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sexta-feira, 22 de julho de 2011

A OSTRA NA AREIA (Crônica)

A OSTRA NA AREIA

                        Rangel Alves da Costa*


Depois de muitos dias que a onda a deixou jogada na areia da margem e depois não teve mais forças para alcançá-la e recolher, a ostra não é mais um molusco, um lamelibrânquio comestível, uma ostreídea, um pequeno animal marinho amolecido, uma concha com pérola dentro ou um ser solitário abandonado e ao sabor do tempo.
Não. Depois desse mistério do ser que simplesmente repousa na areia, a ostra passa a ter um significado tão grandioso que nem mesmo a pérola que se esconde invisível dentro de sua concha possui tamanha importância. E isto porque refletindo metaforicamente a condição humana de riqueza interna e pobreza externa.
A concha trazida pela onda e deixada na areia, ali fazendo moradia e entregue aos desvãos dos dias e das noites, é um retrato do próprio ser humano em seu estágio de indagação sobre o valor da vida. Ela própria tão rica e tão abandonada.
Ora, a ostra é preciosa demais porque dentro dela pode estar uma pérola, poderia ser recolhida para servir como alimento, caberia muito bem enfeitando uma estante ou qualquer móvel de uma sala, serviria como adorno para infinitas destinações.
Mas não, é apenas uma ostra trazida pelas águas, esquecida ali e repousando ao sol ou luar, ao calor ou a chuva, à carícia da brisa ou ao açoite do vento. O silêncio circundante e a solidão persistente que pairam sobre ela sabem muito bem quantos sentimentos estão, a um só tempo, nela representados.
O próprio silêncio, a própria solidão, mas também a tristeza, o abandono, a angústia, a dor, a saudade, a lembrança, a dolorosa recordação, o medo, o temor, o grito preso, o pesar, a nostalgia, a agonia, a aflição, e ainda aquele barulho das águas adiante, aquele barulho mortal e mortificante, aquele sinal de distância. Tudo isso numa só ostra, e tudo isso em tantas pessoas que tentam se esconder em suas conchas pela vida afora.
O vento que sopra ao entardecer, já conhecendo a fragilidade da ostra abandonada, não segue seu percurso certeiro, indo adiante desfazer folhagens e varais, sem antes circundar, dar volteios ao redor do seu silêncio e solidão e inventar palavras sobre supostas coisas bonitas que acontecem noutros lugares.
E o vento, dançando ao redor, soprando em pequenos redemoinhos, vai dizendo que mais adiante e distante as pessoas vivem felizes, estão sorrindo, esbanjando alegria e felicidades, e tudo em meio a tantos prazeres que parece que a vida é um infinito paraíso. Como a ostra só ouve e não responde, o vento passa a dizer muito mais.
E diz que as pessoas estão agindo com mais seriedade em tudo que fazem, agora preservam o amor como nunca, respeitam o próximo, vivem em paz e união consigo mesmas e com todos, aboliram de vez as péssimas virtudes como a fofoca, a intriga barata, a inveja, a canalhice, a perseguição, e que acreditasse se quisesse, mas havia surgido um novo homem, agora sem violência, sem maldade, sem hipocrisia. Contudo, a ostra se recolheu mais ainda em sua concha e continuava emudecida.
Então o vento, sem saber mais o que fazer para ouvir alguma resposta, disse que só sairia dali quando ela dissesse ao menos uma palavra ou fizesse algum gesto compreensível. E aí a ostra gesticulou e o vento entendeu o que ela pretendia e então se aproximou bem da entrada da concha e começou a ouvir, primeiramente um barulho de mar, de praia, de ondas, de águas dançantes, e depois palavras sussurradas como subindo das águas.
E a ostra disse ao vento que acreditava em tudo que ele dizia, mas não porque fosse verdade, e sim porque o homem era capaz de tudo aquilo e muito mais. E por ser tão capaz de escolher entre o bem e o mal, certamente poderia optar pela coisa mais simples e mais significativa de se fazer na vida, que era viver e deixar os outros viver segundo seus destinos.
E segredou ainda que optando pela insensatez ou irracionalidade, o ser humano poderia ser comparado à pétala que trazia escondida dentro de sua concha. Uma beleza que só tem valor em estado natural, já que depois se torna objeto de ambição e intriga, de luxo e materialismo. E o homem assim, se achando tão belo e valioso, na verdade não passa de uma ostra abandonada numa margem qualquer da vida.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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