão de repente se vê, por exemplo, descendo das nuvens numa carruagem de ouro e tomando da mão de sua tão linda e tão bela princesa – que na verdade é sua vizinha – e entrando no palácio real para viverem felizes para sempre. E é tudo tão lindo e encantador que não existirá mais na vida senão o fausto e o amor.
O romancista da ilusão voa sem sair do chão e se envolve em situações que nem grandes produções cinematográficas poderiam obter tal resultado. Assim, porque quer agradar a mulher de seus sonhos – que outra não é senão uma ou outra vizinha – basta dar um sopro e à frente surge um horto florido, com nascente de água cristalina, pássaros cantando ao redor, e com um estalo de dedos surge a mulher envolta em uma nuvem e vem diretamente beijar a mão do seu amado e senhor.
Mas nem só de contos de fadas vive acostumada a mente do romancista sonhador. Por vezes até que se aproxima da realidade terrena, mas de uma forma tão fantasiosa que se torna impossível concretizar. Vê-se, por exemplo, milionário de uma hora pra outra, desejado por todas as mulheres do mundo, mas sabe que nasceu para amar apenas uma jovem que há muito habita em seu coração – sua vizinha do outro lado. Mas como a dita é comprometida, então manda estender um tapete de dinheiro até lá e fica esperando que ela aprenda o caminho da felicidade por essa trilha de riqueza e poder.
Outras vezes, vive imaginando que um dia vai ter o poder de teletransportar-se e entrar no quarto dela enquanto estiver dormindo, no banheiro para encontrá-la nua, em cada lugar que seja difícil chegar. E também com o poder de se tornar invisível e acompanhá-la em todos os lugares, a dádiva de modificar o tempo para não permitir que ela se molhe ou que a ventania levante sua saia no meio da rua.
Mas esse romancista sonhador tem toda razão de ser assim, de viver fazendo tantas viagens em pensamento, de imaginar tantas estripulias em nome do amor. Já pensou se ele abre a boca e diz essas coisas à vizinha pela qual é apaixonado, e bem na hora que ela estiver segurando o cabo da vassoura? Coitado do homem. Era uma vez um sonhador.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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