SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 11 de março de 2015

O HOMEM SEM PONTO OU VÍRGULA


Rangel Alves da Costa*


O homem é essencialmente um ser indecifrável. Desconhecido de todos e de si mesmo. Sua capacidade contraditória é tão grande que nem ele mesmo acredita no que diz, faz ou pensa. Na verdade, é um mistério que jamais será revelado nem pela ciência nem pelo próprio homem.
O homem é um ser que renega sua função existencial para abraçar o que lhe faz padecer. Não é obediente ao que deveria fazer nem se incomoda de viver pelo avesso e fazer tudo diferente. Agindo sempre instintivamente, tanto faz que sua ação tenha desastrosas consequências, pois se acha capacitado demais para tudo reverter.
Como objeto maior da criação, ao homem foi dado o poder de ação perante todos os demais seres que foram colocados sobre a terra. Nesta condição, cabia-lhe interagir para fortalecer a existência de todos. Mas não, vez que fez da concessão um poder arbitrário e age implacavelmente para colocar em perigo a vida humana e dizimar todo o restante da vida planetária.
Ao homem foi dado o poder de discernimento, a racionalidade como condição maior para a escolha dos melhores caminhos, a sabedoria para conhecer a vida terrena e o conhecimento para compreender a localização e os limites do bem e do mal. Contudo, sempre preferiu ser reconhecido como ser irracional, insensato, instintivo, bárbaro e incoerente em tudo o que faz.
A sua racionalidade permite conhecer o significado e as consequências das guerras, da violência, da tirania, da arrogância, da arbitrariedade, da degradação ambiental, da devassidão humana e daquilo que se alimenta como fuga de si mesmo. A tudo conhece, até sente na pele ou na alma as angústias do mundo, mas ele mesmo acaba sendo mais um que concorre para a existência de mais sofrimento no mundo.
O homem conhece o erro e erra, conhece o pecado e peca, conhece a dor e pisa em espinhos, conhece o sofrimento e procura o que lhe atormente. O homem sabe o que é comunhão, mas quer tudo pra si mesmo; quanto mais acumula bens mais quer ter ainda mais; nunca prossegue com tenacidade o objetivo para fazer o bem como impiedosamente persegue os objetivos da maldade, da vingança, da destruição do próximo.
O reconhecimento pelo bem que faz não lhe parece nenhuma dádiva. E por isso que tanto faz que seja visto como humanista ou celerado. Nunca sente o mesmo prazer em ser justo e bondoso como se sente fortalecido por se visto como perigoso e reincidente. É de seu instinto buscar o reconhecimento pela força e temor a ser venerado pelo seu senso de fraternidade.
Ao homem nunca basta o trabalho, o pão, o lar, o vestir, pois sempre quer mais. Contudo, não porque sonha em ter algo mais para viver melhor, com mais conforto e contínuas preocupações, mas simplesmente como acumulação material que lhe permita poder e riqueza. Imagina sempre que a riqueza é a única que impulsiona o homem ao esforço, pois fraco sempre será aquele que se contenta em ter apenas o mínimo para sobrevivência. E por isso mesmo sempre vale a pena utilizar de todos os artifícios e artimanhas para subir na vida.
A racionalidade concedida ao homem não se fez revertida na escolha do melhor, muito menos na compreensão de sua capacidade de agir positivamente. O seu conhecimento parece servir apenas como habilidade para tirar proveito em tudo, para se dar bem em qualquer situação, ainda que o conseguido tenha sido por meios insidiosos e aviltantes. A sua sabedoria é, pois, da esperteza, da malícia, do jogo sujo.
Nada do que foi concedido ao homem o fez superior aos animais ditos irracionais. Ora, a formiga se organiza infatigavelmente no trabalho, possui esforço incomum, e não desiste porque é muito grande o fardo que tenha de carregar. O pássaro constrói seu lar grão a grão, levando no bico cada graveto, e depois canta feliz em cima da copa da árvore. Aranhas tecem suas teias com perfeição inigualável, assim como fazem as abelhas nas suas colmeias. Tudo na natureza ocorre ou por satisfação ou por necessidade. Por que o homem não se fez também irracional?
O prazer do homem não é por fruição, por algo que lhe cause benefício próprio e enriqueça sua alma, mas por indescritível morbidez. Pelas continuidades e reincidências, parece que há prazer em matar, em ferir, em violentar, em fazer o mal. Tanto é assim que se organizam para o terrorismo, para atentar contra vidas inocentes, para tirar a paz social, para semear a discórdia, o medo e o terror. Em nome de uma suposta fé, em defesa de uma suposta divindade, o sangue vai sendo jorrado sem piedade.
Verdade que nem todo homem se transmudou em bestialidade, em fera faminta. Verdade que nem todo ser humano proclamou a maldade como objetivo de vida nem adotou a desumanidade como parâmetro de existência. Também é verdade que nem todo homem cultiva armas no coração nem vive entrincheirado avistando inimigos em todo lugar. Há de se separar o joio do trigo do trigo. O problema é que os campos da vida estão tomados de ervas daninhas.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: