SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 8 de julho de 2011

TEMPESTADE - 60 (Conto)

TEMPESTADE – 60

                          Rangel Alves da Costa*


No caminho de volta Teté vinha pensando na irmã, na pobre solteirona que não imaginava outra coisa senão arrumar homem pra beijar na boca. Ficava só pensando nisso, pois se a ideia fosse adiante a moça poderia até enlouquecer. Que coisa mais triste deve ser uma pessoa endoidecer por falta de namorado, de vontade de dar o primeiro beijo, de ser abraçada e afuganhada, pensava ele.
Mas pensava também em fazer tudo certinho como sua mãe havia dito e pedido, que era primeiro passar na igreja e remediar o seminarista e depois seguir adiante para fazer o mesmo com a professorinha. Dessa vez não podia esquecer nada de jeito nenhum, não podia mais colocar as duas vidas na beira da cova. Já estava se sentindo responsável demais pela saúde dos dois.
Caminhando, pensando e viajando numa coisa e noutra, outras vezes trazendo à cabeça coisas realmente malucas, como arranjar um guarda-chuva do tamanho do lugar para o povo sair de casa ou fazer com que os pingos de chuva congelassem até segunda ordem sua, não deu muita atenção às luzes fraquinhas que brilhavam adiante, mais ao longe, perto da esquina do Taquaral.
As luzes brilhavam mortiças e pareciam cores opacas diante da chuva. Na sua mente que pensava o que queria, imaginou ser dois olhos brilhantes de um bicho bem grande que havia caído com a chuva, pensou também que poderia ser São Pedro, o guardião do tempo, que estava ali com duas lanternas na mão verificando se está chovendo realmente como deveria. Mas nunca imaginou ir até lá para ter certeza do que se tratava.
Se fosse até próximo ao local reconheceria os faróis no carro de Antonio, parado ali, sem poder ir pra frente nem pra trás, com o motor tomado de água e já sem funcionar. As águas avançando pelas laterais, apenas um resto de luz ainda existente nos faróis indicava que havia ali havia um veículo parado, enguiçado e dentro dele certamente uma pessoa em apuros. Sair como do veículo, ir para onde, chamar quem para ajudar em alguma coisa?
Buzina não havia mais, o motor estava embebido de não dar sinais quando ele manejava a chave, e quanto mais tentava ligar o carro mais batia no volante e se enchia de preocupações. E na sua cabeça a imagem e as palavras da esposa: Antonio, sair com o carro embaixo de uma tempestade dessas é não ter amor à vida, não gostar da família, querer desamparar todo mundo!
Ela havia dito isso e muito mais coisas, mesmo diante daquela terrível situação ele não poderia esquecer. Não era teimoso, nunca havia sido arreliento, não gostava de contradizer a mulher nem bater de frente só pra arranjar encrenca, mas então por que não tinha dado ouvidos a ela? Sua pretensão era legítima, a intenção de ajudar os mais necessitados era um gesto reconhecidamente humanitário, contudo, as coisas só podem ser feitas dentro de possibilidades.
Ademais, sua presença por lá iria modificar sensivelmente alguma coisa, iria diminuir a força da tragédia acaso existente, iria amenizar tudo ou talvez cessar a angústia, a dor e o sofrimento do povo? Tinha certeza que não, mas agiu por um ímpeto e deu no que deu. O resultado agora estava ali no meio da rua, virando a esquina, um veículo sendo invadido por águas tormentosas e o seu dono temendo pela própria vida lá dentro.
Somente agora, diante do perigo à vista, ao lado, diante de si, é que Antonio sabia o quanto havia errado em enfrentar com um veículo antigo, já reparado mil vezes, as forças da natureza. Agora queria voltar e não podia, tinha vontade de sair do carro e não conseguia, buzinava e não havia nenhum som que pudesse ser ouvido. Se quebrasse os vidros seria pior, pois a enchente invadiria tudo mais cedo. O que fazer, então?
Religioso como era, se apegou na divina esperança de salvação e murmurou dentro de si uma apressada oração à Nossa Senhora das Vitórias:
“Oh! minha mãe amorosíssima Senhora das Vitórias, eis me aqui aos vossos pés para implorar o vosso patrocínio. Não ignoreis a graça que com tanta confiança vos imploro. Atendei as minhas súplicas, se qualquer mãe aqui na terra acode solícita ao filho não o fareis também Vós Ò Maria? Deixareis que triste e desatendido de vós se aparte o vosso Filho? Nem me objeteis, ò Senhora minha que com as lágrimas que eu derramaria, melhormente eu seria recompensado na vida futura. Tão Poderosa como sois, pela graça bem podeis dispensar as angústias momentâneas do vosso filho. Relevai-as, pois sem prejuízo de minha salvação excitando ao mesmo tempo em meu coração os sentimentos da mais piedosa gratidão e as chamas da mais ardente caridade para que assim possa atingir a mais alta perfeição. Concedei-me, portanto, um modo, um jeito de sair daqui, de não ser engolido pelas águas nem ser levado pelas tormentas. Oh! mãe amorosíssima, eis a graça que vos Suplico. Assim Seja!!!”
A oração era a busca de um refúgio para um homem totalmente desesperado, sem saber mais verdadeiramente o que fazer. Com os olhos cheios de lágrimas, as mãos trêmulas e o sangue queimando pelo corpo, batia nos vidros, dava murro no teto no carro, gritava a não poder mais, tinha vontade que as águas tomassem logo todo o interior do veículo para acabar de vez com aquela aflição.
Dentro de casa, enroladinha num canto do sofá, a esposa Fabiana chorava incessantemente, parecendo estar vendo e ouvindo o sofrimento de Antonio. Coração amoroso de verdade não engana, do mesmo modo a união verdadeira que faz com que um sinta o que o outro está sentindo. Onde houver sofrimento este será estendido.
E foi por isso que ela deu um pulo de onde estava e disse a si mesma que iria sair naquele mesmo instante, enfrentando o que viesse pela frente, para salvar o marido.

                                                    continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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