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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 20 de julho de 2011

TEMPESTADE - 72 (Conto)

TEMPESTADE – 72

                          Rangel Alves da Costa*


Ao avistar aquela triste cena Teté praticamente alçou voo naquela direção. E antes mesmo de chegar já foi gritando: “Homem de Deus, mas que loucura é essa?”. Sem pensar duas vezes, e muito menos sem saber qual seria a reação do transtornado homem, avançou com toda força que tinha e arrebatou-lhe a mulher morta dos braços.
O pai de Tiquinho, o agora viúvo, o completamente afetado pelo ocorrido, não esboçou nenhuma reação. Estava em pé e nessa posição permaneceu, ainda com os braços estendidos como se continuasse segurando sua esposa. Mas em seguida, depois de soltar um grito aterrorizante, se ajoelhou, curvou a cabeça em direção à água e o lamaçal e se pôs a bater com os braços violentamente. Tudo espanava ao redor.
Foi o momento certo do visitante se aproximar dele e falar: “Homem de Deus, homem de Deus, conheço você, como conhecia sua mulher e sou amigo do seu menino Tiquinho. Sei que o momento é doloroso demais, num tormento que só quem tá sentindo na pele, cortando a carne e misturando tudo pelo sangue é quem há de saber. Ninguém jamais vai aceitar ver morrer uma pessoa que tanto gosta, que tanto ama, que tanto quer, morrer assim tão cedo, ainda tão moça. Falando assim parece ser fácil diante do que realmente acontece. Mas é a coisa pior do mundo, dá pra imaginar. Por isso entendo muito bem esse seu jeito desesperado, essa aflição toda que não para. E mais do que isso, era a mãe do seu menino, do meu amiguinho, quem cuidava de você e dele. E isso faz tudo ficar mais difícil ainda. Basta imaginar o que vai ser de vocês mais tarde, quando tudo isso passar, e você deitar e acordar sem ter ela do lado, sem ter quem cuide da comida, lave a roupa, tome conta do filho e ainda sobre tempo para oferecer tanto amor e carinho. Por isso mesmo entendo muito bem a sua dor, do mesmo jeito que vai ser difícil também para Tiquinho. Mas filho de Deus, se ela foi chamada dessa vida por aquele que sempre sabe o que faz, então já dá pra imaginar que a dona desse corpo aqui já tá com o espírito em boas mãos, pois está sendo recebida pelo Senhor Deus. Além disso, meu amigo, como marido e conhecendo toda a doença dela, certamente que há muito tempo vocês três já vinham sofrendo demais. Vocês dois pelo sofrimento terrível dela, pela doença manhosa que sempre voltava mais forte. Então me responda uma coisa: não é melhor que agora ela descanse em paz ao lado do Senhor do que continuar com tanto sofrimento nessa terra? Que valia ia continuar tendo a pobrezinha sofrendo em cima de uma cama, talvez ela mesma implorando que esse momento chegasse logo? Então se acalme, procure reconfortar o coração porque aquilo que é escolha divina o homem não pode evitar. Agora levante, agora procure ganhar forças, agora procure viver, pois quando o seu menino voltar da escola irá precisar muito de você. E que Deus ajude e conforte todo mundo”.
Talvez fosse até pelo problema mental que o maluquinho falava tão bem e dizia tanta verdade, pois geralmente as pessoas ditas sãs ou que se acham em plena sanidade, nesses momentos procuram muito mais florear para confortar do que falar com veracidade.
Teté continuava segurando firmemente a defunta, mas até já sem saber o que fazer agora.  Mas de repente se voltou novamente para o desolado esposo e disse simplesmente: “Vamos”, e teve que repetir tal chamado muitas outras vezes e cada vez mais alto.
Por fim o angustiado homem levantou e ficou diante de Teté como se fosse um fantasma, quase totalmente paralisado, sem dizer uma palavra sequer, mais parecendo um boneco enlameado, irreconhecível, esperando talvez que lhe tocassem no corpo para desabar. Mas como tinha de sair logo dali e de qualquer jeito, o maluquinho nesse momento tomou uma atitude inacreditável, coisa de maluco mesmo.
Ao invés de seguir pra dentro de casa e ali deitar a defunta num lugar enxuto e deixar o esposo tomando conta até que outras providências pudessem ser tomadas, simplesmente ele chamou novamente o homem e, segurando sempre a mulher nos braços, se encaminhou em direção à casa de sua família, moradia de Sinhá Culó e do velho Timbé.
Continuando com o seu comportamento esquisito, todo silencioso e mais parecendo uma coisa do outro mundo, encoberto de molhação e de lama, certamente com um olhar que não sabia bem o que enxergava, assim o viúvo foi seguindo Teté. Ainda bem que esse coitado não deu pra correr mundo afora desesperado, que também não seria coisa do outro mundo diante de uma situação dessas, disse este em voz baixa.
Mesmo sem estar cansado, pois naquele dia já havia carregado nos braços o seminarista Tristão e Manuela, apressou o passo quando avistou sua casa. Olhou pra trás, viu que o homem continuava lhe seguindo de perto, e então quase começou a correr. Era a pressa de chegar, chamar na porta gritando para informar sobre mais esse acontecido, e o que era pior, apresentar o corpo da mulher morta.
Assim, já no terceiro grito e o velho Timbé estava abrindo a porta. Quando entrou carregando a defunta, sem ter o mínimo conhecimento do que havia se passado, seu pai logo perguntou quem era mais essa desmaiada.
E após deitar o corpo no sofá, como se fosse o fato mais normal do mundo, ele respondeu: “Não pai, não está desmaiada não, ela está morta!”.

                                                      continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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