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sexta-feira, 20 de maio de 2016

ALCINO E O CANGAÇO


*Rangel Alves da Costa


Alcino Alves Costa, cidadão poço-redondense, só veio ao mundo depois que o último vestígio do cangaço arrefeceu. Com efeito, quando Corisco foi morto de emboscada em 25 de maio de 1940, Alcino ainda gestava em Dona Emeliana, sua mãe. Com menos de um mês é que veio ao mundo sertanejo.
Nascido a 17 de junho de 1940, um pouco menos de dois anos da chacina de Angico e a morte de Lampião, sua Maria tão bonita e mais nove cangaceiros, Alcino sequer imaginava que aquele chão que pisava ainda guardava o rastro de uma história sem fim. Eis que o fim do cangaço é o fim apenas do personagem, jamais do contexto.
Mas, sem ter vivido naqueles idos, sem ter, enquanto meninote, corrido mata adentro com medo de Lampião e seu bando, o que Alcino tem a ver com o cangaço, além de sua reconhecida escrita sobre o tema? Muito mais do que se possa imaginar.
Ora, Alcino nasceu em Poço Redondo. E o que significa este lugar na saga cangaceira? Alcino teve o seu tio Manoel Marques, irmão de sua mãe Emeliana, arribado no cangaço como o nome de Zabelê. Alcino casou com Maria do Perpétuo, filha de China, um dos maiores amigos do Capitão Lampião.
Quer dizer, Alcino era sobrinho de cangaceiro, genro de protetor e amigo do cangaço, vivendo num lugar que havia sido berço de mais de três dezenas de cangaceiros, bem como de renomados coiteiros. Filho de um sertão que traduzia fielmente a história e conterrâneo de muitos que ajudaram a construir suas páginas.
E quando cangaço se findou e muitos dos sobreviventes passaram a viver sobre as cortinas do esquecimento, eis que Alcino bradou pelo reconhecimento e valorização de todos aqueles sertanejos intrépidos e destemidos. E assim com o ex-cangaceiro e o ex-coiteiro.
Foi amigo cordial de Sila, a quem muito ajudou quando a ex-cangaceira e esposa de Zé Sereno descia de São Paulo para visitar os seus de imensa família. E por Adília mantinha uma profunda amizade, tornando-a como verdadeira integrante da família e a protegendo e acolhendo em muitas de suas necessidades.
Foi igualmente amigo de Mané Félix, que chegava à sua residência e nem precisava pedir licença para entrar. Também de todos os irmãos Félix das beiradas do Velho Chico e personagens importantes no coiterismo da região. Alcino foi o responsável por desenterrar Zé de Julião dos escombros do esquecimento e torná-lo, merecidamente, reconhecido como o mais ilustre e enigmático filho de Poço Redondo.
Por muito tempo, sequer a família de Zé de Julião preservou sua memória. Talvez a fama de ex-cangaceiro (Cajazeira) e de político desafortunado pela perseguição do poder, seus dramas e sua trágica morte, tivessem silenciado os seus, apagando-o também de toda memória sertaneja. Mas Alcino disse não. E apenas com a verdade fez renascer a grandiosidade de um homem.
Em tal contexto, convivendo com a própria história, então Alcino começou a rabiscar tudo com sua letra miúda. E assim nasceram “Lampião Além da Versão – Mentiras e Mistérios de Angico”, “O Sertão de Lampião” e “Lampião em Sergipe”, que se tornaram referências necessárias na historiografia do cangaço.
No seu mundo que era Poço Redondo, se enchia de prazer e contentamento toda vez que chegava um estudioso ou pesquisador do cangaço. E suas portas abria para Paulo Gastão, Luitgarde Cavalcanti, Ivanildo Silveira, Sabino Bassetti, Ângelo Osmiro, Manoel Severo, Juliana Pereira, João de Sousa Lima, dentre tantos outros.
Nascido em Poço Redondo, convivendo num meio assim e com gente assim, não seria outro destino de Alcino senão se apaixonar pelo cangaço e toda a sua saga e vereda. Hoje dá nome ao Conselho Consultivo do Cariri Cangaço, em homenagem póstuma. Mas quanta gratidão sei que guarda.
Sou seu filho, e sei.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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